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SESSÃO N.° 41 DE 15 DE MARCO DE 1907 397

doutrina, defendida por tantos publicistas, de que a opinião publica é um poder constitucional do Estado, e de que a imprensa periodica é o orgão mais energico, a mais alta expansão juridica d'esse poder.

Na Inglaterra, a que o Sr. Presidente do Conselho disse, nos seus centros e nos seus jornaes, ir beber o exemplo e a lição, invocando as luminosas figuras de Gladstone e Peel, a opinião publica tem arrancado á resistencia da soberania legal, tantas vezes em opposição com a soberania de facto - a soberania da opinião - leis que fizeram grande e poderosa essa nação.

Lembro-me da extincção da escravatura, da lei dos cereaes, da lei da emancipação dos catholicos.

A opinião publica é, na phrase de um grande parlamentar italiano, um orgão do Governo constitucional, um verdadeiro e proprio elemento constitucional ordinario.

Os Reis e os Ministros devem escutá-la, surprehendê-la em flagrante nas suas justas e verdadeiras manifestações.

Foi esse o segredo de Leopoldo II da Belgica, Rei constitucional, tão prudente e tão sabio que, pelo seu talento e idade, mereceu o ser denominado "O Nestor dos Reis".

Escutar a opinião constituia a grande forca de Cavour que fez a unidade da Italia, no reinado d'esse famoso soberano que se chamou Victor Manoel e que foi tão feliz - tão feliz! - que teve grandes Ministros, amantes da democracia e, por ella, fazendo grande a sua patria e a Monarchia.

Feliz! Sim.

E boa ou má sorte dos Reis o terem bons ou maus Ministros, porque, se um Rei é bom de condição e os seus Ministros são maus, fica esse Rei mau perante a historia, porque, na phrase de um grande escriptor francez, os Ministros são os crimes dos Reis.

A opinião publica, tem-no dito o Chefe do Governo, governa os povos.

Mas, então, se essa é realmente a doutrina, scientifica e se esse é o seu modo de pensar, porque não tira d'essa doutrina as legitimas consequencias?

Em materia de liberdade de imprensa periodica cumpria-lhe ir o mais longe possivel, porque sem ella, sem essa liberdade, não pode existir regimen democratico.

O proprio suffragio universal, fundamento essencial da organização politica dos Estados modernos, carece da imprensa.

No dizer de um grande publicista, a imprensa constitue o seu "complemento indispensavel".

E um outro modo de elaboração da opinião publica e da vontade nacional, que serve de correctivo ao primeiro.

O suffragio traduz a vontade do paiz, mas como é muito organizado, falseia a por vezes: a intervenção das commissões eleitoraes, a pressão administrativa, as considerações de pessoas na escolha dos candidatos, a falta de caracter dos eleitos, são outras tantas causas de que o suffragio se desvie por vezes da inteira verdade.

Á imprensa, sendo livre, traduz mais exactamente a vontade nacional: por um lado, mercê de informações completas, dá-lhe os meios de se formar, em seguida como que a recolhe e formula.

Para quem a sabe consultar, a lista dos jornaes com os seus diversos matizes de opiniões esposadas por um numero maior ou menor de leitores, constitue uma carta de geographia politica, bem mais sincera e significativa que os grupos do Parlamento".

São profundamente verdadeiras, de um alto rigor scientifico e de uma larga observação, estas palavras de um notavel publicista.

Toda essa missão da imprensa fica porem infructifera, como mostram a historia dos povos, as luctas do Parlamento, e attestam até os mais altos criminalistas e tratadistas de Direito Publico, se são sequestrados ao jury os delictos de imprensa como o faz a lei que se discute!

Quando em 1890 se procurou em França, n'um accesso de desfallecimento democratico, estabelecer os tribunaes correccionaes para delictos de imprensa, no relatorio apresentado á Camara dos Deputados por Camillo Pelletan, que combateu a proposta de lei vinda do Senado, lia-se que a "historia das jurisdicções em materia de imprensa politica é a propria historia da liberdade".

E Pelletan prova o com o exemplo da França desde que o juro foi estabelecido pela fracção liberal do partido legitimista até os nossos dias. A questão entre o jury e os tribunaes correccionaes em materia de imprensa é "uma das posições á volta das quaes a democracia pelejou mais combates; tomada, perdida e retomada, em cada um dos conflictos travados pelas nossas liberdades".

No admiravel discurso em que Paul Deschanel combateu essa tentativa reaccionaria, disse o grande orador:

"Entre o Governo ou os seus agentes e o escriptor que ataca, não se pode tomar por arbitros juizes nomeados pelo Governo, collocados na sua mão, que d'elle esperam melhoria de situação, a recompensa dos seus serviços.

É ocioso dizer que não falo aqui de pessoas: eu sou cheio de respeito para a nossa ordem judiciaria. Mas não basta ser irreprehensivel: é preciso não ser suspeito: e, n'esta materia, os juizes são-no em razão mesmo da sua origem e da sua investidura.

Reformae primeiro a nossa organização judiciaria, fazei-nos uma magistratura de paiz livre e podemos em seguida discutir a vossa lei".

Estas palavras são, em grande parte, applicaveis ao nosso paiz.

E são-no aquellas em que o grande orador mostra que á imprensa assiste o dever de accusar o funccionario que atraiçoou as suas funcções; que é esse o dever, a utilidade, a nobre missão da imprensa, recordando as bellas paginas de Machia vel nos seus discursos:

"De como as accusações são necessarias n'uma republica para manter a liberdade e de como o mais seguro meio de destruir a calumnia é abrir os caminhos mais largos ás accusações".

A critica aos actos - aos actos de funcção - dos funccionarios do Estado é um direito de todo a cidadão, pois todo o cidadão tem a plena faculdade de criticar e censurar os actos de um homem publico.

E como, para saber se a critica ultrapassou os limites, é preciso olhar tanto á natureza do acto incriminado, como ao caracter e até ao tem da critica, n'uma palavra, a todas as circumstancias da discussão, como isso é uma Apreciação delicadissima, como não pode tomar-se por padrão de aferimento uma nomenclatura, um texto preciso, como por consequencia o direito de discussão e fiscalização está assim intimamente travado, não ha senão um arbitro possivel: é a opinião publica, é o jury.

Tirar ao jury o conhecimento dos delictos de diffamação, de injuria, de calumnia, seria attingir a discussão contra as pessoas.

Ora, n'um estado livre, a discussão contra as pessoas publicas não é menos necessaria que a discussão contra as ideias: e muitas vezes essas discussões não fazem senão uma.

No seu maravilhoso discurso, onde todas estas ideias são expostas n'uma linguagem de eloquentissima flexibilidade, refere Deschanel um facto que, só por si, é a defesa do jury e um grande argumento dos que o reclamam e sustentam.

Travara-se a lucta entre Gambetta, cujo nome é irmão gemeo de Liberdade, de Justiça, de Patria, e as numerosas forças conservadoras da Monarchia e do Imperio, acaudilhadas pelos Ministros de Mac-Mahon. Foi no chamado golpe de Estado de 16 de maio.