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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 8 DE MAIO.

Presidencia do Exm.º Sr. Visconde de Algés, Vice-Presidente supplementar.

Secretarios - os Srs.

Conde de Fonte Nova

Brito do Rio.

(Assistia o Sr. Ministro da Marinha).

Pelas tres horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 36 dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Presidente — Tenho a honra de participar á Camara, que, por um officio que a Presidencia recebeu do Sr. Ministro do Reino, de cujo officio se dará conta quando se ler a correspondencia, foi indicado o dia de hoje, á hora do meio dia, para a deputação nomeada por esta Camara apresentar á Sancção de Sua Magestade, varios Decretos das Côrtes, ultimamente approvados; e que, dirigindo-se ao Paço a deputação, á hora indicada, cumpriu o seu dever, sendo recebida por Sua Magestade, com a costumada benignidade.

Vai lêr-se a correspondencia.

O Sr. Secretario Conde de Fonte Nova mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, satisfazendo ao pedido do digno Par Ferrão, com a cópia da Portaria de 4 de Junho de 1847, expedida ao Governador de Angola.

Para a secretaria.

— do mesmo Ministerio, acompanhando, Sanccionado, o Decreto, de Côrtes, sobre a compra do navio Smyrna.

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Para o archivo.

- do Ministerio do Reino, participando que

Sua Magestade receberia no dia 8 do corrente, pelo meio dia, a deputação que devia apresentar á Real Sancção alguns Decretos de Côrtes.

Ficou a Camara inteirada.

- da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, declarando nullo o Decreto que demittiu de Alferes, Antonio de. Azevedo Osorio.

Á commissão de guerra.

O Sr. Barão de Porto de Moz mandou para a Mesa um requerimento de Manoel Xavier Pinto. Homem, bacharel formado em theologia, em que apresenta á consideração desta Camara, que, achando-se na Camara dos Srs. Deputados um certo projecto que prohibe aos professores publicos ensinarem particularmente, elle pondera os graves inconvenientes que daqui hão-de seguir-se para a mocidade estudiosa, e tambem a elle que é o fundador do collegio de S. Bento, na cidade de Coimbra; e pede por isso que esta providencia não seja adoptada.

O projecto ainda não veio para esta Camara; mas não lhe parece que por isso podesse dispensar-se de apresentar o requerimento para em tempo opportuno ser tomado em consideração, se essa opportunidade vier.

O Sr. Presidente — Quando vier o projecto será o requerimento tomado em consideração.

O Sr. Conde de Thomar: consta-lhe que o Governo fizera ultimamente um Regulamento sobre o estabelecimento e casa de N. S. da Nazareth, no qual parece que o Governo se arrogou attribuições que lhe não competiam; porque creou logares e estabeleceu ordenados á custa das esmolas do estabelecimento; mas como lhe faltam os dados precisos para formular a sua interpellação ao Governo, manda para a Mesa, um requerimento, para que o mesmo haja de remetter a esta Camara uma cópia daquelle Regulamento.

Não póde, porém, deixar de dizer por esta occasião, que lhe parece estranhavel que um. Regulamento de tal ordem não fosse publicado no Diario do Governo, visto que por elle se alterou uma Lei de Côrtes, votada em 1837, segundo lhe parece.

Tambem fez e mandou para a Mesa outro requerimento, pedindo informações pelo Ministerio da Guerra (leu):

«Requeiro que se peça ao Governo cópia do Regulamento ultimamente adoptado, para o estabelecimento de N. S. da Nazareth. Camara dos Pares, 8 de Maio de 1835. = Conde de Thomar.»

«Requeiro que pelo Ministerio da Guerra se mande a esta Camara, antes de principiar a discussão do orçamento, os seguintes esclarecimentos:

1.° Se ao Marechal Duque de Saldanha se tem abonado sómente as 4 forragens diarias marcadas no orçamento, ou se como Commandante em Chefe do exercito recebe mais, e quantas; e na affirmativa, porque não vêem incluidas no respectivo capitulo do orçamento.

2.º A quem tem sido distribuidas, durante o actual anno economico, as 23 forragens para eventualidades (cap. 2.° do orçamento, artigo 9.°, secção 2.ª); e se, além deste numero de forragens, se tem abonado mais algumas, não

atithorisadas no dito orçamento, com declaração dos nomes dos individuos, e seus empregos.

3. Quantos Officiaes estão ás ordens dos Generaes, além daquelles que lhes competem por Lei, e se a esses se abonam forragens.

4.° Nota das quantias que se teem dado por adiantamento aos individuos militares para serem pagas por desconto nos seus vencimentos, desde a capitalisação dos soldos e ordenados em divida até á data deste requerimento, acompanhada de relação nominal.

5.° Uma relação por postos e armas, dos Officiaes pertencentes aos corpos do exercito, que se acham em commissões estranhas aos mesmos corpos, com declaração de quaes são essas mesmas commissões.

6.° Uma nota do numero de praças de pret isentas do serviço regular, e de detalhe dos corpos, por se acharem servindo como impedidos de Generaes e Officiaes, que não são effectivos dos mesmos corpos, incluindo as que se acharem nesta situação a titulo de ordenanças.

N.B. A demora da remessa em satisfação deste quesito não prejudique, por fórma alguma, a prompta remessa relativa aos outros quesitos.

7.° Quantos Officiaes estão servindo na Secretaria da Guerra, na do Commando em Chefe, nos Quarteis-generaes, na Escola Veterinaria, nas praças de guerra de primeira ordem, além do quadro estabelecido, e qual é a lei que authorisa estas excrescencias.

8.° Quantos Officiaes teem sido collocados na inactividade temporaria, sem vencimento, desde Maio de 1851, e depois passados á disponibilidade, vencendo soldo, com declaração das datas, e que ainda não tenham sido collocados na actividade.

9. Se os Officiaes que passam para a inactividade temporaria, sem vencimento, por assim o requererem, vencem nesta posição tempo de serviço, para accesso e reforma. Camara dos Pares, 8 de Maio de 1855. = Conde de Thomar.»

O Sr. Presidente — V. Ex.ª pede a urgencia?

O Sr. Conde de Thomar — Parece-me que este requerimento é urgente, porque os esclarecimentos que nelle peço são absolutamente indispensaveis para a discussão do orçamento; e como alguns delles tem de levar tempo para se obterem, quanto mais depressa se expedir, mais breve poderá ser satisfeito.

Foi approvada a urgencia.

O Sr. Visconde de Laborim disse, que desejava ter a honra de interpellar o Sr. Ministro dos Negocios do Reino; mas como S. Ex.ª não estava presente, e o objecto da sua interpellação exige brevidade, e é interessante, não duvida dizer qual elle é, porque talvez o Sr. Ministro da Marinha, e dos Negocios Estrangeiros se possa considerar habilitada para lhe responder. A sua interpellação versa, disse o nobre orador, sobre o estado de saude publica, em relação ao mal epidemico, que grassa em algumas das provincias do reino. Desejaria saber se o Sr. Ministro presente, está, ou não habilitado a responder sobre este ponto?... Se está, começará desde já a sua interpellação com mais alguma particularidade; se não está aguardará occasião opportuna.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros disse que estava habilitado até ao ponto de informar ao digno Par que, apenas constou ao Governo que proximo das raias de Portugal, no reino visinho, tinha infelizmente apparecido a cholera morbus, e que uma molestia com caracter similhante se havia declarado em S. João da Pesqueira, o Governo deu todas as ordens para se pôrem á disposição do Conselho de saude, não só tropa, mas Cirurgiões militares, a fim de se prover ás necessidades urgentes que apparecessem.

Que o Governo, porém, pelas participações recebidas, tem a satisfação de declarar, como acaba de fazer na outra casa do Parlamento — que, felizmente, por ora, aquella molestia não tem o caracter decisivo de cholera.

Que consta igualmente, pelas noticias até hontem, não ter continuado aquella molestia, antes pelo contrario, feito ponto. Agora mesmo o Sr. Ministro do Reino disse, que felizmente sé entrára em muita duvida de que aquelle» casos fossem realmente de cholera morbus (apoiados). O Governo sabe que os Cirurgiões militares correram áquelle ponto a subministrar aos doentes todos os meios que possam concorrer para a sua melhora, de modo que esses primeiros acontecimentos desgraçados que houve, segundo todas as noticias confirmam, não continuaram: não obstante, o Governo mandou estabelecer um cordão sanitario, para impedir as communicações tanto quanto seja possivel; mas sobre esse ponto ha de usar de alguma parcimonia, porque, como o digno Par sabe muito bem, em toda a parte onde apparecem esses cordões, pesa sobre o povo um grande onus pela difficuldade de se obterem mantimentos.

O Governo mandou dar etape aos soldados, mas sendo difficil, como disse, haverem viveres, torna-se muito pesada a permanencia da tropa naquelle ponto; mas apezar de tudo não se descuida, pois tem muito a peito tomar as medidas necessarias, e que são de sua obrigação, para facilitar ao Conselho de saude os meios de que careça para levar a effeito os methodos de combater aquella molestia, ou seja do caracter da cholera, ou outra qualquer.

Que além disto, não póde elle Sr. Ministro dizer mais nada ao digno Par, mas que prevenirá o seu Collega do Reino, que de certo, ámanhã, ou n'outro dia em que houver sessão, dará todos os esclarecimentos precisos, como já o fez na outra Camara. Entretanto, pede que se note bem, que além daquelle ponto — S. João da Pesqueira — até hontem o Governo não teve noticias de que tenha apparecido em mais nenhum outro; e está esperançado que este caso passará, como felizmente passou ha dous annos, outra ameaça de cholera morbus. Aqui mesmo já hontem alguem se lhe dirigiu, dizendo que havia em Lisboa symptomas daquella molestia; mas póde asseverar que não é exacto, pois, felizmente, não ha participações que confirmem a apparição de similhante molestia na capital.

O Sr. Visconde de Laborim ainda que S. Ex.ª o Sr. Ministro da Marinha acaba de dizer, que o Sr. Ministro do Reino responderá mais cabalmente; pede com tudo licença para observar-lhe, que se referiu simplesmente ao mal, que tem grassado na raia, e elle orador tem diante de si um documento, pelo qual se mostra, que não é só na raia, que o mal existe; donde conclue, que, ou S. Ex.ª não está cabalmente informado de todos os pontos do reino, onde elle tem grassado, ou que não é exacto aquelle documento. Por consequencia pede á Camara, que lhe permitta a liberdade de lêr um periodo do periodico Porto e Carta, onde no artigo Gazetilha diz o seguinte: (leu). A par desta noticia, algumas cartas tem recebido daquelle ponto, que a confirmam. O Sr. Ministro conhece perfeitamente a topographia do paiz, e sabe onde é S. João da Pesqueira: sabe igualmente a grande proximidade, em que este logar está da segunda cidade do reino, onde elle orador teve a honra de nascer; tambem sabe a facilidade, e até necessidade, que ha de communicações de commercio entre Si João da Pesqueira e aquella cidade, e portanto a possibilidade que existe, uma vez que se não adoptem providencias rapidas, e efficazes, de que o mal se communique á heroica cidade do Portos Ignora (repetiu) se esta noticia é certa, ou deixa de ser; se deixa de o ser, dá os parabens á Camara, e igualmente os recebe; mas se é certa, não se cançará em pedir a S. Ex.ª que dê providencias, conferenciando com os seus Collegas sobre quaes sejam os meios mais activos para debellar o mal; e posto que confie tudo do seu zelo, efficacia, e patriotismo, não obsta a que cumpra o seu dever, como acaba de cumprir.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros disse que já tinha declarado á Camara que o Governo tem tomado todas as providencias ao seu alcance para facilitar ao Conselho de saude os meios de combater a molestia: que este, pela sua parte, não se poupa em propôr as medidas que julga conducentes a embaraçar o mal, e não ha de por certo ser remisso no cumprimento dos seus deveres. Quando o Governo manda ordens aos Cirurgiões militares para que concorram áquelle logar, e promptifica a tropa necessaria para estabelecer cordões, não póde ir mais longe, na certeza de que os empregados da repartição de saude farão o mais que é do seu dever. Que o digno Par deseja, e de certo todos desejam, que esta molestia não se espalhe no paiz; mas que S. Ex.ª tambem sabe que ha um grande numero de portugueses interessados em que essas medidas não sejam tão rigorosas, que vão além do que é indispensavel; porque, se por um lado o Governo tem feito da sua parte quanto póde para auxiliar o Conselho de saude, tambem por outro lado ha queixas, donde conclue o Governo que o Conselho de saude não é remisso em dar as providencias necessarias para não progredir o mal. Debaixo deste ponto de vista, crê o Sr. Ministro que a Camara deve estar satisfeita, reconhecendo que o Governo e o Conselho de saude teem feito todo o possivel para evitar que se aproxime de outros pontos aquella molestia.

Accrescentou que a respeito das pessoas atacadas do mal, e das que a elle succumbiram, tem o Governo recebido participações, e por ellas se vê que o artigo Gazetilha, em certos pontos, contem inexactidões, tanto mais que a Gazetilha não merece consideração, como se fosse artigo de fundo do mesmo jornal.

E concluiu dizendo que em presença do que deixava dito, lhe parecia que o digno Par ficaria certo de que o Governo não se metteria de permeio n'um assumpto tão importante como é o Serviço sanitario.

O Sr. Visconde de Laborim não duvidou, nem duvidará jamais do zelo, actividade, e efficacia das medidas, tomadas pelo Ministerio, de que é orgão o Sr. Ministro, que se acha presente; mas S. Ex.ª sabe que elle digno Par teria por certo atraiçoado os seus deveres, se deixasse de fazer estas observações. O que lhe suscitou a necessidade de as fazer foi dizer S. Ex.ª, que o mal estava limitado á nossa raia; mas, não obstante haver confirmado agora a noticia de que acabou de fazer leitura á Camara, parece-lhe, com a devida venia, que não estava bem informado. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Eu disse que o mal estava em S. João da Pesqueira.) Mas S. Ex.ª, quando a primeira vez tomára a palavra, não fallou em S. João da Pesqueira. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Sim Senhor.) Então pedia a S. Ex.ª quizesse relevar a sua falta de ouvido; e ficava satisfeito.

O Sr. Silva Costa — Sr. Presidente, n'uma das sessões desta Camara, já muito atrasada, começou a discutir-se um parecer a respeito da reintegração de alguns ex-officiaes inferiores que tinham sido dimittidos por motivos politicos; a Camara, porém, decidiu que se sobreestivesse na discussão até que viessem áquelle respeito alguns esclarecimentos; esses esclarecimentos vieram, e foram remettidos á commissão de guerra; mas a commissão, tendo ouvido dizer que um certo numero desses ex-officiaes inferiores tem já sido reintegrado, desejava, para melhor poder dar o seu parecer, que o Governo remetta a esta Camara uma relação dos que teem sido novamente admittidos ao serviço, e por isso mando para a Mesa este requerimento (leu).

«A commissão de guerra, para poder dar um parecer definitivo sobre o parecer n.° 92 da mesma commissão relativo ao projecto n.° 23 da Camara dos Srs. Deputados, requer que lhe seja remettida uma relação dos ex-officiaes inferiores, de que tracta o mesmo parecer, que tenham novamente sido readmittidos ao serviço. Camara dos Pares 8 de Maio de 1835. = J. F. da Silva Costa.».

O Sr. Presidente — Este requerimento é da natureza daquelles que é costume decidir logo; portanto, consultarei a Camara se o approva.

Foi approvado.

O Sr. Barão da Vargem da Ordem — É para ler um parecer da commissão de petições (leu). Proseguiu — A commissão assentou que n'um só parecer podia comprehender estes dois requerimentos.

Parecer (n.° 222.)

Á commissão de petições foram presentes os requerimentos; a saber: de José Carlos de Lara Everard, Porta-bandeira de infanteria n.° 13; de Manoel Maria Hermenegildo da Veiga, primeiro sargento graduado aspirante a official, de infanteria 7; de Antonio Joaquim dos Ramos Munnoz, primeiro sargento de cavallaria n.º 3; de José Antonio da Costa Braklamy, primeiro sargento aspirante a official, de caçadores n.° 6; de Aniceto Marcolino Barreto da Rocha, Porta-bandeira de n.° 5; e de José do Sacramento de Azevedo e Silva, primeiro sargento graduado aspirante a official, de caçadores n.° 4; em cujos requerimentos pedem, que em contemplação ás circumstancias, de que se dizem revestidos, lhes sejam applicadas as disposições da Lei promulgada a respeito dos que estão nas mesmas circumstancias.

A commissão intende que estes requerimentos devem passar á commissão de guerra como a competente para conhecer do seu objecto. Sala da commissão, 8 de Maio de 1855. = Visconde de Fonte Arcada = Barão da Vargem da Ordem.

Parecer (n.° 223.)

Á commissão de petições foi presente o requerimento de José Coelho, em que, expondo não ter-lhe o Governo difirido a requerimentos que lhe tem feito para lhe ser perdoada ou commutada a pena imposta em uma sentença crime, pede a esta Camara que remetta ao Governo com recommendação o dito requerimento, afim de difirir-lhe.

A commissão intende que não tem logar tal pretenção. Sala da commissão, 8 de Maio de 1855. = Visconde de Fonte Arcada = Barão da Vargem da Ordem.

Foram approvados sem discussão.

O Sr. Conde de Thomar pede a attenção do Sr. Ministro da Marinha, e aproveita esta occasião, porque nem sempre tem afortuna dever os Srs. Ministros, para lhes dirigir duas perguntas. A primeira é sobre a não satisfação de um requerimento que fez ha muito tempo sobre a importancia das presas feitas em Macáo pela marinha portugueza, e qual tinha sido o seu destino. (O Sr. Ministro da Marinha — Já veio) Como S. Ex.ª diz que já veio, pede á Mesa que diga se já vieram esses esclarecimentos; e, em quanto espera pela resposta, faz a sua outra pregunta. Segundo aqui foi dito pelo Sr. Ministro, n'uma das sessões passadas, o processo da syndicancia relativa ao ex-Governador geral de Angola foi remettido ao Supremo Tribunal de Justiça. O orador suppõe que isto é exacto, e que esse processo existe lá, e foi distribuido; mas consta-lhe que o Sr. Ministro da Marinha expedira uma Portaria para o ultramar censurando o Juiz do direito que tinha procedido á syndicancia; desejava por tanto saber se este facto é exacto.

O Sr. Ministro da Marinha respondeu que o Governo, antes de saber que o Juiz de direito em questão tinha illegalmente procedido á syndicancia, porque era contra a letra e espirito da Lei que elle fosse syndicar; expediu ordem para, o Juiz, a quem competia, o de S. Thomé e Principe, para que fosse tirar a syndicancia: e ao mesmo tempo ordenou ao Governador de Angola que fizesse partir um navio com toda a brevidade, o que já está executado. Que no intervallo veio ao conhecimento do Governo, que a syndicancia fora feita pelo Juiz não competente; pois se o digno Par lêr o artigo da Lei verá que aquelle Juiz não era competente para proceder a essa syndicancia: que entretanto este processo seguiu os transmites, e foi até mandado ao Suprem me Tribunal de Justiça. Que por tanto, o que elle Sr. Ministro mandou estranhar áquelle Juiz; foi o ter feito essa syndicancia sem lhe competir. O que ha de fazer o Supremo Tribunal da Justiça não pertence ao Governo avalia-lo: o Governo só avaliou, que um empregado fosse praticar um acto para que a Lei o não chamava, porque a Lei indicava qual devia ser o Juiz a quem competia proceder á syndicancia. Sobre o mais o Governo não tem nada a dizer.

O Sr. Conde de Thomar — A Lei, se bem se recorda, incumbe ao Juiz de direito de fazer a syndicancia em qualquer caso, que a Lei determina, que ella tenha logar. Parece-lhe pois que, feita a syndicancia, e remettida ao Supremo Tribunal de Justiça, não é possivel ao Governo intrometter-se nesse negocio, e que lhe não compete conhecer da sua validade (apoiados).

Que a Portaria pela qual o Governo declarou já = que a authoridade que tinha procedido á syndicancia é nulla - é na sua opinião attentatoria das attribuições do poder judicial (apoiados). Conhecer da validade, ou não, da syndicancia só pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, mas desde que o Governo declarou, que aquella authoridade tinha procedido mal, entrou na validade daquelle processo, e isso é que o Governa não podia fazer (apoiados).

Observou que este negocio é mais serio do que parece; que é necessario por tanto marchar nelle com pausa e prudencia (apoiados): e por isso pede ao Sr. Ministro, que mande a esta Camara; uma copia da referida Portaria, para avista della fazer as suas reflexões (apoiados). Por em quanto, a sua opinião é que o Governo exorbitou das suas attribuições, mas não vai além, sem ver essa Portaria. Se é preciso um requerimento por escripto, está prompto a faze-lo; mas se S. Ex.ª se contenta com este pedido verbal, e em virtude delle manda a esta Camara aquella copia, escusa então de fazer o requerimento por escripto.

O Sr. Ministro da Marinha disse que mandaria a cópia com muito gosto, porque esta questão não foi decidida por elle só; que o digno Par ha-de fazer-lhe a justiça de acreditar que quando são negocios delicados, como este, de um Juiz que não cumpria a lei, não havia elle Sr. Ministro deixar de ouvir os conselheiros naturaes do Governo. Que entre as pessoas que foram ouvidas estão não só homens que já foram governadores, mas tambem jurisconsultos; e comtudo o Sr. Ministro declara desde já, para não ficar essa impressão desagradavel, que o Governo não avaliou, da syndicancia; essa a avaliará o Supremo Tribunal de Justiça; mas avaliou o procedimento de um homem que, por se chamar juiz, não tem direito de ir a toda a parte (O Sr. Visconde de Laborim — É a competencia). A lei diz que ha-de syndicar o Juiz A, e apresentou-se o Juiz B; o Governo disse ao Juiz B, que fez mal nisso.

O Sr. Ministro mandou vir a lei, que mostra que aquelle Juiz não podia syndicar pela lettra nem pelo espirito da lei: desde que ouviu que os dignos Pares se apressavam a lançar a arguição de que estão quasi certos que o Governo exorbitou das suas attribuições; e então hão-de permittir que desde já lhes peça que esperem pela lei, a fim de verem que com razão intende elle Sr. Ministro que a independencia do Poder judicial não dá direito a um Juiz para se intrometter no que lhe não compete; e que assim como póde estranhar a um militar, que lá fossa sem ser chamado, tambem intende que podia estranhar a um Juiz esse procedimento. Sem desconhecer que o Poder judicial é independente, intende que não se segue por isso que os Juizes se podem intrometter aonde não são chamados, e que desde que a lei diz qual é o Juiz a quem está incumbida certa cousa, se vier outro intrometter-se no que lhe não compete, ha-de elle Sr. Ministro poder-lhe dizer que fez mal. O contrario disto julga o Sr. Ministro que é doutrina muito difficil de sustentar, para que o digno Par possa tomar a si o fazê-lo; mas se poder, que desde já declarava que os membros do Poder judicial são neste paiz uns semideoses.

(Pediram a palavra varios dignos Pares.)

O Sr. Conde de Thomar — Visto o Sr. Ministra ter tomado esta medida sobre o parecer de pessoas doutas, e mesmo de homens de lei, quis sómente pedir a S. Ex.ª que tivesse a bondade de mandar juntamente com a cópia da Portaria, que já prometteu, as cópias dos pareceres sobre que fundou a sua opinião. (O Sr. Ministro da Marinha faz um signal de annuencia). Parece-me que S. Ex.ª está de accôrdo...

O Sr. Ferrão disse que lhe era muito doloroso entrar nesta discussão pelas circumstancias especiaes em que se achava, e até motivos pessoaes, não só como membro desta Camara, mas tambem

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de um Tribunal. Não quer lançar o menor voto de censura sobre o Sr. Ministro da Marinha, porque S. Ex.ª confessou que não entrou nesta questão sem ter ouvido pessoas competentes; mas disse que a lei tinha sido infringida, e que um Juiz tinha procedido illegalmente á syndicancia: que á vista disto se conhecia que S. Ex.ª procedeu com boa fé, e com zelo e interesse da execução da lei; mas não ha duvida, que o Governo exorbitou; porque está expresso na lei de 19 de Dezembro de 1843 — que a suprema instancia para decidir sobre a competencia dos Tribunaes de Justiça é o Supremo Tribunal de Justiça (apoiados); que esse é portanto que deve declarar se o Juiz que praticou um acto era competente para o fazer. Portanto, sempre que a lei commetter um acto de justiça a um Juiz, e que esse Juiz obra incompetentemente, ninguem póde dizer que foi illegal, nem para o emendar; só o Supremo Tribunal de Justiça é que o póde fazer (O Sr. Visconde de Laborim — Apoiado). Nem o Governo, nem o Conselho de Estado são authoridades neste caso; é só e exclusivamente aquelle Tribunal (apoiados).

Observou que se por ventura neste processo ha nullidade, a decisão legal é que vá ao Juiz que deve observar a lei, e examinar o processo; mas o Sr. Ministro foi fazê-lo fora de tempo e logar, sem um accordam do Supremo Tribunal de Justiça que fixasse a competencia, cousa que ninguem a póde fixar se não o Tribunal competente, que é o Supremo Tribunal de Justiça (apoiados). Temos portanto agora dois processos em logar de um, e isso é que não póde ser, por que não podem simultaneamente marchar dois processos, um Supremo Tribunal de Justiça, e outro do Governo (apoiados).

O nobre orador insiste em que não quer lançar a menor censura sobre o Sr. Ministro da Matinha; mas que houve uma certa desconsideração que ha-de crear depois grandes difficuldades na sua resolução (apoiados), é o que não é possivel negar-se. Como é possivel que depois se possa fazer obra por esta nova syndicancia, porque já existe uma; e só depois desta julgada é que o Supremo Tribunal de Justiça havia dizer para onde devia ir se houvesse alguma illegalidade? Por consequencia que era evidente não competir ao Governo essa deliberação, e só unica e restrictamente ao Supremo Tribunal de Justiça, como está expresso na Lei de 19 de Dezembro de 1843, onde o Sr. Ministro pode ver que só depois daquelle Tribunal dizer que um Juiz é incompetente, é que determina os Juizes que devem fazer esse acto.

O Sr. Visconde de Laborim quando ouviu dizer, que os membros do Poder judicial eram semideuses, não coube em suas forças deixar de pedir a palavra para rebater tão estranha, e mal cabida asserção, e para dizer que elle orador não passa de um simples mortal, e nessa qualidade tem a honra de pertencer ao Supremo Tribunal de Justiça; que o Poder judicial, de que é membro, é merecedor de mais justiça, e consideração; e que elle orador seria digno de grave censura se não levantasse a sua voz em defeza, não só daquelle Tribunal, mas tambem do Poder judicial em geral em quanto á necessidade de manter-se, e respeitar-se a independencia do mesmo (apoiados). É essa independencia, e a circumspecção, respeito, e seriedade, com que um dos Poderes do Estado deve ser tractado, que o obrigou a tomar a palavra depois que fallou o digno Par, e seu nobre amigo, que com a urbanidade, que o distingue, levou a sua contemplação fará com o Sr. Ministro a ponto até de dizer que não lhe queria fazer censura; mas elle orador sente não o poder imitar, pois não póde deixar de dizer, que o Sr. Ministro mostra, que não tem conhecimento das leis do paiz, no que toca a este importante objecto, e a ser pouco recatado nas suas expressões, em relação ao Poder judicial (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado), e de lembrar-lhe que, no que disse, sustentou, posto que indirectamente, a criação de Juizes de commissão, o que é o maior absurdo no actual direito (apoiados), e só de ouvi-lo, elle digno Par não póde deixar de estremecer (apoiados). Foi só para isto, torna a repetir, que pediu a palavra, porque, depois do que acabou de dizer o seu amigo, o Sr. Ferrão faltaria á justiça, e contemplação, que lhe merece, se dissesse mais alguma cousa.

O Sr. Ministro da Marinha disse que declarava ao digno Par, que fallou na sua ignorancia das leis do paiz sobre este assumpto, que nelle era ignorante (O Sr. Visconde de Laborim — Então fiz-lhe justiça), mas que tambem o digno Par lhe havia de permittir que dissesse, que S. Ex.ª ignora outras cousas que elle Sr. Ministro sabe. (O Sr. Visconde de Laborim — Apoiado.)

O Sr. Ministro não disse que criava Juizes de commissão, disse que a lei determina que um Juiz — especificadamente designado na mesma lei — vá fazer aquella syndicancia, e, portanto, é a lei, e não a sua vontade (apoiados), quem dá a commissão. Que, porém, um homem, que é de lei, e a quem não pertencia aquella syndicancia, apresentou-se para a fazer, mas sem que a responsabilidade desses actos possa pesar sobre o Governo pela razão que passou a dar.

Que o Governo, que não sabia que esse Juiz se intromettia aonde não era chamado, quiz dar execução á lei, como ella está escripta, e como teve em vista que fosse executada: e como não podia esperar que houvesse aquella irregularidade, mandou que o Juiz, que pela letra e espirito da mesma lei era chamado para fazer aquella syndicancia, fosse syndicar; ordenando ao mesmo tempo que um navio o fosse immediatamente buscar: que por consequencia não podia o Governo prevenir o que succedeu; e que todas as consequencias que possam resultar disso, não são da responsabilidade do Governo, porque quando o Governo deu aquella ordem', não sabia que estava feita a syndicancia. Que, apesar disso, o Governo está sendo censurado por ter expedido aquella Portaria, e não por ter mandado dar execução á lei: sendo este, como pede aos dignos Pares que notem, o ponto da questão.

O Governo antes de saber que um Juiz se tinha intromettido aonde não era chamado, mandou executar a lei: mas depois disso soube (não officialmente), que esse Juiz mandava uma syndicancia, sendo que a pessoa por quem teve pela primeira vez noticia disto, foi pelo seu amigo, e digno Par, o Sr. José da Silva Carvalho: depois chegaram jornaes que o confirmaram; mas as ordens do Governo tinham ido antes. Chegou a primeira syndicancia, e o Governo não tractou de a avaliar: nisso não entra o Governo: o Governo o que viu foi, ter um Juiz praticado um acto que não lhe pertencia, porque a lei dá a outro essa incumbencia.

O Sr. Ministro concluio dizendo que a Portaria que expedira, e a consulta que a ella deu logar, hão-de ser presentes a esta Camara, na conformidade do pedido pelo digno Par o Sr. Conde de Thomar: — e se pois em presença desses documentos, os dignos Pares lhe provarem, que o artigo da lei não é claro, dar-se-ha então por convencido, de ter procedido mal quando expedio aquella Portaria.

O Sr. Marquez de Vallada — Depois de terem fallado os mestres da lei, nesta questão, parece uma ousadia da minha parte o intrometter-me nella mas, Sr. Presidente, eu levantei-me unicamente para protestar solemnemente contra uma proposição estabelecida pelo Sr. Ministro da Marinha. Disse o Sr. Ministro, que assim como elle tinha direito para estranhar a um militar quando exorbitasse das suas attribuições, tambem cumpria ao Governo reprovar a conducta do juiz, quando porventura procedesse contra lei. Ficámos pois sabendo, que d'ora avante, que S. Ex.ª, e os seus collegas, por outra o Governo, póde intrometter-se em qualquer questão que esteja affecta aos Tribunaes! (o Sr. Ministro da Marinha— Eu não disse isso: disse sim, que assim como o Governo estranharia a um militar, que fizesse aquillo para que não era chamado, estranharia tambem isso a um Juiz que assim procedesse: o mesmo podia fazer com referencia a um ecclesiastico, medico, ou qualquer outro individuo.

(Sussurro.)

O Sr. Presidente — Recommendo aos dignos Pares que prestem attenção ao que se diz, mesmo porque pouco se ouve.

O Sr. Marquez de Vallada — Eu estou usando do meu direito; e assim como costumo ouvir com attenção os dignos Pares da maioria, quando fallam, eu devo esperar de SS. EE., que a meu respeito procedam do mesmo modo, que não me fazem nisso favor nenhum, cumprem apenas o seu dever (apoiado,)

Sr. Presidente, esta Portaria denuncia a idéa de patronato (apoiados); e eu lembrarei aos Srs. Ministros, que é necessario ser muito circunspecto quando se tracta de questões de moralidade publica. Já os dignos Pares o Sr. Ferrão, e Visconde de Laborim, respeitaveis membros do Supremo Tribunal de Justiça, levantaram a sua voz contra a proposição apresentada aqui pelo Sr..Ministro da Marinha: e eu, Sr. Presidente, pedi a palavra a V. Ex.ª, para lavrar um protesto em nome do senso commum, contra essas palavras lançada na Camara por S. Ex.ª, e para combater esse acto praticado por um Conselheiro da Corôa, acto percursor de outros, que revelam de certo a tendencia que tem o Governo para entrar na estrada do despotismo.

O Sr. Visconde de Laborim disse, que contra o seu costume pacifico, gritou, e tambem o Sr. Ministro gritou; mas com a differença de que elle orador gritou com a lei na mão, e o Sr. Ministro gritou contra a lei: que S. Ex.ª confessa, e já o tem dito por vezes, que reconheceu a incompetencia do primeiro Juiz, que procedeu á sindicancia: ao que elle orador pergunta, quem é que deu authoridade ao Sr. Ministro para julgar em tal caso do procedimento de um Juiz? Compete-lhe isso? Aonde foi S. Ex.ª achar essa doutrina? (apoiados). Observou que não dissera que S. Ex.ª, e os seus collegas pertenderam criar um juizo de commissão: dissera sim, e em substancia, que da doutrina apresentada aqui pelo Sr. Ministro, seguisse essa consequencia: mas finalmente, que o Sr. Ministro tem desculpa em proceder como procedeu, e em dizer o que disse.

O Sr. Presidente — Eu recommendo aos dignes Pares que não usem de reticencias nos seus discursos.

O Sr. Visconde de Laborim, respondendo, disse — que não havia usado de reticencia alguma; o que dissera fôra, que o Sr. Ministro não soube o modo como obrou; e em que estava pois aqui a reticencia? Acredita que isto é bem claro, e que o Sr. Ministro tem desculpa em dizer o que proferio, porque não é filho da profissão; mas não a tem (accrescentou) para proceder como procedeu; pois não teve a precaução de ouvir primeiro os homens della.

O Sr. Conde de Thomar vai dizer muito pouco agora, porque lhe parece que ha de chegar a occasião em que este negocio será tractado mais largamente; e essa occasião será quando vierem os documentos que o Sr. Ministro da Marinha prometteu mandar á Camara. Pediu porém a palavra para observar a S. Ex.ª, que está equivocado no que disse ultimamente sobre este assumpto. Que o Sr. Ministro disse que o Governo não sabia que se tinha procedido á sindicancia já, e que nessa ignorancia é que tinha mandado a Portaria para se proceder á sindicancia pelo Juiz competente; que observe S. Ex.ª que ha uma perfeita contradicção entre isto, e o que tambem já disse de ter ouvido pessoas competentes sobre este assumpto. Effectivamente o Governo já tinha conhecimento de que se havia procedido á sindicancia, e tanto o tinha, que sobre este ponto é que versou a consulta do Conselho ultramarino, e das outras pessoas que S. Ex.ª diz que ouviu; a Portaria pois foi o resultado de tudo isto: e que era esta perfeita contradicção, que queria fazer sentir ao Sr. Ministro.

Parece comtudo ao orador que talvez conviesse não só ao Governo, mas tambem aos dignos Pares que querem sustentar os bons principios, que a discussão se não torne agora mais larga, e que se espere que venham os documentos, reservando-se para então fallarem mais detalhadamente sobre este assumpto (muitos apoiados).

O Sr. Ferrão — Esta questão é de facto. Se por ventura as ordens que o Governo expediu foram só recommendando ao Juiz de direito da comarca mais proxima que procedesse á sindicancia, embora estranhasse ao Juiz da comarca visinha de se ter intromettido neste objecto: se as ordens que o Governo deu foram só estas, então não ha grande mal; porque isso é o que fazem muitas vezes os Ministros da Justiça, quando recommendam a execução da Lei. Mas se as ordens foram expedidas no sentido de stigmatisar o procedimento do Juiz de direito, e se ha um processo novo instaurado depois de apresentado o primeiro processo no Supremo Tribunal de Justiça, então o negocio é muito serio (apoiados). Que é necessario que o Tribunal annulle esse processo, e diga aonde e quem ha de começar o novo processo. Por esta occasião intende o orador que é do seu dever declarar á Camara, que um dos Decretos mais defeituosos, menos estudado, e mesmo se póde dizer que até não foi visto pela Camara, é esse das sindicancias: os primeiros passos que se deram, mesmo no Tribunal, a que elle orador pertence, foram errados; e portanto não admira que houvesse alguma equivocação da parte de um Juiz de direito no ultramar: mas, onde elle orador acha que está a difficuldade toda é nas datas, e na complicação dos dois processos, que são incompativeis (apoiados).

O Sr. Ministro da Marinha — Os documentos hão de vir; mas não póde deixar de dizer por esta occasião alguma cousa em resposta ao que ouviu ao digno Par o Sr. Marquez de Vallada, porque S. Ex.ª inverteu tudo quanto elle orador tinha dito. Tem a certeza de que não fez nenhuma asserção com a qual atacasse o Poder judicial, e chama a Camara por testimunha: que pelo que respeita a dizer S. Ex.ª que via nos membros do Governo tendencias para o despotismo: dizia que empraza o digno Par para lhe mostrar que tenha na sua vida praticado qualquer acto attentatorio da liberdade, ou de menos respeitador da Carta Constitucional. O Sr. Ministro póde dizer, que muitas vezes tem exposto a sua vida em favor da liberdade, provas que o digno Par não deu iguaes ainda: póde faze-lo; e se o não fez já, quando o fez elle orador, é porque não era nascido então; que repare comtudo bem o digno Par, que quando se lança por essa firma uma injuria a em homem que tem arriscado a sua vida pela liberdade em todas as batalhas, que se deram para os dignos Pares terem assento nesta Camara, é preciso ser muito injusto, ou ter demasiado desejo de fazer opposição, embora ella não tenha por base o ponto a que se dirige! (Apoiados.)

O Sr. Marquez de Vallada — A minha opposição não tinha por base o que?... Peço a S. Ex.ª que explique.

O Sr. Ministro — O ponto a que se dirige. Eu repita, porque declaro a S. Ex.ª, que quando estiver convencido de qualquer cousa, não é o digno Par que me ha de fazer alterar aquillo que tenha dito.

Parece-lhe que deve dar uma satisfação á Camara pela maneira como levantou a voz, ainda que não é só a faze-lo.... (O Sr. Visconde de Laborim — É verdade; eu tambem tenho esse defeito — riso.) Não sei se isso é um defeito, pelo menos os tachygraphos não o consideram como tal (apoiadas). (O Sr. Marquez de Vallada —Todos nós fallamos alto.) Eu não me refiro a V. Ex.ª, isto é com o Sr. Visconde de Laborim. O que eu tambem sei, é que ás vezes uma força superior impelle o homem a fallar assim, ainda que queira fazer a diligencia por se moderar; mas a -força da convicção é muitas vezes a causa disso; entretanto isto em mim e tambem de organisação, e não posso emendar-me, porque já estou velho.; fui assim toda a minha vida, e provavelmente assim hei de ser até morrer; além de que é bem conhecido que o clima tambem influe nisto alguma cousa, e por isso em geral os homens desta parte do globo fallam mais alto do que os habitantes do norte, e eu apesar de lá educado, não perdi a naturalidade. Entretanto não valha nada disto como desculpa, mas conceda-ma a Camara por sua benevolencia (apoiados).

O Sr. Marquez de Vallada — O Sr. Ministro da Marinha emprasou-me para que eu lhe mostrasse as provas de que S. Ex.ª tinha transgredido a Lei! A isso responderei com o que disseram os dignos Pares que me precederam, o Sr. Ferrão, o Sr. Visconde de Laborim.

S. Ex.ªª tambem disse que eu não era capaz de o fazer retirar uma expressão qualquer quando S. Ex.ª estiver convencido da verdade e exactidão do que avança (O Sr. Visconde de Laborim — Sobre a ordem). Respondo que tambem ninguem é capaz de me fazer abandonar o campo da honra, nem desertar da posição independente, que hei sempre aqui occupado. S. Ex.ª não seria capaz disso, apesar de tantas batalhas em que entrou, de tanto sangue que derramou; apesar das façanhas que nos contou de si, e que já eram conhecidas de todos, porque ninguem Ignora que S. Ex.ª é todo uma chaga por causa e por amor da liberdade desta terra. Mas permitta-me o grande heroe, o soldado valente crivado de balas, gotejando sangue por toda a parte; permitta-me o valente Capitão, que aqui nos veio contar as suas façanhas, permitta-me que lhe diga, que lhe assevere, e que lhe prometia que nem S. Ex.ª é capaz de me metter medo, nem os seus collegas, pois hei de sempre aqui dizer a verdade, e expôr com firmeza a minha opinião.

Disse S. Ex.ª que eu ainda não tinha provado a minha dedicação á Carta, como S. Ex.ª tinha feito; mas S. Ex.ª nesse particular encarregou-se logo da minha propria defeza, porque declarou-nos que era velho, e que eu ainda estava muito moço. Isto tambem já se sabia, todos respeitávamos já as cãs de S. Ex.ª; já sabíamos que estava velho, e esta sua declaração foi apenas uma redundancia (riso). Eu dou os sentimentos a S. Ex.ª, porque realmente é uma desgraça que o homem se convença de que é velho (O Sr. Ministro — Não é desgraça, é fortuna, porque prova que tem vivido). Prova que tem vivido, mas tambem prova de que está perto da sepultura.

Mas se eu nos campos da batalha não derramei o meu sangue como fez o Sr. Visconde de Athoguia, peço-lhe que me conceda então a honra de ser seu chronista ao menos para narrar as suas façanhas. Se eu porém para o triumpho da liberdade que triumphou não dei o meu contingente por esse modo por que o não podia dar, parece-me que do alto da Tribuna já tenho mostrado a independencia com que sustento a liberdade com ordem, e a ordem com liberdade. Sei, tenho sabido, e espero continuar a saber sustentar a minha dignidade de cidadão portuguez, expondo aqui as minhas opiniões com franqueza, sustentando-as com dignidade e firmeza. Não dou direito ao Sr. Ministro para com um certo ar imperioso encarar-me como seu subdito, e reprehender-me em lingoagem de portaria! Nós aqui não somos subditos dos Ministros; S. Ex.ªs não teem authoridade para tomar esse entono! Como Pares do Reino somos seus iguaes (O Sr. Ministro da Marinha — Apoiado, apoiado; tambem eu sou Par do Reino). Como Ministros tambem não podem ter authoridade de nos reprehender. Essa attribuição é sómente para o Presidente desta Camara que estiver dirigindo os trabalhos, e que para a boa ordem delles nos chama ás vezes á ordem, e nos póde fazer as suas advertencias, segundo a gravidade do caso o permittir.

Levantar alguma cousa a voz isso é cousa que todos podemos fazer, e nunca se extranha isso, porque a esse respeito creio que ninguem póde levantar a pedra. Levantar a voz póde, ser sempre permittido em qualquer discussão, uma vez que se faça decentemente.

Em conclusão, pois, direi que a minha fidelidade ás Instituições e á Carta se não está provada no campo da batalha, creio que já o está no campo da honra, e mais que sufficientemente nas lides parlamentares; e por isso não me faço cargo de responder a esse emprasamento do Sr. Ministro, mesmo até porque lhe nego o direito de responsabilidade sobre mim para fazer emprasamentos.

O Sr. Visconde de Laborim (sobre a ordem)—. Agora em nome da paz, de socego, e da prudencia peço que ponhamos termo a esta questão (O Sr. Ministro da Marinha — Mas eu não me dispenso de uma explicação). Deve-se tanto mais convir nisto, quanto é certo que o meu nobre e particular amigo o Sr. Conde de Thomar, que deu logar a este incidente, já declarou que por em quanto limitava-se a pedir os documentos, na presença dos quaes ha de então oportunamente fazer as suas reflexões. Eu tambem intendo que para essa occasião é que nos devemos reservar (O Sr. Ministro — Isso é outro campo). Não sei se é outro campo: o que sei é que tenho direito de pedir ao Sr. Presidente que consulte a Camara para se dar por concluido hoje este debate, e passaremos a algum outro negocio importante; na certeza de que não o havendo se dará a sessão por acabada, o que me parece o melhor, visto que esta quasi a dar a hora.

O Sr. Presidente — O requerimento do digno Par não precisa de votação porque não ha quem esteja inscripto senão o Sr. Ministro para uma explicação, direito que não se póde negar, mas sim regular; e entretanto eu dou já a palavra, a S. Ex.ª, porque não temos hoje nenhum negocio a discutir com urgencia.

O Sr. Ministro da Marinha — Não quer nem precisa agora levantar a voz. Acha S. Ex.ª que é triste cousa que o digno Par não saiba argumentar senão invertendo tudo que dizem os seus adversarios!

O orador não disse ao digno Par que a Lei não estava transgredida; póde ser que o esteja o que disse foi, que não competia áquelle Juiz fazer a syndicancia; e que o digno Par para combater isto não precisava de atacar um homem, que em toda a vida tem provado a sua dedicação pelo systema liberal. Tambem não disse que tinha sido conquistador das liberdades, que isso é um modo de argumentar de que o digno Par lança mão para ser ouvido não sabe de quem; mas que S. Ex.ª não tem o direito de inverter os argumentos dos outros para fazer uma longa discussão muitas vezes sem base, querendo depois marcar o modo como devem fallar os Ministros (apoiados). Quem não sabe que o Sr. Presidente não consentiria que qualquer, Par ou Ministro, reprehendesse um seu collega? Aqui não ha reprehensões, ha proposições que se combatem com outras proposições, e o Sr. Presidente é que chama as questões á ordem quando assim é preciso. Não disse elle Sr. Ministro ao digno Par que S. Ex.ª não tinha entrado nesses combates da liberdade porque por assim dizer ainda não era nascido? Disse-o. E para que emprasou o digno Par? Foi para que quando chegasse á idade delle orador (que Deos queira que chegue e a muito mais) possa dizer igualmente, que toda a sua vida pugnou pela liberdade. Isto não offende a ninguem, e não importa o mesmo que querer-se o homem que o diz figurar heroe da liberdade, nem quer dizer que elle orador precise da habil penna do digno Par para ser seu chronista. Não precisa, porque o não merece. Que S. Ex.ª é que mais para adiante poderá ser chronista de

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si proprio; e no primeiro capitulo fallar da sua independencia de caracter, cousa nunca vista porque diz a sua opinião com coragem, como fazem os outros que são seus iguaes (O Sr. Marquez de Vallada — Então peço para ser chronista e de todos). S. Ex.ª tem habilidade para mais.

Agora o que o orador tambem quer que o digno Par intenda é que aqui, como Par, é igual a S. Ex.ª (O Sr. Conde de Thomar - E como Ministro). Se não entrou por direito hereditario nesta casa, entrou por uma Carta Regia, que dá iguaes direitos. Como Ministro, sabe a sua obrigação: e accrescenta que se fosse apenas Ministro, talvez não entrasse tão desassombradamente, como entra, em todas as questões, nas quaes entra com lealdade, e assim é que deseja combater, mas não entrando em largas dissertações sobre bases, que não tem senão pés de barro.

O Sr. Presidente — Está acabado este incidente; e chamo a attenção do Sr. Conde de Thomar para lhe dizer que no dia em que S. Ex.ª não veiu é que effectivamente appareceu a resposta do Sr. Ministro sobre o requerimento de que ha pouco se ficou de saber o resultado pela Secretaria. A resposta do Sr. Ministro é que não está habilitado a satisfazer, e que expediu as ordens necessarias para se informar convenientemente.

O Sr. Conde de Thomar — Não pode dizer nada a isso; mas o Sr. Ministro convirá em que há realmente incuria da parte de quem competia, em não informar o Governo a tal respeito; pois tem-se feito prezas importantes ha muito tempo, e é preciso saber-se o destino que teve o producto dessas prezas. É preciso que effectivamente se dê disso uma conta detalhada, e especificada porque parece que tem havido vendas importantes dos objectos dessas prezas

O Sr. Ministro da Marinha — Essa falta é desde o principio do systema constitucional, e a razão que dão a elle Sr. Ministro é que as prezas são divididas pelos aprezadores, menos a artilheria que fica para o Governo (O Sr. Conde de Thomar — As informações que tenho são o contraparte disso). Que se tinha admirado, como o digno Par se admirou, de que não houvessem essas communicações na repartição, mas foi-lhe respondido que nunca vieram; mas que entretanto fez o pedido, e que o digno Par será satisfeito.

O Sr. Presidente — A ordem do dia para ámanhã será a leitura de pareceres, e interpellações.

Distribuiu-se hoje um parecer que é n.° 221; não estou authorisado para o dar tambem para ordem do dia, porque ainda não passou o tempo; mas se a Camara quizer dispensar no regimento, poderá tambem tractar-se desse objecto (muitos apoiados).

Como a Camara convém, será a discussão delle a primeira parte da ordem do dia, e as interpellações a segunda. — Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 8 do corrente.

Os Srs. Duque da Terceira; Marquez de Vallada; Condes das Alcaçovas, de Fonte Nova, de Peniche, da Ponte, do Sobral, de Thomar, de Villa Real, e de Vimioso; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, da Granja, de Laborim, de Ovar, e de Sá da Bandeira; Barões de Chancelleiros, de Lazarim, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Larcher, Silva Costa, Guedes, José Maria Grande, Duarte Leitão, e Aquino de Carvalho.

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