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N.º 41

SESSÃO DE 2 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Não houve correspondencia. - O digno par Vaz Preto perguntou se já tinham sido enviados os documentos que solicitara pelo ministerio da fazenda. - O sr. presidente disse que ainda não tinham chegado. - O digno par Vaz Preto estranhou a demora. - O sr. ministro da fazenda disse que promettêra enviar os documentos no principio da proxima semana e que não faltaria ao que promettêra. - O digno par Antonio Augusto de Aguiar justificou a sua falta a algumas sessões. - O digno par Bandeira Coelho apresentou, por parte das commissões reunidas de fazenda e de obras publicas, o parecer relativo ao projecto de lei que auctorisa o governo a concluir por empreitadas geraes os portos artificiaes de Ponta Delgada e da Horta. - Ordem do dia: parecer n.° 60, sobre o projecto de lei que approva; para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio entre Portugal e a Allemanha, relativamente á delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional. - Usaram da palavra os srs. Barbosa du Bocage, ministro dos negocios estrangeiros, Antonio Augusto de Aguiar, Agostinho de Ornellas e Vaz Preto. - Esgotada a inscripção foi approvado o projecto. - Leram-se na mesa tres proposições de lei vindas da camara dos senhores deputados.- O sr. presidente levantou a sessão, dando para ordem do dia de terça feira, 5 do corrente, os pareceres nº.os. 62, 63, 64 e 65.

Ás tres horas da tarde, estando presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Assistiu o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejava que v. exa. tivesse a bondade de declarar se os documentos que eu pedi, pelo ministerio da fazenda, já foram remettidos a esta camara.

O sr. Presidente: - Tenho a informar o digno par de que os documentos ainda não vieram.

O sr. Vaz Preto: - Então desejo que fique registado que as promessas do sr. ministro da fazenda não foram ainda cumpridas.

V. exa. e a camara ouviram o sr. ministro da fazenda declarar que os documentos que eu tinha pedido iam ser-me enviados, inclusivamente os originaes...

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

Eu acabava de dirigir-me á mesa perguntando se já tinham sido enviados á camara os documentos que eu pedi e que v. exa. prometteu mandar que me fossem remettidos logo; e notava que v. exa. não tinha cumprido a sua promessa.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Parece-me que não faltei á minha promessa, porque foi esta semana que eu disse " no principio da proxima semana " e hoje é sabbado.

O sr. Aguiar: - Sr. presidente, participo a v. exa. e á camara que por incommodo de saude tenho faltado a algumas sessões.

O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de fazenda e obras publicas sobre o projecto de lei n.° 4, que auctorisa o governo a concluir, por empreitadas geraes, os portos artificiaes de Ponta Delgada e Horta.

Foi a imprimir.

OEDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 60, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 60

Senhores. - Desde que a Allemanha realisou a sua unidade politica, retardada pela revolução religiosa do seculo XVI, e se apresentou, emfim, como um só todo em frente do estrangeiro, era inevitavel que o grande homem, que presidiu á fundação do novo imperio allemão, procurasse assegurar-lhe uma posição preponderante, não só na Europa, como em todo o globo.

A expansão colonial da Allemanha era o corollario fatal da sua unificação politica e da necessidade de luctar em toda a parte com as armas pacificas da colonisação e do commercio contra as nações que, terminando mais cedo a sua evolução interna, mais cedo tambem se haviam lançado no caminho das descobertas e da apropriação das regiões extra-europêas.

Ao mesmo tempo outros paizes, superabundantes de população e de productos da industria, sentiam-se apertados no velho mundo, e as attenções dos politicos, dos geographos e dos industriaes voltavam-se para aquella região onde demos os primeiros passos no caminho glorioso das descobertas maritimas, mas que ficou para nós quasi esquecido, emquanto íamos fundar na Asia e na America dois imperios famosos, o ultimo dos quaes, embora independente, assegura uma duração perpetua á raça e á lingua portugueza.

Chegou a vez de pensarmos nos vastos territorios que ainda nos restam na Africa, e coincide com esta nova direcção da actividade nacional a concorrencia das outras potencias europêas que á porfia procuram apossar-se das terras ainda sem dono. A consequencia d´estes factos, de todos conhecidos, é a necessidade de fixar e de bem delimitar o territorio que definitivamente nos ficará pertencendo, e no qual tenhamos de concentrar a nossa acção civilisadora.

convenção que a vossa commissão de negocios externos examinou attentamente e submette á vossa approvação, tem por fim delimitar, não só territorios definitivamente occupados e já colonisados por Portugal e a Allemanha, mas tambem a esphera de acção exclusivamente reservada ás duas altas partes contratantes a sudoeste e a sueste da Africa.

Do lado do occidente são fixadas as fronteiras dos dois dominios quanto o permittem os actuaes conhecimentos da orographia, regimen das aguas e ethnologia, conforme balisas naturaes. Os rios Cunene, Cubango e Zambeze são pontos principaes e um parallelo vae das cataractas superiores do primeiro d´estes rios ao segundo, cujo curso segue a fronteira até Andara, de onde outro parallelo vae aos

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rapidos de Catima, no Zambeze. Alem destes limites jamais exercemos occupação effectiva, embora como exploradores ou como commerciantes n´elles a miudo penetrassemos. Entendemos comtudo preferivel ao reconhecimento de um dominio virtual estabelecer uma fronteira natural e sobretudo evitar que os allemães, tendo já transposto o Cubango em Andara, se alargassem para o interior, onde até já tinham celebrado tratados com alguns regulos ao norte do Cunene. Trocar direitos de que não faziamos uso pelo reconhecimento solenme na posse e do direito exclusivo de apropriação de regiões que talvez ainda sejam demasiado vastas para as podermos completamente assimilar, é, no parecer da vossa commissão, um accordo que póde ser approvado sem hesitação.

Quanto á fronteira de sueste, o curso do Rovuma, desde a sua embocadura, constitue tambem uma fronteira natural, só na zona de 5 milhas junto á costa que a convenção anglo-germanica deixou ao sultão de Zanzibar, dependente ainda de ulterior accordo. A partir de 5 milhas da costa, define aquelle rio não só a esphera de acção, mas tambem as possessões effectivas de Portugal da Allemanha, até á sua confluencia com o M´sinje, de onde parte o parallelo divisor que finda na margem oriental do lago Nyassa, alem do qual a Allemanha nada por emquanto possue.

Entende, portanto, a vossa commissão que está no caso de ser approvado, para subir á sancção regia, o seguinte projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, que o adoptou.

Sala da commissão, 28 de junho de 1887. = de Serpa = Marquez de Rio Maior = Henrique de Macedo = A. Costa Lobo = J. M. Ponte e Horta = F. Barbosa du Bocage = Visconde de Borges de Castro = A. de Ornellas, relator.

Projecto de lei n.° 9

Artigo 1.° É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o convenio entre Portugal e a Allemanha sobre delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional, assignado em Lisboa aos 30 de dezembro de 1886.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 23 de junho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cergueira Borges Cabral, deputado secretario.

Declaração entre os governos de Portugal e da Allemanha sobre a delimitação das possessões e da esphera de influencia de ambos os paizes na Africa meridional.

O governo de Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o governo de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, animados de identico desejo de estreitar ainda mais as relações amigaveis existentes entre Portugal e a Allemanha, e de assentar uma firme e segura base para a pacifica cooperação das duas potencias no intuito de desenvolver na Africa a civilisação e o commercio; resolveram estabelecer na Africa meridional limites definidos, dentro dos quaes cada uma das duas potencias tenha plena liberdade de acção para o constante progresso da sua actividade colonisadora.

Para este fim os abaixo assignados, Henrique de Barros Gomes, do conselho de Sua Magestade Fidelissima, e seu ministro e secretario d´estado dos negocios estrangeiros, e o conselheiro de legação Ricardo de Schmidthals, enviado extraordinario e ministro plenipotenciario de Sua Magestade o Imperador da Allemanha, devidamente auctorisados, convieram, em nome dos seus governos, nos artigos seguintes:

Artigo 1.° A fronteira entre as possessões portuguezas e allemãs no sudoeste de Africa seguirá pelo curso do rio Gunene desde a sua embocadura até ás cataracias que aquelle rio fórma no sul do Humbe, ao atravessar a serra Canná. D´este ponto em diante seguirá o parallelo até ao rio Cubango, d´ahi o curso d´este rio até o logar de Andara, que ficará na esphera dos interesses allemães, e d´este logar seguirá a fronteira em linha recta na direcção de leste até os rapidos de Catima no Zambeze.

Art. 2.° A fronteira que a sudoeste de África fica separando as possessões portuguezas das allemãs, seguirá o curso do rio Rovuma, desde a sua foz até á confluencia do rio M´sinje, e d´ahi para o oeste o parallelo até á margem do lago Nyassa.

Art. 3.° Sua Magestade o Imperador da Allemanha reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e Moçambique, sem prejuizo dos direitos que ahi possam ter adquirido até agora outras potencias, e obriga-se, em harmonia com este reconhecimento, a não fazer n´aquelles territorios acquisicões de dominio, a não acceitar n´elles protectorados, e, finalmente, a não pôr ahi quaesquer obstaculos á extensão da influencia portugueza.

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves toma sobre si identicas obrigações, no que respeita aos territorios que, segundo os artigos 1.° e 2.° d´este convenio, ficam pertencendo á esphera da acção da Allemanha.

Art. 4.° Os subditos portuguezes nas possessões allemãs de Africa, e os subditos allemães nas possessões portuguezas africanas, gosarão, no que respeita á protecção de suas pessoas e bens, á acquisição. e transmissão de propriedades immobiliarias e ao exercicio de sua industria, do mesmo tratamento, sem differença alguma, e dos mesmos direitos dos subditos da nação que exercer a soberania ou o protectorado.

Art. 5.° O governo portuguez e o governo allemão reservam-se negociar ulteriormente accordos especiaes que facilitem o commercio e a navegação e regulem é trafico nas fronteiras das suas possessões africanas. = (L.S.) Barros Gomes = (L.S.) Schmidthals.

Artigo addicional

Este convénio entrará em vigor e será obrigatorio para os dois governos depois de approvado pelas côrtes portuguezas, e officialmente publicado nos dois paizes.

Feito e assignado em duplicado em Lisboa, aos 30 dias de dezembro de 1886. - (L. S.) Barros Gomes = (L. S.) Schmidthals.

Está conforme. - Secretaria d´estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887. = A. de Ornellas.

Foi declarado em discussão na generalidade e especialidade.

O sr. Bocage: - Sr. presidente, pedi a palavra para explicar o meu voto, e fal-o-hei comquanto não veja presente, nem o sr. ministro dos negocios estrangeiros nem o sr. relator da commissão.

Assignei o parecer e voto pela approvação do convenio, porque entendo que a conclusão de tratados d´esta natureza é de toda a conveniencia.

É de alta conveniencia para o nosso paiz que as colonias tenham limites positivos em substituição de fronteiras indefinidas.

Este tratado teve origem quando eu tinha a honra de gerir a pasta dos negocios estrangeiros; as negociações foram entaboladas commigo, embora não chegassem a ter resultado final durante a minha gerencia.

Foi, Allemanha que tomou a iniciativa d´esta negociação, iniciativa que eu acolhi com muita satisfação, em obediencia a um plano geral de que me parece estar dependente o futuro e a prosperidade das nossas colonias, por ser condição indispensavel para o emprehendimento das reformas que tanto necessitam.

Esse plano era, como disse, substituir aos direitos histo-

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ricos direitos, positivos e geralmente reconhecidos a limites indefinidos e vagos, limites rigorosamente traçados e acceitos por aquelles a quem isso mais directamente interessa.

Foi obedecendo a este intuito que se haviam anteriormente inaugurado as negociações com a França para delimitação das respectivas possessões no Congo e na Guiné.

A este mesmo plano geral obedecem as negociações entaboladas com a Allemanha, negociações que dizem respeito a Angola e a Moçambique.

Por uma clausula incluida no da Guiné já a França reconhece a Portugal o direito de alargar a sua influencia pelos territorios que ficam comprehendidos entre as duas costas occidental e oriental de Angola e Moçambique.

Por consequencia, já v. exa. vê e a camara que a Allemanha com a sua proposta inicial veiu adiante de uma nossa aspiração legitima e tendente a melhorar a situação das nossas colonias.

Parece-me com effeito que é chegado o tempo de nós comprehendermos o estabelecimento de um bom systema colonial, que nos permitia aproveitar, melhorar e desenvolver os variados recursos das nossas possessões de alem mar.

Por este tratado ficou uma das nossas mais importantes possessões, Angola, com limites fixos ao sul e ao norte, que lhe deixam demarcado um territorio bastante extenso por onde a nossa acção civilisadora se póde expandir. Como impugnação a este tratado póde allegar-se que foi mister fazer concessões para o obter, e alguns espiritos menos attentos a examinar bem a verdade dos factos poderão ata affirmar que nós cedemos á Allemanha territorios e não recebemos nada em compensação. Esta asserção é inexacta. Não ha duvida alguma que nós cedemos á Allemanha algum territorio, mas tambem é certo que recebemos compensações territoriaes, compensações equivalentes áquellas que fizemos. (Apoiados.)

Effectivamente restringindo o limite meridional da provincia de Angola ao Cunene, ficâmos junto á costa sem o territorio que tinhamos pela convenção de 28 de julho de 1817 com a Inglaterra, territorio que se estendia até ao Cabo Frio ou com mais propriedade até o parallelo 18°, que é o limite fixado n´aquelle tratado.

Porem, se por esta forma, se fixara, por commum accordo dos dois paizes, o nosso limite meridional na costa, ficára vaga e indecisa a area territorial d´aquella nossa possessão para o interior, por isso mesmo que n´aquella epocha sómente interessava obter dominio na costa e ter a posse exclusiva dos portos maritimos por onde se effectuavam o commercio, ou, para fallar com mais exactidão, o trafico da escravatura.

Até onde se deve considerar prolongado para o interior o limite que o parallelo 18° define na costa?

Isso é que eu desafio quem quer que seja que possa affirmar com provas irrecusaveis.

Que o nosso limite não fosse apenas o ponto de intervenção do 18° parallelo com a costa, isso era innegavel, por isso mesmo que tinhamos alguns pontos occupados ou avassalados no interior; mas nem nas prescripções claras e precisas do direito internacional nem em factos reaes de occupacão ou avassallamento, podiamos firmar o nosso direito a todo o territorio que ficâmos possuindo pelo tratado. É justo que se diga isto.

Na carta de Angola do marquez de Sá da Bandeira encontram-se, é certo, definidos por uma linha pontuada os limites territoriaes de Angola; mas bem sabe v. exa., sr. presidente, e a camara, que essa linha de pontos seguindo ao sul o parallelo 18° até proximo do 20° meridiano, ahi se dirige para o norte parallelamente a este, deixando comprehendido apenas o territorio banhado pelo Cubango.

Compare se essa demarcação, que exprimia o maximo das aspirações ambiciosas do illustre marquez de Sá da Bandeira, com o territorio declarado exclusivamente nosso pelo tratado e ver-se-ha a differença.

Sr. presidente, a camara conhece perfeitamente como é que a Allemanha pela occupacão da região comprehendida entre o rio do Congo e o Cabo-Frio, veiu a ser de subito a nossa mais proxima vizinha ao sul de Angola, e a camara tambem sabe por que processos a Allemanha usa alongar a sua., influencia e estender o seu dominio ás regiões africanas que offerecem condições favoraveis ao desenvolvimento do seu commercio.

Todos sabem que o commercio allemão caminha adiante como explorador, estabelece relações, ajusta convenios, e vem depois buscar a protecção de um governo que cobre depois com a bandeira nacional os interesses do commercio allemão.

Foi o que succedeu em Angra Pequena, de onde irradiou a acção commercial até alem do 18° parallelo e que ameaçava attrahir a si territorios que de ha muito consideravamos indispensaveis á expansão da nossa acção colonial.

N´estas circumstancias é claro que urgia chegar a um accordo, com o fim de pôr uma barreira á acção invasora da Allemanha para o norte do 18° parallelo.

Isto conseguiu-se com effeito por este tratado, mas foi necessario que houvesse mutuas concessões. Cedemos, não ha duvida, alguma cousa dos nossos direitos, mas tambem, a Allemanha nos fez concessões, pois que tinha o direito de alargar a sua acção para o interior e para o norte do parallelo 18°, onde não podessemos oppôr-lhe direitos nossos anteriores e incontestaveis.

A Allemanha restringiu a si propria o direito de levar a sua acção civilisadora para o interior, e desta restricção resultou para nós uma grande vantagem.

Portanto, sr. presidente, este tratado assegura, não só o direito aos nossos dominios na Africa, mas ao mesmo tempo satisfaz completamente ás conveniencias publicas.

Poderia talvez conseguir-se mais vantagens?

E este um ponto que resta examinar.

Não me parece que, qualquer que fosse o modo por que se dirigissem estas negociações, se obtivessem da Allemanha concessões mais valiosas do que aquellas que se obtiveram.

Fallo com perfeito conhecimento de causa, e porque estou persuadido de que a Allemanha veiu negociar comnosco tendo previamente fixado qual a linha que havia de marcar ás fronteiras das possessões respectivas.

Demorou-se muito tempo esta negociação, que vem de mais longe do que parece dever-se concluir em vista dos documentos do Livro branco.

Sr. presidente, anteriormente á nota verbal do ministro da Allemanha inserta no Livro branco, já no parlamento allemão, no discurso da corôa, vinham mencionadas negociações entre Portugal e a Allemanha, que não existiam ainda, para a delimitação das fronteiras na Africa.

Estas negociações, que estavam então em projecto, só alguns mezes mais tarde é que foram iniciadas, pela pergunta feita pelo ministro ácerca dos limites meridionaes de Angola e das disposições do governo portuguez a adoptar, de accordo com o governo allemão, uma fronteira que definisse os limites de acção de cada um d´elles.

Em vista de uma resposta affirmativa, é que começaram as negociações, mas houve em seguida uma longa interrupção, não se dando pressa em as proseguir o governo allemão, principalmente porque não tinha ainda informações sufficientes que o habilitassem a propor ou acceitar uma fronteira definitiva.

Essas informações foram-se succedendo, e ao que parece, a Allemanha só se decidiu a continuar as negociações quando já possuia sufficiente numero de informações e depois de ter fixado, de si para si, os pontos por onde necessariamente devia passar a linha divisoria dos dois limites.

Succedia isto quando o meu illustre amigo o sr. Barros

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Gomes se achava occupando a pasta dos negocios estrangeiros.

Não creio, pois, sr. presidente, em que o modo por que se dirigiram as negociações influisse no resultado, final que tiveram, porque entendo, e com boas rasões, que esta demarcação é a que a Allemanha tinha reconhecido como indispensavel para proteger interesses já creados e que por isso seria impossivel fazel-a demover de seu proposito.

Foi para mim cousa de grande apprehensão, quando eu era ministro dos negocios estrangeiros, que a Allemanha, encetada a negociação, deixasse correr assim alguns mezes em perfeito silencio, porque receiava que, aproveitando-se d´esta demora, fossem os agentes da casa commercial de Angra Pequena dilatando as suas relações e a sua influencia pelo interior em pontos que nos fosse doloroso abandonar.

Não me era dado, porem, evitar este perigo.

Comquanto já previdentemente o governo portuguez tivesse adoptado alguns meios tendentes a prevenir e contrariar a invasão da Allemanha no interior de Angola, ainda assim não havia muito a esperar destas diligencias, o que vinha confirmar os meus justos receios.

N´esta situação, verdadeiramente embaraçosa, sem se poder confiar nos resultados de uma lucta a emprehender na Africa para nos anteciparmos ás invasões da Allemanha pelos territorios que mais nos convinha alcançar para o nosso dominio, comprehende-se bem que o nosso interesse nos aconselhava a conclusão em breve periodo das negociações pendentes com a Allemanha.

Estou persuadido de que o sr. ministro dos negocios estrangeiras, e estimo fazer esta justiça a um adversario politico, comprehendeu perfeitamente a situação e empenhou os maiores esforços em salvaguardar os nossos interesses.

Se não manifestou toda a energia que seria talvez para desejar, segundo o meu modo de ver, no proseguimento da negociação; se deu motivo a que o accussassem. Se deixar transparecer n´alguma das suas notas uma excessiva timidez, de não se apresentar com bastante desassombro em defeza das suas proprias propostas, manifestando logo ao apresental-as um intempestivo receio de que não fossem acceitas; se isto póde ser considerado como um processo de negociar menos conveniente, não me demorarei a analysal-o.

Entretanto, repito, estou convencido de que com este procedimento o nobre ministro não prejudicou absolutamente nada o resultado da negociação; não seria possivel obter a delimitação de fronteiras, em melhores condições do que se acha consignado n´esta convenção.

Foram estes os motivos que me levaram a assignar o parecer sem declarações.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, não tenho que defender o tratado ou convenção feita com a Allemanha, porque o digno par que acaba de usar da palavra, com a auctoridade que lhe dá a sua muita illustração e a circumstancia de já ter gerido a pasta dos negocios estrangeiros, se encarregou d´essa defeza perante a camara, tolhendo-me portanto o encargo de empregar quaesquer esforços no sentido de convencer esta assembléa a dar a sua approvação ao convenio que está em discussão.

Não podia esperar outra cousa da lealdade de caracter do sr. Bocage.

S. exa., quando ministro dos negocios estrangeiros, e mesmo como ministro da marinha, manifestou e deixou bem patente o desejo de fixar pór meio de convenios com differentes potencias europêas os nossos limites em Africa e, para esse fim, acceitou um principio de negociação com a Allemanha.

E não fez só isso, esforçou-se por que aquella nação não tornasse tão prolongada a demora na negociação, demora de que podia resultar um grande perigo.

A primeira nota verbal ácerca d´este assumpto foi apresentada pelo ministro da Allemanha n´esta côrte ao sr. Bocage em fins de 1885 e o andamento regular das negociações só veiu a ter logar quando esse mesmo ministro se me dirigiu para as encetar novamente em julho do anno passado.

O sr Bocage, como já disse, não se limitara porem, sómente a acceitar a negociação, fizera altos esforços no sentido de abreviar, o que se póde provar por documentos que existem no ministerio dos negocios estrangeiros, a um dos quaes me refiro com muita satisfação.

É o relatorio habilmente redigido pelo sr. Roma du Bocage, que foi a Berlim para, conjunctamente com o nosso representante n´aquella côrte, procurar informações e poder apreciar mais de perto quaes eram as intenções do governo allemão e até que ponto se coadunavam com os desejos do governo portuguez.

Esse documento notavelmente elaborado prova as diligencias que o sr. Bocage fazia para que este convénio viesse ao terreno pratico da realisação; mas, se o não conseguiu foi isso devido, na opinião de s. exa., á demora de que a Allemanha careceu para se informar melhor do que mais lhe convinha no traçado da fronteira. Se foi esse o unico e verdadeiro motivo, ou se se deram quaesquer outras circumstancias que tambem explicam essa demora da Allemanha, não vale muito a pena o aprecial-as n´este momento.

A Allemanha, a meu ver, escolheu o momento que lhe pareceu politicamente mais opportuno para entrar em uma negociação seguida com o governo portuguez e com maior probabilidade de chegar a uma rapida e satisfactoria intelligencia com elle.

E o governo portuguez, cumprindo aliás o que já tinha sido o desejo do gabinete que precedera o actual na gerencia dos negocios publicos, deu-se pressa em continuar essa negociação.

Cumpre-me agora acrescentar, com respeito a esta constante incriminação, que se me faz, da pouca energia da minha linguagem diplomatica, em favor da nação e zelando os seus direitos, que realmente não me parece que fosse, nas circumstancias que se deram com este tratado, o momento mais opportuno para desenvolver uma grande energia de linguagem, nem para tratar com um certo entono patriotico, com uma potencia que se nos apresentava, perguntando-nos frequentes vezes se os termos da sua proposta agradariam á opinião publica em Portugal, porque tinha a peito, não só fazer um tratado equitativo para ambos os lados, como tambem não ir de encontro ao sentimento popular, e desejando limitar as diligencias de expansão dos subditos allemães junto a Angola, no sertão de Mossamedes, para evitar por esta fórma que comnosco se d´esse algum episodio similhante ao das ilhas Carolinas, significando emfim que queria viver bem comnosco, que queria ter boas relações de vizinhança.

Por mais de uma vez se me perguntou assim: o que entendeis vós a respeito dos termos da convenção? Serão elles bem acceitos pela opinião publica e bem vistos pelo parlamento?

Ora, quando uma potencia de primeira ordem se apresenta de uma maneira tão amigavel, animada de um espirito de tamanha equidade, seria essa porventura a occasião para entoar as phrases altisonantes e patrioticas, e corresponder á amisade com arrogancia?

N´estas circumstancias seria muito facil que a Allemanha prescindisse do tratado e deixasse livre a acção dos seus subditos, para se expandirem por Africa, onde e como melhor lhes conviesse. Poderiamos nós, é certo, ter instado pela conservação d´essas clausulas que primeiro propozemos, mas afigura-se-me que a nossa energia não tinha rasão de manifestar-se n´essa occasião e por esse facto. Se apparecerem mais tarde quaesquer duvidas, que não devem apparecer, na manutenção e respeito do pactuado, comprehender-se-ia então a censura da camara, se faltasse

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energia ao governo; mas adoptar um tom aggressivo em face das potencias que tratam comnosco, unicamente pelo prazer de mostrarmos a consideração que lhes devem merecer os direitos que allegâmos, parece-me que seria grande imprudencia, podendo comprometter o bom exito das negociações.

Confesso que muito me pesam as censuras do digno par a este respeito, e as que me foram feitas na camara dos senhores deputados pelo mesmo motivo; mas, a despeito d´essas censuras, não me arrependo da maneira por que me conduzi n´este assumpto, e mantenho-me no proposito de continuar a usar d´aquelle tom, que, no meu entender, mais se coaduna com os interesses e com a dignidade do paiz, porque a nossa dignidade não se defende só com a ameaça nem com a intransigencia, defende-se com as boas rasões que se adduzem, e com os termos cordatos, que tendem naturalmente a desviar as dificuldades e objecções que possa apresentar contra nós a potencia com a qual tratâmos.

Sr. presidente, devo dizer á camara que considero este convenio muito importante, por ter sido o primeiro que celebrâmos com uma potencia como é a Allemanha, e muito importante porque nos fornece um documento internacional por meio do qual podemos affirmar os nossos direitos como até aqui os não affirmavamos.

Creio que alcançámos com elle um documento internacional de muita importancia, e mais um titulo valiosissimo que vem garantir os nossos direitos, e isto por parte de uma potencia que tinha convocado todas as nações da Europa e até alguma da America á conferencia de Berlim, que de certo não foi imaginada para nos beneficiar, e que hoje vem firmar a declaração solemne de que nos considera no caso e nas circumstancias de podermos legitimamente alastrar o nosso dominio e levar a nossa influencia civilisadora atravez de toda a Africa, declaração esta, repito, que emana da propria potencia que tinha reunido aquella conferencia em Berlim, da qual, até certo ponto se póde dizer que não tinha sido inspirada por sentimento de sympathia em favor de Portugal. Ligo por isto, repito, muita consideração á celebração do convenio. Não quero alargar-me nas minhas considerações; mais tarde terão cabimento outras reflexões que a celebração deste convénio suscita, e então se verá a decisiva influencia que elle já teve, e deverá ainda accentuar na definitiva resolução de antigas questões pendentes, que desde muito tempo se julgava de grande necessidade ultimar, porque pendiam com a manutenção do nosso dominio colonial, e do brio e dignidade da nação.

Tenho dito.

O sr. A. A. de Aguiar: - Não vae impugnar o tratado. Pelo contrario, congratula-se com o governo por ter apresentado ao parlamento este documento diplomatico, que aliás não tem maior importancia do que a concordata, a qual não foi submettida á approvação das camaras. Estranha a designação de declaração dada a este documento, sendo certo que a carta constitucional se refere apenas a tratados, concordatas e convenções. Deseja que se colloquem as questões no seu verdadeiro terreno, e se de ás cousas o seu verdadeiro nome.

Pediu porém a palavra para declarar que não póde entender o artigo 3.° da declaração, que diz o seguinte: " Sua Magestade o Imperador da Allemanha reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e Moçambique, sem prejuizo dos direitos que ahi possam ter adquirido até agora outras potencias, e obriga-se, em harmonia com este reconhecimento, a não fazer n´aquelle territorio acquisições de dominio, a não acceitar n´elles protectorados, e, finalmente, a não pôr ahi quaesquer obstaculos á extensão da influencia portugueza."

Estranha que a Allemanha reconheça o nosso direito, não se eximindo comtudo a reconhecer o que ahi possam ter tambem outras potencias, o que de nenhum modo nos salva de quaesquer conflictos futuros.

Fazemos um tratado para garantir a nossa propriedade, e a nossa propriedade não fica segura, nem mesmo com relação á Allemanha, que tratou comnosco.

Não entende, pois, o artigo 3.° ou não deveria estar assim redigido, ou o tratado não salvaguardará eficazmente os nossos direitos, como seria para desejar.

(O discurso do digno par será publicado na integra guando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Ornellas: - Sr. presidente, ainda que ha mais um digno par que pediu a palavra, talvez para apresentar tambem algumas objecções ao tratado que se discute, não quero, comtudo, deixar de responder desde já ao nosso illustre collega o sr. Aguiar, que por muitos titulos é digno de especial consideração, e cujo voto n´um tratado d´esta natureza é de grande peso pela sua qualidade de presidente da sociedade de geographia.

(Interrupção do sr. Aguiar, que não se ouviu.)

S. exa. tem sempre muita auctoridade, mas, na occasião em que se discute um tratado de limites, a sua qualidade de presidente da sociedade de geographia é de uma grande importancia, porque ninguem póde ter informações mais copiosas, exactas e fidedignas sobre estas regiões, que ainda não estão bem conhecidas e exploradas, e que pelo presente convenio cedemos á Allemanha. Na opinião, que com satisfação registo, do illustre presidente da benemerita sociedade de geographia, os territorios de alem Cunene e de Ovampo não são de grande valor e está bem compensada a sua cessão com as vantagens que nos dá o tratado.

Dois são os pontos sobre os quaes mais especialmente s. exa. fez recair as suas observações, e devo confessar que o fez com aquella imparcialidade e moderação que eu folgo de ver quando se discutem questões internacionaes, a proposito das quaes devemos esquecer as nossas divisões intestinas e pôr de parte todo o facciosismo de partido. Não quero com isto dizer que os diversos partidos politicos não possam ter uma differente maneira de comprehender a politica estrangeira, sendo portanto essa politica legitimo assumpto de discussão e debate politico; mas sempre em taes assumptos o interesse nacional deve ser anteposto ao interesse de partido. Se o governo, embora não represente o nosso partido politico, consegue tratar em condições vantajosas para a nação, é péssimo aggredil-o de má fé, e, só com receio de lhe reconhecer um bom serviço, ir imaginar perdas que não existem e negar resultados proveitosos que a consciencia reconhece. E tambem da maior importancia que não revelemos n´estes debates a nossa habitual desconfiança do estrangeiro e aquellas suspeitas e accusações que costumâmos levantar contra os que tratam comnosco.

A expansão colonial de todas as grandes nações europêas está multiplicando todos os dias os seus pontos de contacto comnosco; isolados para assim dizer na Europa, temos na Africa, na Asia e até na Oceania vizinhos poderosos, e todo o cuidado é pouco para com elles mantermos cordiaes e vantajosas relações. E em questões coloniaes, apesar da apparente confusão das opiniões, eu só distingo entre nós duas escolas: os que entendem que as ordens religiosas são mais eficazes para civilisarem os povos barbaros, que os missionarios isolados - pois aquellas têem sobre estes a superioridade das forças regulares sobre as guerrilhas, e a historia da idade media e até a contemporanea estão cheias de provas irrecusaveis e evidentes d´esta superioridade, nem outra é a causa da vantagem das missões catholicas sobre as protestantes -, e os que por certo receio exagerado e destituido de fundamento de não sei que consequencias que se seguiriam á tolerancia das ordens religiosas, mesmo restrictas ás missões ultramarinas, antes querem sacrificar as colonias que tolerar os frades.

Esta escola intolerante, que representa hoje o obscurantismo e o prejuizo, ha de ir desapparecendo e perdendo

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terreno, á medida que melhor se for comprehendendo como! está dependente da expansão colonial o futuro da nação.

No meu entender, se fosse permittida entre nós a fundação de ordens religiosas, com o exclusivo destino de missionar no ultramar, o unico perigo seria serem poucos e de todo escassos e insufficientes os candidatos que pretendessem abraçar uma carreira toda de sacrificio e abnegação. Já hoje são insuficientes as vocações para o clero secular, quanto mais o seriam para a vida monastica. Parece impossivel que alguem de boa fé acredite que a liberdade concedida a ordens religiosas faria de novo pullular os frades. E preciso conhecer bem pouco o seu tempo e as correntes de opinião que n´elle predominam.

Foram duas, como disse, as principaes objecções do digno par a este accordo ou convenio.

A primeira é relativa á forma desta convenção, accordo, tratado, declaração ou como melhor em direito se lhe possa chamar, pois, sendo uma simples declaração, parece a s. exa. contradictorio que se traga ao parlamento uma declaração e se lhe não submetia uma concordata.

Estou prompto a acceitar a doutrina, que uma simples declaração não está comprehendida na letra do artigo do acto addicional de 1852, que manda submetter á approvação das côrtes os tratados, convenções e concordatas. Entendo que temos exaggerado na pratica o principio do artigo, trazendo ás côrtes até simples accordos postaes regulando o peso e dimensão das encommendas ou o cambio dos vales postaes.

Bom seria, para o andamento regular e rapido das negociações, que se dispensasse esta formalidade, que nunca esteve na mente do legislador, que só pensou nos solemnes tratados de allianças ou limites e nos multiplicados accordos que a vida moderna cada vez torna mais frequentes entre as nações.

E na verdade, sr. presidente, nós somos n´este ponto uma excepção ás outras nações até as mais parlamentares. Ainda ha pouco, por exemplo, eu pedi n´esta camara a dispensa do regimento para que fosse discutido sem demora um convenio celebrado entre Portugal e os Estados Unidos da America relativamente á permutação de vales do correio, pois na America essa convenção não é votada pelo congresso, e dando nós um pleno poder ao nosso negociador, o director geral dos correios americanos trata sem pleno poder, em virtude das faculdades que lhe confere a lei.

Acabâmos de assignar um accordo com a Inglaterra para permutação de encommendas postaes, aqui trazemol a ás côrtes, em Inglaterra entra em vigor sem analoga formalidade.

Tudo isto, repito, occasiona demoras e transtornos, sem proveito algum e parece-me que não valia a pena trazer para o parlamento convenções da natureza d´aquellas a que me referi e que em nenhum, outro paiz carecem para serem validas, de previa approvação parlamentar.

Voltando, porém, ao assumpto, entendo que uma simples declaração como a presente podia deixar de ser submettida ás côrtes, se olhassemos sómente á sua forma exterior, se notarmos porem que em virtude d´ella cedemos territorio, ou para fallar com mais rigor cedemos direitos que tinha-mos a certos territorios, é indispensavel, não pela forma, mas pelo fundo e essencia do diploma, pedir para elle a sancção parlamentar.

E nós não podiamos pôr duvida alguma em darmos, a esta convenção a fórma que tem, uma vez que nem, a Franca nem a Inglaterra exigiram mais cautelas para firmarem com a Allemanha tratados destinados a produzir os mesmos effeitos, fixando a linha de fronteira das respectivas possessões e determinando a esphera de acção de cada potencia, nos territorios limitrophes, e de mais a mais quando a Allemanha nos diz que deseja dar a este accordo a mesma fórma que deu a identicos tratados celebrados com as duas potencias que acabei de mencionar,

Parece-me que quando duas potencias como a Allemanha a Inglaterra regulam em um documento, sem mais solemnidades, que este em discussão, não só o presente mas o futuro dos seus dominios coloniaes, e ao mesmo tempo as espheras da respectiva influencia em toda a superficie do globo, não tinhamos nós rasão para nos queixarmos de nos proporem tratar assumpto analogo por uma forma similhante.

Alem de que no proprio texto se diz que este diploma é um convenio, um pacto que obriga tão completamente como outro que fosse revestido de formas mais solemnes e pomposas.

(Aparte do sr. Aguiar, que não se ouviu.)

Não quero fazer reviver a questão da concordata, mas lembro que sustentei aqui, segundo a minha opinião, com muito boas rasões e apoiado nas maiores auctoridades, que essa concordata que nós discutimos, era simplesmente a execução da de 1857. Se o governo lhe tivesse dado a forma de convenção addicional, ninguem poderia por isso censurai-o nem affirmar que excêdera a auctorisação concedida por aquelle primeiro diploma. Nem por ser ratificada sem previo assenso das côrtes, deixou de haver sobre a ultima concordata a mais larga e desenvolvida discussão. A discussão havia necessariamente de vir, porque na resposta ao discurso da corôa quaesquer actos do governo podem ser discutidos, e o poder executivo não póde furtar os seus actos á revisão do parlamento e á sua apreciação. Mas, o que se trata de saber é se, para sanccionar uma convenção internacional, é sempre e em todos, os casos necessario submettel-a previamente á approvação das côrtes.

Em paizes onde o governo parlamentar existe em toda a sua plenitude, como a Inglaterra, nem todos os tratados são submettidos á previa sancção das camaras, porque se entende que essa pratica invariavel e sem excepção póde ter consequencias perniciosas.

Eu insisto nas palavras para que as não veja depois reproduzidas nas notas tachygraphicas de modo differente d´aquelle por que as pronuncio.

Estava na persuasão de que fallava claro, e a minha voz se ouvia a alguma distancia, mas o exame das notas tachygraphicas trouxe-me uma desillusão!

E não é sómente da tachygraphia que me queixo; na imprensa nacional tambem muitas vezes alteram o que o orador escreve, e se pretende corrigir, ora a nossa orthographia, ora a nossa propria redacção. N´este parecer subtituiram a palavra orographia, que eu escrevera, pela palavra chorographia,, talvez mais conhecida do auctor da emenda.

Emfim, eu tomo a responsabilidade de tudo quanto digo e escrevo, nunca, porem, do que outros me fazem dizer ou escrever.

Eu quero simplesmente notar que nós não podemos ser responsaveis por tudo quanto nos attribuem.

O sr. Vaz Preto: - Apoiado.

O Orador: - Algumas vezes declara-se que não revimos o discurso; mas quando mesmo se não faça esta declaração, o que significa ou indica que o orador reviu as provas tachygraphicas, não podemos ser responsaveis por tudo quanto se lê, porque, revendo em geral com pessoa e no meio de outros trabalhos, julgâmos ver no papel o que temos na memoria.

Assim, nem mesmo de tudo o que traz o discurso revisto se póde attribuir com fundamento ao seu auctor.

Faço, portanto, todas as reservas e apresento de antemão todas os protestos contra o que appareça de futuro em meu nome no Diario das camaras.

Continuando a referir-me ao discurso do meu illustre consocio, parece-me que s. exa. não prestou toda a sua attencão...

(Interrupção do sr. Costa Lobo.)

Peço desculpa de ter usado do termo consocio: imaginava que estava faltando na academia. Continuando, pois,

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como disse, a referir-me ao discurso do meu illustre collega o digno par Aguiar, devo dizer que todos os seus receios, todos os seus terrores, todas as preoccupacões que manifestou com relação ao artigo 3.° do convenio, se desfazem de uma fórma bem simples; basta que s. exa. se digne descer á analyse grammatical d´elle. A Allemanha quando nos reconheceu da maneira mais solemne o direito de dominarmos, de occuparmos e de conquistarmos todo o paiz que se estende entre Angola e Moçambique, obrigou-se emquanto ao futuro, mas sem pronunciar juizo, nem tomar compromissos emquanto ao passado. Se n´essas immensas regiões alguma terceira potencia tiver adquirido direitos, não pretende a Allemanha tirar-lh´os ou negal-os. Isto e só isto significa a menção de direitos adquiridos. Basta attentar no tempo do verbo.

Não se diz que ahi tem adquirido até agora, mas " que ahi possam ter adquirido, o que é uma supposição e nunca a afirmação de um facto reconhecido. No texto allemão ainda é mais clara a forma hypothetica e puramente conjecturai, para assim dizer da phrase. Ahi diz-se "possam talvez ser adquiridos, etwa bisher envobenen Rechte ".

E não só se não afirma nem reconhece direito de terceiros, mas está expressa nos termos mais claros e positivos a obrigação que contrate a Allemanha de respeitar o nosso.

Pelo que respeita á Allemanha, fica perfeitamente regulada e definida a nossa esphera de acção e bem defendida contra qualquer eventualidade futura, porque o artigo 3.° muito claramente diz que o Imperador da Allemanha se obriga a não fazer n´aquelles territorios acquisições de dominios, a não acceitar n´elles protectorados e finalmente a não pôr ahi obstaculos á extensão da influencia portugueza. Parece-me que se não póde exigir um compromisso mais solemne e mais claro em que estejam melhor previstas todas as hypotheses possiveis. Emquanto ao direito de terceiros é costume salvaguardal-os. A Allemanha não quiz prejudicar esse direito, mas de maneira alguma o reconheceu.

Pareceu-me que o digno par alludiu a não sei que protecção que não assegurámos bem.

Nós, tratando de potencia a potencia, de igual para igual, não vamos pedir que nos tomem debaixo da sua protecção, entre povos independentes fazem-se tratados de alliança, mas não se constituem protectorados. Este é um tratado de limites e se quizerem de alliança, não contra uma terceira potencia, mas contra a barbaria africana.

Portugal não póde preponderar pela força material, não são numerosos os seus batalhões, nem poderosas as suas esquadras, mas póde fazer-se respeitar pela força moral, pelo acerto dos seus governos, pela consideração que inspira a todas as nações, pela nobreza das suas tradições historicas, pela generosidade da sua politica colonial, sem que seja preciso que nenhuma potencia o tome debaixo da sua protecção.

Póde contar-se com o apoio de uma grande potencia, é de summa vantagem poder contar com elle, mas protectorados não se pedem e ainda menos se confessam.

(Interrupção ao sr. Aguiar, que se não percebeu.)

Pareceu-me que o digno par tinha dito que nós não podemos contar com a protecção da Allemanha.

(Interrupção do sr. Aguiar que não se percebeu.

Ora, um tratado de limites e não de alliança creio que não podia fazer-se em sentido mais satisfactorio.

O valor do territorio que nos é exclusivamente reconhecido de certo que não tem comparação com o territorio a que renunciamos, e o ter vindo comnosco a este accordo é uma prova manifesta da boa vontade do governo allemão.

A Allemanha, em vez de continuar concorrencia comnosco, disse aos seus proprios nacionaes, cuja paixão colonial teem o maximo interesse em animar e incitar eficazmente o nec plus ultra, que entregues só aos nossos recursos lhes não podiamos intimar. A Allemanha preferiu ir de accordo comnosco, e na melhor boa fé. Conheceu que na Africa lhes podiamos prestar valiosos serviços e que havia espaço suficiente para sem inveja nem conflictos se alargarem as duas nações. Celebrou comnosco um tratado que é a mais honrosa homenagem á nossa capacidade como potencia colonial e um reconhecimento solemne dos serviços que temos prestado e podemos ainda prestar á causa da civilisacão da Africa. Até onde se estende o poder da Allemanha estão definidas as nossas fronteiras, poderemos ter ainda que resolver dificuldades ou differenças com outras potencias, com o grande imperio allemão espero que só tenhamos de futuro as cordiaes relações que nascem de juntos cooperarmos para o mesmo fim, a civilisacão da Africa.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu pedi a palavra, para declarar que voto contra este tratado, convenio, convenção ou declaração, como lhe quizerem chamar.

E voto contra, porque sou d´aquelles espiritos menos attentos e meticulosos, de que falla o digno par o sr. Barbosa du Bocage, que estão convencidos que nós cedemos muito e recebemos pouco.

Effectivamente eu tambem pertenço a esse numero. Eu tambem sou d´aquelles que estou convencido que cedemos direitos, e grande porção de territorio, e em compensação recebemos pouco ou nada.

Para este convencimento basta a simples leitura do projecto, basta saber que a Allemanha só agora de moderna data é que começou a lançar as suas vistas cubiçosas para a Africa.

É esta a rasão por que eu voto contra este projecto.

Sr. presidente, eu tenho ácerca das nossas possessões e colonias uma opinião singular, pouco popular, talvez estravagante, e inteiramente opposta e contraria á que se diz ser a mais patriotica, que contesta a conservação integra e completa das nossas colonias.

Com franqueza o digo, eu penso de uma maneira differente, eu estou convencido, que essa opinião tem sido um erro de todos os governos, e do paiz.

Eu entendo que nós deviamos ter na maior conta as possessões que se podem explorar com proveito do estado, e perder todo o empenho de possuir ou conservar territorios que não possam dar-nos proveito, e que não sabemos se o poderão vir a dar, n´um futuro mais ou menos remoto, e que de momento só nos trazem complicações e prejuizo.

Por querermos mais do que nos convem e do que podemos possuir e explorar é que vamos perdendo pouco a pouco muita cousa que poderiamos ter alcançado para com o seu producto beneficiar outras, colonias. Assim temos perdido direitos a territorios sem compensação condigna.

No congresso de Berlim todas as potencias ganharam só nós perdemos; esta convenção priva-nos de territorio importante e de direitos valiosos. A de Guiné vae ainda mais alem; d´aqui a pouco a tunica d´este velho e glorioso Portugal será despedaçada e os frangalhos apartados e guardados com todo o cuidado por quem mais força tiver, e ficaremos muito contentes se ao menos não nos riscarem dos mappas das nações conhecidas.

No meio de tudo isto sabe v. exa. e a camara qual é a consolação que o sr. ministro dos estrangeiros nos dá? Diz-nos que devemos ter muita honra e orgulho em celebrar uma convenção com a Allemanha, que reconheceu os nossos direitos.

Diz-nos que a Allemanha, esse potentado europeu, que reuniu em Berlim em conferencia as nações mais poderosas e coloniaes, nos fez a honra de tratar comnosco e de reconhecer os nossos direitos!! Agradeça s. exa. á Allemanha eu dispenso essas honras. Preferia, antes a conservação do nosso territorio e direitos a tamanha gloria. Eu estou convencido que uma nação grande e poderosa dá uma prova do seu bom senso e valor quando reconhece os direitos dos pequenos e fracos, e os faz respeitar.

Não quero alongar as minhas reflexões, porque só pedi a palavra para uma declaração de voto.

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576 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Leu-se o projecto e foi approvado.

Leram-se na mesa as seguintes proposições de lei vindas da camara dos senhores deputados:

Auctorisando o governo a incluir nas tabellas de despeza dos ministerios da fazenda, guerra e marinha diversas verbas para pagamento dos vencimentos ás classes inactivas.

Á commissão de fazenda.

Auctorisando o governo a comprar, junto ao edificio onde actualmente funcciona a caixa geral de depositos, um predio onde se installe a caixa economica portugueza.

A commissão de fazenda.

Modificando as tabellas A e B das industrias, profissões, artes e officios organisadas pela carta de lei de 31 de março de 1880 e approvadas por decreto de 3 de junho de mesmo anno.

Á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: - Não havendo nenhum outro assumpto de que a camara se occupe, e não tendo ainda dada a hora, convido os dignos pares a trabalharem em commis-sões.

A seguinte sessão terá logar terça feira, 5. A ordem do dia é a discussão dos pareceres n.ºs 62, 63, 64 e 65.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e quinze minutos.

Dignos pares presentes na sessão de 2 de julho de 1887

Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; Condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, de Magalhães, de Paraty, de Valenças, Viscondes, de Benalcanfor, Borges de Castro; Barão do Salgueiro; Adriano Machado, Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Barros e Sá, Senna, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Augusto Cunha, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Margiochi, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Fernando Palha, Candido de Moraes, Holbeche, Valladas, Vasco Leão, Andrada Pinto, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Pedreira, Fernandes Vaz, Lobo d´Avila, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Sampaio e Mello, Bocage, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Miguel Osorio Cabral, Calheiros, Barjona de Freitas, Serra e Moura.

Redactor: - Alberto Pimentel.

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