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39 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

livros de atheus e maçons ou quando os seus olhos pousavam n'alguma publicação clandestina, percursora do abalo social que da Franca se ia transmittindo de terra em terra, até chegar a este rincão da Europa, assombreado pela cogula do frade e dominado pelo poder do throno?

Quando a liberdade entre nós ensaiou os seus primeiros voos, a imprensa auxiliou-lhe as arrojadas tentativas; e por isso, contra ella, esse assombroso engenho do padre José Agostinho de Macedo granisou os sarcasmos e injurias de uma alma assanhada em sedes de sangue, negro latibulo de odios e de despeites.

N'um dos seus mais ferinos livros, monumento maravilhoso de linguagem portugueza, elle requer, para os periodicos, que sejam queimados pela mão do Executor de Alta Justiça e que pereça na forca quem sonegue um só d'esses, "venenos" ao fogo do carrasco.

Porque? Porque os periodicos, di-lo o rancoroso e deslinguado padre, despertavam ideaes de liberalismo. "A lagarta teimosa e voracissima não faz mais damno nos renovos de uma vinha, frustrando sem remedio as esperanças de um anno, do que fez o ataque periodica l, arma poderosissima nas mãos do partido, usada sempre e quasi nunca infructuosamente ".

A sua penna raivava entre diatribes: - "Em todos os reinos, em que os periodicos se multiplicaram muito, se tornou inevitavel a revolução): E, n'um assomo de formidanda colera, exacerbada pelas dores que tinham empolgado as unhas no seu corpo combalido de devassidões, o frade gosmava estes dizeres: "Os tempos das Constituições e das Cartas são os tempos dos periodicos". E tantos escriptos, livros e periodicos, se haviam introduzido no reino para a preparação da obra liberal de 1820, que aquella alma de mau clerigo, tão radiosa de claridades intellectuaes, como apostemada de odios moraes, dizia que seria trabalho para cem homens e para cem annos colligir todos esses periodicos para a fogueira onde deviam arder, assim como os seus donos deviam ser, na forca, cavalleados do carrasco. A imprensa deve muito, deve tudo, a liberdade portugueza. E quando elle, orador, vê filhos do povo, netos de humildes plebeus, malsinar essa instituição, á qual devem a Liberdade que os arrancou da servidão e obscurantismo para lhes dar as honras e grandezas, elle pensa que não ha maior insolencia do que a d'esses renegados erguidos a governantes, maior ingratidão que a d'esses descendentes dos soldados da Democracia, transformados em perseguidores da causa generosa que lhes dispensou nome, haveres e a posição social de que os excluiam as condições da velha sociedade derrubada!

Muito deveu á liberdade da imprensa, sempre, a causa da Democracia, ou ella se consubstancie com tradições monarchicas ou se confunda com a causa republicana.

E hoje, por toda a parte a que alonguemos os olhos, em havendo uma causa de piedade, de dor, de justiça, de liberdade, ella logo ali, a imprensa, a radiosa combatente!

Quem fez a Duma da Russia, quem destruiu esse velho despotismo, esterilizador das almas e da consciencia de um povo, concretizado na phrase horrenda de Catharina da Russia: "os Reis devem seguir o seu caminho sem ouvir as questões do povo, como a lua segue o seu curso sem a deter o ladrido dos caes?"

Quem na França, agora, ha dias, salvou a Democracia dos assaltos formidaveis do clericalismo e do militarismo?

Quem, instante a instante, apresentou perante os olhos da Humanidade, convulsionando-a n'uma infinita dor, a pallida figura do judeu que expiava na Ilha Maldita os odios da sua casta?

Elle, o condemnado, estava longe, a milhares de leguas da França: mas a imprensa tinha o condão de nos representar a lugubre cella, abrasada do sol, uivada das feras, soluçada do mar, em que um ser humano padecia as febres que lhe consumiam o corpo, e as saudades e as angustias inenarraveis que lhe pungiam a alma - e tanta piedade houve nas suas palavras, e tanta dor e tanta justiça nos seus protestos, que a sombra se desteceu em claridade e o martyrio se transformou n'uma apotheose!

E, entre nós, ainda agora?

Como é que sem a imprensa se podia arrancar, por largo prazo, e monopolio dos tabacos ás mãos dos contratadores?

Sem ella não cairiam nas arcas do Thesouro tantos milhares de contos de réis, e não se realizaria essa grande obra, por tantos julgada impossivel, de prosperidade e de grandeza para a nossa Patria.

E quem, se não a imprense, evitou que hoje, n'essa bella ilha embalada pelas ondas do Atlantico, n'essa formosissima Madeira, tão radiosa de tradições historicas na chronica das nossas descobertas, os tavolageiros exercessem o seu. mister de corrupção e de vicio, no mesmo sitio talvez, em que os audazes navegadores fincaram a bandeira da patria, ergueram um padrão de conquista, e d'onde elles, a um tempo alvoroçados de esperanças e atormentados de incertezas, estendiam olhos ansiosos para a vastidão do Mar Tenebroso, escumado da prosa das suas humildes navegações, rotas dos ventos e ennegrecidas das tempestades?

Quem afastou a consummação de uma grande vergonha nacional, e de um grande crime prestes a perpetrar-se no. Parlamento Portuguez?

A imprensa. Só ella! Como é então que homens, dizendo-se liberaes, fazem uma lei que a regulamenta, absolutamente opposta aos principios fundamentaes da sua liberdade, aniquilando o jury, supprimindo a entidade do editor?

Bastam estes dois capitulos de accusação para a lei ser um attentado.

Que importa que n'essa lei existissem - mas não existem! - outras condições de melhoria sobre leis anteriores?

Onde a acção do jury não é amplissima, onde ella não é a jurisdicção fundamental nos delictos de imprensa, esta não, é livre!

Á lei que se discute não é mais liberal que as antecessoras. E menos.

Representa sobretudo um retrocesso pavoroso sobre a legislação que vigorava no paiz quando em 1890, n'uma funesta dictadura, se iniciou a primeira aggressão da politica chamada, do engrandecimento do poder real.

Mas mais liberal que fosse, isso que importa?

Não veio este Governo dizer que iniciava no paiz uma politica tolerante, amplissimamente liberal, fundada no poder supremo ia opinião publica?

Veio.

A sua obrigação, sob pena de falsear os prometimentos, era cumprir.

Não nos disse aqui mesmo, n'esta sala, ha semanas, ha dias, o Chefe do Governo, que elle proprio attentara contra a liberdade, mas que tinha em horror esse passado, de que humildemente se penitenciava?

E a que correspondem as suas nenias de arrepaadimento?

A uma !ei de imprensa que figuraria a primor entre as antigas leis da sua primeira e arrogante phase de politica auctoritaria e pessoal!

Essa penitencia lembra a satyra de Juvenal, quando fala do Cesar romano que publicava leis terriveis contra o incesto, ao passo que sua sobrinha Julia expellia dos sovados flancos farrapos de carne que, pela semelhança com o austor d'essas leis, depunham formidavelmente contra elle.

O Chefe do Governo diz querer governar em nome da opinião publica; parece comprehender que ella é hoje a grande dominadora "a soberana dos legisladores e o tyranno mais absoluto", na phrase de Mirabeau.

Por vezes, nas suas palavras, como que se condensa, ou por um reflectido proposito scientifico, ou por um arranque do seu temperamento ainda aziumado pelos annos de opposição, a grande