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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 41

EM 14 DE AGOSTO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Penafiel

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. Expediente. — O Sr. Presidente declara ter recebido uma representação contra a proposta de lei relativa ao commercio de borracha nas nossas possessões africanas, e consulta a Camara sobre se permitte que seja publicada no Diario do Governo. A Camara autoriza a publicação. — O Digno Par Francisco José Machado apresenta á Camara uma representação do Syndicato Agricola de Alter do Chão, pedindo providencias que acudam á crise de fome que existe naquella região. Insta pela remessa [de documentos que pediu pelo Ministerio do Reino, em 5 d'este mês, apresenta diversas considerações sobre a actual organização do ensino e, por fim, allude ao aumento tributario applicado á entrada de vinhos em Lourenço Marques. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça. — O Digno Par José de Alpoim associa-se ás palavras com que o Digno Par Sebastião Baracho encareceu a exposição do Rio de Janeiro, e precede de varias considerações a apresentação de um requerimento em que pede copia da proposta de promoção, por distincção, ao posto immediato, do capitão João de Almeida, e por ultimo chama a attenção do Governo para a excessiva despesa a que são obrigados os proprietarios das fabricas de cerveja com a fiscalização directa imposta ás suas fabricas. Envia para a mesa requerimentos pedindo documentos pelos Ministerios da Marinha e da Fazenda. — O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros folga com o ensejo que o Digno Par Alpoim lhe proporcionou de se referir elogiosamente á exposição do Rio de Janeiro.— O Digno Par Sebastião Baracho manda para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda.— O Digno Par Visconde de Algos envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio do Reino.

Na ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil). — Conclue o seu discurso, começado na sessão anterior, o Digno Par Teixeira de Sousa, e responde a S. Exa. o Digno Par Dias Costa. — Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 22 Dignos liares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Telegrammas:

Loulé, 13. — Exmo. Presidente camara Pares. — Lisboa. — Camara Municipal e vereadores contribuintes concelho Loulé, attendendo prolongada crise assoberba este concelho resolveu representar Governo Sua Majestade pedindo-lhe immediata alteração directriz caminho de ferro entre estações Boliqueime, Almancil, Néxe, aproximação via quanto possivel esta villa medida ha muito reclamada para ligar esta fertil região a porto embarque, cereaes commercio emfim que V. Exa. reconhecendo tão justa pretensão lhe conceda todo seu apoio, alto valimento que respeitosamente solicitam, penhoradamente agradecem. = Presidente Camara, Joaquim Raymundo Maldonado Pires.

Guarda, 14. — Presidente Camara Dignos Pares. — Exprimindo sentimento esta Associação Commercial Industrial da Guarda que é sentimento cidade pela transferencia companhia guarda fiscal para Castello Branco ouso chamar attenção Camara que V. Exa. dignamente preside pela flagrante injustiça feita cidade immensamente prejudicada no seu progresso economico. = Presidente Associação Commercial Industrial Guarda.

Dois officios do Ministerio, da Fazenda sobre documentos pedidos pelos Dignos Pares Sebastião Baracho e Teixeira de Sousa.

O Sr. Presidente: — Tenho a communicar á Camara que recebi uma representação em que se reclama contra a proposta de lei relativa ao commercio da borracha nas nossas possessões africanas.

Os Dignos Pares que permittem que ella seja publicada no Diario do Governo, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: recebi uma representação, para ser entregue a esta Camara, do Syndicato Agricola de Alter do Chão, na qual se pede á Camara dos Dignos Pares que solicite do Governo a abertura de trabalhos, a fim de acudir á crise de fome por que está passando aquella região. Pede-se ao mesmo tempo ao Governo que envide os seus esforços, junto do empreiteiro do caminho de ferro de Estremoz a Portalegre e Castello de Vide, para que comecem os trabalhos, dando por esta forma que fazer áquelles pobres famintos, que não encontram ao presente onde possam angariar os meios de se sustentarem a si e a suas mulheres e filhos.

Outras instancias de differentes corporações d'aquelle concelho teem sido feitas ao Governo0 no mesmo sentido.

Os proprietarios não podem dar trabalho, porque o anno agricola foi desgraçado, e todos áquelles que não teem que fazer andam pelas estradas pedindo esmola e invadem já á força as casas de cada um para que lhes matem a fome. Como se vê por este documento que me foi entregue pelo Sr.

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Dr. Feijão,, presidente da Real Associação de Agricultura, é verdadeiramente afflictiva a crise que atravessa aquella região.

No entanto, parece-me facil resolver este problema. Dizem que naquella região a viação ordinaria está atrazadissima e muito deficiente e desde que se olhasse com interesse para este assunto, parece que se podia acabar de pronto com esta miseravel situação em que se encontram aquelles povos. Repito, alem d'esta representação outras teem sido dirigidas directamente ao Governo, mas nada se tem feito.

Mando para a mesa a representação, que é do teor seguinte, e peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que ella seja publicada no Summario das nossas sessões e depois no Diario do Governo.

Illmos. e Exmos. Srs. Presidente da Camara dos Dignos Pares e Dignos Pares do Reino.— O Syndicato Agricola Alterense, nos termos do artigo 3.° dos seus estatutos, não pode deixar de considerar os legitimos interesses dos trabalhadores agricolas d'este concelho, e a sua direcção trahiria o seu mandato, se não levasse junto dos poderes publicos a sua justa e humanitaria petição a favor de tão numerosa e desprotegida classe, que se vê a braços com uma situação verdadeiramente calamitosa.

Superfluo será descrever a terrivel crise de trabalho que assoberba esta região, e em particular todo o concelho de Alter.

Bem conhecido é o facto dos poderes publicos; já pelas declarações dos Srs. Deputados do circulo n.° 19 feitas nas Camaras, já pelas declarações do illustre e nobre chefe do districto de Portalegre ao Governo, já pelas representações feitas por differentes camaras municipaes d'este mesmo districto, já finalmente pela representação de 10 de julho proximo passado da direcção d'este Syndicato, assinada por muitos proprietarios do concelho, na qual se pedia que se levasse o concessionario a abrir sem demora os trabalhos da linha ferrea de Estremoz a Portalegre e Castello de Vide, aprese atada em 20 do referido mês de julho ao Governo por uma commissão que de viva voz frisou perante o nobre Ministro das Obras Publicas as temiveis consequencias de tão terrivel crise se de pronto não fossem abertos trabalhos publicos.

E doloroso que o operario dos campos não tenha onde empregar o seu braço vigoroso, e d'esta forma lhe faltem os meios para sua subsistencia e de sua mulher e filhos!

É duro negar-se o trabalho áquelle que não tem outro recurso, para viver e manter a sua familia, alem do seu braço e, mais que duro ainda, é cruel! !

O Governo que pode socorrer, já obrigando a abrirem-se os trabalhos da linha ferrea de Estremoz a Portalegre e Castello de Vide, já abrindo trabalho de estradas neste infeliz e esquecido districto, tão descurado em viação como no mais, não quererá, com o seu retrahimento, decretar a negra lei da fome, com todas as suas temiveis consequencias, a esta pobre e laboriosa gente, que são seus administrados.

A agricultura sem recursos, sob o peso do mais calamitoso anno agricola, não tem meios para dar trabalho e empregar, como nos annos fartes ou pelo menos regulares, esta pobre gente, que luta já com a miseria, não sendo isolados os factos de invasão, assalto e roubo á propriedade.

As camaras municipaes, no geral pobres e sobrecarregadas, não teem recursos com que possam debellar tão calamitosa crise, que caria vez se generaliza mais.

Sr. Presidente e Dignos Pares do Reino: appellamos para a vossa consciencia, certos de que ella vos dará a nitida comprehensão da temivel crise que assoberba e reduz á miseria os operarios dos campos e suas familias.

Solicitamos encarecidamento que empregueis o vosso muito valimento junto do Governo para que de pronto se consiga a abertura dos trabalhos que pedimos nesta região, e em particular no concelho de Alter, e assim tereis conseguido debellar a lamentavel crise publica existente.

Attendendo o nosso justo pedido arrancaréis á miseria e á fome milhares de familias, que vos bemdirão, e praticaréis um acto de justiça e moralidade, arrancando ao crime muitas victimas que a fome lá pode arrastar, concorrendo ao mesmo tempo para o fomento das condições economicas d'esta região e do país. Não descureis pois, Dignos Pares do Reino, a immediata defesa d'este interessante assunto, que é uma causa justa, humanitaria, economica, moral, de interesse publico e urgente.

O momento é afflictivo, como não pode deixar de ser, á vista de amanhã calamidade.

A fome não pode esperar.

Para grandes males, grandes remedios; para males imminentes, remedios prontos.

A vossa nobre attitude na defesa de causa tão sympathica conseguirá dos desventurados e dos peticionarios, para vós, o maior reconhecimento e o mais profundo agradecimento.

Tomae pois a nobre iniciativa da humanitaria e honrosa campanha sem tréguas para que o Governo abra sem demora, no districto de Portalegre, e especialmente no concelho de Alter do Chão, obras publicas onde se empreguem os jornaleiros sem pão e sem trabalho, como é de justiça.

Alter do Chão, sala das sessões do Syndicato Agricola Alterense, 2 de agosto de 1908. = A Direcção, Visconde de Alter = Henrique Achaioli de Sá Nogueira = Manuel Quina.

Já que estou com a palavra vou referir-me a outro assunto. Na sessão de 5 d'este mês requeri pelo Ministerio do Reino, esclarecimentos a fim de tratar da questão de instrucção, porque desejo fundamentar as asserções que tencione fazer aqui com documentos elucidativos que hão de mostrar até a evidencia o estado chaotico em que se encontra a instrucção secundaria.

Os requerimentos que então enviei foram os seguintes:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja pedido á secretaria do Lyceu do Carmo, para me ser enviada copia da parte das actas das sessões dos conselhos escolares no anno lectivo corrente, em que os respectivos professores manifestam o estado em que se encontram os alumnos que fizeram exame de instrucção primaria e que se matricularam naquelle lyceu. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, direcção geral respectiva, me seja enviada nota do numero de alumnos que se matricularam nos diversos lyceus do reino no anno de 1890, e quantos d'estes concluiram o curso no fim do setimo anno. = F. J. Machado.

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, seja solicitado ao Conselho Escolar das Escolas Polytechnicas de Lisboa, Porto e Universidade de Coimbra, para me serem enviadas copia da parte das actas em que os respectivos professores tenham exposto a sua opinião acêrca da maneira como elles julgam do estado da preparação scientifica dos alumnos, relativamente ás materias professadas no curso dos lyceus. = F. J. Machado.

Esta questão é de uma gravidade extrema, e relativamente a ella eu tambem alguma cousa conheço praticamente.

Este systema de ensino foi estabelecido no nosso país com a melhor das intenções, creio firmemente. Foram á Allemanha buscar um systema de ensino para o implantarem entre nós, sem se lembrarem que a indole da criança portuguesa não é a mesma da criança

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allemã. De mais a mais, na Allemanha, consta-me que já está modificado em parte este systema, por não dar os resultados que se esperavam.

Este systema de instrucção não podia ser estabelecido em Portugal onde tudo é diverso, a organização e indole das crianças, o professorado e os compêndios e alem de levar muito tempo deprime e atrophia o cerebro dos alumnos que ficam mal preparados.

Muitos professores me teem dito que os estudantes, quando passam para as escolas superiores, ignoram as cousas mais elementares, tendo o cerebro carregado de cousas inuteis.

Ora a experiencia está feita, não se deve esperar mais tempo. É indispensavel pôr de parte esta reforma.

Isto não pode continuar, e basta dizer-se que um curso que leva sete annos, quando um alumno queira ser muito trabalhador, muito estudioso e tenha muita saude, não lhe serve de nada, porque tem de levar o mesmo tempo que outro que não tem essas aptidões, e ainda que queira fazer o curso em menos tempo não pode.

Imagine-se que se dá o caso que se deu commigo, que só pensei em vir estudar aos 18 annos, quando fiz o primeiro exame foi aos 19 annos, se fosse com esta lei onde ia isso parar. A muitos outros succedeu o mesmo.

Pois se a experiencia está feita, para que havemos nós de insistir, só para não ferir susceptibilidades de meia duzia de individuos?

Porque não havemos antes servir com toda a dedicação a causa do nosso país?

Isto é um facto, e se nós temos conhecimento d'elle porque não havemos de ter a coragem de passar por cima de todos esses obstaculos e virmos á camara sustentar uma causa que é justa?

Peço, portanto, a V. Exa. que insista novamente para que me sejam enviados pelo Ministerio do Reino os documentos que pedi no dia 15 d'este mês.

Agora vou tratar de um outro assunto que é da maxima importancia.

Consta-me que veio publicado nas Novidades de hontem um artigo em que se dizia que se tinham aumentado em Lourenco Marques os direitos de importação do vinho. Isto é um attentado que a Camara não pode tolerar e é indispensavel que o Governo dê ordens immediatas e terminantes 'pelo telegrapho para fazer cessar immediatamente este estado de cousas.

Pois nós estamos atravessando uma crise vinicola gravissima, das mais serias, das mais temerosas, e vae-se lançar ali um direito sobre o vinho, que é i quasi prohibitivo! (Muitos apoiados).

Folgo com os apoiados dos meus illustres collegas, e essas manifestações provam que S. Exas. reconhecem que o assunto é grave e que é urgente e inadiavel que se revogue quanto antes tão absurda disposição.

Ao mesmo tempo que nós queremos ir fazer tratados de commercio para o consumo dos nossos vinhos, nas nossas provincias ultramarinas lança-se um imposto sobre os vinhos de forma a ficarem em. condições de não poderem concorrer nos mercados com os vinhos franceses e espanhoes.

Isto é o completo desconhecimento da crise que o nosso país atravessa, pois quem vive em Lourenco Marques não sabe o estado em que nos encontramos na metropole, em virtude da abundancia dos vinhos e das difficuldades da sua collocação?

Então Lourenco Marques já não é terra portuguesa?

Ha uma lei que prohibe qualquer elevação de direitos sobre o vinho nas nossas possessões africanas, e não se faz caso do que nós aqui votamos?

Está na camara dos Senhores Deputados a discutir-se uma proposta de lei, que pretende attender á crise que atravessa o país e, ao mesmo tempo, em Lourenco Marques, elevam-se os direitos sobre o vinho que para ali exportamos não se fazendo caso das leis do país?

O anno passado quando se discutiu aqui o projecto do Sr. João Franco ou do Sr. Malheiro Reymão, eu mostrei a inanidade d'essa providencia, que se discutiu durante longas sessões, e que não deu resultado algum, como era facil de prever. Este anno com o projecto que se está a discutir na camara dos Senhores Deputados ha de succeder outro tanto. Oxalá eu me engane.

Sr. Presidente: entendo que problemas d'esta natureza, ou se atacara de frente com medidas efficazes, ou então tudo o mais é prejudicial, porque com estas medidas o lavrador que tem os seus vinhos para vender, esperando obter melhor preço em virtude d'essas medidas, espera, não vende os vinhos, e depois, mais tarde, quando chega o tempo da nova colheita, como tem falta de vasilhame, vende-os pelo primeiro dinheiro que lhes é offerecido, soffrendo grandes prejuizos.

Por isso entendo que vir com projectos d'esta natureza é melhor não fazer nada; perde-se muito tempo que podia ser aproveitado em cousas mais uteis, promette grandes esperanças que se não realizam e depois fica tudo na mesma.

Sr. Presidente: para terminar, peço ao Governo que mande immediatamente, por telegramma, suspender a determinação que em Lourenco Marques elevou os direitos dos vinhos portugueses que para ali são enviados, porque isso representa um abuso, e é contra a lei que taxativamente não o permitte.

Tenho a maior confiança no Governo, e estou certo que elle dará as suas ordens para cessar este abuso.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Não tenho conhecimento do facto importantissimo a que se referiu o Digno Par Sr. Francisco José Machado, relativo á entrada dos nossos vinhos em Lourenco Marques, e chamarei para o facto a attenção do meu collega, por cuja pasta corre o assunto.

Com relação ao projecto de lei relativo á questão vinicola, o Governo acceita, da melhor vontade, quaesquer emendas tendentes a concorrer para a resolução do problema, pois considera-o uma questão aberta.

Quanto á crise do Alemtejo, o Sr. Ministro das Obras Publicas empenha-se em que se façam os caminhos de ferro a que alludiu o Digno Par, a fim de attender á execução pratica de um melhoramento de grande importancia para o districto de Portalegre.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. José de Alpoim: — Sr. Presidente : na sessão anterior o Digno Par Sr. Baracho, tomando a palavra, referiu-se á abertura da exposição do Rio de Janeiro, tendo por esse facto, palavras do maior carinho e mais justo apreço para aquelle grande país, que é o Brasil.

Li hoje nos jornaes que foram expedidos telegrammas pelo Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil a Sua Majestade o Rei de Portugal, congratulando-se pela forma como o nosso país ali é representado, e tendo palavras do maior elogio para a nossa marinha, representada por alguns valentes officiaes portugueses e marinheiros que compõem a guarnição do nosso vaso de guerra.

Parece-me de toda a justiça que o Parlamento Português tribute a sua sympathia ao Chefe d'aquelle grande. país pela maneira pela qual se dirige a Portugal, porque, evidentemente, o telegramma enviado pelo Presidente dá Republica do Brasil ao nosso Monarcha é um tributo d'aquella nação pela mão do seu mais alto magistrado, ao nosso país, representado pelo augusto Chefe do Estado.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros decerto quererá mostrar o seu reconhecimento pessoal por este acto tão symphatico e, ao mesmo tempo, patentear a sympathia do Governo por aquella nação, e por essa grande manifestação de energia d'aquelle povo.

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Posto isto, vou mandar para a mesa um requerimento para que me seja enviada, pelo Ministerio respectivo, copia da proposta de promoção, por distincção, ao posto immediato do capitão Sr. João de Almeida, enviada pelo governador geral de Angola Sr. Paiva Couceiro.

Em 12 de janeiro de 1908 foi enviado ao Ministerio da Marinha o relatorio da campanha dos Dembos e, ao mesmo tempo a proposta do Sr. governador geral de Angola para ser promovido, por distincção, ao posto immediato, o capitão Sr. João de Almeida que dirigiu essa campanha.

Essa proposta está perfeitamente dentro dos artigos 76,° e 77.° do decreto de 18 de junho de 1901, que autoriza a promoção por brilhantes feitos de armas, e não os pode haver mais brilhantes que os praticados naquella campanha, especialmente a tomada de Cassangongo.

O Sr. João de Almeida devia merecer uma recompensa pela maneira como dirigiu a columna que o governador geral de Angola lhe enviou, composta de elementos heterogeneos e que, apesar d'isso, prestou relevantes serviços.

A proposta do Sr. Governador geral de Angola honra-o muito, não só porque esse official é incapaz de escrever cousa que não seja a rigorosa expressão da verdade, mas, porque, a despeito do estimulo que, como official do exercito, deve sentir, acceita a sua proposta, vae ter á direita o Sr. João de Almeida., official mais novo do que elle.

Por estas considerações peço que se dê ordem á secretaria para que seja requerida a nota que acabo de pedir, e que V.- Exa. requisite ao respectivo Ministerio que essa; copia a que acabo de me referir seja enviada com a maior urgencia.

Mando tambem para a mesa outro requerimento.

(Leu).

Fui procurado pelos proprietarios e directores de algumas fabricas de cerveja da capital, que se queixam não só do gravame do imposto que sobre elles pesa, mas da desigualdade d'essas fabricas para com outra, que nada paga.

Desejo occupar-me d'este assunto.

Tenho aqui um requerimento que elles dirigiram ao poder competente e no qual resumem as suas reclamações, que são as seguintes: (Leu).

Para tratar d'este assunto preciso dos documentos que peço neste requerimento : (Leu).

Peço a V. Exa. que me faça a fineza de os mandar expedir com a maxima brevidade.

Mando tambem para a mesa um outro requerimento, e pedia a V. Exa. tambem se dignasse mandar dar-lhe o mais rapido expediente.

Foram lidos na mesa e expedidos os requerimentos do Digno Par, que são do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio competente, me seja enviada copia da proposta de promoção por distincção, ao posto immediato, do capitão João de Almeida, enviada pelo Sr. governador de Angola, capitão Paiva Couceiro.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 14 de agosto de 1908. = O Par do Reino, José M. de Alpoim.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja mandada copia dos contratos de avenças que teem sido feitos á fabrica da cerveja Germania, desde o seu começo até hoje.

Requeiro igualmente copia dos documentos comprovativos do que a fabrica Germania tem pago todos os annos, os excessos da sua producção, alem da avença.

Sala das sessões da Camara dos Pares, 14 de agosto de 1908. = O Par do Reino, José M. de Alpoim.

Pelo Ministerio da Marinha e Ultramar:

Nota de toda a correspondencia trocada entre a Inspecção Geral do Ultramar e o ex-inspector de Fazenda de Angola, Casimiro Dias de Almeida, acêrca da compra de uma mobilia, por conta do Thesouro, para seu uso particular;

Nota de toda a correspondencia trocada entre aquella Inspecção Geral e o mesmo ex-inspector, acêrca da compra de impressos, por conta do Thesouro, feitos á Typographia Angolense; se esses impressos foram utilizados e quaes os motivos porque não foram encommendados á Imprensa Nacional d'aquella nossa provincia ultramarina.

Pelo Ministerio da Fazenda: Copia da revisão da ultima syndicancia feita á recebedoria do concelho de Miranda do Douro. = O Par do Reino, José M. de Alpoim. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): — Sr. Presidente: folgo com o ensejo que o Digno Par Sr. Alpoim me acaba de proporcionar para me associar, em nome do Governo, ás palavras de congratulação que S. Exa. acaba de proferir, e a que já o Digno Par Sr. general Baracho se tinha referido na sessão anterior. Se então estivesse presente, teria pedido a palavra para me associar ás palavras de S. Exa.

V. Exa. e a Camara sabem que são tão intimas e estreitas as relações entre Portugal e o Brasil, que é um facto sabido, que o que se passa numa nação, tem eco e reproducção na outra. (Apoiados).

Hoje celebra aquella republica a sua festa de trabalho, afirmando assim como a industria e as artes se teem desenvolvido naquelle país.

São tão cordiaes as relações entre Portugal e a Republica Brasileira que nós fomos convidados a tomar parte nessa festa; distincção a que não podemos deixar de dar o mais solemne testemunho de agradecimento.

Sr. Presidente: por todos estes motivos eu tenho a maxima satisfação em me associar ás palavras proferidas pelos Dignos Pares Srs. Alpoim e general Baracho, felicitando-me com o inclito presidente da Republica Brasileira Sr. Affonso Pena.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho:—Pedi a palavra na sessão anterior, a fim de me occupar ainda dos adeantamentos illegaes e concomitancias. Estando, porem, a dar a hora para se passar á ordem do dia, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que me mantenha na lista da inscrição, com o objectivo de versar o assunto na proximo segunda feira, reclamando para então a presença do Sr. Ministro da Fazenda.

N'este momento, mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que me seja enviada, com urgencia, pelo Ministerio da Fazenda, copia do relatorio e seus appendices, do commissario regio junto da Companhia dos Tabacos, — relatorio e appendices concernentes ás respectivas sessões da assembleia geral de 31 de julho ultimo e dias subsequentes. = Sebastião Baracho.

Se me sobrar tempo, tratarei ainda, na proximo sessão, da questão dos tabacos. A ella terei, porventura, de me referir mais alguma vez, antes do encerramento das Côrtes, attentas as circunstancias assaz complicadas em que ella se encontra.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — Fica V. Exa. inscrito para a sessão de segunda feira. O Sr. Ministro da Fazenda está presente, e ouviu, portanto, o desejo do Digno Par.

O Sr. Visconde de Algés: — Mando para a mesa a urgente nota.

Não tendo recebido ainda uns documentos que ha dias solicitei relativos ao Castello de S. Jorge, requeiro novamente que, pelo Ministerio da Guerra, me sejam enviados com a possivel brevidade esses documentos.

Sessão de 14 de agosto de 1908. = O Par do Reino, Visconde de Algés.

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ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil

O Sr. Teixeira de Sousa: — Ao terminar a sessão de quarta-feira, tendo feito a demonstração de que não podendo mais repetir-se os expedientes dos diamantes, das inscrições, das reclamações e rendas; dos adeantamentos e emprestimos, só na reducção das despesas a Casa Real encontraria maneira de evitar que se volte á situação lamentavel, que tão grandes males produziu, analysarei o artigo 5.° do projecto, em que se consigna que El-Rei D. Manuel pagará a divida da Casa Real ao Thesouro em prestações annuaes não inferiores a 5 por cento" da .liquidação que se fizer.

El-Rei quer pagar as dividas de seu Augusto Pa e, levado por um sentimento nobre, que sobremaneira o honra; mas a nação só lh'o pode consentir se El-Rei o puder fazer, sem que isso se vá reflectir na decencia do seu viver.

Pode El-Rei D. Manuel pagar a divida que se liquidar, dentro de um prazo razoavel, sem reduzir os recursos que lhe provirão da dotação que o Parlamento lhe vae votar?

Só com os rendimentos da Casa de Bragança El-Rei pode fazer face aos encargos que vae contrahir.

E preciso, porem, saber se se pode ou não dispor d'elles.

Pode, e a demonstração é simples.

A Casa de Bragança foi fundada por D. João I e pelo Condestavel Nuno Alvares Pereira, com os dotes para o casamento de D. Affonso, filho legitimado do Rei, com D. Brites Pereira, filha do vencedor de Valverde e de Aljubarrota.

O braço de Nuno Alvares fôra precioso para a defesa do reino e para a manutenção da Corôa no Mestre de Avis, mas, em troca, recebeu largas concessões de terras e villas, o que a muita gente fez suppor que o que dera em dote á sua ilha parecia saído dos haveres da Corôa.

Não é assim.

Muitos dos bens da Casa de Bragança eram da mulher de Nuno Alvares, D. Leonor Alvira, Entre Douro e Minho.

Na escritura de casamento, feita em Friellas no anno de Christo de 1401, ficou claramente accentuado que o Condestavel entrasse no dote com o que era seu: as minhas quintas da Carvalhosa, Covas, Canedo, Seraes, Grodinhaes, Sanfins e Temperam; os casaes de Bustello, as quintas de Moreira.

O Rei D. João fez algumas doações a seu filho, mas não constituiram o essencial da Casa de Bragança.

Em 1540 ainda veio juntar-se-lhe um novo morgadio feito por D. Theodosio I, em bens de Chaves, Bragança, casaes de Barroso, quinta de Ponte de Lima, património de Barcellos, herdades de Portei e de Alter do Chão, e mais tarde vem juntar-se-lhe ainda a Capella dos Castros, morgadio de D. Catarina, em que figuram as herdades de Villa Fernando, Villa Viçosa, Villa Boim, Evora Monte, Monsaraz e Portei.

A Casa ainda foi aumentada com compras valiosas, entre as quaes figuram a herdade de Bertiando e o Cabido de S. Tiago de Galliza.

Quasi tudo quanto possuia na provincia de Trás-os-Montes, e mesmo em Bragança,- a Casa de Bragança deixou perder.

Lá existe o solar da Casa em ruinas, e alguns foros bem insignificantes.

Caído o dominio de Castella, em 1640, as Côrtes reunidas em Lisboa em 1641 votaram a conservação da Casa de Bragança, que o Rei D. João IV acceitou, com as seguintes ponderações, que são de capital importancia para se conhecer a natureza civil da mesma Casa:

1.° Que os Reis seus predecessores não tinham destinado património particular aos seus primogenitos, como em outros reinos se praticava;

2.° Que era seu desejo conservar a memoria d'esta Casa, tão digna de recordações tão gloriosas, perpetuando a sua conservação;

3.° Que não tinha, porem, então, cabedal para fazer patrimonio aos Principes successores da Corôa. Ponderada esta conservação, ordenava:

«que o Principe D. Theodosio, seu filho, e os primogenitos dos Reis, seus successores, tivessem o titulo de Principe do Brasil e Duques de Bragança, e para melhor os poderem sustentar, governassem a Serenissima Casa logo que tivessem casa; e emquanto Principes e antes de terem casa, ou emquanto faltasse Principe, governassem Reis, mas com divisão de Ministros».

Foi uma verdadeira cessão que o Rei D. João IV, seu legitimo e incontestado Senhor, fez, a qual ficou pertencendo aos Principes herdeiros do Throno, mas provisoriamente aos Reis, emquanto não houver Principe ou este não tiver casa.

E, pois, a Casa de Bragança propriedade inteiramente particular, da qual o Senhor D. Manuel é usufrutuario, até que haja Principe herdeiro e que tenha casa.

Tudo o Rei D. João IV regulou na carta-patente, de 27 de outubro de 1645.

Vem a lei de 19 de maio de 1863, que extinguiu os morgadios, mas que assim dispôs:

O apanagio do Principe Real, successor á Corôa, constituido em bens da Casa de Bragança, pela carta-patente de 29 de outubro de 1645, continuará a subsistir com as condições especiaes estabelecidas na mesma carta-patente.

E, pois, um morgadio o da Casa de Bragança, reconhecido nas leis; é propriedade de caracter particular, de cujos rendimentos El-Rei D, Manuel, até haver Principe herdeiro, com casa sua, usufruirá, podendo d'elles dispor livremente. (Apoiados).

Não lhe dá isso a obrigação de pagar as dividas de. seu pae, que vão alem do valor da herança, mas dá-lhe os meios materiaes para o fazer no periodo que o projecto consigna.

Commentando a carta-patente de 1645, diz o Conselheiro Silva Ferrão, no seu Tratado sobre direitos e encargos da Serenissima Casa de Bragança:

Assim, se um dia a dynastia da Serenissima Casa de Bragança (o que o céu não permitta, acrescenta) cessasse de reinar passando o Throno a outra familia; se esta nação, como nação, perdesse a sua independencia e com ella se abysmasse o seu Throno; se uma forma de Governo democratico, aristocratico ou misto, viesse a ser estabelecida, com exclusão do principio monarchico; ou se, emfim, por medida legislativa, todas as amortizações de bens, sem excepção dos que constituem um como apanagio do Principe herdeiro, viessem a ser decretadas, em todas ou alguma das hypotheses, os bens da Serenissima Casa de Bragança, como de propriedade particular, não poderiam ser encorporados nos proprios da nação, como foram, por decreto de 1834, os da Casa do Infantado, mas teriam, como de rigorosa justiça, de passar aos herdeiros ou successores, parentes da Familia Brigantina.

Tal era a opinião do commentador illustre. Mas foi esta a doutrina inalteravelmente seguida? Não. D. Pedro de Alcantara saíra com D. João VI para o Brasil e ali se conservou até a emancipação brasileira e até a abdicação. Entretanto fez-se a lei dê 21 de julho de 1821, estabelecendo que os rendimentos da Casa de Bragança continuassem a ser applicados pelo Thesouro, emquanto estivesse ausente o Principe Real D. Pedro de Alcantara, voltando a usufrui-los quando regressasse.

Assim se procedeu. Só pelo decreto de 9 de agosto de 1833 se mandou entregar os rendimentos a D. Pedro, mas somente a partir de 7 de abril de 1831. A lei de 1821 não era legitima. O que se fez foi uma usurpação, mas usurpação que aproveitou ao Estado em cerca de 600 contos de réis, calculando em 600 contos de réis o rendimento annual da Casa de Bragança, quantia que não mais foi restituida. A Casa de Bragança reclamou, mas não foi attendida.

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6 ANNAES BA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Em Í839 a administração da Casa de Bragança apresentou-se como credora do Thesouro Publico, pela quantia de 3:426 contos de réis, sendo 48 L contos de réis de emprestimos com hypotheca nos rendimentos d'ella e 2:945 contos de réis de emprestimos e juros. Só em 1843 a Contadoria do Tribunal do Thesouro informou sobre a reclamação, reconhecendo como divida a pequena quantia de 66:400$000 réis, não podendo obter mais esclarecimentos porque um incendio, dos muitos que acompanharam o abalo sismico de 1755, havia destruido o cartorio!

Manteve se, pois, o caracter de usurpação que teve a lei de 21 de julho de 1821, não alterando em cousa alguma o caracter de absolutamente particular que tem a Casa de Bragança e que dá ao seu actual usufruidor a faculdade de dispor dos seus rendimentos como queira, em quanto mão houver Principe Real que tenha casa sua. É nestes rendimentos, que a tragedia de 1 de fevereiro reunia com a dotação real na pessoa de El-Rei D. Manuel, que se encontram os recursos materiaes para pagamento das divida; da Casa Real ao Thesouro.

A Casa de Bragança é grande, embora tenha experimentado consideraveis prejuizos. Lutou com dificuldades, mas tem hoje uma situação desafogada. Quanto rende? Vejamos as notas dos rendimentos desde 1765a 1833. Nos primeiros doze annos o rendimento oscillou entre 78 e 89 contos de réis. Nos segundos doze annos, isto é, desde 1789 a 1800 esteve o rendimento entre 87 e 102 contos de réis. De 1800 a 1812, entre 116 e 161 contos de réis; de 1813 a 1824, entre 79 e 123 contos de réis. Finalmente, de 1825 a 1833, entre 78 e 93 contos de réis.

O rendimento que a Casa de Bragança hoje tem oscilia entre 50 a 60 contos de réis, com tendencias a aumentar.

Partindo do rendimento de 50 contos de réis e suppondo que El-Rei D. Manuel usufrue a Casa de Bragança durante vinte annos, e não é provavel que antes do termo d'esse prazo haja Principes com casa sua, tal rendimento amortizaria, em vinte annos e a juro de 5 por cento, 966 contos de réis, quantia muito superior á divida da Casa Real ao Thesouro.

El-Rei D. Manuel pode satisfazer o seu desejo de pagar as dividas de seu Pae sem comprometter a dotação que as Côrtes lhe vão fixar.

Tal é a razão por que eu voto o artigo 5.°

Ha dois indicadores da importancia dos creditos do Thesouro, mas carecendo ambos de exactidão: o decreto de 30 do arrosto de 1907 o a nota de adeantamentos do Diario de Noticias, Esta não serve para se apurar o debito da Casa Real.

Quem a forneceu, fosse quem fosse, tinha em vista descobrir responsaveis, pois outra cousa não significava a inclusão de adeantamentos ha muito tempo pagos e liquidados. (Apoiados).

A importancia liquidada pelo decreto de 30 de agosto de 1907. já annullado, tambem carece de exactidão, como mais de uma vez tenho demonstrado no que diz respeito aos abonos que me attribuem.

Todos os abonos que eu fiz á Casa Real, até 31 de dezembro de 1303, foram para as recepções de Soberanos estrangeiros e para despesas de representação, embora algum dinheiro fosse mandado entregar na Casa Coutts & C.ª

Entretanto, a discussão do projecto ia seguindo, sem. esclarecimento de maior relativo á questão dos adeantamentos, a não ser a referencia na Camara dos Deputados feita a documentos particulares que se diziam existentes no processo dos adiantamentos, e a nota sensacional publicada no Diario de Noticias.

Quem fornecia esclarecimentos ás opposições?

Quem dava a um jornal a nota de documentos enviados á commissão de inquerito, mesmo, segundo se dizia, sem á commissão chegarem todos os documentos referidos?

Não sei nem suspeito quem seja, mas reputo uma falta grave a praticada, quem quer que d'ella tenha a responsabilidade.

O que é certo é que a nota e o Diario de Noticias correu mundo, não havendo já possibilidade de desarraigar do espirito publico a convicção do que o que ali está é inteiramente exacto.

E não é.

Tratando-se de enviar á commissão os documentos comprovativos das dividas da Casa Real no Thesouro até referiram abonos que, ha muitos annos, a Casa Real pagou, conforme uma exposição feita por um amigo Ministro da Fazenda, e vi a minha responsabilidade envolvida na longa lista do Diario de Noticias e confirme as declarações do Sr. Augusto José da Cunha.

Eu vendo o meu nome incluido nessa lista, attribuindo-me abonos illegaes feitos á Casa Real e ao Rei D. Carlos, corro no proprio dia, não s defende: a minha posição, mas a demonstra que era necessaria a maior circunspecção na escolha dos documentos a enviar á commissão de inquerito, para se não dar com outros, o que commigo acontecera, de me attribuiram varios adeantamentos illegaes á Casa Real, e que, ou não eram abonos á Casa Real, 31 estavam sanccioados pela lei de 21 de novembro de 1904. (Apoiados).

E tinha razão.

Dois dias depois o Sr. Fuschini fazia a demonstração de-lhe attribuirem um adeantamento a liquidar, quando esse abone que fizera, onze meses depois liquidado fôra, mas acrescentando que esse informe seguira para a commissão, e informações identicas sobre outros abonos que figuravam na lista que deram ao Diario de Noticias.

Cá estou hoje, de novo, não para accusar ninguem, não para defender este ou aquelle partido ou Ministro, mas para que me não attribuam responsabilidades que Dão tenho, para que me attribuam somente as que me pertencem.

É possivel que o meu procedimento tenha desagradado áquelles que, depois d'isso, teem esgaravatado na minha vida de Ministro, pretendendo descobrir o que, lançado em rosto, possa apoucá-lo no conceito publico. Pouco me importa isso. Sigo o meu caminho, com a consciencia de haver sempre cumprido o meu dever, come sei e posso, e conforme as circunstancias m'o permittiram, lamentando que espiritos mesquinhos e estreitos vejam os homens e os assuntos através de prisma dos seus despeitos. Nada tenho com os Ministros que me precederam ou seguiram na gerencia da pasta da Fazenda, a não ser muito respeito pelas suas qualidades de intelligencia e de honestidade.

Respeito-os s: todos; faço justiça á honestidade das suas intenções, das isso não impede que diga ao país quaes as responsabilidades em que incorri, repetindo o que já disse ha semanas.

Figura o meu nome como tendo feito abonos á Casa Real? Figura.

Quer alguem concluir que eu não lutei contra tal estado de cousas, criado não por este ou aquelle Ministro, por este ou aquelle partido, mas sim pelas circunstancias ? Quem tal affirmasse far-me-hia uma grave injustiça. (Apoiados).

Poderia prosar á evidencia que o systema me repugnava, mas não o faço. Morreu o Hei D. Carlos, morreu Hintze Ribeiro, morreu Pedro Victor, que fôra o administrador da Casa Real no meu tempo de Ministro da Fazenda.

Se eu, a esse respeito, me defendesse, como poderia, diriam que pretendia firmar g minha reputação sobre os mortos, e na e faltaria quem me accusasse de calumiador.

Acceito compota a responsabilidade dos meus actos sem os defender, como inteiramente legaes; mas só uma cousa me repugnaria e na repulsão iria até o mais extremo das consequencias: era que me dissessem que o pouco que fiz, foi ás escondidas; isso não!

Não chamo ninguem á co-responsabilidade, mas .tambem não consinto que me digam que ella foi só minha pelo

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SESSÃO N.° 41 DE 14 DE AGOSTO DE 1908 7

caracter clandestino das operações feitas. Isso não!

Não repudio uma só das minhas responsabilidades, mas não tolero que me attribuiam toma-las clandestinamente.

Mas fiz abonos extraordinarios? Fiz. Já o disse e repito, para que nenhumas duvidas fiquem.

Assumi a gerencia da pasta da Fazenda em 28 de fevereiro de 1903, depois de uma porfiada resistencia, por saber que ella me criaria as mais graves difficuldades e me traria os mais profundos desgostos. Nem sequer os aponto, mas enormes foram elles.

Poucos dias depois o Governo recebia a communicação official da proximo visita do Rei de Inglaterra, que vinha abrir uma nova era internacional, que a má sorte d'este pobre país não deixou durar por muito tempo.

Não havia onde recebê-lo, porque não havia um Paço nessas circunstancias; os estados encontravam-se em ruina. Nem cavallos, nem arreios, nem fardas de criados.

Tudo estava em começo de restauração, mas bem longe de poder ser utilizado, sem novas despesas a fazer. Por outro lado, a dotação do Rei, que para as suas despesas não chegava, não daria para receber condignamente o chefe da poderosa nação britannica, para essa nova e grande despesa, que, em verdade, era da Nação e não do Rei, a respeito do que não houve nem ha duvidas.

O Rei de Inglaterra chegou a Lisboa no dia 2 de abril de 1903, e o Rei de Espanha, depois de ter adiado a sua visita, entrou na capital em 10 de dezembro do mesmo anno.

O Governo resolvera receber con digna e festivamente o chefe da nação amiga, abonando as sommas necessarias para esse fim á Casa Real e ao Ministerio do Reino, as que correspondessem a demonstrações festivas nas das e na camara municipal.

As Côrtes estavam abertas, é certo, podendo por isso ser-lhes pedido um credito; mas o desconhecimento da despesa a effectuar fez que se resolvesse abrir mais tarde o credito para legalizar as despesas que fossem feitas.

E nas visitas dos dois Soberanos foram filiados todos os abonos que em 1903 e 1904 fiz á Casa Real e ao Rei D. Carlos, com excepção de duas pequenas verbas, de que falarei. Não obstante isto, figurei na lista do Diario de Noticias como tendo adeantado á Casa Real a quantia de 31:231$000 réis, por diversos despachos.

Se, como dizem, o debito da Casa Real ao Thesouro é de centenas de contos de réis, o attribuirem-me, por duas vezes que fui Ministro da Fazenda, adeantamentos de 31:231$000 réis.

a quem por anno tem o direito de receber 360 contos de réis, não seria o mais proprio para provar que eu não luto sempre contra o systema de cobrir o deficit da Casa Real com recursos pedidos no Thesouro Publico.

Em 30 de agosto de 1907 o Governo franquista fez a liquidação do debito da Casa Real ao Thesouro, calculando-o em 771 contos de réis, abrangendo o periodo decorrido de 1899 a 1905, ou sejam setenta e dois meses.

Nesse periodo geri a pasta da Fazenda durante quinze meses. Pertencer-me-hia a responsabilidade, dividida proporcionalmente ao tempo, de 160 contos de réis. Só me attribuem a de 31 contos de réis, e isso já não e o mais proprio para que me possam chamar um perdulario sem resistencia. Mas é que não tenho essa responsabilidade moral nem legal; não a tenho moral, porque os abonos que fiz referiam-se a despesas com as recepções dos dois Soberanos e com a necessidade dê uma condigna representação; não a tenho legal, porque a lei de 24 de novembro de 1904 legalizou os abonos feitos. Mas era preciso que todos saíssem envolvidos mais ou menos, na responsabilidade dos adeantamentos, fazendo uma distribuição conveniente.

Eu não podia escapar á rede que havia de apanhar os homens publicos, desde que as malhas da rede fossem apertadas até o ponto de apanhar o que fosse justo, legitimo e legal.

Os oito despachos referidos na nota do Diario de Noticias, referentes a adeantamentos que me attribuiram, foram exactamente os mesmos que o Governo franquista incluiu na liquidação que fez no decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907.

Pois de novo vou dar á Camara exemplos do que são esses abonos, que pretenderam fazer passar por abonos á Casa Real.

Começo pelo abono feito em 7 de julho de 1903, para que desde logo se veja a vontade de inventar adeantamentos.

Na Direcção Geral da Thesouraria existia o respectivo documento, antes de ter sido enviado á commissão de inquerito, e que reza assim:

Ministerio dos Negocios Estrangeiros — Extracto do officio datado do 1.° do corrente mês,, do Conselheiro Thomás de Sousa Rosa, Ministro de Portugal em Paris, na parte que se refere ás despesas por Me feitas no mês de maio antecedente.....................

Despesas feitas por occasião da viagem de Sua Majestade a Rainha: — almoço, recepção, carruagens e outras despesas — 1:980 francos.

Está conforme. — S.a Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Publica no Ministerio dos negocios Estrangeiros, em 26 de

junho de 1908. — Autorizo. — P. 7 de julho de 1903 = Teixeira de Sousa.

Como vêem, isto parece-se tanto com um adeantamento á Casa Real como um ovo com um espeto! O representante de Portugal, em Paris, offereceu, como de costume, um almoço a Sua Majestade a Rainha Senhora D. Amelia, e fez outras despesas para a recepção da colonia portuguesa.

O Sr. Thomás Rosa pediu que lhe pagassem essa despesa, como de costume. O Ministerio dos Estrangeiros fez igual pedido ao da Fazenda. A despesa, foi paga. Pois esta despesa foi considerada como adeantamento á Casa Real! E lá fiquei eu com mais essa conta no rosario dos adeantamentos.

Outro exemplo, contido no despacho de 7 de julho de 1903, enfiado no rol dos adeantamentos que me attribuem:

British & Foreign Sailor's Society — Patron, H. R. H. The Prince of Wales— President, The Hon. J. H. Angas — Treasurer, Rt. Hon. Sir Joseph C. Dimsdale Bart M. P. — 30th May 1905.

Received from His Majesty The King of Portugal the sum of one hundred pounds, boing a donation for the year 1903.

Sailor's Palace Portuguese Room — Libras 100. = Edward W. Maltens.

Autorizo. — P. 7 de julho de 1903.= Teixeira de Sousa.

Eis a sua versão em lingua portuguesa:

Sociedade dos marinheiros ingleses e estrangeiros — Patrono, Sua Alteza Real o Principe de Galles — Presidente, o Honorable J. H. Aneras — Thesoureiro, o Right Honorable Sir Joseph C. Dimsdale Bart M. P. de 30 de maio de 1905.

Recebida de Sua Majestade o Rei de Portugal a quantia de cem libras, como doação para o anno de 1903.

Sala Portuguesa do Palacio dos Marinheiros — Libras 100 = Edward W. Maltens.

Autorizado. — P. 7 de julho de 1903. = Teixeira de Sousa.

Estes dois exemplos dão a prova de que houve pouco cuidado na discriminação do debito da Casa Real e das responsabilidades dos Ministros.

O primeiro adeantamento que me attribuiram, e que entra naquelle cômputo 31 contos de réis, foi o de 10 contos de réis, em 11 de março de 1903.

Pois foi o primeiro abono que, conforme a resolução do Governo, foi feito para a recepção do Rei de Inglaterra.

Isto mesmo consta da escrituração da Casa Real, e por maneira a não deixar duvidas.

O mesmo posso dizer dos restantes abonos.

Mas o mais extraordinario é que, prendendo-se com a recepção de Soberanos estrangeiros e com despesas a ella inherentes, tudo foi legalizado pelas Côrtes, na lei de 24 de novem-

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bro de 1904, ás quaes eu logo no primeiro dia em que a camara dos Deputados ficou constituida — 4 de janeiro de 1904— pedi um credito de 302 contos de réis, destinado á legalização dos adeantamentos feitos para a restauração dos Estados, para as recepções dos Reis de Inglaterra e de Espanha, para as despesas ás recepções inherentes e ainda para legalizar adeantamentos feitos ao Ministerio do Reino para festejos na camara municipal e nas ruas.

Tudo foi legalizado, podendo somente ser considerado fora da legalização um abono de 1:350 libras, por ser feito depois da apresentação da proposta de lei do credito, e não porque esse abono me não fosse apresentado com o caracter de despesas innerentes ás regias visitas. De tudo isto ha os mais insuspeitos e autorizados testemunhos. Hintze Ribeiro dizia na sessão da Camara dos Pares em 21 de novembro de 1906:

O Ministerio regenerador, no orçamento para 1904-1905, deu o exemplo de inscrever as despesas d'essa natureza (despesas de representação ligadas ás visitas dos Soberanos estrangeiros), a fim de que o Parlamento pudesse legaliza-las. Não se tinha feito isso até então? A culpa era dos Governos, e não da Corôa.

Na mesma sessão, o Sr. José Luciano de Castro, disse:

Quanto ás despesas com as viagens regias e com a recepção de Soberanos estrangeiros, essas despesas entraram no orçamento de 1904-1905, da iniciativa do Ministerio regenerador e que foi approvado na gerencia do Ministerio progressista.

Falando d'este assunto, disse o Sr. Ministro da Justiça, na sessão da Camara dos Pares, de 18 de julho ultimo:

S. Exa. (Teixeira de Sousa) declara que em Conselho de Ministros se tinha tratado da recepção a fazer aos Reis de Inglaterra e de Espanha, por occasião da visita official que esses Monarchas fizeram a Portugal; que nesse conselho se havia tratado das despesas inherentes a essa recepção, tratando-se tambem da subsequencia e legalização de taes despesas. Tudo isto é absolumente exacto, e nem elle, orador, o poderia contestar, como nunca o contestou.

Na verdade, todos os abonos que fiz á Casa Real e ao Rei D. Carlos, na minha gerencia de Ministro da Fazenda, foram incluidos no credito; todos foram legalizados pelas Côrtes e pela lei de 24 de novembro de 1904, e todos foram incluidos, porque todos me foram apresentados como dizendo respeito ás despesas extraordinarias que a Casa Real e o Rei D. Carlos foram obrigados a fazer com e para as visitas dos Soberanos estrangeiros.

E muito já tenho dito sobre este assunto, por não querer responsabilidades maiores do que as que tenho na administração do Estado, que tenho servido com lealdade e patriotismo, consumindo uma vida inteira nesta luta ingloria. (Apoiados}.

Mas como é que não vem ainda rectificada a lista dos adeantadamentos, a qual, em relação a mim, é falsissima? Protesto contra isso, não só por me attribuirem responsabilidades que não tenho, mas porque se pretende exigir á Casa Real o que ella não deve. Não é o mais injustificado isto:: ha mais e melhor. O Governo contemplou o Sr. Dantas Baracho com. uma nota dos adeantamentos feitos, porque este Digno Par pretendia conhecer o que era que El-Rei D. Manuel ia pagar, conforme o artigo 5.° do projecto. Eram, pois, as dividas da Casa Real ao Thesouro, se outras não podem ser.

Pois não é assim: dois adeantamentos reembolsaveis que eu fiz ao Senhor Infante D. Affonso, de que já duas vezes na Camara me occupei, figuram na lista enviada ao Sr. Baracho: 3 contos de réis adeantados em 9 de junho de 1903 e 800$000 réis em 14 de maio de 1906.

Se os Governos tivessem tido cuidado, esses adeantamentos estavam já pagos, tanto mais que, em relação ao primeiro, ficou expressa a obrigação de ser pago dentro de um anno. Como se comprehende que estes abonos figurem nas responsabilidades dos Ministros e como é que se pretende considerá-los feitos á Casa. Real, a fim de serem considerados incluidos cãs disposições do artigo 5.°. para serem pagos por El-Rei? Se não virão a ser incluidos nas dividas da Casa do Rei, como é que, como taes, são enviadas á Camara? Somente para avolumar as responsabilidades dos Ministros? Bem se vê que não tem havido o cuidado que merece uma tão melindrou a questão.

Alguem se lembrou de me chamar adeantadou com o intuito amesquinhador ligado a esta palavra. E u injustiça dos homens para os homens, que esconde sempre o bem que os outros praticam, para avolumarem desmedidamente o mal que elles algumas vezes tenham feito.

Fui Ministro da Marinha durante tres annos, e tenho a consciencia da minha acção não ter prejudicado as finanças publicas. E obtive isso sem prejudicar o orçamento das colonias.

Deixei em construcção o caminho de ferro do Lobito á fronteira de Angola, sem o encargo de um real para o Estado, e do qual já então em exploração mais de 200 kilometros; deixei em construcção o prolongamento do caminho de ferro de Ambaca a Malange e era deposito cerca de 800 contos de réis do fundo respectivo, estando já construidos corça de 100 kilometros, apesar de na provincia de Angola gastarem cerca de 1:200 contos de réis do mesmo fundo; deixei em construcção o porto de Lourenço Marques e a provincia de Moçambique em circunstancias financeiras de pagar as obras, cerca de 600 contos de réis por anno, sem pedir uai real ao credito nem á metropole; deixei a navegação portuguesa para Moçambique, o Barué conquistado; restabeleci a ordem no Bihé, no Bailundo e na India.

As colonias tinham um deficit de 1:600 contos de réis, pelo menos. No orçamento da metropole inscreve-se uma verba de 700 contos de réis para despesas geraes das provincias ultramarinas, que ficava muito aquem do deficit.

Fui Ministro da Marinha cerca de tres annos. A verba pedida á metropole foi de 400 contos de réis por anno apenas, ha vendo logo uma economia de 900 contos de réis nos tres annos. O deficit de 1:500 contos de réis tornou-se em situação desafogada, que singularmente contrastava com a de hoje.

Tenho á mão o documento official fornecido ha dias pela Secretaria do Ultramar, com a nota da existencia em dinheiro, papeis de credito e letras nos cofres das provincias ultramarinas em 28 de fevereiro de 1903, dia em que eu deixei de gerir a pasta da Marinha e Ultramar.

Essas existencias eram, em numeros redondos: Cabo Verde, 240 contos de réis; Guiné, 20 contos de réis; S. Thomé, 157 contos de réis; Angola, 124 contos de réis; Moçambique, 564 contos de réis; India, 98 contos de réis; Macau, 267 contos de réis; Timor, 17 contos de réis. Total, 1:492 contos de réis.

Era a existencia em 23 de fevereiro de 1903, quando deixei a pasta da Marinha.

A divida de hoje excede o dobro da existencia de então. Mas que vale isto, se eu adeantei uns centos de mil réis para legalização ou para reembolso? Triste país este, onde as cousas assim se passam!

Encontrei um contrato com a casa francesa Forges & Chantiers, sujeito a multas, pelas demoras nas entregas dos cruzadores S. Gabriel e S. Rafael. Sustentei uma viva luta para a cobrança das multas, e se tudo não cobrei, pela primeira vez estrangeiros pagaram multas por haverem faltado ás clausulas do seu contrato. Cobrei de multas, depois de uma intensa luta, 417:000 francos ou 70:060$000 réis, o que nunca acontecera. Quem se importa com isso? O que é preciso é espreitar se adeantei ou não alguns patacos a alguem.

Tomei conta da pasta da Fazenda em 1 de março de 1903. Intervindo na reforma do orçamento, introduzi na lei de receita e despesa uma disposi-

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cão pela qual o fornecimento dos artigos de expediente para as Secretarias de Estado era sujeito a concurso annual, e as respectivas requisições fiscalizadas por uma commissão especial em cada Ministerio. Não sei se foi executada a lei nas outras Secretarias de Estado, mas sei que no Ministerio da Fazenda deu óptimos resultados. A media annual das despesas d'essa natureza na Secretaria de Estado da Fazenda nos annos de 1900-1901, 1901-1902 e 1902-1903 foi de 36 contos de réis. A media annual dos annos que se seguiram até 1907-1908 foi de 9:500$000 réis. Da media resulta já uma economia de 26:500$000 réis por anno ou 132:500$000 réis por cinco annos.

Mas que vale isso? Nada.

Alarguei a linha fiscal de Lisboa em dezembro de 1903, dando execução ao decreto de 1886. Lutei contra tudo e contra todos, chegando a receber a mais formaes ameaças de caracter physico, de que me ri.

O rendimento da linha fiscal em 1902-1903 foi de 2:319 contos de réis Pois foi de 2:837 contos de réis em 1905-1906, e nos dois annos economicos seguintes de 2:880 contos de réis e 2:832 contos de réis. Um aumento annual de receita de mais de 500 con tos de réis.

Fui Ministro da Fazenda duas vezes dominando-me sempre o pensamento de obter dos tabacos o que os tabacos podiam produzir para o Estado. Pelo contrato de 1891 a renda era de 4:500 contos de réis e a partilha de lucros produzia cerca de 500 contos de réis. Em 1903 tratei de pagar o debito em divida fluctuante externa, resgatando as 72:718 obrigações do caminho de ferro, que nos tabacos garantiam 4:266 contos de réis, que a companhia emprestara para a indemnização de Berne; em 1906 habilitei-me para reembolsai-as obrigações do emprestimo de 1891, no caso de, aberto o concurso, a companhia não optar nos termos do contrato de 1891.

Fez-se o novo contrato, que aumentou os rendimentos do Estado em 586 contos de réis por anno sobre o contrato de 4 de abril de 1905. O Estado arrecadará, em 19 annos do novo contrato, mais 11:134 contos de réis.

Para me collocar em circunstancias de bem defender os interesses do Thesouro, ao contrario do que, em regra, acontece, abandonei a situação que tinha na Companhia dos Tabacos, não porque ella de mim exigisse acto que bem me não ficasse, mas por entender que, havendo interesses importantes a dirimir entre a Companhia e o Thesouro, do pessoal da Companhia não devia fazer parte por praticar uma falsa saída. Sai d'ali para um logar publico de rendimento muito inferior ao que na Companhia dos Tabacos auferia, E dos cofres publicos nunca recebi outra quantia que não fossem os meus vencimentos, sob nenhum titulo, nem com destino a qualquer serviço ou pessoas da Familia Real ou outras. Numa hora de fraqueza pedi as certidões, que vou ler e procedi assim quando por ahi espalharam que parte do dinheiro que se dizia adeantado á Casa Real não chegara ali. E então solicitei e obtive as duas seguintes certidões, que vou ler, fraqueza de que peço me absolvam.

Senhor. — Antonio Teixeira de Sousa, precisando para mostrar onde lhe convier:

1.° Tendo exercido o logar de Ministro da Marinha e Ultramar, desde o dia2õ de junho de 1900 até 28 de fevereiro de 1903, se, sob qualquer forma, razão ou pretexto, lhe foi feito algum abono, sob qualquer designação ajuda de custo, adeantamento ou outro, alem dos vencimentos de Ministro de Estado;

2.° Se, nomeadamente, na epoca correspondente á viagem de Suas Majestades ás ilhas adjacentes, recebeu qualquer abono, ajuda de custo, ou qualquer quantia para applicar despesas suas ou alheias, a qualquer serviço ou encargo;

3.° Se em alguma epoca recebeu qualquer quantia com destino a outra pessoa, entidade serviço ou encargo, se, emfim, consta que alguma quantia lhe passasse pelas mãos, alem dos seus vencimentos como Ministro

Por isso, pede a Vossa Majestade a graça de mandar passar-lhe certidão narrativa pelas repartições de contabilidade da Marinha Ultramar e ainda pela Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar. Lisboa, 14 de i unho de 1907. — E. R. M.= (a) Antonio Teixeira de Sousa.

Certifico, em virtude do despacho retro, e em face de informações prestadas pela 6.ª e 7.ª Repartição da Direcção Geral de Contabilidade Publica e Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar, que o requerente o Exmo. Conselheiro Antonio Teixeira de Sousa, durante o periodo decorrido de 20 de junho de 1900 até 28 de fevereiro de 1903, em que exerceu o cargo de Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar apenas recebeu mensalmente pelo cofre da Marinha o seu ordenado de Ministro, que legalmente lhe pertencia e que nenhum outro abono de qualquer ordem ou natureza foi recebido pelo mesmo Exmo. requerente em qualquer epoca ou para qualquer fim nem por bordo dos navios do Estado nem por nenhum outro cofre dependente d'este Ministerio. E para constar fiz passar a presente certidão, que vae por mim assinada e sellada com o sêllo das Armas Reaes, que serve nesta Secretaria de Estado. Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 20 de junho de 1907.= O Secretario Geral. Francisco Felisberto Dias Costa.

Certidão. — Tendo dado entrada neste Ministerio em 15 do corrente um requerimento do Conselheiro Antonio Teixeira de Sousa concebido nos seguintes termos:

Senhor. — Antonio Teixeira de Sousa, precisando mostrar onde lhe convier:

1.° Tendo exercido o logar de Ministro da Marinha e Ultramar desde 25 de junho de 1900 até 28 de fevereiro de 1903, tendo exercido o de Ministro da Fazenda desde a ultima data até 28 de março de 1904 e desde 20 de março de 1906 até 20 de maio do mesmo anno, se recebeu qualquer quantia, sob qualquer rasão, pretexto ou designação com destino á sua pessoa ou a outra pessoa, entidade, serviço ou encargo com excepção dos vencimentos de Ministro de Estado:

2.° Se nomeadamente lhe foi entregue qualquer quantia destinada á Casa Real, a alguma pessoa da Familia Real, a qualquer Ministro, individuo ou entidade;

3.° Se recebeu alguma quantia sob qualquer razão ou pretexto para despesas suas eu alheias por occasião da viagem de Suas Majestades ás ilhas adjacentes em junho e julho de 1901 antes ou depois da viagem.

4.° Se como Ministro ou funccionario de Estado lhe foi feito ou pediu qualquer adeantamento;

5.° Se emfim consta que alguma quantia lhe tenha passado pelas mãos que não fossem os seus vencimentos de Ministro ou de administrador geral das alfandegas.

Por isso pede a Vossa Majestade a graça de. pela Direcção Geral da Contabilidade e pela Direcção Geral da Thesouraria do Ministerio da Fazenda, se digne mandar-lhe passar certidão narrativa.

Lisboa, 14 de junho de 1907. = Antonio Teixeira de Sousa. - E. R. M.

Certifica-se, em cumprimento do despacho de S. Exa. o Sr. Ministro da Fazenda, lançado hoje sobre o mesmo requerimento, que o supplicante quantia algum* recebeu alem dos seus vencimentos de Ministro e administrador geral das alfandegas, liquidados nos termos legaes,1 e que nunca se lhe fez, nem elle pediu qualquer adeantamento, nem quantia alguma lhe foi entregue com destino a outra pessoa ou entidade, serviço ou encargo.

Em firmeza do que se passou apresente certidão, que vae assinada por nós, na qualidade de directores geraes da Contabilidade Publica e da Thesouraria, levando a mesma certidão o sêllo branco das duas direcções.

Ministerio dos Negocios da Fazenda, 27 de junho de 1907. — André Navarro = Luis Perestrello de Vasconcellos.

Relevem-me a fraqueza de exhibir estes documentos. Não são certidões de folha corrida; é o brado de uma consciencia limpa. (Vozes: — Muito bem).

(O orador foi cumprimentado por varios Dignos Pares).

É lida na mesa e admittida á discussão a moção mandada para a mesa pelo Digno Par o Sr. Teixeira de Sousa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Dias Costa: — Estou intimamente convencido da urgencia de terminar a presente discussão, pelo que não sou eu quem concorra para protelar este debate, embora tivesse o maior prazer em acompanhar, passo a passo, todas as considerações do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, meu muito prezado amigo, que fez um longo e erudito discurso.

Sinto-me um pouco embaraçado, porque, em relação á primeira parte do discurso de S. Exa., vi que as suas palavras não corresponderam ás suas atenções.

S. Exa. declarou que não queria ferir a nota politica, que não queria ser desagradavel ao Governo, mas sim defender o partido regenerador e um dos

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

seus correligionarios, como se porventura o partido regenerador houvesse sido atacado, e, quanto ao Digno Par Sr. Pimentel Pinto, o Sr. Presidente do Conselho apenas se tivesse defendido contra um ataque, tão inesperado quanto vehemente!

Mas, embora o Digno Par tivesse declarado que não queria ferir a nota politica, é certo que S. Exa. atacou o Governo, apesar de fazer a devida justiça aos estadistas que o constituem.

Não acompanho, repito, todas as considerações do Digno Par, e isto sem a menor sombra de desprimor por S. Exa.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, como a Camara viu, não se limitou a apreciar o projecto em discussão: — tratou tambem dos adeantamentos, e justificou ou defendeu os seus actos como Ministro, que foi, em varios Gabinetes.

Eu não discuto nem acceito debate sobre os adeantamentos, porque tal assunto não está em discussão.

Por agora, só se trata da lista civil, e a questão dos adeantamentos só pode ser versada quando a commissão da Camara dos Senhores Deputados, que de tal assunto foi encarregada, apresentar o seu parecer.

Por conseguinte, o que eu tenho a dizer, fica reduzido a muito pouco.

Aludiu o Digno Par, com justos encomios, aos discursos que foram proferidos pelos Dignos Pares, Ressano Garcia, Dantas Baracho, Pimentel Pinto e Arroyo.

Effectivamente, foram cheios de brilhantismo esses discursos; mas importaria uma injustiça não reconhecer que foram tambem notaveis os que pronunciaram os Srs. Presidente do Conselho, em resposta ao Sr. Ressano Garcia, e o Digno Par Alexandre Cabral. (Apoiados).

O Digno Par Alexandre Cabral, pela maneira por que se houve na replica ás considerações apresentadas pelo Digno Par Dantas Baracho, bem evidenciou o acerto dos que a S. Exa. confiaram o encargo de relatar o projecto. (Apoiados).

O Digno Par Teixeira de Sousa começou por dizer que não era seu intento ferir nota politica: mas que se julgava na obrigação de rebater as accusações que o Sr. Presidente do Conselho havia dirigido ao partido em que S. Exa. milita e a um seu correligionario.

Accusações ou referencias a um correligionario do Digno Par, perfeitamente de acordo; mas não ao partido regenerador, porque o Digno Par Pimentel Pinto teve o cuidado de declarar que falava só em seu nome, e não como membro d'esse partido, ao lado do qual está, mas afastado das suas fileiras activas.

O Digno Par Pimentel Pinto, na attitude que assumiu, revelou a existencia de uma nova especie de partidarios: ad latere.

Queixou-se o Digno Par Teixeira de Sousa de que o Sr. Presidente do Conselho respondesse ao Digno Par Pimentel Pinto, em tem aggressivo e de maneira insolita em relação ao seu habitual bom humor.

Falou o Sr. Presidente do Conselho, com algum calor, é certo, mas a camara deve lembrar-se de que o Sr. Pimentel Pinto, principalmente na primeira parte do seu discurso, foi nos seus ataques ao Governo de uma violencia extrema.

Não comprehendo a má impressão que ao Digno Par Teixeira de Sousa causou o facto de o Sr. Presidente do Conselho dizer que não sabia se a situação actual era muito peor do que a que existia na occasião em ene este Governo ascendeu aos Conselhos da Corôa; mas que era certo haver no presente momento muito mais pretendentes á Presidencia do Conselho do que haver nessa occasião.

O Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral recorreu á ironia, que é uma das armas mais elegantes e inoffensivas da esgrima parlamentar.

Não desconhece o Digno Par a proficuidade da intervenção de um dito gracioso ou irónico no meio de um debate que está ou que ameaça ser borrascoso. Foi assim que o antigo Presidente da Camara Francesa, Mr. Paul Deschanel, evitou grandes tempestades, e todos se lembram ainda de um opportuno aparte com que o Digno Presidente d'esta Camara, em uma das passadas sessões, interveio n’uma controversia sobre molluscos, em que estavam empenhados os Dignos Pares Francisco José Machado e Luciano Monteiro.

Antes de passar adeante torna-se indispensavel accentuar que o partido regenerador não foi atacado pelo Sr. Presidente do Conselho.

S. Exa., longe de aggravar essa aggremiação partidaria, ou outra qualquer, declarou, com a franqueza que lhe é propria, que se conservava á frente do Governo, emquanto os partidos que o apoiam lhe não retirassem a sua confiança.

Acrescentou que, logo que de qualquer dos illustres chefes dos partidos emanasse indicação significativa de que a conservação do actual Ministerio era por qualquer forma inconveniente, não se demoraria um instante em apresentar a sua demissão a El-Rei.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (ferreira do Amaral): — Apoiado.

O Orador: — Não se comprehende mesmo que o Sr. Presidente do Conselho tivesse o maior gosto de investir contra os partidos.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, não dominando a impressão que lhe causara o dito gracioso do chefe do Governo, procedeu a uma especie de inquerito, para descobrir quaes eram os cavalheiros que, no momento actual, aspiravam á Presidencia do Conselho.

Abstrahindo a minha modesta personalidade, que se contenta com ser um simples soldado do partido progressista, creio que não faltará quem se julgue em condições de exercer essa alta magistratura.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa disse que a inanidade da obra do Governo derivava da sua propria constituição.

Affirmo, e afigura se me que a minha affirmativa não pode soffrer contestação, que não é com justiça que se pode classificar de inane a obra do Governo.

S. Exa.. que seria até certo ponto generoso se dissesse que o Governo tinha praticado erros, porque, dada a fallibilidade humana, isso não deixaria de implicar qualquer genero de trabalho ou de esforços, foi de um excessivo rigor na classificação da obra do Governo.

É certo que S. Exa. quis desculpar essa inanidade, porque não encontrava no Governo nem unidade politica, nem unidade administrativa.

Mas pergunto: como é que se conseguiria essa unidade?

Seria para isso mester que todos os membros do Ministerio pertencessem a um mesmo partido.

Mas não se recorda o Digno Par que, após a tragedia de 1 de fevereiro, se emittiu a opinião de que era naquelle momento inconveniente a organização de um Governo retintamente partidario?

Pois não se lembra S. Exa. de que o Conselho de Estado opinou, e no meu entender, muito bem, que seria de grande conveniencia que se escolhesse para chefe do Governo um homem que se encontrasse isento de responsabilidades politicas?. (Apoiados).

Pois já se varreu da memoria do Digno Par, que se proclamava então a grandissima vantagem de se unirem todos os cidadãos no unico pensamento da salvação da patria? (Apoiados).

O Conselho de Estado aconselhou uma solução patriotica, e foi a essa que se recorreu.

O Digno Par a quem respondo, em rasgos de uma primorosa oratoria, querendo ainda demonstrar a inanidade da obra do Governo, perguntava: onde está a reforma da Carta? quando apparece a 2-efcrma da Camara dos Pares? onde está a reforma eleitoral? quando vem a nova lei de imprensa e

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SESSÃO N.° 41 DE 14 DE AGOSTO DE 1908 11

a remodelação do juizo de instrucção criminal?

Com respeito á lei de imprensa e ainda ás attribuições do juizo de instrucção criminal, lembrarei que o decreto de 5 de fevereiro veio fazer cessar um estado de cousas, que a todos opprimia e vexava. (Apoiados).

Pois não terá a publicação d'esse decreto o merito de tornar evidente a injustiça das accusações dirigidas ao Governo?

Quer o Digno Par uma monarchia liberal, como, de certo, a desejam todos que se interessam pelas prosperidades do país.

Eu não quero irritar o debate, mas passando o anniversario da batalha de Aljubarrota, e vindo-me á mente a ala dos namorados, que era tambem a ala direita, e porque na direita hoje milito, não posso deixar de procurar defender o Governo contra a investida dos argumentos do Digno Par Teixeira de Sousa.

O Ministerio foi organizado no dia 4 de fevereiro e as Côrtes abriram a 29 de abril.

Como queria o Digno Par que, em um tão curto lapso de tempo, o Governo tivesse elaborado todas as propostas referentes a assuntos tão importantes?

Alem de que, se o Governo não tinha contra si uma opposição numerosa, o certo é que muitos membros do Parlamento, dadas as especiaes circunstancias em que elle começava a funccionar, sentiam a necessidade de falar muito, desforrando-se da oppressão a que fôra submettida a loquacidade que nos é tão peculiar.

Tendo o Governo obrigação de assistir aos debates parlamentares, escasseava-lhe o tempo para tranquillamente, no seu gabinete, organizar as suas propostas.

Mas pode, porventura, dizer com justiça que o Governo nada tem feito?

Pois são comparaveis ás de 1 de fevereiro as circunstancias em que actualmente nos encontramos?

Hoje, felizmente, sente-se que vivemos em um país livre, e que podemos expressar os nossos pensamentos, sem receio que o Governo attente contra as nossas liberdades civis e politicas. (Apoiados).

E de uma injustiça, repito, dizer-se que a situação de hoje é comparavel á de 1 de fevereiro.

Tambem o Digno Par Teixeira de Sousa censurara o Governo por ter mandado proceder ás eleições, em vez de ter reunido a Camara que tinha sido eleita sob a influencia do Sr. João Franco.

Dizer-se que não houve indicação constitucional que determinasse o acto eleitoral será uma subtileza de hermeneutica juridica de algum valor em debates politicos; mas que, no caso em questão, não corresponde ao que mais conviria seguir-se para a marcha regular da nossa politica.

Que poderia o Governo ou p país esperar de uma Camara onde se encontravam 70 Deputados franquistas, apaixonados pelas ideias e pelos processos do seu chefe?

Como é que se conseguiria arrancar á Camara dissolvida, onde haveria tantos elementos hostis ao Governo, uma reforma da lei eleitoral e uma lei preparatoria da reforma da Carta Constitucional?

Reforma do nosso codigo fundamental só autorizaria essa Camara, se nelle fossem introduzidos preceitos que permittissem a continuação da ditadura, e a reproducção dos factos anormalissimos que tanto alarmaram a opinião publica, e tanto revoltaram a consciencia nacional.

O Digno Par, após o seu exordio, recheado de considerações de ordem politica, entrou na analyse do projecto, e tratou da fixação da lista civil e das dividas da Casa Real ao Thesouro.

Na explanação d'esses assuntos, mais uma vez o Digno Par deu prova dos finos quilates de intelligente que eu desde ha muito em S. Exa. reconheço, e mais uma vez revelou tambem o seu muito amor ao trabalho e ao estudo.

S. Exa., na sua erudita exposição, percorreu o largo estádio que vae de 1820 até o decreto de 30 de agosto de 1907.

Procurou demonstrar que as dividas da Casa Real ao Thesouro datam de muitos annos, pelo menos desde o reinado de D. Pedro V, porque durante o tempo da Rainha D. Maria II, essa senhora tão modelar e tão digna da nossa veneração, nada apparece a tal respeito.

Não acompanharei o Digno Par na sua analyse pormenorizada de todos os factos occorridos durante esse lapso de tempo, e que confirmam que, desde ha muito tempo, a Casa Real se vê a braços com dificuldades, que o Estado tem precisado attenuar em diversas epocas.

S. Exa., em seguida, tratou de apresentar a sua defesa contra accusações, que, aliás, o não podem ferir nos seus brios de homem publico ou particular.

Eu bem sei que a opinião publica está sempre disposta a julgar mal os actos dos homens que se encontram á frente da governação do Estado, quando, afinal, os não anima qualquer outra orientação ou outro interesse que não seja o de attenderem ao bem do seu país.

Podem errar, mas com certeza só os impulsiona o desejo de bem servirem a patria, e merecerem pelo seu procedimento o respeito dos seus concidadãos.

Em Portugal, como em outras nações, os homens publicos são alvo de apodos, de censuras, de vaias e de diatribes de toda a ordem.

Por isso um illustre publicista francês, Augustin Filon, referindo-se ao vigor moral de Lord Randolph Churchill, affirmava que quem tem a epiderme sensivel não deve aventurar-se ás refregas da politica.

A meu juizo, os homens publicos, dada a injustiça com que são geralmente tratados pelos seus contemporaneos, só der vem subordinar-se ao veredictum da sua propria consciencia e confiar na justiça dos vindouros.

Proseguindo nas minhas referencias ao orador que me antecedeu no uso da palavra, vejo que S. Exa. sustentou a necessidade, ou antes, a indispensabilidade da Casa Real reduzir as suas despesas, para que as dividas d'ella ao Thesouro não possam mais repetir-se.

O Chefe do Estado, pelo facto de exercer essa alta magistratura, não fica privado dos direitos que pertencem a quaesquer outros cidadãos.

Vozes: — Ha sua differença.

O Orador: — Que a administração da Casa Real reconheça a necessidade de manter-se com os recursos legaes, perfeitamente de acordo; mas da nossa parte não ha o direito de indicar-lhe as reducções a que tem de proceder.

Estou plenamente convencido de que os Dignos Pares não veriam com bons olhos quem pretendesse dar ordens em suas casas, ou interferir nos seus negocios particulares.

O que se torna preciso, o que é indispensavel é que a dotação corresponda ao decoro da pessoa que a recebe, e que a lei respectiva seja de molde a não se permittir a continuação do passado.

É este o grande serviço que o Governo presta ao país com a apresentação do projecto em ordem do dia.

Convem ponderar que a vida dos nossos Monarchas é de ha muito extremamente modesta, e que não ha grandes despesas de luxo ou de ostentação.

Uma importante parte da dotação da Casa Real é applicada á assistencia a indigentes.

Todos sabem que o fallecido Rei D. Carlos dispendia annualmente em esmolas e em subsidio para educação de muitas crianças bastantes dezenas de contos de réis. E fazia-o sem ostentação, nem publicidade.

E de crer que muitos infelizes soffram se a Casa Real se vir obrigada a reduzir as quantias que applica á beneficencia.

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Depois o Digno Par clamou contra o que chamou desorientação do Governo, por acceitar a emenda do artigo 5.° do projecto, depois da commissão eleita pela Camara dos Senhores Deputados para os fins preceituados no artigo 15.°, § 5.°, e no artigo 139.° da Carta Constitucional haver sido tambem incumbida de inquirir sobre a questão dos adeantamentos.

Ora, em primeiro logar, a commissão de que trata o artigo õ.° do projecto, não é da nomeação do Governo, nem é mesmo uma commissão burocratica, como erradamente lhe teem chamado. Compõe-se de juizes dos tribunaes superiores, por estes proprios eleitos, e de um vogal da Junta do Credito Publico, tambem de eleição da Junta.

É, pois, uma commissão que offerece todas as garantias, não só pela respeitabilidade dos juizes que entram na sua composição, como tambem por fazer parte d'ella um representante da Junta do Credito Publico, corporação que nacionaes e estrangeiros veneram pela maneira por que tem cumprido as leis. (Apoiados).

Essa commissão é que tem de apurar qual é realmente o debito da Casa Real. Funccionará como um tribunal contencioso de primeira instancia: mas o resultado a que ella chegue tem de ser submettido á sancção das Côrtes, que constituirão uma segunda instancia quanto á parte contenciosa, e ás quaes tambem pertencerá exclusivamente a liquidação das responsabilidades politicas.

Por este modo, o Governo patenteou, não uma desorientação, mas a melhor das orientações, porque mostra o respeito que lhe merece a soberania da Nação representada pelas Côrtes.

O Sr. Medeiros: — Se o resultado a que chegar a commissão for contra, o Estado, vem tambem ao Parlamento? O parecer da commissão, quer seja a favor ou contra o Pastado, vem ao Parlamento?

O Sr. Conde de Castello de Paiva: — Nem de outra maneira se comprehende a existencia d'essa commissão.

O Orador:—Está claro que vem, e posso assegurar que o Governo, creio, ha de empregar todos os esforços para que a commissão de que trata o artigo 5.° conclua os seus trabalhos o mais rapidamente que ser possa, (Apoiados}.

Disse ainda o Digno Par que as disposições do artigo 5.° teem o grande inconveniente de duplicar ou triplicar a discussão do assunto.

Mas, quantas mais discussões, melhor. Quanto mais o assunto se discutir, mais elle ficará devidamente esclarecido.

E não se reputem inuteis essas discussões. As que tem havido produziram já um grande resultado, porque a verdade é que já hoje se forma acêrca da questão dos adeantamentos uma opinião bem diversa a todos os respeitos d'aquella que se formara até aqui.

Objecta-se ainda: se houver conflito entre as duas commissões; se ellas não chegarem a acordo? Neste caso prevalece a opinião das Côrtes, que constituem uma ultima instancia, e aqui está mais uma prova do respeito e consideração que o Governo tributa á soberania nacional.

A questão ha de ser resolvida com toda a imparcialidade e com toda a justiça. (Apoiados}.

O Digno Par Sr. Teixeira do Sousa mostrou que a Casa Real encontrará nos rendimentos da Casa de Bragança receita para occorrer nos encargos do artigo 5.°

Deve ter-se tambem presente que a Fazenda Real dispõe ainda de outros recursos para esse fim, como claramente resulta das disposições, do projecto em discussão.

Vou terminar. Seria de uma grande conveniencia que todos os portugueses se unissem no mesmo pensamento de salvar o país, fazendo os mais solemnes protestos de não mais se repetirem os erros do passado. (Vozes: — Muito bem).

O orador foi cumprimentado pelos Srs. Ministros da Fazenda e da Justiça e por muitos Dignos Pares.

É lida, admittida e posta em discussão juntamente com o projecto a moção que é do teor seguinte:

A Camara reconhece a necessidade urgente de dar cumprimento á disposição do artigo 80.° da Carta Constitucional, e continua na ordem do dia. = F. F. Dias Costa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de segunda feira, 17 do corrente, é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 21 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 14 de agosto de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, do Bomfim, de Castello de Paiva, das Galveias, de Mártens Ferrão, de Sabugosa; Viscondes de Algés, de Balsemão, de Monte São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Fernando Larcher, Mattoso Santos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Francisco Serpa Machado, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

João SARAIVA.

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