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DIARIO DO GOVERNO

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extracto da Sessão de 5 de Novembro de 1844.

(Presidiu o Sr. C. de Villa Real.)

ABRIU-SE a Sessão pela uma hora e um quarto; presentes 39 D. Pares, e tambem o foram os Sr.s Ministros do Reino, Estrangeiros, e Marinha.

O Sr. Secretario Machado leu a Acta da Sessão antecedente, que ficou approvada com uma pequena emenda do Sr. V. de Laborim.

O Sr. Silva Carvalho pediu que se pedisse pela Repartição competente,

«Uma cópia de todos os contractos feitos com o Governo, para levantamento de fundos, desde 30 de Julho até ao dia 31 de Outubro deste anno.»

- A Camara annuiu.

O mesmo Digno Par mandou para a Mesa a ultima redacção do projecto de lei sobre a transmissão de propriedade, com as emendas feitas nesta Camara.

Teve segunda leitura a proposta do Sr. V. de Fonte Arcada (apresentada hontem) para a remessa dos papeis da Associação Eleitoral. — Foi rejeitada.

ordem do dia.

Prosegue a discussão sobre o uso feito pelo Governo dos poderes extraordinarios. O Sr. Vice-Presidente propoz — se se admittia á discussão a substituição do Sr. C. de Lavradio (V. o final do extracto da Sessão antecedente)— e decidiu-se que não.

Teve então a palavra sobre a materia O Sr. Serpa Machado (relator da Commissão) começou dizendo, que a linguagem de que ia a usar no seu discurso talvez parecesse differente daquella que se encontrava no Parecer da Commissão, de que elle Orador havia sido redactor; o que não devia admirar, ou estranhar-se, porque no Parecer exprimia-se o pensamento de um Corpo collectivo, e neste discurso um pensamento inteiramente proprio e individual; que alli não cabia uma demonstração rigorosa e ampla, aqui cabiam mais os argumentos e as razões, ou algumas modificações: e continuou com uma supposição: quem sabe se a eloquencia do Orador que o precedera, a sua authoridade politica, que estava habituado a respeitar desde largos annos, o obrigariam a retratar-se especialmente em tempos em que são tão frequentes as mudanças. I que se podem comparar as transmigrações Pitagoricas? Que entretanto elle faria a diligencia por não deixar vencer o seu entendimento de qualquer erro de vontade, nem se deixar levar dos movimentos do seu coração; porém que faria muito por não sacrificar nas aras da amizade a consciencia politica, e a consciencia moral, porque cada uma dellas tem o seu circulo, e seus limites differentes, e nada implicava que fossem sinceramente amigos leaes aquelles, que em politica eram adversos ou inimigos!. Entrando no assumpto, disse que os Membros do actual Gabinete, e que o tinham sido desde a revolta de Fevereiro deste anno, eram réos de Lesa-Constituição; primeiro por haverem encarcerado, sem preceder culpa formada, a mais de dous centos de cidadãos portuguezes, e entre elles dous Deputados as Côrtes, sem prévia licença da respectiva Camara, e contra o disposto na Carta Constitucional. São mais os ministros réos deste parricidio, por imporem a pena de extermínio do seu domicilio a muitos outros cidadãos sem sentença nem ainda a de pronuncia. São mais réos de concussão, por haverem mandado proceder a confisco nos bens dos meramente suspeitos ou pronunciados, quando a Carta aboliu expressamente taes confiscos, e por cumulo de atrocidade mandando julgar os réos da revolta, ca seus cumplices em Commissões Militares, ou Conselhos de Guerra, com manifesta incompetencia, e retroactividade das leis; e por fim levantar um emprestimo de dous mil contos para com este oiro accender mais a guerra Civil. Continuou dizendo, que taes axcessos de poder foram empregados para reprimir os movimentos de Fevereiro em Torres Novas, que não podem ter outro nome que o de uma reacção innocente contra as provocações do Governo que é o verdadeiro réo dos crimes a que deu causa, uma reacção militar que tinha o louvavel fim de restabelecer a Carta em toda a sua pureza, de querer limpar-lhe todo o musgo, de podar-lhe alguns ramos sêccos, como o de uma Camara mal constituida, na qual ainda que apparecesse o saber, a riqueza, o nascimento, e algumas virtudes, não se achavam estes dotes reunidos nos mesmos individuos, e por isso se reclamavam as reformas, e os poderes para ellas indicados no Decreto de 10 de Fevereiro de 1842.

Proseguiu dizendo que esta, e não outra seria a linguagem do chefe da revolta, se elle ainda estivesse sentado na cadeira que tinha naquella Camara, e que positiva e voluntariamente abandonou. Reflectiu que quando elle fallava no chefe da revolta de Fevereiro, não queria confundi-lo com o audacioso mancebo que havia trocado as lettras pelas armas, a murça pela espada, para em 1808 repellir uma agressão estrangeira; que não queria confundir o chefe da revolta com

O Official benemerito, que havia tão denodadamente servido na guerra da independencia, e que elle (Orador) tinha visto conduzido em um esquife com uma perna quebrada á porta da sua casa, na Provincia da Beira, requerendo soccorro e hospitalidade: que não confundia o chefe da revolta com o incansável Official General, que havia defendido os direitos de Sua Magestade a Rainha em differentes conflictos, o que Ella lhe tinha pago com grandes honras; que havia debellado a anarquia nas ruas desta Capital; e que em fim reconhecia que eram duas obras bem differentes incluidas no mesmo volume: porém que, fazendo justiça ao seu merecimento em parte das suas acções, não tractava agora de o julgar em outras, nem de aggravar uma situação em que elle expontaneamente se tinha collocado. — Que se aquella seria a linguagem deste chefe de revolta, se alli estivesse, ella não podia ser a dos Dignos Pares que ainda se sentavam naquellas cadeiras, e que tinham, como elle (Orador) a obrigação de não dissimular a revolta, antes descrevê-la com as hediondas côres que lhe pertencem— parte da ambição a mais desmedida, que foi procurar os seus cumplices e recrutas ás fileiras do Exercito á custa da disciplina e subordinação militar, ás Academias e ás Universidades, corrompendo a mocidade estudiosa, e desviando-a do caminho que seus pais lhe haviam prescripto, e ás cohortes de malfeitores, e proletários, que com o titulo de guerrilhas, iam pôr em almoeda politica a vida, a honra, e a fazenda de seus concidadãos. — Disse que tanto a si como a elles (D. Pares) pertencia o medir bem a amplitude dos poderes extraordinarios que concederam ao Governo, os quaes tinham por limites o acabamento da revolta, felizmente conseguido. Que dentro destes limites estava o sacrificio da garantia individual da prisão sem culpa formada, expressamente authorisado no Decreto de 6 de Fevereiro, á dos mesmos Deputados sem licença da Camara, que não estava reunida, e de cujo seio tinha sahido a revolta, queria dizer, os seus principaes agentes. Que dentro destes limites estava o sacrificio da garantia individual da relegação para qualquer ponto do Reino, medida temporaria, e sem privação de direitos, e que muitas vezes era menos molesta que a prisão nos carceres: que dentro destes limites estavam os sequestros de bens, que antes se podiam dizer arrestos e embargos de bens, que nunca tomaram o caracter de confisco, e foram como um meio indirecto de privar os delinquentes da faculdade de consumar as suas machinações, bem como se tira da mão do assassino o ferro com que elle esta prompto aferir. Que tambem estava dentro destes limites, que foram tão amplos (como mostrava o referido Decreto) o julgamento dos paisanos revoltosos entregue aos Conselhos de Guerra: entretanto se por elles se viesse a fazer obra, se sentenças capitaes, ou outras de damno irreparavel se tivessem verificado, seria este um dos poderes extraordinarios que elle (Orador) quere ria se não tivesse conferido, e menos que delle se tivesse feito uso; que porém felizmente não lhe constava que algumas destas sentenças se tivessem proferido ou executado. Observou que esta medida, que podia ser nociva, e exorbitante da parte do mandante e do mandatario, serviu de aterrar, e de prevenir, e não de castigar; e que não se dissesse que as leis penaes eram só para castigar, porque muitas dellas tendem a aterrar os delinquentes para os desviar dos delictos, e aquelles que os quizerem imitar: que esta verdade era muito trivial na jurisprudencia criminal.

Passou depois o Orador a declamar que a nossa arvore da liberdade era a Carta Constitucional da Monarchia (apoiados); que os revolucionarios de Setembro a tinham queimado, e que a victima expiatoria fóra Agostinho José Freire:

porem que as cinzas deste incendio tinham servido a fundar-lhe as raizes, porque estas raizes ficaram nos corações de todos os portuguezes, que tinham derramado tanto sangue e lagrimas em favor da mesma Carta, e nos peitos dos emigrados, dos encarcerados, e dos exilados por tão justa causa: que os illustres Marechaes e outros muitos quizeram levantar esta arvore cabida, mas a fortuna lhes fóra adversa, até que depois de oito annos de captiveiro da Carta e da Rainha, ella se restaurou pela ordem do Presidente do Conselho e de alguns dos seus collegas: que se seguira depois a revolta de Torres Novas, que poz ao tronco da arvore da liberdade o fio dos machados; e nesta situação que tinham feito os Ministros restauradores? Viram-se obrigados a cortar-lhe ou a vulnerar-lhe alguns ramos da arvore para salvarem o tronco; que fizeram como faz o podador dextro, ou o cirurgião habil, que fere a veia para dar a vida ao doente, em logar de abrir as artérias, como faz o assassino. E perguntava qual destes operadores se devia desculpar, o podador, e o sangrador ou o matador, e o que descarrega os golpes de machado?

Tractou de mostrar que no Decreto de 6 de Fevereiro estava a sentença de absolvição dos Ministros. Que os poderes haviam sido amplos, e o uso delles fôra limitado: e que se o Corpo Legislativo não tinha faculdades na Carta para tanto, devia tractar de entregar o seu collo á punição, e não lançar a culpa sobre aquelles que lhe haviam obedecido (apoiados).

O Orador concluiu convidando o Sr. C. de Lavradio, não a que mudasse de opinião, porque seria demasiada audacia o pretender vencer a convicção do seu respeitavel amigo, mas a que viesse ajudar os seus collegas a trabalhar na mesma vinha constitucional, para cultivarem todos a arvore da liberdade, que é a Carta Constitucional; que então ella prosperaria, e faria a felicidade da Nação, resultando dahi maiores bens do que de tractar de entorpecer a marcha do Governo, principalmente quando elle tinha seguido o caminho que lhe fóra demarcado pelo Corpo Legislativo (apoiados).

. O Sr. Giraldes disse: — Sr. Presidente, reconhecendo a difficuldade que tenho de fallar em publico, me abstenho quasi sempre de o fazer, principalmente quando a materia versa em objectos que chamam de partido; exaltam-se as paixões então, e cala-se a razão: todavia, ainda que o presente caso seja um destes, declaro, que olhada a questão por este lado, e para mim de pouca monta, porque no meu entender tudo caminha a uma desorganisação social; já não ha forças capazes de suspender sua carreira; poderei enganar-me, estima-lo-hei até muito: mas o que para mim vale, o que me obriga a quebrar o silencio, é o meu dever, o juramento aqui prestado de manter illeza a Carta constitucional: quero que ninguem ignore os meus sentimentos, que a Nação os saiba; não pretendo convencer, porque convencidos estão já todos.

Logo que rebentou a revolta em Torres Novas, o Ministerio veiu ás Camaras apresentar a lei, mais ampla que se podia imaginar, da suspensão das garantias, e nos termos mais genericos; uma lei desta natureza, assim concebida, não podia deixar de assustar os homens de boa fé, que mettidos entre Scylla e Carybdes, mal sabiam como haviam de romper entre tantos escolhos; exigiram-se explicações, a intelligencia, a applicação que se queria dar a esses poderes; e o Ministerio, em pleno parlamento, nos affiançou, que os poderes discricionarios não se estendiam além dos limites constitucionaes, como modificar a lei dos transportes e aboletamento, a nomear Governadores militares, e nunca Tribunaes excepcionaes. E depois?... Nada respeitou: as Camaras foram illudidas. É verdade que me podem dizer, que nas actas não apparece declaração pela qual se possam obrigar os Ministros: convenho: mas poder-me-hão negar, que como cavalheiro, como cavalheiro.... (os tempos das antigas cavallarias já lá vão) como homens, que prezam as suas palavras, elles se não julgavam ligados? Sr. Presidente, eu sou dos offendidos, porque fui dos enganados: vendo a necessidade que havia de acabar promptamente com a revolta, votei pela Lei do 6 de Fevereiro; mas conhecendo logo o abuso que se ia fazer della, votei contra a sua continuação.

O Ministerio engana-se quando pensa, que pela intelligencia que dou-a esta lei, seus excessos estão a cuberto de toda a responsabilidade, porque essa intelligencia é absurda; as Côrtes não déram, nem podiam dar, mais do que tinham, nem tocar no que é constitucional; e esta Cama