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SESSÃO N.° 41 DE 15 DE MARCO DE 1907 295

Direi pois a minha opinião sobre pontos fundamentaes d'esta proposta de lei, que é um grande attentado, um grande mal para a Monarchia, um grande erro - e que, um dia e breve, ha de ser causa de profundo arrependimento e nova penitencia!

Conta se de um imperador romano, humilde alfageme de seu officio, erguido durante alguns dias á dominação imperial por uma revolução da soldadesca, conta-se d'elle que, no ser varado do peito ás costas pela espada de um pretoriano, este lhe bradara: "Foste tu que a forjaste!"

O Sr. Presidente do Conselho - aqui lhe ficava o agouro!-ha de ainda soffrer da arma perigosa e cruel que está em caminho de se fabricar. E é justo!

Esqueceu, em horas de prosperidade, a antiga sezão do infortunio. Olvidou os seus tempos de soffrimento e de lucta. Não se lembra agora de que, ainda ha breves mezes, quando a imprensa dissidente e regeneradora-liberal se encontravam juntas n'uma formidavel campanha contra o Governo que fizera o contrato dos tabacos, o seu pai tido se insurgira, em alguns dos mais sangrentos e pessoaes artigos que tem produzido o jornalismo portuguez, contra, as violencias exercidas, contra o arbitrio dos governantes, e defendera os mais amplos e liberaes principios.

Entonteceram-no, como é da triste condição humana, os fumos do poder! E tão desvairado está do seu poderio que, se fosse possivel, para relembrar-lhe o abandono dos apregoados principios e o nada das vaidades governamentaes, pôr-lhe deante dos olhos uma figura que representasse todas as suas affirmações e todas as suas desventuras, o Chefe do Governo desviaria os olhos como, no estonteamento da festa e do vinho, os egypcios não attentavam no esquife onde repousava a imagem de um morto e que os escravos passeavam em torno á mesa dos seus festins para lhes recordar a inanidade e a mesquinhez dos seus gozos e alegrias.

O Sr. Presidente do Conselho esqueceu todo o passado. Todo! Vive de ouvido só attento aos ventos do Paçô, de orelha rebelde aos rumores do povo. Como para mim esta desillusão foi profunda!

Imaginava que o Sr. Presidente do Conselho, doutrinado pela dura lição de alguns annos; em que viu, contra si e contra o seu partido, empregadas a lei eleitoral da sua invenção e outras providencias d'essa funesta politica do chamado engrandecimento do poder real, repelliria toda esta velha ferragem antidemocratica e odiosa.

Imaginava que, havendo sido o partido regenerador liberal tão apaixonado, em nome da grande causa nacional, contra a questão dos tabacos, e tendo por ella os seus jornaes soffrido duros flagicios, remodelaria a legislação da imprensa em bases mais amplas e radicaes, conformes ás tradições historicas, ás noções de verdadeira liberdade, e até aos principios scientiticos mais modernos do direito publico.

Imaginava, annunciando-se a destruição da lei do Sr. Beirão, figura proeminente do partido progressista, que semelhante facto, de feição audaciosa e irreverente para aquelle illustre estadista e para o nobre agrupamento, representava uma aspiração para largos ideaes - e aspiração tão fervorosa que o partido progressista, sentindo passar na sua alma collectiva um fremito do velho espirito radical e patuleia, transigia com a destruição da sua propria lei, consenti que ella fosse derogada em nome de um principio superior de liberdade e de justiça.

Pois como se explicaria de outra forma que o partido progressista permittisse que uma sua lei, do seu mais graduado representante n'esta Camara, fosse ferreteada de anti-liberal e iniqua, fosse por isso anniquilada, sem ser substituida por outra lei revestida de uma feição tão alta e profundamente democratica que esse partido a pudesse acceitar em nome do seu velho programma e das suas tradicionaes aspirações? Assim não succedeu. O proprio partido progressista vota para não criar difficuldades ao Governo, como experiencia - o que é, a um tempo, uma condemnação e uma humilhação. E continua, depois d'isso, a chamar-se liberal esta hybrida alliança dos dois grupos! Sim! Liberal de nome, como aquellas elegantes damas do galante livro de Brantôme, ás quaes o auctor chama tanto mais honestas quanto mais as descreve enxarcadas na sensualidade e no vicio!

Liberal! Mas, para se ser liberal, é preciso ter a concepção justa, ampla, do que seja a liberdade. E esta não existe nos povos, di-lo a historia e di-lo a sciencia, sem a mais ampla e plena liberdade de imprensa. Para que os legisladores a comprehendam e amem, teem de conhecer a sua evolução através dos tempos, cumpre-lhes surprehender na historia a sua acção iconoclasta e reformadora, e entranhada na alma a fé profunda da sua missão social, avigorar ainda o amor por ella no estudo do Direito Publico moderno.

Só assim é que essa liberdade se ama e se realiza. Só assim é que ella surge e se radica, rodeada de garantias nobres e das seguranças democraticas indispensaveis á sua expansão civilizadora - e que desappareceram da lei que se discute.

Olhe se para o passado e veja se como, nos dois maiores acontecimentos da humanidade, a imprensa teve uma acção omnipotente e decisiva.

Attente-se na França de 1789 e na Inglaterra, cuja revolução estabeleceu a monarchia constitucional na Europa e fundou, depois, na America, a grande e poderosa republica.

A imprensa foi a enorme, a invencivel arma de demolição e de combate. Os martyres da imprensa são os martyres da liberdade.

Em nome da defesa do Throno e do Altar, queimam-se na Praça da Greve, pela mão do carrasco, os trabalhos de alguns escriptores que precederam o grande movimento da revolução.

Na Inglaterra, aos escriptores que defenderam o povo e as suas liberdades contra os vexames da Igreja e do sceptro, contra o arbitrio dos Ministros, mutilavam-lhes o corpo, escarneciam-lhes nos tribunaes as mal fechada" feridas, amarravam-os ao pelourinho e condemnavam-os a prisão perpetua.

No seu estylo severo, em duas paginas de uma sobriedade austera, traça Guizot o doloroso quadro dos supplicios inflingidos a esses obscuros heroes da penna, os filhos do povo porque a nobreza ainda não despertara para a lucta pelas liberdades, o que fazia dizer a um fidalgo: - "a honra que de ordinario reside na cabeça, desceu agora, como a gota, para os pés". Um d'esses pamphletarios, no dia da execução, bradava ao carrasco: - "não afasteis o povo, é preciso que elle aprenda a soffrer".

Outro, Liburue de nome, açoitado pelas das de Westminster, aconselhava á multidão a defesa dos seus direitos. Amarrado ao pelourinho, não cessou de falar: puzeram-lhe uma mordaça: emmudeceu: então, as seus braços livres atiram ao povo os pamphletos que arrancavam das algibeiras: depois, amarraram-lhes as mãos. E, assim, immovel, silencioso, jorrando-lhe o sangue das costas açoutadas e escorrendo-lhe em fio das orelhas mutiladas pela mão do algoz, elle ficou exposto aos apodos e risos de alguns dos seus juizes, que, de uma janella, quizeram assistir ao cumprimento da sentença.

A imprensa foi a grande propagandista dos principios que derruiram a sociedade antiga e ergueram sobre ella um mundo novo, criado pelas duas grandes revoluções.

E, entre nós, não esquadrinhavam os quadrilheiros de Pina Manique as lojas de mercadores estrangeiros, para nellas prearem os livros julgados impios e perigosos para a Monarchia?

Não estremeciam os bucres da cabelleira do famoso intendente, quando suspeitava a entrada em Portugal dos