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391-B ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

suspensão e, finalmente, da demissão.

Os delegados de Lisboa e Porto en contraiu se n'uma razoavel situação, pois concertam entre si o modo de proceder em determinada conjuntura; mas o pobre delegado da provincia ha de querelar pela cousa mais insignificante, e pode querelar muito injustamente, porque é difficil saber onde acaba a critica, e° onde começa o que podre ser tido na conta de injurias.

É uma circumstancia curiosa esta de um agente do Ministerio Publico se considerar suspenso ipso facto; como curiosas sito outras disposições do projecto.

Uma d'ellas, por exemplo, está no § 4.° do artigo 17.°

Preceitua este artigo que, se o crime tiver sido denunciado em juizo pela parte offendida, ou por qualquer auctoridade administrativa, e o Ministerio Publico não promover o processo nos prazos marcados, poderá o participante requerer ao juiz que o admitta a promover cumulativamente com o Ministerio Publico, e com todas as regalias legaes que a este competem.

Imaginemos que um homem é alcunhado por um jornal de tolo, de ladrão ou de petulante, e que merece todos esses epithetos, e ainda mais; porque, emfim, teremos de concordar em que os jornaes nem sempre dizem o contrario d'aquillo que é, e que acertam muitas vezes.

Elle, orador, pelo menos, tem ouvido dizer que ha muito ladrão, muito tolo e muito petulante, e quer crer que lhe teem affirmado uma verdade incontraditavel. (Riso).

Admittida a disposição do projecto, esse tolo ou esse ladrão entra pelos tribunaes, dá ordens aos escrivães, e procede como pessoa com auctoridade.

Urge ponderar os inconvenientes a que pode conduzir uma disposição d'esta ordem.

Dispõe-se igualmente n'um dos artigos do projecto que um individuo que pratique qualquer abuso de liberdade de imprensa pode, em certos casos, ser condemnado a pagar uma multa de 50$000 réis.

Deve concordar-se em que não é de uma enorme carestia o prazer que se pode experimentar em dirigir um insulto a qualquer pessoa que não merece a nossa sympathia.

Voltando a referir-se á conferencia dos delegados, dirá que o que se preceitua no artigo 16.° não dá prestigio .á Familia Real.

Afigura-se-lhe, por muitas circumstancias, que a situação dos Reis diverge d'aquella em que se encontram os Presidentes das Republicas. Os Monarchas teem por si a tradição, e incumbe-lhes uma missão paternal.

Devemos ter presente os versos de Sá de Miranda, na carta a D. João III:

Com duas cannas deante
His amado e his temido.

Pois comprehende-se ou admitte-se que um chefe de familia ande a espionar os ditos dos proprios filhos?

Agradará aos filhos verem que os auctores dos seus dias se afadigam em prescrutar os seus actos, no intento ou desejo de encontrarem materia incriminavel ?

Não se comprehendem estes exageros.

É uma disposição, a seu ver, repugnantissima e contraproducente.

Elle, orador, não quer nem admitte o gabinete negro; mas não comprehende que lhe sejam entregues certos abusos da imprensa, e não outros.

A conferencia não tolerará que em qualquer impresso se contenha um desacato á Familia Real; mas nenhum reparo lhe merecerá qualquer ataque á religião do Estado.

A seu juizo, as referencias desagradaveis a qualquer membro da Familia Real teem importancia inferior á que dimana de uma blasphemia.

Não sabe se esta sua maneira de pensar desagrada a alguem; mas entende que o respeito á Divindade é muito superior áquelle que se deve a quasquer pessoa da Familia Real.

Não quer, como já disse, o gabinete negro, nem quer desacatos aos membros da Familia Real, nem aos Chefes das nações estrangeiras, nem a ninguem; mas, se o Governo tentar levar por deante a sua ideia, então exige que á conferencia de delegados seja commettido o exame dos crimes contra a Divindade.

É necessario que tenhamos a coragem das nossas opiniões, e que se não faça ver ao povo que ha qualquer entidade que sobrepuja o poder d'aquelle que está acima de todos.

Tem-se discutido muito os inconvenientes dos crimes contra a religião.

É este um ponto grave, mas é necessario precisar bem o que sejam esses crimes.

Quando se estabelecer uma controversia, digna e respeitavel, sobre principios religiosos, não ha motivo para que se incriminem ou condemnem, os que interferem n'este debate.

Conta-se que Leão XIII, quando lhe noticiaram a morte de Renan, exclamou: "Tenho pena". Depois, ficara alguns momentos suspenso, e por fim, accrescentou: "Tenho muita pena, porque Renan fez um grande bem á Igreja".

Os cardeaes mostraram se admirados da exclamação do Pontifice.

Elle então explicou: "Bom fora que tivesse vindo a publico A Vida de Jesus, porque assim á igreja se proporcionara um meio do triumphar do erro".

Não garante a veracidade do facto, mas pensa que Leão XIII era homem para se expressar assim em relação á obra de Renan.

Elle, orador, entende que as controversias, quando são dignas e respeitaveis, não podem ser condemnadas; mas d'ahi á blasphemia vae uma distancia enorme.

O que nos falta é o conhecimento da religião catholica.

Nas aulas dos lyceus ensina-se a mythologia; mas não se ensina a religião catholica!

Pois bom seria que nas aulas se ensinasse a religi o porque seria esse um meio de desfazer duvidas e hesitações, e de esmagar um certo beaterio de pessoas ignorantes, que só prejudicam a causa que desejam ou dizem defender. (Apoiadas).

Quanto mais larga for a porta da igreja, mais estreita ha de ser a da sacristia.

Allegam os defensores do projecto que este acaba com a apprehensão.

Podiam dispensar-se de taes louvores, e de arvorarem esse facto á maneira de pendão glorioso; só para isso podiam até dispensar-se de apresentar o projecto. Bastaria que o Governo se limitasse a não mandar apprehender jornaes. (Riso).

É possivel que muitas das disposições do projecto que se discute desappareçam quando vier uma nova situação ministerial, porque já estamos acostumados a ver cada Governo trazer uma lei de imprensa e um Codigo Administrativo para seu uso.

O projecto já está ha muito tempo na tela do debate e ainda bem que assim é.

Já começam a apparecer emendas. Esta Camara ainda tem o poder de impedir muita cousa má ou inconveniente.

Tambem se allega, na defesa do projecto, que elle promove a celeridade dos processos.

O corpo de delicto desapparece, para que o processo caminhe vertiginosamente.

Mas, se hoje se dispensa o corpo de delicto, é possivel que amanhã se ponha de parte a defesa. Mau é que venha o precedente de se julgar prescindivel o corpo de delicto, porque mais tarde podem por igual dispensar-se outras partes componentes do processo.

Isto faz-lhe lembrar a historia dos frades e do arroz. Um bello dias os frades, chegando ao refeitorio, reconheceram que ao arroz faltava o raminho de salsa com que usavam enfeitá-lo. Os frades velhos indignaram-se e não quizeram comer. Riram-se do caso os frades novos, fazendo notar aos seus velhos companheiros que a salsa não se comia; logo, não viam a razão da abs-