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N.º41

SESSÃO DE 17 DE ABRIL DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino. — O digno par Andrade Corvo requer que se peça com urgencia ao governo, pelo ministerio da marinha e ultramar, copia dos ultimos relatorios das commissões de obras publicas no ultramar. — Requerimentos dos dignos pares Egypcio Quaresma e Vaz Preto. — Discussão e approvação do parecer ácerca da carta regia que elevou á dignidade de par do reino o sr. José Maria Raposo do Amaral. — Ordem do dia. Continuação da discussão na generalidade do parecer n.° 48 sobre o projecto de lei n.° 31. — Discursos dos dignos pares Carlos Bento, conde de Valbom, visconde de Chancelleiros, Visconde de Bivar. — O digno par, Placido de Abreu, manda para a mesa o parecer das commissões reunidas de fazenda e obras publicas sobre o projecto de lei relativo á substituição da ponte pensil sobre o Douro. — Entra em discussão o artigo 1.° do projecto. — Considerações do digno par Vaz Preto, que fica com a palavra reservada.

As duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na, conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo o autographo do decreto das côrtes geraes, de 28 de março ultimo, que auctorisa a applicar ás despezas que a roais se fizeram nos capitulos 3.° e 4.° do orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros, para o exercicio de 1877-1878, as sobras que houve nos capitulos 1.°, 2.°, 5.° e 6.º do mesmo orçamento, a fim de ser depositado no archivo da camara dos dignos pares do reino.

Para o archivo.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho, e ministros da fazenda e das obras publicas.)

O sr. Andrade Corvo: — Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa o seguinte requerimento. (Leu.}

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Roqueiro que se peça com urgencia ao governo, pelo ministerio da marinha, copia dos ultimos relatorios das commissões de obras publicas no ultramar.

Sala da camara, 17 de abril de 1880. = O par do reino, João de Andrade Corvo.

Mandou-se expedir.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelos ministerios do reino e da justiça, seja enviada a esta camara copia authentica de qualquer representação feita pelos povos das freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, anterior ao mez de maio de 1879, na qual se peça a mudança das ditas freguezias da comarca e concelho de Soure para a comarca e concelho de Montemór o Velho, districto de Coimbra.

Requeiro mais, que seja enviada a esta camara copia authentica das representações que, pelo ministerio do reino, dirigiram ao governo, em fevereiro do anno corrente, as juntas de parochia das freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, da comarca e concelho de Montemór o Velho, districto de Coimbra, pedindo para serem restituidas á comarca e concelho de Soure.

Em sessão de 17 de abril de 1880. = Quaresma de Vasconcellos.

Mandou-se expedir.

O sr. Couto Monteiro: — Sr. presidente, estou encarregado de participar a v. exa. e á camara, que o digno par, sr. Mello e Carvalho, não compareceu á sessão de hontem, nem comparece á de hoje, por incommodo de saude.

O sr. Vaz Preto: — Na sessão de 9 de março mandei para a mesa um requerimento, no qual pedia esclarecimentos ao ministerio da guerra ácerca de irregularidades praticadas e de promoções feitas contra lei.

Esses esclarecimentos ainda não vieram; e como preciso delles para annunciar uma interpellação ao sr. ministro da guerra, mando para a mesa outro requerimento.

(Leu.)

Leram-se na mesa e são do teor seguinte:

Requerimentos

1.° Requeiro, pelo ministerio da guerra:

I. Copia de toda a correspondencia trocada entre a direcção geral de engenheria e o ministerio da guerra, sobre a proposta de promoção feita em principios de novembro do anno proximo passado;

II. Copia dos officios expedidos pela direcção geral de engenheria para o ministerio da guerra, com respeito aos alferes que terminaram no ultimo anno lectivo o curso de engenheria militar, e que estão a completar o seu tirocinio na mesma direcção geral;

III. Nota dos tenentes da arma de engenheria e dos alferes com o curso da mesma arma, que estão em tirocinio na direcção geral de engenheria

IV. Relação dos officiaes superiores das quatro armas e do corpo de estado maior, com designação da data da sua ultima promoção, da sua situação e serviço em que estão empregados, devendo-se indicar, com respeito áquelles que figurarem em commissões, as datas das ordens do exercito em que tal se determinou;

V. Relação dos alunnos que foram matriculados na escola do exercito no corrente anno lectivo sem terem todos os preparatorios exigidos pela lei, indicando-se quaes os que lhes faltavam;

VI. Nota das habilitações que tinham as praças de pret que foram promovidas a alferes alumnos nas ordens do exercito n.º l, de 10 de janeiro; n.° 2, de 27 do mesmo mez; e n.° 4, de 23 de fevereiro, todas do corrente anno. = Vaz Preto.

2.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja enviada a esta camara uma copia da proposta do sr. Burnay para a construcção do caminho de ferro da Figueira. = Vaz Preto.

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ORDEM DO DIA

0 sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia. Começaremos pelo parecer n.° 53, que diz respeito á carta regia que elevou á dignidade de par do reino o sr. José Maria Raposo do Amaral.

Leu-se na mesa o parecer n.º 53.

É o seguinte:

Parecer n.° 53

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de verificação de poderes a carta regia escripta em 4 de março de 1880, que elevou á dignidade do par do reino José Maria Raposo do Amaral.

Os documentos que foram examinados pela commissão demonstram:

1.° Que o par nomeado é cidadão portuguez por nascimento, não tendo perdido ou interrompido essa qualidade;

2.º Que tem mais de trinta annos de idade;

3.° Que está no goso dos direitos civis e politicos;

4.° Que está comprehendido na categoria 19.ª do artigo 4.° da lei de 3 de maio de 1878, por isso que tem de rendimento collectavel no concelho de Ponta Delgada réis 12:859$714, livre de onus, encargo, ou inscripção hypothecaria.

Estando assim verificados os requisitos legaes, para poder o agraciado tomar assento n’esta camara, e regular o diploma regio segundo as disposições dos artigos 39.°, 74,.° e 110.° da carta constitucional, é de parecer a mesma commissão que deve prestar juramento e fazer parte da camara dos dignos pares José Maria Raposo do Amaral.

Sala da commissão, 13 de abril de 1880. = Vicente Ferreira Novaes = Visconde de Alves de Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Barros e Sá == Conde de Castro = Conde de Rio Maior = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto, relator.

Carta regia

José Maria Raposo do Amaral, Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que vos achaes comprehendido na categoria 19.ª do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 4 de março de 1880.== EL-REI. = José Luciano de Castro. = Para José Maria Raposo do Amaral.

Documentos

Certifico eu, escrivão de fazenda supplente no fim assignado, que, examinando as matrizes prediaes d’este conselho, d’ellas consta ter o exmo supplicante José Maria Raposo do Amaral de rendimento collectavel a quantia de 12:859$714 réis, livre de onus ou encargos.

Repartição de fazenda do concelho de Ponta Delgada, 28 de janeiro de 1880.= José Maria Affonso.

José Maria da Cosia e Silva, ajudante do conservador privativo do registro de hypothecas, direitos e encargos prediaes na comarca de Ponta Delgada por Sua Magestade Fidelissima a quem Deus guarde, etc.

Certifico que, revendo os livros existentes n’esta conservatoria, desde 1 de abril de 1867, até ao presente, verifiquei não existir inscripção alguma hypothecaria sobre as propriedades pertencentes ao supplicante.

Por ser verdade se passou a presente certidão, que vae por mim ajudante do conservador, assignada depois de revista e concertada.

Conservatoria da comarca de Ponta Delgada, 17 de fevereiro de 1880.== O ajudante do conservador, José Maria da Costa e Silva.

João Luiz de Moraes Pereira, escrivão da camara municipal de Ponta Delgada, por Sua Magestade Fidelissima El-Rei a quem Deus guarde.

Certifico, em vista do recenseamento eleitoral e de jurados a que se tem procedido n’este concelho, que o requerente, o exmo sr. José Maria Raposo do Amaral, proprietario, residente na freguezia matriz d’esta cidade, se acha recenseado n’este concelho como eleitor, elegivel e jurado, desde o anno de 1854, sem interrupção até ao presente, sendo inscripto no quadro dos quarenta maiores contribuintes no anno de 1868 e seguintes, sem interrupção tambem até ao presente, não constando n’esta camara que o mesmo requerente tenha perdido a qualidade de cidadão portuguez.

Por ser verdade passo a presente, que assigno em Ponta Delgada, aos 4 de fevereiro de 1880.= O escrivão da camara, João Luiz de Moraes Pereira.

Jacinto da Ponte, beneficiado parodio na matriz de S. Sebastião de Ponta Delgada, por Sua Magestade Fidelissima, etc.

Auctorisado pela provisão do exmo e revmo. prelado d’esta diocese, em 6 de dezembro de 1877, certifico que no livro de baptismos n.° 32, a fl. 143, existe o termo pedido do teor seguinte:

José, filho legitimo do coronel Nicolau Maria Raposo, e de D. Thereza Ermelinda da Camara, ambos naturaes desta parochial de S. Sebastião d’esta cidade; neto paterno de Nicolau Maria Raposo e do D. Izabel Jacinta da Silveira, e materno de Manuel Rebello Borges da Camara e Castro e de D. Marianna Jacinta da Camara, nasceu no dia 26 do mez de agosto de 1826, e foi baptisado a 7 de setembro do dito anno, nesta supradita matriz parochial de seus pães, por mim João José Arnaud, cura n’esta igreja; foi seu padrinho seu do paterno, o revdo. Luiz Maria de Mello, beneficiado proprio nesta matriz; foram testemunhas José Dias e Antonio José, este solteiro, e aquelle casado, e todos d’esta freguezia; do que, para constar, fiz este termo.

Dia, mez e era ut supra. — O cura, João José Arnaud = De José Dias uma cruz — De Antonio José uma cruz.

Não se contém mais nem menos no dito assento, que fielmente transcrevi por assim me ser pedido.

E para constar passo o presente no archivo da matriz do S. Sebastião de Ponta Delgada, 13 de fevereiro de 1880. =- O beneficiado parodio Jacinto da Ponte.

Reconheço por verdadeira a assignatura supra.

Ponta Delgada, 13 de fevereiro de 1880. — Em testemunho (logar do signal publico) do verdade = O tabellião, Luiz Maria de Moraes.

Não havendo quem pedisse a, palavra, procedeu-se á votação por espheras.

O sr. Presidente: — Convido para servirem do escrutinadores os dignos pares srs. Gonçalves Mamede e visconde de Valmor.

Passando-se ao escrutinio, verificou-se terem entrado na uma da votação 40 espheras brancas e 1 esphera preta, e na da contra-prova 40 espheras pretas e 1 esphera branca.

O sr. Presidente: — Está, portanto, approvado o parecer n.° 53.

Continua a discussão do parecer n.° 48 sobre o projecto de lei n.° 31.

Tem a palavra sobre a generalidade do projecto o digno par o sr. Carlos Bento.

O sr. Carlos Bento: — Sr. presidente, pedi a palavra mais para justificar o meu voto do que para tomar parte na discussão.

Este projecto é destinado a crear receita, e nas circumstancias financeiras em que nos encontramos não podemos deixar de recorrer a estes expedientes, o que não me inhibe de ter opiniões distinctas sobre a adopção d’elles.

Geralmente fallando; os impostos não suo agradaveis, e

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não é preciso dar tratos á imaginação para encontrar objecções para o mais insignificante imposto; entretanto, é preciso não ser severo, porque todos aquelles que têem uma larga vida politica os propozeram.

Sr. presidente, ouvi com attenção as objecções apresentadas, li as representações, e observei que o que determinava maior opposição a algumas das disposições do projecto, era o que dizia respeito ao imposto sobre o carvão de pedra e ao imposto de exportação sobre a cortiça. Vi que ambos estes impostos foram apresentados nesta camara consideravelmente modificados. O imposto sobre a exportação da cortiça apresenta-se quasi igual ao que foi proposto pela associação commercial de Lisboa. Por consequencia, á vista d’estas modificações tão importantes, eu entendo, respeitando muito as opiniões contrarias, que se póde admittir o principio de tributar a exportação, visto que está de accordo com a associação commercial de Lisboa.

Não precisarei por isso de combater as theorias sobre a inconveniencia do imposto na exportação, ainda que ha nações muito adiantadas, com as suas finanças em muito boa situação como, por exemplo, o Brazil, que, graças aos esforços dos seus homens d’estado, tem ultimamente conseguido equilibrar os seus orçamentos. N’aquelle imperio os direitos de exportação constituem a terça parte do rendimento das alfandegas, que é a principal receita d’aquelle estado.

Mas dir-se-ha que esse direito affecta certos artigos especiaes, que não se produzem em outros paizes; creio, porém, que não é tanto assim, porque o café, por exemplo, produz-se em muita parte.

Em Cuba tambem ha direito sobre a exportação, e a receita daquelle paiz é tão importante, que excede ou iguala a do nosso paiz.

A India ingleza apresenta o espectaculo um pouco notavel de ter diminuido os direitos de importação nas mercadorias provenientes das provincias britanicas, e de ter lançado um direito de 10 por cento sobre a exportação do arroz, que se produz n’aquelle paiz.

A dizer a verdade, sr. presidente, a cortiça não constitue a especialidade de muitos paizes.

A não ser o nosso, a Hespanha, a Italia, a França e Argel, creio que não ha muitos mais que produzam esse genero para exportação.

Mesmo em Hespanha, segundo uma estatistica que eu VI não ha muito, a producção do mesmo artigo é inferior á do Portugal em relação á area dos dois paizes.

Portanto, creio que não noa deve assustar este tributo, porque aquelle paiz não nos póde fazer grande concorrencia.

Não desejo tomar muito tempo á camara, nem trato de combater as opiniões alheias contrarias a esta medida; mas apenas mostrar os fundamentos em que assenta a minha opinião propria.

Quanto ao imposto sobre o carvão de pedra, confesso que elle não se apresenta com recomendações completas em especial com relação aos principios economicos.

Entretanto não ha duvida que este projecto veiu já muito modificado da camara dos senhores deputados, com respeito á proposta primitiva do governo, reduzindo-se esse imposto de modo que, não prejudicando consideravelmente o rendimento que se calculara primeiro, attenua um pouco a taxa primitiva, ficando assim inferior ao que se paga em Hespanha, e em França, onde é de 10 por cento.

Diz-se que este direito n’aquelles paizes é um direito protector; mas eu creio que esta circumstancia não desculpa de maneira alguma, pelo contrario aggrava.

Á vista d’isto, parece-me que se podem respeitar muito as opiniões alheias, tendo a opinião propria do que o projecto apresentado deve merecer a approvação da camara, em vista da necessidade que ha de crear receita, para fazer desapparecer esta desigualdade entre a receita e a despeza, a qual tem um caracter tem permanente, que subsiste ha trinta annos, com tanta tranquillidade, que não vão sendo muito lisonjeira para os homens publicos, comquanto todos tenham culpa d’esse estado.

Eu disse ha pouco, e repito agora, que por mais de uma vez me tenho pronunciado contra os impostos.

Não quero, pois, apresentar-me como uma creatura isenta de macula sobre o assumpto, se alguma póde haver por excepção.

N’este, ponto muito bem disse um ministro da fazenda que foi, que as difficuldades da nossa fazenda não eram só devidas á pressa na realisação dos melhoramentos, mas á hesitação dos homens publicos.

A situação actual deve terminar, porque só tem prolongado demaziadamente por diversas causas de todos conhecidas.

Eu não desejo tomar muito tempo á camara, mas não posso deixar de dizer que, se ha algum ponto em que esteja de accordo com este governo, é em elle declarar que precisâmos sair d’este estado.

Ha, porém, uma cousa singular, e é que algumas pessoas combatem esta asserção, porque entendem que ella póde aterrar os animos. Ora, cada um póde applicar o seu terror onde e quando mais lhe convier.

Mas vamos á lista dos grandes melhoramentos que se pretende realisar. Temos 10.000:000$000 réis para melhoramentos de portos, 4.500:000$000 réis para o caminho de ferro da Beira, 9.000.000$000 réis para estradas, réis 2.000:000$000 para escolas, l.000:000$000 réis para pontes, etc.

Tudo isto sem se fallar no desequilibrio que existe entre a receita e a despeza, sem se dizer que a importancia dos diversos encargos é superior á receita. Esta é a verdade.

Sinto não ver presente o sr. Serpa Pimentel, a quem tenho que dizer algumas cousas agradaveis.

Vozes: — Está presente.

O Orador: — O sr. Ruy Gomes, que foi ministro em Hespanha, e que realisou alguns emprestimos, sem por isso ficar muito amigo d’elles, disse ao sr. Serpa, a quem muito elogiou, o que de certo deve ser para nós de grande satisfação — porque, quaesquer que sejam as divergencias politicas, não ha ninguem que não estime ver tecer elogios a um compatriota que a primeira necessidade de equilibrar a receita com a despeza era expulsar do templo os emprestadores. Estes, por ora, não estão muito ameaçados; mas Ruy Gomes disse isto com tão bom modo, que não se lhe deve levar a mal.

Um ministro de Hespanha, o marquez de Orova, dizia n’um dos seus relatorios que era necessario comprehender entre os encargos da divida publica a importancia do subsidio para as classes inactivas. Ora, que aconteceria se o sr. ministro da fazenda seguisse este principio? Em vez de ser de mais de 50 por cento, a importancia dos encargos da nossa divida subiria a mais de 60 por cento da receita.

Sr. presidente, quaesquer que sejam os melhoramentos cuja necessidade possamos reconhecer, eu entendo que o primeiro a effectuar em favor do todas as industrias é o barateamento du capital. Eu vejo que, de todos os paizes da Europa, aquelle em que o juro de desconto está mais elevado e Purtugal. Em Madrid esse juro é de 4 por cento, e entre nós mais de 6; não tirando, aliás, d’esta elevação grande partido os estabelecimentos bancarios, porque, segundo leio n’um excellente relatorio, o dividendo distribuido por sete bancos emissores, todos do Porto, foi só de 4 por cento no ultimo anno.

Se nós queremos beneficiar as industrias e a propria nação, não tornemos o governo tão dependente da necessidade de contrahir emprestimos todos os dias.

Por estas rasões, entendo eu que se deve crear receita, e, sejam quaes forem, por mais plausiveis que pareçam as indicações de melhoramentos, cumpre nos marchar prodentemente n’esse caminho. Muito bem dizia o sr. Anto-

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nio de Serpa no teu relatorio do. 1873: «Um outro grande perigo que nos ameaça é o desejo irreflectido de realisar muito rapidamente todos os melhoramentos, e este desejo póde contribuir para comprometer o nosso futuro financeiro».

Digam muito embora que sou inimigo de todos os melhoramentos materiaes, mas por emquanto julgo, e tomo a responsabilidade d’esta minha opinião, que de todos os melhoramentos o primeiro a introduzir n’este paiz e por certo o de regularisar a nossa fazenda; e não me parece uma opinião tão extraordinaria, que não possa citar-se em seu abordo o que dizia mr. Mayne, ministro do imperador Napoleão III: «A regularisação da fazenda dar-nos ha tudo o mais, e tudo o mais dar-nos-ha a regularisação da fazenda»

(O orador não reviu esta discurso.)

O sr. Conde de Valbom: — Parece-me que a camara está sufficientemente esclarecida a respeito do assumpto em discussão; no entanto seja-me permittido fazer muito breve considerações em resposta ao que disseram os srs. ministro da fazenda e relator da commissão.

Eu tambem julgo que é muito bom, e até mesmo indispensavel augmentar a receita. Considero mais util essa regra do que a de fazer as despezas em larga escala quando luctâmos com um deficit. Mas quem, mais que o actual governo, incorre na accusação de praticar o contrario da doutrina que prega?

Ainda ha pouco acabámos de ouvir o sr. Carlos Bento, cuja opinião é insuspeita para o sr. Barros Gomes, censurar o tacto do governo ter apresentado successivas propostas de emprestimos, que se vão multiplicando cada vez mais: hoje são 9.000:000$000 róis para estradas, ámanhã 10.000$000 réis para o porto de Leixões, logo réis 2.000:000$000 para escolas, depois 20.000:00$000 réis para consolidar a divida e cobrir o deficit, em seguida vem os encargos do indispensavel caminho de ferro de Torres Vedras, sem que por isso se devam abandonar os do Douro, do Minho e do sueste. Isto é realmente de assua tar, como disse o sr. Carlos Bento, em presença do um deficit e quando se vão impor á nação grandes sacrificios para o attenuar! (Apoiados.)

Repartirei ao governo o conselho que lhe dava aquelle nosso collega: é necessario haver toda a cautela com o levantamento de capitães tão avultados; o note-se, que não devia ser necessario fazer esta advertencia aquelles, que, quando estavam na opposição, tanto combatiam esses expedientes.

Eu não sou d’aquelles que opinam que a questão de fazenda está resolvida logo que as despezas se rastrinjam; porque julgo que ha despezas productivas, e não desejo de forma alguma cortar todas as despezas d’esta ordem, que são uma necessidade publica, alem de serem acceitaveis em materia financeira.

Comtudo, entendo tambem que mesmo com referencia a taes despezas cumpre haver uma bom e aconselhada moderação para, não irmos alem do que comportam os nossos recuses, e escolhermos, em todo o caso, a maneira menos onerosa de occorrer a ellas.

Ora, eu espero ter occasião de apreciar algumas propostas do governo, em que este parece ter esquecido esta ordem de attendiveis considerações, incorrendo n’uma critica fundada. (Apoiados.)

Sr. presidente, se é necessario crear receita para attenuar o deficit e estabelecer o equilibrio no nosso orçamento, só porque essa quentão nos deve preoccupar, não devemos por isso deixar de investigar quaes são os melhores meios de crear essa receita. Se póde ser salutar o terror a que só referiu o sr. Carlos Bento, a respeito das emprezas que absorvem grandes capitães, tambem deve haver um certo escrupulo e receio em querer ir buscar receitas que pedem levar a anarchia e a ruina ao seio de algumas industrias, que são outras tantas fontes do riqueza publica.

Repetirei ainda que, com respeito á pauta, lastimo que o sr. ministro da fazenda não seguisse outro systema.

Seria de certo muito preferivel, em vez de propor impostos a êsmo, estudar o modo de realisar a reforma da pauta, para se obter um augmento de receita, sem prejudicar a nossa industria, dando-lhe dentro dos limites do justo uma protecção rasoavel.

Devo declarar quaes são as minhas idéas n’este assumpto.

Confesso que não sou partidario da doutrina do free trade, ou da liberdade de commercio em absoluto. Essa escola economica que pretende acabar com as alfandegas e com toda a protecção ás industrias, já teve mais voga entre as nações cultas; hoje vae perdendo terreno na pratica, embora tenha o caracter de um desideratum, de uma aspiração.

As nações que mais propagaram essa doutrina, e a sua applicação, eram as que estavam mais adiantadas e mais preparadas para a lucta da concorrencia; as outras que incautamente a admittiram, não se achando era identicas senão inferiores condições, tem-lhe soffrido os inconvenientes, e tem voltado em maior ou menor escala, ao systema de uma protecção racional ás suas industrias, combinada com o principio fiscal, cuja applicação dentro de acertados limites lhes assegura um rendimento importante, de que não podem prescindir, e que difficilmente poderiam ir buscar a outra parte.

Os Estados Unidos da America e a Allemanha dão-nos exemplos frisantes n’este ponto, sobre os quaes nos cumpre reflectir.

Em conclusão, julgo que o que nos convem seguir é o systema de uma protecção nacional, harmonisada devidamente com o principio fiscal. (Apoiados.)

Se fosse possivel acharem-se as industrias em toda a superficie do globo em identicas condições, de modo que cada um produzisse aquillo que realmente póde obter mais barato do que ninguem; então a troca livre, sob o aspecto economico, seria incontestavelmente vantajosa para todos; mas a igualdade e identidade de circumstancias e de condições em cada paiz não existe, e até muitas vezes um producto, que póde naturalmente ser obtido num certo paiz, por ser mais peculiar d’elle, por um preço menor, succede que é mais caro do que n’outro em que deveria succeder o contrario.

Comprehendo que ás industrias, que teem nas condições proprias garantido o seu futuro, quando luctam com difficuldades, e vão por isso competir com as similares estrangeiras, se de a protecção que ellas merecem e a que têem direito, mas não comprehendo que isto se faça ás industrias de estufa; isto é, as que não têem futuro, porque lhes faltam para isso as qualidades intrinsecas, os elementos proprios que lhe assegurem o desenvolvimento, e que lhe permitiam luctar com aã outras estranhas similares quando se achem em igualdade de condições.

Sói que é difficil fazer esta discriminação, mas este é o principio regulador que deve presidir ao estudo d’estas questões.

Entendo, pois, que a reforma da pauta deve ser dirigida e guiada por uma certa ordem de doutrinas; não basta só examinar os artigos da pauta e começar a fazer reducções ou aggravar os direitos, attendendo exclusivamente ou á theoria da livre permutação, ou ao principio fiscal; é necessario combinar estes dois pontos de vista dentro de justos limites, considerando a indole de cada industria e as exigencias do thesouro á luz das verdadeiras doutrinas que deixo expostas, sem deixar de ter em conta, quando o caso se der, a necessidade de preparar qualquer transformação por um regimen de transição, em que se respeitem devidamente os interesses creados á sombra da legislação. (Apoiados.)

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Não sei se o trabalho ácerca da reforma, da pauta, a que se referiu hontem o sr. ministro da fazenda, que me parece não ter authenticidade, porque não está assignado pelas pessoas que o collaboraram, foi devidamente estudado; mas o que sei é que essa reforma póde fazer-se de modo que produza augmento de receita, sem deixarmos de collocar a nossa pauta em boas condições, com relação á industria nacional, por um bem entendido e racional systema protector.

Nas questões economicas, sem deixar de escutar a pratica, sem deixar de acceitar as lições da experiencia, que é uma grande mestra, devemo-nos dirigir por uma certa ordem de principios, que presidem sempre á elaboração dos trabalhos que têem relação com ellas. O governo, porém, entendeu que não devia proceder assim, poz de parte a reforma da pauta, e apresenta-nos a taxa complementar, que o sr. presidente do conselho combateu em 1873, quando se tratou de assumpto identico, chegando a propor, como eu já disse ha poucos dias, que o projecto voltasse á commissão, para que ella a substituisse por um addicional em diversos artigos da pauta.

Agora já o sr. Anselmo Braamcamp está de outra opinião, como eu tive a honra de dizer á camara na penultima sessão; e o sr. ministro da fazenda responde ao reparo que eu fiz, dizendo que n’essa epocha era inconveniente a taxa complementar pelo trabalho que ia causar, e que hoje não se dá essa circumstancia, porque tanto custa fazer os calculos para a taxa de 1 por cento, que actualmente existe, como para a de 2, que n’este projecto se propõe.

Realmente não comprehendo como o sr. Braamcamp entendia em 1873 que a taxa complementar aggravava certos productos, e agora, que essa taxa é augmentada, não julga que se de o mesmo inconveniente.

Realmente declaro que não comprehendo; porque, quanto aos inconvenientes que resultam do embaraçoso expediente do serviço da alfandega, continuam á persistir do mesmo modo; não se melhora cousa alguma, e as reformas do sr. ministro, ou de qualquer governo, não devem ter em mira senão obstar á manutenção d’esses inconvenientes, e não se deve ir aggravar a taxa complementar, que já era má sendo de 1 por cento, ficando peior com a de 2 por cento.

Mas, diz-se, e esse tem sido o ponto principal da questão, este imposto que se vae lançar na cortiça e no carvão, não produz perturbação alguma, e para justificar este argumento, vem outros muito curiosos, por exemplo: «em Hespanha, apesar do augmento do imposto, tem augmentado a exportação!» De modo que se pode concluir daqui que o melhor systema para facilitar a, exportação é sobre-carregal-a de direitos. Isto é incrivel!

A maior producção e a mais larga venda no mercado podem ter influido n’aquelle augmento de exportação, apesar de ter subido o onus das taxas; esta é que é a verdade: o contrario seria absurdo. {Apoiados.)

Seria uma doutrina admiravel se o augmento da exportação fosse resultado do augmento da contribuição. Então era carregar na exportação com enormes direitos todos os generos de producção nacional, para desenvolver esta o enriquecer o thesouro, conjurando, assim todas as dificuldades financeiras e matando o deficit. É pena que o senso commum se opponha á pratica d’esta doutrina absurda.

O que eu entendo é que não é possivel tributar uma industria quando ella está n’um estado decadente depois de uma certa epocha; e foi exactamente porque em Hespanha fizeram o que não deviam fazer, que a industria da producção da cortiça se retirou d’ali e veiu para o nosso paiz. Só corrigido aquelle erro se conseguiu restabeleço! a em Hespanha, depois de haver despertado a concorrencia.

Ora, se para satisfazer as necessidades do thesouro se não póde prescindir de um augmento de receita de réis 10:000$000, procure o sr. ministro um outro meio de os obter, mas não vá aggravar uma industria decadente.

Não sei como o sr. ministro dá maior attenção e consideração a uma informação particular, que citou, do que ás representações que lhe têem sido dirigidas pelos que se occupam d’este negocio.

Já entre nós se estabeleceu uma industria, que foi a distincção do melaço, mas por tal forma pesaram sobre ella os direitos que se aniquilou completamente.

Portanto, é necessario não sobrecarregar demaziadamente estas industrias quando luctam com difficuldades.

A respeito do carvão tambem se disse que o movimento maritimo do porto não ha de soffrer, e que as fabricai pouco podem padecer nos seus interesses em consequencia de encarecer alguma cousa esta materia prima. Isto affirmou-se, mas não se demonstrou. (Apoiados.)

O sr. relator da commissão disse-nos que, nestas questões, era preciso apresentar factos e não só argumentos doutrinarios.

Ora pergunto quaes são os factos que s. exa. e o sr. ministro da fazenda exhibiram para provar as suas asserções? Nenhuns. Argumentaram, apenas, declarando que se fundavam na sua convicção, tanto em relação ao imposto sobre o carvão, como no que respeita á cortiça; disseram que estavam convencidos, mas porque?

Este imposto sobre o carvão de pedra, como notou o sr. Antonio de Serpa, e notou muito bem, é um expediente muito mais gravoso do que a taxa complementar; porquanto, ainda que esta tenha inconvenientes, não são elles tão grandes como os que hão de resultar do mesmo imposto; por isso que ella é supportada igualmente por todos, ao passo que este tributo vae carregar exclusivamente sobre as fabricas que teem machinas e consomem carvão de pedra, talvez com um ónus não inferior a 7 por cento, que não poderá ir recair sobre o consumidor, pelas rasões que o sr. Serpa apresentou.

A par d’isto vae se collocar em condições especiaes a companhia do gaz, protegendo-se a venda do coke com o imposto de 600 réis.

Diz o sr. relator da commissão que não ha protecção nenhuma n’esta parte. Isso é um jogo de palavras. Pois dá-se á companhia a faculdade de vender por mais 600 réis a tonelada um genero em que ninguem lhe póde fazer concorrencia, porque outra cousa não significa este imposto senão habilitar a companhia do gaz a vender mais caro o coke; e a isso ha de se chamar hostilisar ou proteger a mesma companhia?

Creio que ninguem duvidará que é uma protecção que se lhe concede, ou um favor que se não faz a mais nenhuma fabrica, pois todas terão de pagar o carvão de pedra por mais 300 réis a tonelada, sem compensação alguma.

S. exa. quiz encarar a idéa de protecção sob o ponto de vista economico; aqui, porém, não se trata d’isso. O que temos a considerar é a protecção que se vae dar exclusivamente a uma fabrica, habilitando-a a vender mais caro um genero que necessariamente ha de produzir, porque é um residuo da fabricação do gaz, indo sobrecarregar o publico em beneficio d’essa fabrica, que aliás não carece d’elle, porque está em boas condições, distribuindo grandes dividendos aos seus accionistas. E essa uma excepção que se não justifica. (Apoiados.)

Sr. presidente, não quero cansar mais a attenção dos meus collegas nesta casa, e vou concluir. A camara de certo não regateia a este governo, nem a nenhum, os meios indispensaveis para remover as nossas difficuldades financeiras. A creação da receita que é necessaria para isso, sem duvida não encontrará obstaculos aqui; e tanto é assim, que, apesar de haver reluctancia em acceitar a taxa complementar, não vi ainda que alguem se levantasse para a combater; mas o que não póde deixar de haver é cuidado em que, unicamente para se realisar esta idéa de crear receita, se não vá ás cegas n’esse caminho, e não haja escolha nos meios mais convenientes de se alcançar aquelle fim. (Apoiados.)

Nós já não estamos em uma situação tão precaria como

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ao principio nos quiz pintar o sr. ministro da fazenda. S. exa. já vê afastado de nós o abysmo que nos ameaçava, porquanto nos disse que os nossos fundos em Londres estavam a 53, o que significava o nosso credito e tornava a nossa situação auspiciosa.

Ora, isto é mais uma rasão para nós considerarmos maduramente, e com reflexão, todos os projectos do governo, a fim de se occorrer ás necessidades financeiras de modo que não vamos perturbar a economia publica com os expedientes que adoptarmos. (Apoiados.)

Disse o sr. ministro da fazenda, em referencia á allusão que eu fiz de que s. exa. abandonava todos os seus projectos e os deixava mutilar e desnaturar na outra camara, que o governo constitucional era um governo de transacção e que todos os ministros têem transigido. E até o sr. relator da commissão disse que, quando se tratou da abolição do monopolio do tabaco, eu tinha transigido n’esta camara em algumas condições. É verdade, e tudo isso tem rasão de ser até certo ponto, como todas as cousas. O espirito de transacção é essencial aos governos constitucionaes; mas quando se tratou do projecto a que o digno par se referiu, não transigi em condições algumas que inutilisassem a idéa inicial e fundamental d’aquella medida, e a prova é que o monopolio acabou. Esse é que era o pensamento da proposta que apresentei. (Apoiados.)

Ora, pergunto eu: será pensamento governativo o financeiro dizer-se unicamente—quero receita; dêem-m’a seja de que modo for?

Supponhamos que em logar de estar ali sentado o sr. ministro da fazenda, que é um homem intelligente, estudioso e trabalhador, estava um que não tinha nenhuma dessas qualidades, e que só perseverava em que era necessario crear receita, limitando todo o seu systema a isso, sem estudar nem apresentar o modo mais conveniente á economia publica, de crear receita? Que differença faria um ministro intelligente e estudioso do outro a quem faltavam estas qualidades, e que resumia o seu systema no laconismo — preciso receita?

Ninguem dará que um tal ministro estava habilitado a governar. (Apoiados.)

Eu desejava que o sr. ministro da fazenda empregasse os seus recursos, os seus talentos de uma maneira mais efficaz e proficua, e não transigisse em tudo. Em algumas cousas póde ser, mas em tudo é abdicar toda a idéa propria e não ter systema algum. Quem se propõe a governar não deve acceitar uma situação d’estas; não deve pensar só em crear receita.

S. exa. disse que não escutava a opinião dos seus adversarios, mas a dos seus amigos e das maiorias que o apoiavam nas duas casas do parlamento. Parece-me que não é isso bastante; o sr. ministro deve, acima de tudo, escutar a opinião publica, a sua consciencia e os principios scientificos. Temos visto muitos casos de serem os governos arrastados pelos seus partidarios a tomarem medidas inconvenientes, e depois a opinião publica insurgir-se, não consentindo que ellas vão avante.

Olhe s. exa. para as questões com imparcialidade, preste ouvidos á opinião esclarecida, estude os factos o as necessidades publicas, consultando tambem a sua consciencia.

Sr. presidente, o projecto que se discute não é o que era quando saiu da pasta do sr. ministro da fazenda, está completamente mudado; todos sabem isto. s. exa. procurava obter receita por meio do imposto sobre a importação e exportação de gado vaccum, e essa disposição foi eliminada; contava com um certo rendimento, pelo que respeita aos artigos que têem feito objecto da presente discussão, e esse rendimento fica muito reduzido. No que não falla vá era em taxa complementar, mas teve de a acceitar, cumprindo advertir que esta modificação é diametralmente opposta ao que s. exa. havia escripto no seu relatorio. (Apoiados.)

Nas transacções, como era tudo, ha, um certo limite ultrapassado elle, não recebem já esse nome; denominam-se abdicação da propria individualidade. Compare-se, pois, este projecto com a proposta primitiva do governo, e considere-se em que posição se collocou o sr. ministro da fazenda.

Disse o sr. relator, em resposta ás minhas observações quanto ao favor concedido ás companhias de gaz, que, se deixassemos importar livremente o coke, escassearia esse artigo que se consome na economia domestica, porque as fabricas de gaz não podiam então produzi! o! Fiquei admirado, quando s. exa. disse isto, porquanto as fabricas de gaz, ou queiram ou deixem de querer, hão de por força produzir coke; tendo de queimar a hulha para obter o gaz, o residuo que fica é o coke, e as companhias não interessadas em vendel-o.

Permitta-me a camara que eu chame agora a attenção da commissão e do sr. ministro sobre um genero que pelo projecto é tambem tributado, com fundamento acceitavel, segundo me parece.

O oleo de sementes de algodão, pelas informações que eu tenho, ia sendo ultimamente empregado na adulteração do azeite de oliveira, o que não póde deixar de se considerar um gravo inconveniente, visto que o azeite constitua um dos generos principaes do nosso commercio, da nossa producção agricola, e do nosso consumo.

Ora, vendendo se o azeite assim falsificado, alem de se prejudicar o publico, attenta-se contra os interesses legitimos da nossa principal industria a agricultura; por consequencia, tributando-se o oleo de semente de algodão, de maneira que se evite essa fraude altamente condemnavel, acho que se faz um bom serviço. Mas eu pediria ao sr. ministro da fazenda que praticasse da mesma forma a respeito da semente de algodão. (Apoiados.)

Porque a verdade é que da semente se faz o oleo, e ha de continuar a mesma fraude, mandando-se vir essa materia prima, hoje livre de direitos, para fabricar o oleo em Portugal. Consta até que já ha encommendas feitas.

Sr. presidente, tem-se adduzido o exemplo de Hespanha sobre o que ali se passa com referencia ao carvão; das não se tem respondido aos argumentos que se apresentam em sentido contrario, isto é, que em Hespanha se dão outras circumstancias, porque lá teve se em vista proteger os interesses nacionaes, pois é sabido que em Hespanha ha a producção do carvão de pedra. Por consequencia o imposto que ali se lançou sobre o carvão foi um direito protector; mas com o nosso paiz não acontece o mesmo, porque o que cá se produz são apenas lenhites e antracites, que não podem supprir o carvão de pedra gordo ou a hulha.

Allegam-se tambem, para justificar o imposto sobre o carvão, outras circunstancias que podem variar; porque o facto de o imposto que se pretende lançar sobre o carvão para embarque não poder influir no seu custo, de fórma a trazer o inconveniente de afastar dos nossos portos a navegação, uma vez que se diz que elle ainda assim poderá cá fomecer-se mais barato do que em outros portos estrangeiros, esse facto póde deixar de existir de um momento para o outro, pela mudança das circumstancias que o originaram excepcionalmente.

Portanto, sr. presidente, eu concluo dizendo que acho que esse projecto deveria limitar-se a pouco mais do que á taxa complementar, pronunciando-me contra o imposto sobre a cortiça e sobre o carvão, e chamando a attenção de s. exa. para se incluir na lei o direito proporcional sobre a semente do algodão, a fim do evitar que continuo a adulteração do azeite de oliveira.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Vae ler-se uma mensagem que acaba de receber-se da outra camara.

Leu se na mesa.

É do teor seguinte:

Um officio da presidencia da camara dos senhores depu

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dos, remettendo a proposição de lei, que tem por fim conceder ao collegio da Regeneração da cidade de Braga, o edifficio do convento de Nossa Senhora da Conceição, com suas dependencias.

As commissães de fazenda e negocios ecclesiatticos.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Sr. presidente, eu pedi a palavra apenas para justificar o meu voto, e é elle, desde já o declaro, a favor do projecto que se discute.

Não pergunto á minha convicção se ella o determina por uma ordem de considerações de todo o ponto estranhas ao estudo e á apreciação reflectida dos principios que regem a materia e que o projecto em discussão se refere, seria para isso necessario encaral-o á luz dos principios economicos e sob a influencia delles analysar os factos que se dão no nosso paiz e nos estranhos com relação á questão que se controverte. Sinceramente o declaro, não faço isso, fecho os olhos a todas essas considerações e voto o projecto.

Sr. presidente, permitia-me v. exa. a liberdade que tomo. Eu estou faltando deste logar, sujeito a uma tão incommoda corrente de ar, que peço licença a v. exa. para interromper a minha oração um momento e mudar de logar.

(O orador passou para o outro lado da camara.)

É justo que se falle, e por vezes temos fallado, contra as condições acusticas d’esta sala; não está, porém, nas mãos de v. exa. nem nas nossas o modifical-as, provendo de remedio prompto aos males que d’ellas resultam. Não acontecerá o mesmo, espero eu; com referencia ás suas condicções hygienicas, e para essas peço eu, e chamo respeitosamente, a attenção de v. exa. a quem cabe superintender sobre os trabalhos da camara, e ao mesmo tempo sobre a policia e regimen domestico d’ella.

Os dignos pares que se sentam d’este lado da sala estão n’um recinto confortavel. (Riso.) V. exa. mandou fechar esta porta, e estamos com effeito aqui conchegados e ao abrigo de todo a intemperie da estação. (Riso.) Não succede, porém, o mesmo d’aquelle outro lado da sala.

Eu não peço a v. exa. que mande tambem fechar a outra porta, não temos senão duas, e ficariamos sem poder nem entrar nem sair.

Se, porém, sem esta rasão de incompatibilidade, se poder encontrar qualquer meio, se se poder tomar qualquer precaução para poupar áquelles nossos collegas espontando para o lado direito da camara o incommodo que estão soffrendo com tanta resignação, será um bom serviço prestado á igualdade das condições em que todos devemos viver aqui. (Riso.) Devemos todos ter uma temperatura igual.

Sr. presidente, eu comecei por declarar que votava este projecto sem determinar o meu voto, pela consideração e influencia das rasões economicas. Voto este projecto jurando sobre as palavras pronunciadas pelo sr. ministro da fazenda na sessão de hontem, e acreditando, com s. exa. que, se os nossos fundos subiram em Londres a 53, o que s. exa. de certo soube por telegramma, porque os jornaes recebidos hontem o não affirmavam ainda, é esse facto devido á consciencia que aquelle largo mercado tem das nossas condições financeiras, e do facto de que os poderes publicos deste paiz estão animados pelo desejo de equilibrar a receita com a despeza e de organisar definitivamente a nossa fazenda.

D’esse facto, porém, demos já rasão e documento votando outros projectos creando novos meios de receita, e os fundos portuguezes não subiram em Londres a 53. Publicou o sr. ministro o seu relatorio sobre o estado da fazenda publica, acompanhou-o das medidas de fazenda, cujo pensamento se subordinara á rasão superior de equilibrar a receita com a despeza, e os nossos fundos não chegaram, por esse facto, a tão alta cotação.

Que acontece, pois, hoje, para que elles a tenham? Votámos um imposto de exportação sobre a cortiça, e lançámos um imposto de importação sobre as materias primas.

Preoccupemo-nos especialmente de regularisar as nossas finanças; exclamou ha pouco o digno par o sr. Carlos Bento. Pois bem, mãos á obra, vamos a regularisar definitivamente as finanças do paiz. N’este empenho acompanham-nos, de certo, todos os possuidores de titulos de divida fundada, quer esses possuidores sejam nacionaes, quer estrangeiros. É sympathica a estes a idéa de tributar um producto da industria agricola, sobre o qual aliás já recaiu o imposto local e o imposto geral na manifestação do rendimento da exploração d’essa industria? Tributemol-o. Votemos o imposto, ma* não pretendamos justificai-o. (Apoiados.)

Alem do imposto sobre a exportação da cortiça, vem o imposto sobre a importação do carvão de pedra. Andâmos desde 1836 a amparar com o regimen protector um certo numero de industrias, algumas das quaes não conseguiram ainda aclimatar-se, e merecem, com rasão, sor qualificadas pelo epitheto de industrias de estufa, como ha pouco disse o digno par o sr. conde de Valbom, que não inventou, de certo, a phrase, porque de ha muito que são capituladas de industrias de estufa todas aquellas que, encostadas á andadeira do regimen protector, não lograram ainda sem elle suster-se de pé.

Pois hoje a essas e áquellas que, luctando com as conhecidas difficuldades que embargam o passo á nossa actividade industrial, arrastam uma existencia difficil, que são quasi todas, vamos dizer-lhes de repente: a organisação da fazenda publica exige que sejam tributadas as materias primas.

Com consciencia do que fazemos, tributâmos o carvão de pedra sem ella, porque a camara não sabe, de certo, em que relação e em que proporção vae a taxa complementar affectar todas as industrias; vamos tributar, aggravado o imposto, a materia prima de todas ellas.

A este respeito, sr. presidente, permitta-me o illustre ministro que eu faça lembrada a circumstancia de que em uma das ultimas sessões na camara dos senhores deputados trouxe s. exa., para cobrir a sua responsabilidade de continuar gerindo a pasta da fazenda, depois de ver profundamente alteradas pelas commissões as suas propostas, o exemplo do que se passou em França sob a presidencia de mr. Thiers. Lembrou s. exa. á camara que aquelle estadista, a cuja memoria presta a Europa e todo o mundo civilisado o culto de uma sincera veneração, se não demittira da presidencia da republica, depois de ver rejeitadas no parlamento as proposta» do seu governo; propostas que aliás elle proprio defendera com a immensa auctoridade da sua palavra e da sua influencia. É verdade, e ainda bem que s. exa. cita o exemplo, e o accommoda com justificada rasão á sua pessoa e circumstancias. Permitta-me, porém, s. exa. que eu lhe lembre que tem ainda uma outra lição a aproveitar n’aquelle exemplo. Que medidas eram essas contra as quaes se levantou na camara franceza e em todo o paiz uma tão grande opposição, que a não póde nem quebrar nem vencer a auctoridade do homem, que era então não só o primeiro magistrado da republica, mas por todos os titulos o primeiro homem de França? Eram as medidas pelas quaes se tributavam as materias primas. Pois ninguem affirmará que as circumstancias da Franca não eram difficeis. Como as venceu sabem-no todos. Oxalá que todos os paizes aprendessem n’aquella lição e n’aquelle exemplo. A épargne franceza, a pequena épargne, o peculio que significava o trabalho, accumulado pela ordem e pela economia, salvou a França. Se a instituição das caixas economicas, devida á iniciativa d’este governo trouxer a este paiz esses habitos de economia, e poder corrigir o funesto costume de pedir á loteria e á casa de penhores o que só de um regimen de ordem e de previdencia ha direito a esperar, ter-se-ha dado um grande passo no caminho da nossa regeneração social.

Já vê v. exa., sr. presidente, que se eu voto este projecto não sei entretanto justifical-o nas suas disposições, nem me parece que aliás seja facil o fazel-o, se para al-

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gumas cousas valem os principios da seiencia e a lição pratica dos factos que a tal respeito se dào nos paizes estranhos.

Eu bem sei que me podem dizer que esta providencia não destôa muito da indole e espirito da nossa legislação aduaneira.

É verdade. Não vemos nós tributados na pauta da nossa alfandega municipal com 11 por cento ad valorem o carvão vegetal o a lenha, cepa e os outros combustiveis?

E não se diga que é a excentricidade de opinião de qualquer administração municipal, rebelde á influencia dos verdadeiros principios economicos, a que inspirou tal legislação. Os impostos cobrados pela alfandega municipal de Lisboa constituem receita do estado, e são creados e fixados por lei.

Ora, se o primeiro municipio do paiz consente que se arrecade, não como receita municipal, mas como receita geral do estado, um imposto que vae ferir e encarecer a materia prima do primeiro trabalho da economia domestica— o da alimentação que muito é que os poderes publicos se lembrem de tributar o carvão de pedra, embora seja tambem a materia prima de todas as industrias que pedem ao vapor a sua força motriz, ou que pedem ao fogo, que esse carvão alimenta, a condição impreterivel e obrigada de todo o seu trabalho?

Confessemos que somos logicos n’esta falta de logica para com os principies; e no proposito de pôr de accordo o absurdo do preceito fiscal da pauta municipal, com o absurdo do preceito fiscal da pauta geral das nossas alfandegas.

Não sei, sr. presidente, se consigo fazer comprehender o meu pensamento.

Querem receita, pedem receita, voto este imposto como meio de receita; a esta rasão, que é, ao que vejo, a suprema rasão, subordino o meu voto.

O que quer e o que pede o illustre ministro? Isto mesmo.

S. exa. não está muito distanciado, creio eu, da posição que o digno par, o sr. conde de Valbom, lhe reservava nas suas considerações.

S. exa., que já, nos disse que havia diversas escolas financeiras n’este paiz, resume os principios da sua, e o seu programma de governo n’esta phrase: «Tenho deficit, quero receita».

S. exa. está virtualmente collocado na posição que ha pouco lhe definiu o digno par o sr. conde de Valbom.

Quer receita, pede receita, e para elle todas as receitas são boas.

S. exa. tem todo o respeito pelos principios que a sciencia professa, mas os principios não dão receita; e se para obter for necessario pol-os de lado, tem a coragem de os pôr de lado.

Aconselha a s. exa., o sr. conde de Valbom, que se inspire do movimento da opinião e da consciencia publica, mas como nem essa consciencia, nem essa opinião, lhe dão meios de receita, o illustre ministro prefere obter receita governando contra ellas.

Sejamos entretanto justos, sr. presidente, o illustre ministro tem transigido, e este mesmo projecto significa uma transacção.

Porque transigiu, porem, s. exa. Porque a transacção lhe assegura uma receita maior.

A proposta primitiva do illustre ministro não dava o que dá este projecto.

Transigiu tambem, e transigirá ainda com a opinião das associações commerciaes, e dir-me-hão que ellas não representaram no sentido de augmentar, mas antes de cercear a receita calculada pelo sr. ministro no seu relatorio, como resultado das suas medidas.

É verdade; que querem, porém, que s. exa. faça?

As associações commerciaes são grandes centros de influencia nos grandes centros da actividade politica que ha no paiz. Governar sem o seu apoio, ou antes governar contra a sua indicação, é já hoje quasi o mesmo que governar sem receita.

Menos importancia têem as direcções das companhias poderosas, e tambem se transige com ellas.

Aqui temos n’este projecto uma prova disfarçada d’essa transacção.

Pelo projecto tributa se o carvão de pedra, mas tributa-se tambem o coke, e o que é facto e que a companhia do gaz tem pelo direito sobre o coke uma larga compensação do imposto que vem a pagar pelo carvão.

Se, por exemplo, paga o imposto sobre 60 toneladas de carvão, e se a distillação d’estas lhe dá 40 toneladas de Coke, têem a compensação do imposto que paga no augmento de preço do coke que vende.

Embora vote o projecto, deixaria de insistir sobre os argumentos apresentados pelo digno par, o sr. Carlos Bento, para o defender. S. exa. trouxe o exemplo do que se passa em Hespanha e em Franca com referencia ao imposto sobre o carvão de pedra.

Não ha paridade de condições entre Portugal e aquelles paizes. São ambos productores de carvão de pedra, e Portugal não o é. O imposto, pois, póde justificar-se lá como um direito protector, e aqui não se justifica como tal.

Em Franca, ainda assim, foi isso objecto de uma larga discussão, e rasão de uma forte resistencia por parte da opinião e dos interesses feridos por aquella medida.

Uma outra rasão, sr. presidente, e esta não deriva immediatamente d’este projecto, nem prende com a doutrina d’elles comquanto a explique a posição em que creio que todos estamos com relação ao governo na questão de fazenda; uma outra rasão, digo, me obriga, resalvando a minha opinião sobre o assumpto, a dar o meu voto a favor do projecto que se discute.

Eu não concorro aos centros politicos, não estou mesmo em convivio intimo com os homens que conhecem de sciencia certa os segredos da alta politica; não revelo, pois, n’esta, minha apprehensão nenhuma suspeita do meu espirito, aliás pouco affeiçoado a forjar supposições, quando o bom conselho me diz que é inutil fazel-as em face do imprevisto, que toma sempre nas nossas cousas o logar dos successos regulares; tenho, porém, ouvido, e vi já affirmado pela imprensa chocalheira, se a camara me permitte esta phrase, que é intenção do governo propor ao poder moderador a nomeação de novos pares.

A camara sabe por que termo pittoresco se define este facto.

Não se trata da nomeação de um outro par. Assegura-se que ha idéa de vir reforçar a maioria d’esta casa com um certo numero de pares; porque não hei de dizel-o com uma nova fornada? Inculca-se, como rasão justificativa d’este expediente politico, o facto, aliás não comprovado, de que a opposição n’esta camara, com a sua táctica impeditiva, cria, acintemente, obstaculos fortes á acção do governo, e tenta combater, a todo o transe, todos os projectos que elle apresente, para resolver, pelo recurso ao imposto, a questão de fazenda. Ora, pela minha parte, tenho a oppôr a esta affirmativa a firme declaração, que secundarei sempre com o meu voto o pensamento de regularisar definitivamente as condições do nosso systema financeiro.

Não posso, porém, e já tive occasiao de o declarar n’esta sessão, associar-me á responsabilidade de procurar resolver a questão de fazenda por meios violentos, que a não resolvem, que aggravam as difficuldades com que temos luctado para a resolver, e que indispõe cada vez mais o paiz contra a idéa do imposto.

Cumpre-me ainda declarar sob a minha responsabilidade unica, e portanto por minha conta e risco, o seguinte:

Se por desgraça deste paiz, depois de tantos annos de pratica do systema parlamentar, eu visse, esquecidas as boas praxes parlamentares, invertidos todos os principios

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do systema, que na mesma sessão em que entraram aqui vinte e seis pares, nomeados pelo poder moderador, sob responsabilidade do governo que aconselhou essa nomeação, ainda para assegurar o apoio d’esta camara o mesmo governo pedia e aconselhava á corôa a nomeação dó novos pares, eu, firmemente o declaro, não me conservarei n’esta casa senão o tempo necessario para verberar com as objurgatorias merecidas, com toda a insistencia e energia de animo, uma tão violenta offensa á independencia de opinião d’esta camara, e um tão imprudente attentado contra todos os principies do nosso regimen politico.

O sr. Conde de Rio Maior: — Apoiado, apoiado.

O Orador: — Affirmo mais: esse acto seria uma ameaça dirigida ás nossas instituições, affrontando a dignidade d’ellas, e pondo em risco os mais sagrados interesses do paiz. (Apoiados.)

Não creio que isto se tente; mas se desgraçadamente tal facto se désse, eu sei o que o meu dever me impunha, e sei que não havia de deixar preterido o cumprimento d’elle.

Voltando de novo ao assumpto restricto, que é thema desta discussão, direi ainda que este projecto cria de certo uma importante verba do receita, mas que as medidas de fazenda votadas estão muito longe de nos conduzir ao fim A que se propõe o illustre ministro a regularisação da fazenda publica.

Votadas todas as suas propostas, ainda estariamos longe do o conseguir, e eu não sói se as votaremos, quer dizer, se chegaremos n’esta sessão, que vae já adiantada, a discutil as todas. Eu vejo como que um prenuncio de que esta sessão não será larga, e que a não levará muito longe qualquer outra prorogação, no facto de que estando declaradas vagas umas poucas de cadeiras na outra casa do parlamento, o governo se não apresse em mandar proceder ás eleições supplementares, creio que em dote ou quatorze circulos, evitando assim completar a representação nacional, facto este que, apenas é dado justificar pela consideração de que encerrado dentro em pouco o parlamento, os novos deputados eleitos não o seriam a tempo de occupar o seu logar no seio da representação nacional.

A este respeito, aproveitando a conjunctura de estar presente o sr. presidente do conselho, pedia a s. exa. nos dissesse alguma cousa, certo de que com esta pergunta nem eu infrinjo as praxes parlamentares, segundo as quaes muitas vezes nos referimos á constituição da outra casa do parlamento, nem s. exa. compromette mais do que a sua propria opinião, se acaso sobre esta questão não houve já resolução do conselho de ministros.

Concluindo, declaro que voto o projecto na sua generalidade sob a influencia das considerações que apresentei; e lembrando-me neste momento da referencia que ha poucos dias fez ao projecto de cobrança do real de agua por arrematação o sr. relator da commissão, affirmarei ainda a s. exa., que o arrematante é tão odioso depois de ser approvado aquelle projecto como antes da, sua approvação.

Sobre o modo por que está sendo executado o regulamento do real de agua vi em um jornal, que o corpo commercial do Porto dirigira ao governo uma representação. Se assim é...

(Movimento de negação da parte do sr. ministro ) Bem, folgo que o não seja. Oxalá que iodas as medidas que votámos, mesmo aquellas que tem contra si a opinião, depois de convertida, em lei se executem e appliquem, sem levantar resistencias e sem encontrar attritos de difficuldade que embaracem a acção do governo. Tenho concluido.

O sr. Visconde de Bivar:—Depois do eloquente discurso que acaba de proferir um dos nossos illustres collegas, parecia-me que não era a mim que n’esta occasião deveria caber a palavra. O digno par levantou uma questão importante, sobre a qual o silencio do governo é contra todas as praxes parlamentares.

S. exa. disse, que corria com insistencia o boato de que proximamente a maioria d’esta camara seria reforçada, e condemnou similhante alvitre se, porventura, o houvesse.

Eu esperava que dos bancos do poder se levantasse quem respondesse ao digno par sobre tão grave assumpto.

Não aconteceu assim; mas julgo que o silencio do governo não lhe fica bem.

Se, porventura, o que a imprensa tem propalado, se o que se tem dito sobre uma nova fornada, fosse uma ameaça a esta camara, eu, pela minha parte, respeitando o proceder do digno par que me antecedeu, deliberar-me-ia a votar não só contra o projecto em discussão, mas contra todas as medidas que o governo apresentasse.

Sr. presidente, não sou da opinião daquelles que têem accusado o sr. ministro da fazenda por ter attendido ás representações que têem vindo ao parlamento contra as medidas tributarias de s. exa., e aos conselhos que lhe deu a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados.

S. exa. fez muitissimo bem, e, no meu pensar, praticou um acto em favor da causa publica, prescindindo de manter as suas opiniões, modificando-as em muitos pontos; e trazendo aqui este projecto que, apesar dos defeitos que ainda tem, differe consideravelmente para melhor d’aquelle que era da iniciativa de s. exa.

Já aqui se tem dito: governar é transigir. Ainda bem que o sr. ministro transigiu. Não fallo assim por ironia, mas porque é este o meu sentir.

Quando eu li o relatorio de s. exa., fiquei sobremodo impressionado com a descripção do estado da fazenda publica, e a disposição do meu espirito era votar a receita que fosse necessaria para fazer desapparecer o deficit; mas desde que o sr. ministro nos declarou que o quadro financeiro já não era tão feio, como a principio nol-o havia pintado; desde que nos informou, pelas noticias recebidas de Londres, .que os nossos fundos estavam subindo n’esta praça; desde que nos deu a segurança de que o abysmo, á borda do qual eu suppunha que estivessemos, já não existia tão ameaçador, senti-me um pouco mais desafogado, e afigura-se-me que a necessidade de crear receita por todos os modos e maneiras, calcando aos pés os mais salutares principios de economia politica, já- se não faz sentir.

Sr. presidente, examinando este projecto, eu vejo que elle não mira unicamente a crear receita, mira a mais alguma cousa a proteger industrias umas á custa das outras, e é contra esta doutrina que eu me insurjo; e parece-me tão condemnavel, que, apesar de todo o empenho que possa haver em secundar os desejos do governo, não se podem descobrir argumentos para a converter em preceitos de lei.

Sr. presidente, o que é o artigo 1.° do projecto? É positivamente uma protecção dada á industria rolheira a expensas da producção da cortiça em bruto.

Disse o sr. ministro, hontem, que não podia prescindir da mais diminuta receita, porque de pequenas parcellas se faz uma grande, e aqui vejo eu que prescinde do producto que resulta do direito sobre a exportação das rolhas, em beneficio da mesma industria.

Ora, sr. presidente, se na opinião de s. exa. o estado das nossas finanças já é tal que o nosso orçamento póde bem passar sem a importancia do direito que actualmente paga a exportação da cortiça fabricada, porque é que s. exa. insiste no aggravamento do direito sobre a exportação da materia prima, da cortiça, que é um artigo de producção agricola?

Este projecto, na maior parte das suas disposições, vae affectar todas as industrias, excepto a rolheira, de modo que ellas ficarão em peiores condições do que estão, se elle for convertido em lei; não vejo, pois, motivo para a excepção que se pretende fazer, e para que os beneficios sejam para uns, e os encargos para outros.

S. exa. calculava que o seu projecto renderia 250:000$000 réis, e a commissão de fazenda da camara dos senhores

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deputados, por uma disposição que introduziu no mesmo projecto, deu-lhe mais 30:000$000 réis; ora, por que motivo e que s. exa., tendo obtido este acrescimo de receita, não dispensa as materias primas, a que o projecto se refere, de um aggravamento tributario que, se representa uma pequena somma em relação á totalidade do pedido, representa, todavia, um pesado encargo para o limitado numero dos que terão de o supportar.

Por que é que o sr. ministro, sem rasão plausivel, insiste para que a lei que pretende obter da camara contrarie os bons principies economicos?

Nós não somos o unico paiz que produz cortiça, e apesar de tudo que se tem dito para amesquinhar a producção d’este genero em Marrocos e na Argelia, eu vejo em um documento que tenho presente, e que tem sido invocado não poucas vozes até pelos que defendem o projecto, e é uma representação da associação commercial de Lisboa contra as medidas tributarias que estão sujeitas ao exame do parlamento, que esta respeitabilissima corporação recommenda com instancia muito cuidado a respeito do imposto sobre a cortiça, porque temos de luctar com a concorrencia que nos faz a colonia franceza de Argelia e o imperio de Marrocos, aonde este ramo do negocio offerece vantagens taes, que pessoas que entre nós se dedicam a elle, pensam e dispõem se a mudar-se para ali.

Portanto, se isto é verdade, como eu acredito, toda a cautela é pouca, para que não nos succeda o mesmo que em outras eras aconteceu á Hespanha, cujas pisadas, em tempos que tão maus lhe foram, parece que pretendemos seguir agora.

Sr. presidente, eu não sou contra qualquer favor que se possa conceder a um determinado ramo da industria nacional, mas o que eu sou é contra o principio de beneficiar o artefacto á custa da materia prima.

Não vejo motivo plausivel que justifique a susceptibilidade dos fabricantes do rolhas, a ponto de tremerem pelo futuro da sua industria, se a não alliviarmos de todo o imposto de exportação, e não forem ao mesmo tempo aggravadas as condições da cortiça em bruto, e em alguns casos até com um imposto que chega a ser prohibitivo, como o que se refere á exportação da cortiça em quadros.

Tem-se fallado muito nos posados impostos de importação que as rolhas pagam nos Estados Unidos, na França, na Belgica e na Russia; mas elles não são de recente data, e apesar d’elles a nossa industria rolheira não tem deixado de prosperar sem as vantagens que agora pede. Mas allega-se que a Allemanha do norte acaba de tributar com o pesado imposto de 7$000 réis por 100 kilogramma a rolha que for importada.

Na Allemanha do norte predominam hoje as idéas proteccionistas exageradas, e ha quem ali pense que por este meio se hão de crear industrias que aquelle paiz não tem. E será este mercado tão importante para nós que um procedimento, como o que fica notado, baste para que a, nossa industria toque logo a rebate, de modo que todos os beneficios que os poderes publicos lhe possam conceder lhe pareçam ainda pequenos, e solicite até que se ponham estorvos á saida da materia prima?

Sr. presidente, os mercados da Allemanha do norte não são para desprezar, segundo as estatisticas que eu compulsei; todavia, pelo seu estudo tambem observei que o nosso primeiro mercado tanto para a cortiça em pranchas, como para a cortiça em rolhas, é o da Gran Bretanha. Os valores que Portugal para aqui tem exportado de cortiça em obra, têem sido muito superiores á somma de todos os valores que do mesmo producto da sua industria tem mandado para outros mercados de alguma importancia.

A estatistica geral do commercio de Portugal com as suas possessões ultramarinas e as nações estrangeiras accusa o seguinte: Que em 1874 exportámos para a Allemanha do norte, Brazil e Estados Unidos, 38;201$000 réis de cortiça em obra, e só para a Gran Bretanha mandámos 181:9476000 réis.

A exportação para a França, Belgica, e demais nações da Europa, foi insignificante, relativamente fallando; que em 1875, emquanto a nossa exportação para a Allemanha do norte, Brazil, França. Estados Unidos, Hespanha e Marrocos foi de 33:846$000 réis, só para a Gran-Bretanha enviámos valorei na importancia de 303:141$000 réis; e, finalmente, que em 1876 os valores exportados para a Allemanha do norte, Brazil, Estados Unidos, França, Hespanha e Hollanda sommaram 39:898$000 réis, e para a Gran Bretanha enviámos 144:900$000 réis.

De tudo isto concluo eu, que emquanto se não modificarem as condições do nosso mercado por excellencia, a Gran Bretanha, todos os receios da industria rolheira são infundados, e os beneficios que se lhe dispensarem, a expensas da materia prima, injustos e inconvenientes.

A nossa industria rolheira tem a materia prima em casa, e a vantagem de exportar em pequeno volume um grande peso, do que resulta não pequena economia nos fretes; por isso está nas circumstancias de luctar em boas condições com igual industria nos mercados estrangeiros, que têem de importar com maior frete, seguros, commissões e outros encargos a materia prima, pois o maior imposto até agora conhecido sobre a cortiça manufacturada, que é o que acaba de lançar a Allemanha do norte, 7$000 réis por 100 kilogrammas, não pôde, a meu ver, para a industria d’este paiz compensar as vantagens que a nossa tem.

Creio que houve grande exagero nos clamores dos industriaes de cortiça manufacturada para obterem as concessões que no projecto se lhes faz, e ao passo que sem mais investigação foram attendidos, tambem sem maior exame a causa da agricultura foi menosprezada.

Sr. presidente, tendo nós tratado desde 1837 de proteger as nossas industrias, não havendo até hoje, segundo creio, os poderes publicos adoptado disposições que contrariem este pensamento, é para ter pena que na actualidade se vá lançar um imposto sobre um producto da nossa industria agricola, que de certo a prejudicará muito, como já tive occasião de demonstrar.

Sr. presidente, tendo-me eu até agora occupado do imposto sobre a cortiça, passo a fallar do que respeita ao carvão de pedra.

O meu nobre amigo, o sr. conde de Castro, disse hontem não estar provado que o imposto sobre o carvão vá lançar qualquer perturbação nas nossas industrias fabris. O que não está provado é que o imposto, se for votado, deixe de lançar essa perturbação.

Para com bons fundamentos eu impugnar este imposto, eu posso soccorrer-me a argumentos que se derivam de fontes que devem ser insuspeitas para o meu illustre amigo, como é o relatorio do sr. ministro da fazenda, que eu procurei unicamente no intento de defender a minha doutrina, e não como o espirito de a querer fazer valer pelas contradicções dos meus adversarios, porque não gosto désse methodo de discutir; as cousas são boas pelas rasões em que se fundam, e os argumentos ad hominem a mim não me agradam.

Disse o sr. ministro da fazenda, referindo-se a diversos productos industriaes, que uns têem o imposto de protecção de 40 por cento, outros de 47, chegando alguns até a 80.

Ora, se a nossa industria manufacturei rã a custo póde viver com uma tal protecção; como poderá ella arrostar com o encarecimento que por causa do imposto terá uma materia prima tão indispensavel como o carvão de pedra?

O sr. ministro disse, que era necessario ter muito cuidado com a pauta do reino vizinho, e que nós não devemos eleva: tanto a nossa protecção ás industrias que as possamos prejudicar pelo contrabando; e quando se proclama esta doutrina, as industrias são sobrecarregadas com novos impostos!

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Se o projecto neste ponto for convertido em lei, a protecção, em vez de ficar como está, diminue consideravelmente, porque o favor da pauta é cerceado pelo encarecimento que o novo imposto vae produzir no custo da materia prima.

Parece-me, pois, fora de toda a duvida, por todos estes argumentos, que podemos assegurar que o imposto sobre o carvão vae lançar uma grande perturbação na nossa industria manufactureira, perturbação tanto maior, quanto é certo que sobre este ramo dá actividade nacional é que o tributo vae recair com todo o seu peso, pois que ao carvão para a navegação se concede o beneficio do drawback. rasão de 50 por cento.

Comtudo, sr. presidente, nós não temos um porto que reuna as condições necessarias para que os navios, e principalmente os paquetes a vapor, carreguem e descarreguem com a necessaria celeridade.

Não temos nenhum d’esses beneficios preparados pela mão do homem, que tanto servem á navegação e ao commercio, mas temos o beneficio da pauta. E é n’estas condições que se pretende limital-o?

Quando deviamos ter todo o empenho em que o porto de Lisboa continue a prosperar como até agora, em vista da grande quantidade de vapores que o demanda, é que nós pensámos nos meios que podem concorrer para os afastar!

Responde-se, porem, que o direito é tão pequeno, que não póde contribuir para que aconteça o mal de que se receia.

Concedendo, mas só por hypothese, que assim seja, o que se deve é impugnar a medida, porque, em todo o caso, seria um mau precedente.

Eu sou contrario aos precedentes de que se póde mais tarde abusar.

Em 1873 o sr. Serpa propoz uma taxa complementar de
1 por cento sobre a importação e de 1/2 por cento sobre a exportação; estabelecido este precedente, soccorreu-se a elle a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados para, nas disposições deste projecto, duplicar essa taxa; e, alem d’isso, estamos ameaçados de um imposto de
2 por cento ad valorem sobre toda a exportação, em um projecto da iniciativa do governo, que já foi apresentado na outra camara e corre impresso no Diario do governo!

A facilidade com que em duas pennadas se diz — pague-se mais l, paguem-se mais 2 por cento , é um incentivo para que se repitam actos d’esta natureza.

Eu desejaria concorrer para que este imposto sobre o carvão não vingasse, assim pelo que respeita á industria, como pelo que respeita á navegação. Quanto á primeira, porque vae prejudicar altamente as condições em que ella vive; quanto, á segunda, porque, alem de estabelecer um precedente que me desagrada, póde contribuir, para causar um grande mal ao porto de Lisboa.

Nós temos voltado todos os nossos receios para Vigo, e não nos lembramos de Gibraltar, que tem melhores condições do que Lisboa para o fornecimento de carvão aos vapores; porque, como todos sabem, ali ha os depositos fluctuantes que n’este se não podem estabelecer no Tejo por causa das suas correntes.

Se os illustres defensores do projecto encontram na pauta hespanhola remedio contra os nossos temores com relação á navegação para a Africa e para as Americas, ella em cousa alguma nos póde salvaguardar da perda que possamos soffrer quanto a navegação para o Mediterraneo.

O sr. conde de Valbom preveniu-me n’umas observações que eu tencionava apresentar relativamente ás sementes de algodão. Como se deduz do relatorio d’este parecer, o fim que a commissão teve em vista, approvando o tributo sobre o óleo de sementes de algodão, foi evitar a fraude que se está fazendo, com prejuizo para a agricultura e para a saude publica, de misturar este óleo com o azeite de oliveira.

O sr. conde de Valbom. lembrou muito acertadamente que, se nós vamos, pelo referido motivo, lançar imposto sobre o oleo devemos igualmente tributar as sementes de que elle se extrahe; tanto mais havendo a certeza de que muitas fabricas se preparam para pôr em pratica esse processo, no caso de ser approvada esta medida legislativa que se discute.

Pareceram-me muito acceitaveis as considerações do digno par, e acho-lhes bastante plausibilidade. Se não commetto alguma inconveniencia, pediria ao sr. ministro da fazenda, ou a qualquer dos illustres membros da commissão, que tivesse a bondade de me declarar se realmente pensaram já em apresentar alguma modificação relativamente ao imposto sobre as sementes de algodão.

O sr. Conde de Castro: — Sou informado de que o conselho geral das alfandegas trata de conhecer qual o imposto que, em correspondencia ao do oleo das sementes de algodão, se deva estabelecer sobre as sementes d’esse mesmo producto.

O Orador: — Eu sinto bastante, sr. presidente, que as explicações dadas pelo meu nobre amigo, o sr. conde de Castro, me não satisfaçam; porque para o oleo de algodão já cá está o imposto; mas a respeito da semente, que é a materia prima de onde elle se extrahe, é que nós fallâmos.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — Sr. presidente, se v. exa. e o digno par me dão licença, eu direi que o conselho geral das alfandegas se está actualmente occupando de ver qual o direito que deve propor que se estabeleça para a semente de algodão, que esteja na devida relação com o direito que aqui se propõe para o oleo de algodão. Por consequencia, a esse respeito não podemos ainda tomar nenhuma decisão.

O Orador: — Sr. presidente, eu acceito as explicações dadas pelo illustre ministro; mas parecia-me que as cousas se deveriam ter conduzido de modo que, quando se tratasse de tributar o producto, ao mesmo tempo se tributasse a materia prima.

No entretanto o sr. ministro já mandou consultar uma corporação tão respeitavel, como é o conselho geral das alfandegas, e eu espero que se não demorará muito uma resolução sobre esse assumpto.

Sr. presidente, eu não desejo fatigar a camara; não aspiro a agradar, como orador, seja a quem for; o que eu desejo, e ao que aspiro, é a cumprir os devores que me impõe a minha consciencia.

Comtudo, ainda me falta a fazer uma consideração, e é a respeito do coke.

A illustre commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, o governo e a commissão d’esta casa entenderam que se deveria conceder protecção á industria da fabricação do gaz, levantando o imposto sobre o coke.

Muito bem: é muito rasoavel que haja todas as considerações por todas as industrias; mas o que digo, e repito, é que é pena que nós façamos concessões ás menos necessitadas, e que as não façamos ás de que mais protecção precisam.

Porém, sr. presidente, pela indemnisação que se pretende dar ás companhias do gaz, prejudicâmos a industria metallurgica. Todos sabem que em Inglaterra ha uma especie de coke que serve para as fundições de ferro, e que, se pesar sobre aquelle producto um tributo tão elevado como é o do projecto, elle não poderá concorrer ao nosso mercado senão por preço muito subido, o que é um aggravamento para a industria que elle serve, e um favor mais para as companhias do gaz.

Em conclusão, sr. presidente, pelo projecto que se discute criam-se favores para umas industrias á custa de outras, sendo as prejudicadas em maior numero. É contra esta desigualdade que eu principalmente me revolto, e não posso por isso dar o meu voto ao projecto nos pontos em que o tenho impugnado.

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O sr. Placido de Abreu: —Mando para a mesa um parecer das commissões de fazenda o obras publicas unidas, sobre um projecto, vindo da camara da senhores deputados, que tem por fim substituir a ponte pensil em frente da cidade do Porto.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par o sr. Váz Preto.

O sr. Vaz Preto: — Cedo da palavra.

O sr. Presidente: — Está extincta a inserindo; vae votar-se o projecto na sua generalidade.

Consultada a camara, foi o projecto approvado na generalidade.

O sr. Presidente: — Vae discutir-se o projecto na especialidade.

Leu-se na mesa o

Artigo 1.°

O sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 1.°

Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: — Eu cedi da palavra na generalidade por ver que nem o sr. ministro da fazenda, nem o sr. relator da commissão, a pediram, como era dever seu, para responder aos oradores que têem discutido o projecto com maduro exame e seriedade. D’este facto colhi eu que s. exa. estavam na intenção de não discutirem nem dizerem mais cousa alguma sobre a generalidade do projecto; e como eu desejo que o sr. ministro responda ás considerações que fiz e aos argumentos que apresentei, e que persistem ainda de pé e bem assim a outros de igual importancia que vou propor, reservei me para discutir este artigo, e por isso pedi a palavra na especialidade, com o intuito de restringir e precisar bem a questão.

Sr. presidente, a cada um o que é seu. Folgo, pois, de declarar á camara de que o sr. ministro da fazenda fez muito bem de confessar os seus erros, e de se sujeitar ás modificações que lhe fizeram ao projecto primitivo, sem com isso se despeitar.

Este proceder vae-lhe bem, e não lhe diminuo o merecimento. Fez pois, s. exa. um bom serviço ao publico e ao paiz consentindo que o artigo 1.° do projecto primitivo, que se referia a exportação de gado vaccum fosse eliminado. Aquelle artigo, sem um accordo previo com o governo da nação vizinha, era inconveniente e prejudicial.

O accordo entre os dois paizes para a modificação da pauta é reclamado e urgente, e por isso o illustre ministro da fazenda não deve descurar este assumpto.

Aproveite a aptidão, discernimento e pratica de negocios do nosso ministro em Hespanha, o sr. conde do Casal Ribeiro, e encarregue-o de tratar e resolver esta questão. Sobre tão momentoso assumpto têem sido descuidados os differentes governos; não caia, pois, s. exa. na mesma fal-a. Seja solicito n’esta parte, e prestará á agricultura e commercio um relevante serviço. Repito, não posso deixar de elogiar a s. exa. por ter confessado o seu erro, e ter condescendido com a camara dos senhores deputados; mas para que o seu procedimento fosse excellente, e o meu elogio fosse completo, era mister que, com relação ao artigo 1.° do projecto que se discute, confesse igualmente que se enganou, e condescenda tambem com os desejos da camara dos pares.

Eu ouvi com a maior attenção os discursos do sr. ministro e do sr. relator, e pesando bem os seus argumentos parece-me que ou são contra o artigo 1.º, eu se o não são muito pouco valem em seu favor.

Eu tenho aqui as notas, os apontamentos do que cada um disse, notas e apontamentos que só contradizem.

Com estes subsidios vou demonstrar a minha asserção. O sr. ministro, pretendendo sustentar o projecto, declarou que ora mau, que não sympathisava com elle, e que era apenas um projecto de simples expediente; e o sr. relator em contradição disse que elle era um correctivo ás deficiencias das matrizes, um projecto com o intuito de obrigar a pagar aos proprietarios mais aquelle imposto, porque as matrizes estão mal feitas, contendo injustiças absolutas e relativas. A opinião do ministro e relator é diversa. O ministro fez um projecto mau para crear receita, e o relator suppõe o bom para corrigir as deficiencias das matrizes! Por aqui se vê palpavelmente que emquanto a principios e doutrinas economicas, ministro e relator não se entendem.

Dizia o sr. ministro que se tratava de um projecto de expediente, e que o que havia a considerar era se resultaria utilidade da sua, adopção, se esse expediente era bom ou mau. N’este caso, n’esta conjunctura, o que competia a s. exa. era demonstrar, que o expediente era bom e que as vantagem para o thesouro eram manifestas e palpitantes. Não o fez assim o ministro, e, portanto, vou eu fazer em sentido contrario o que pertencia ao sr. ministro; vou, pois, provar que é mau, e muito mau, o expediente.

Tanto o sr. relator da commissão como o sr. ministro da fazenda apresentara um facto para mostrar a conveniencia do direito sobre a exportação, e era que tendo diminuido esta até 1878, augmetára o valor do genero. Este phenomeno é notavel e curioso, e ao ministro competia investigar lhe as causas e estudar-lhe os effeitos. Nem uma nem outra cousa fez.

N’este momento parece me cabido perguntar ao sr. ministro a sua opinião sobre este facto. Quaes foram as causas que deram logar ao decrescimento da exportação?

Investigaram s. exa. as razões que determinaram os negociantes a exportar menos cortiça, estando o genero caro, e sendo os preço convidativos?

Nada a este respeito fez o governo, e por isso vê o facto, e não conhecendo as cousas não o sabe explicar. Se tivesse, procedido a detido estudo e a maduro exame, viria sem duvida a concluir que este artigo não se podia apresentar por ser anti-economico, e negativos os seus resultados. Como o sr. ministro parece ignorar as causas d’este phenomeno, eu lh’as vou dizer.

As causas que deram motivo ao decrescimento da exportação foram as estiagens que soffremos de 1874 para cá, que fizeram morrer milhares de sobreiros, arvores estas que não podiam facilmente ser substituidas nem pela plantação nem pela sementeira, pois para se crearem o se tornarem perfeitas não carecem de menos de quarenta annos.

É necessario que a camara e o sr. ministro saibam que a plantação dos sobreiros é difficil, porque, para elles pegarem, é necessario serem muito regados, e nas provincias da Beira e Alemetejo o sol no estio é abrasador e quasi africano, e a falta de agua muito sensivel. Portanto, o systema a seguir, para substituir as arvores que marrem, é a sementeira; mas esta tem muitos inconvenientes terrenos, sendo o principal a necessidade do guardar os tem-nos em que se lança a semente para impedir que os gados roam e estraguem os sobreiros que nascem, perdendo por esta fórma o proprietario o valor das pastagens, que é consideravel.

Alem d’esta causa que concorreu para o decrescimento da exportação da cortiça no anno de 1878, ha tambem a concorrencia que nos faz a França e a Hespanha, que acabou com o direito protector que tinha dado ás fabricas de rolhas. Todos sabem, e o sr. ministro melhor do que ninguem, que a cortiça de Gerona é a melhor da Peninsula, que nenhuma outra póde concorrer com ella. A exportação d’essa cortiça estava prohibida, e agora todos os portos de Hespanha lhe estão abertos. Se este para nós é inconveniente grave, não o é menos o desenvolvimento que se tem dado na Argelia e Marrocos a esta industria. Até aqui não tinhamos estes concorrentes, e agora a exportação da cortiça d’aquellas regiões faz se já em grande escala, indo até negociantes de Lisboa estabelecer se lá. Posto que digam que por ora aquella cortiça não nos póde fazer muito mal por não ser de primeira classe, eu asseverarei á ca-

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mara que a de Constantina póde pôr se a par da nossa melhor.

É, pois, n’estas condições, quando temos de concorrer com a Hespanha, Argelia e Marrocos, que produzem cortiça talvez vinte vezes mais do que nós, que o governo quer lançar este imposto, o que equivale quasi a aniquilar este ramo da agricultura do nosso paiz, já amesquinhado por outras causas que teem concorrido poderosamente para que a exportação que faziamos d’aquelle genero diminuisse tão consideravelmente, que a de 1878 foi inferior á de 1866!

Já disse á camara que uma d’essas causas foi o modo por que os proprietarios, dos montados, que não conheciam bem aquella qualidade de producção, nem este genero do industria, faziam os contratos para a extracção da cortiça, sendo illudidos pelos corticeiros, os quaes á sombra da ignorancia dos mesmos proprietarios poderam auferir grandes lucros dos taes contratos. D’esse modo se fizeram grandes casas no Algarve.

Os contratos eram feitos por um certo numero de annos, durante os quaes os corticeiros podiam tirar toda a cortiça. Quem tem conhecimento d’esta industria sabe que a extracção da cortiça não se devo fazer com relação ás mesmas arvores senão mediando um certo periodo do tempo, que abrange alguns annos.

O que aconteceu, porém, quando terminou o tempo dos contratos, por exemplo em 1874? Aconteceu que os corticeiros tiraram toda a cortiça que poderam, quer estivesse creada e feita, quer não, e d’ahi resultou um grande prejuizo para os donos dos montados, e haver n’aquelle anno uma grande exportação de cortiça, que influiu consideravelmente na exportação do mesmo genero noa annos immediatos.

Eis a rasão por que tem sido de então para cá insignificante a saida d’aquella mercadoria, que carece de tempo para se crear e desenvolver.

O sr. ministro da fazenda, antes de propor o impacto de que se trata, devia ter estudado tambem o seu .alcance economico e financeiro. Se o houvesse feito, e não desconhecesse as circumstancias que mencionei, talvez tivesse sido mais cauteloso em tributar a exportação de um genero que está em condições de não poder supportar o onus que se lhe vae impor.

A consequencia d’este imposto ha de ser acabar com uma industria do resultados apreciaveis com relação á riqueza do paiz.

E, pois, um tributo de effeito negativo, e não valia a pena, pelo mesquinho rendimento que elle poderá trazer ao thesouro publico, sacrificar essa fonte de riqueza publica.

Acredita, porventura, o governo que passando este projecto, e convertendo-se em lei, a exportação da cortiça virá a tomar maior desenvolvimento? Ao ouvir-se os argumentos aqui apresentados em defeza do projecto, julgar-se-ia que assim o presumo o sr. ministro da fazenda, e aquelles que o têem acompanhado na sustentação do projecto que se discute.

Pois o contrario é que ha de succeder; e tanto assim, que eu sei de casas exploradoras da industria da cortiça que já se preparam para transferir para Argel e outros pontos o negocio que aqui faziam com aquelle genero, e de outras que já para lá se foram estabelecer.

Ha de succeder com relação a Portugal o mesmo que succedeu em Hespanha, quando este paiz fechou os seus portos á exportação da cortiça. A nação vizinha viu com essa medida nascer e desenvolver-se uma industria desconhecida até ali em Portugal, industria que lhe tem feito e está fazendo uma temivel concorrencia. Sem este erro, sem esta falta do reino vizinho, talvez entre nós fosse ainda desconhecido este genero de industria. É provavel, pois, certo mesmo, que a causa que fez florescer entre nós este genero de industria, seja a mesma que a ha de fazer florescer era Argelia e Marrocos.

Sr. ministro, aproveite as lições da historia, aprenda á custa alheia, observe no passado a desvantagens de certos factos, e dos seus exemplos tire proveito em favor do seu paiz.

Não queira fazer exactamente o mesmo que fez o governo da nação vizinha, isto é, sacrificar uma industria nacional em beneficio de outra que não carece de protecção, e em beneficio dos paizes onde ella se está exercendo sem peias, emquanto que em Portugal as que lhe lança este projecto são pesadissimas.

Lembre-se, pois, o sr. ministro do que fez a Hespanha para proteger as suas fabricas da Catalunha, e não cáia no incarno erro.

Sr. presidente, parece-me que o sr. ministro da fazenda não estudou, esta questão como devia, e que se preoccupou só com a idéa de crear receita. Se assim não fóra, teria de certo calculado melhor todos os effeitos de um imposto tão desigual, pois tributa com o mesmo direito as differentes classes de cortiça, e tão prejudicial como este é aos interesses dos proprietarios que têem montados, interesses que vae atacar de um modo injusto, sem ao menos lhe poder servir de desculpa os resultados financeiros de tal medida, porque esses são insignificantissimos. A receita que provem d’este imposto calcula-a s. exa. em 12:000$000 reis! E tanto s. exa. não estudou este assumpto, que me parece que até não conhece o valor da cortiça nas suas diversas qualidades e designações. Não sabe mesmo o que seja a cortiça virgem, nem o que vale, pois se o soubesse, não lançava o imposto de que se trata aqui a, respeito d’ella, imposto que é quasi igual ao seu valor real. Ainda hoje a cortiça virgem, tem poucas applicações, e d’ella pouco caso fazem os corticeiros, e os proprios proprietario».

A cortiça virgem, como todos sabem, é a que se tira da sobreira que é descascada pela primeira vez. Essa cortiça é muito aberta, porosa, e não serve senão para guarnecer caramanchões, para fazer bancos e mesas toscas para jardins.

A maior parte dos proprietarios desta cortiça mandam-n’a queimar nos logares, porque não merece a pena vendel-a, porque é quasi nullo o seu valor. Note s. exa. ainda que o seu combustivel é pessimo.

Ora, é sobre um genero que tem um valor d’esta natureza que o governo vae lançar este imposto!

Na verdade, isto revela bem que esta questão não foi estudada. O sr. ministro da fazenda devia conhecer estes factos.

Os proprietarios na Beira Baixa se lhe comprassem a cortiça virgem pelo preço do imposto, vendiam-na de boa vontade, porque ali ninguem lhe dá apreço, nem lhe conhece o valor. Por estas minhas considerações e pelas que se seguem se verá que, tanto o sr. ministro da fazenda como o sr. relator da commissão, combateram o projecto. Disseram s. exa., que o direito protector em Hespanha durou até 1869, acontecendo que depois d’essa epocha a industria rolheira não diminuiu na sua exportação, antes pelo contrario duplicou-a, o que parecia indicar que o direito protector não era necessario áquella industria.

Pois se na Hespanha o direito protector não favorecia a industria, e por isso acabou com essa, protecção, como é que se quer conceder agora aqui essa mesma protecção?

Os factos que se estão dando todos os dias não sorvem de exemplo ao governo. Emquanto a Hespanha acaba com o direito de protecção ás suas fabricas, o governo portuguez vae estabelecel-o!

Emquanto a Hespanha abre os seus portos e favorece a exportação, o sr. ministro da fazenda de Portugal difficulta por um imposto excessivo a exportação! Isto é que é saber pôr era pratica os principios da economia politica e da sciencia administrativa.

Na presença de uma protecção tão decidida e tão valiosa dada ás fabricas de cortiça, em detrimento dos proprietarios, só a cortiça de primeira classe é que poderá ser ex-

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386 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

portada; a outra fica em Portugal á mercê e disposição dos negociantes, e ao desbarato.

Na Beira Baixa, por exemplo, havia um certo numero de intermediarios, aos quaes o negocio da cortiça deixava alguma cousa, e por isso a compravam aos proprietarios! em boas condições. Estes vendiam-lha por baixo preço, porque não sabiam o que vendiam, e por isso se fizeram, grandes casas no Algarve, á custa dos proprietarios de cortiça, que vendiam aquelle genero pelo preço que lhe queriam pagar.

Estes homens compravam a cortiça, á qual davam um certo trabalho e preparo para a exportarem em pranchas, transportando-a depois para o porto de Villa Velha, onde havia duas casas inglezas que a compravam pelo preço que lhe queriam dar, que era, quando muito, 4$500 réis por carga de 9 arrobas, arroba de 15 kilogrammas.

Quando se deu o facto de ter o governo augmentado na pauta o valor da cortiça, alguns commerciantes me disseram a mim, que iam representar, porque tendo este anno já feito as compras, o tributo recaia todo sobre elles, que para o anno que vem já os não affectava, porque dariam só aos intermediarios o que quizessem!

Estas declarações, que são verdadeiras, provam sobejamente que este imposto vae recair exclusivamente sobre o proprietario, e que esta industria está monopolisada. Se este imposto ao menos se equilibrasse entre o productor e consumidor, ainda seria desculpavel, mas d’esta forma é injusto e insuportavel.

Ir lançar um imposto para favorecer o monopolio de certos individuos, e de certas casas, em detrimento de uma classe desfavorecida, é contrario aos interesses publicos, o pouco racional.

Sr. presidente, a justiça pede, e a sciencia aconselha, que sejam tratadas equitativamente todas as industrias d’este paiz, sem se sacrificar os interesses de uns aos interesses dos outros. Quando uma industria que tem ao pé de si a materia prima nas melhores condições, que tem facilidade de transportes, e magnificas vias de communicação, não floresce, é porque não tem rasão de ser. Sacrificar a essa industria uma outra florescente, e fonte abundante de receita para o paiz, é um erro que não se desculpa.

Até hoje quasi que se não tem dado protecção ao fabrico das rolhas, e não obstante elle tem continuado a desenvolver-se, e se do anno de 1878 foi mais diminuto, devido a certas e determinadas causas, assim mesmo o preço foi subido, e o seu valor elevado. O que quer dizer que, apesar da protecção dada pela Allemanha, pela America e pela Russia ás suas fabricas, tributando os nossas rolhas com imposto elevado, assim mesmo o pedido é tão superior á offerta, que ainda assim concorrem vantajosamente com os productos estrangeiros.

Isto prova á evidencia que a protecção que hoje o sr. ministro lhe dá, tributando pesadamente a cortiça exportada, não se justifica á face de principio algum. Isto é tanto mais digno de reparo, quanto se dá a este fabrico uma protecção que elle não reclamava.

Á hora já deu; e, como preciso fazer mais algumas considerações, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — A ordem do dia na segunda feira, 19, é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 17 de abril de 1880

Exmos. srs.: Duque d’Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Samodães, de Valbom, de Rio Maior, de Paraty, de Bertiandos; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, de Ovar, da Praia, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior; Barão de Ancede; Ornellas, Quaresma, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Coutinho de Macedo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Braamcamp, Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mello e Gouveia, Mexia Salema, Mattoso, Camara Leme, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Costa Lobo, Miguel Osorio, Daun e Lorena, Palmeirim.

Rectificações

No discurso do digno par Agostinho de Ornellas, sessão de 16 de abril, pag. 366, col. 2.ª, linha 2.ª, onde se lê — digam = leia-se = dignem = linha 20.a, onde se le = cortiça = leia-se = cortiça manufacturada = linha 42.ª, onde se lê = latido — leia-se = latino —; e pag. 367, col. 2.ª, linha 14.ª, onde se lê = Gibraltar = leia-se — Cadiz =.

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