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N.º42

SESSÃO DE 19 DE ABRIL DE 1880
Presidencia do exmo sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios – os dignos pares

Francisco Simões Margiochi
visconde de Borges de Castro

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia é enviada ao seu destino.— Ordem do dia: Discussão, na especialidade, do projecto de lei n.º 31. - Considerações dos srs. Camara Leme, conde de Castro e ministro da fazenda.— Approvação do artigo 2.º — Approvação do artigo 3.°, que não soffreu discussão.— Depois do sr. ministro da fazenda declarar que apresentaria, na outra casa do parlamento, uma proposta de lei tributando tambem a semente de algodão, é approvado o artigo 4.° — Approvação, sem discussão, dos artigos 5.° e 6.°— Entra em discussão o parecer n.° 49 sobre o projecto de lei n.° 37. — Discussão do parecer n.° 51 sobre o projecto de lei n.° 8. — Reflexões dos srs. Vaz Preto e ministro das obras publicas.— O digno par Vaz Preto, não satisfeito com a resposta do sr. ministro das obras publicas manda para a mesa uma proposta de adiamento do projecto. — E admittiu essa proposta. — O sr. visconde de Chancelleiros apoia a proposta de adiamento apresentada pelo digno par Vaz Preto.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 27 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho, e ministros da fazenda e das obras publicas.)

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares que tenham algum parecer a mandar para a mesa, a que o façam.

Sou informado de que, nas immediações da sala, se acha o sr. José Maria Raposo do Amaral; convido, para introduzirem o novo digno par, os srs. José Augusto Braamcamp e Manuel Antonio do Seixas.

Foi introduzido na sala o sr. Raposo rio Amaral, e leu-se a respectiva carta regia, que é do teor seguinte:

Carta regia

José Maria Raposo do Amaral, Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e ai tendendo a que vos a chãos comprehendido na categoria 19.ª do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d’estado, nomear-vos par do reino.

O que ma pareceu participar-vos, para vossa intelligencia, e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 4 de março de 1880 = EL-REL — José Luciano de Castro. = Para José Maria Raposo do Amaral.

O digno par prestou juramento e tomou assento.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que começa pela continuação da discussão do parecer n.° 48.

Continua com a palavra o digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, ha ultima sessão começando a discutir o artigo 1.°, disse eu que me parecia que esse artigo continha disposições menos rasoaveis, anti-economicas e pouco financeiras, por tributar uma industria que, sendo moderna em Portugal, está hoje n’um periodo de abatimento, porque a exportação da cortiça, como as estatisticas mostram, tem decrescido consideravelmente: disse tambem que a argumentação apresentada em defeza do projecto, tanto pelo sr. relator, como pelo sr. ministro, na parte que diz respeito á materia deste artigo, provava mais contra do que a favor, e que o exemplo, apontado por s. exa., da vizinha Hespanha ter prohibido parte da exportação da sua cortiça para proteger o fabrico das rolhas, não colhia.

Demonstrei igualmente que o expediente de lançar um imposto sobre um genero, cujo commercio se póde desenvolver no paiz cada vez mais, pelas condições favoraveis em que se encontra a materia prima, era pouco acceitavel; e muito menos acceitavel ainda quando o desenvolvimento d’esta industria tem já influido consideravelmente para o augmento das matrizes.

Sr. presidente, em vista do que deixei provado, concluo-se que a doutrina d’este artigo é pouco boa, é má, pessima até, e o sr. ministro só a desculpa finalmente como expediente para crear receita.

Sr. presidente, todos nós desejamos, na penuria em que se acha-o thesouro, votar receitas rasoaveis; todos nós desejâmos livrar o estado das dificuldades com que lucta o paiz. Mas o que não queremos é votar disposições que dêem resultados negativos:

Eu desejava que o sr. ministro da fazenda dissesse á cariara quaes as bases de que se serviu para calcular que este imposto rendaria apenas 12:000$000 réis. Se este imposto rende effectivamente tão pouco, para que foi s. exa. atacar uma industria a da producção da cortiça, para favorecer outra, que tem a materia prima ao pé da porta, como é a do fabrico das rolhas, e que já está protegida por se achar no foco da materia prima? Não receia s. exa. os inconvenientes que d’este erro podem vir?

Perguntarei tambem a s. exa. por que é que attendeu simplesmente as reclamações feitas a favor d’esta ultima industria?

Por que attendeu só as representações das associações commerciaes, e não attendeu as reclamações justas, justissimas, dos proprietarios, baseadas em factos verdadeiros? Eu entendo, que se deve fazer justiça a todos. E dever do todos os governos, e aconselha o o bom senso.

Não sei o que se possa-lucrar com o systema de proteger uma industria altamente favorecida, concedendo-lhe mais do que ella pedia nas suas representações, com grave prejuizo dos proprietarios e negociantes de cortiça, e isto na occasião em que a Hespanha, a colonia franceza de Argel e o imperio, de Marrocos abrem os seus portos ao commercio d’este genero!

Sr. presidente, disse com muito espirito o sr. Carlos Bento, na ultima sessão d’esta camara, que não tinha receio dos projectos tendentes a crear receita, embora n’um ou n’outro houvesse erros economicos e financeiros, porque facilmente se remediariam, mas o que receiava era aquelles que augmentam a despeza, e que já não eram poucos. Para provar que o governo era pouco coherente com as
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suas opiniões d’outr’ora, enumerou milhares de contos que já foram votados na camara dos senhores deputados.

Estas reflexões são muito sensatas, o governo devo ao coital-as como advertencia do perigo que ameaça o para se seguir o caminho esbanjador, e se se deixar levar por tendencias de gastar sem attender ás circumstancias.

Eu partilho a opinião do sr. Carlos Bento, o desejava que o sr. ministro da fazenda me dissesse se tenciona acabar com o deficit augmentando consideravelmente por um lado a receita com tributos vexatorios, e por outro lado a despeza sem conta, peso nem medida?

Desejava que declarasse á camara se, quando estabeleceu o seu plano financeiro, para equilibrar a receita com a despeza, já tinha tornado em conta os encargos dos projectos que têem sido apresentados na camara electiva, e se o sr. presidente do conselho e os seus collegas perfilham hoje theorias e doutrinas differentes das que sustentavam na opposição; porque, se bem me lembro, diziam s. exa. que os poderes publicos não deviam votar senão despezas impreteriveis, e com a receita correspondente ao mesmo tempo?

Sr. presidente, como eu já tive a honra de dizer, este projecto affecta principalmente a propriedade, que está muito onerada, apesar do sr. ministro da fazenda dizer o contrario, mas a observação assim o diz e os factos provam até á evidencia.

S. exa. prefere os tributos directos e manifesta-se todas as vezes que póde contra os indirectos, o cita não obstante Thiers, quando lhe convem era abono de opiniões suas.

Por que o não cita tambem em relação ao systema do imposto?

Este homem, notavel pelos seus variados estudos e conhecimentos, politico de primeira plana, porque á vastidão de conhecimentos reunia a observação e a experiencia de um bom senso pratico; pois este distincto escriptor financeiro e economista pronunciava-se claramente pelo imposto indirecto.

E no seu livro Propriedade, que sem duvida o sr. ministro da fazenda conhece muito bem, mostrava as vantagens dos impostos indirectos.

Não foi só este homem notabilissimo, a cujo saber e experiencia na crise mais calamitosa e difficil estiveram confiados os destinos da França; muitos outros ministros d’aquella nação, como da Inglaterra, da escola a mais liberal, têem seguido a mesma opinião. Desde tempos remotos, na organisação da fazenda publica, varios ministros da fazenda d’aquellas nações, mesmo das escolas as mais avançadas, se pronunciaram pelos tributos, indirectos, fazendo votar pelos parlamentos leis n’esse sentido.

Em todo o caso, não tratâmos agora de apreciar qual dos systemas de impostos é melhor ou peior; n’esta occasião o que temos a considerar são as circumstancias em que se acha collocado o nosso paiz, e a maneira mais racinal de acudir ás difficuldades em que elle se encontra. O imposto unico sobre o rendimento seria talvez o preferivel, se se podesse calcular exactamente a renda de cada cidadão; como, porém, não se póde realisar esse facto, é necessario attender o modo por que se acha espalhada a riqueza do paiz, e lançar os impostos mais convenientemente para a attingir e apanhar.

D’aqui resultava a multiplicidade de impostos que se encontram em todas as nações da Europa, e creio que do mundo.

Mas, voltando ao assumpto principal, porque só de passagem quiz tocar no ponto a que acabo de me referir, dizia eu que a, propriedade está muito onerada, principalmente no districto de Castello Branco, onde os pequenos proprietarios veem-se em grandes difficuldades para agricultar as suas terras, por isso que não tendo os capitães necessarios para occorrer ás despezas da sua familia e da cultura, são obrigados a enormes sacrificios para os obter, não sabendo muitas vezes como os hão de levantar, mesmo á custa d’esses sacrificios. Por essa rasão sujeitam-se aquelles pobres desgraçados a pagar, pelo dinheiro de que carecem, um premio de 60, 80 e até 100 por cento.

D’ahi têem resultado grandes lucros para alguns agiotas, sem consciencia, que começando este genero de especulação com o capital de 200$000 réis, estão hoje senhores de fortunas de muitos contos de réis, que desgraçadamente têem adquirido á custa dos pequenos proprietarios, e de desgraçados lavradores e pobres rendeiros.

Chamo muito particularmente a attenção do governo para este ponto, e desejava que elle estudasse todas as circumstancias que apontei, assim como as causas principaes e determinativas do abatimento da nossa agricultura, antes de propor ao parlamento quaesquer tributos que podem affectal-a de uma maneira grave. O mesmo direi com relação a outras industrias que tambem luctam com dificuldades pela carencia de capitães baratos.

Já mostrei á camara que uma das causas, talvez a principal, da carestia dos capitães, são os grandes emprestimos successivos feitos pelo estado, dentro de Portugal, emprestimos que de ha dez annos para cá se têem elevado á somma enormissima de 200:000$000 réis.

Se juntarmos a estes onus os que hão de advir da consolidação da divida fluctuante de 14.000:000$000 réis, e da extincção do deficit superior a 5.000:000$000 réis, e todas essas despezas já votadas este anno, que importam em milhares de contos, ver-se-ha a bella perspectiva em que se acha a nação portugueza.

Não tenho intuito de atacar ninguem, apresentando este triste e carregado, mas verdadeiro quadro, porque as responsabilidades cabem a todos os partidos.

A verdade é esta.

Deixemos a responsabilidade a quem cabe, aprendamos nos erros do possado, e procuremos na emenda, e n’uma vida nova para o futuro corrigir as falta, o servir a nação de forma e modo de que ella carece para se estabelecer em boas condições.

Sr. presidente, vou terminar as considerações que tinha a fazer, com o mesmo pedido que aqui ÍQX o sr. Antonio de Serpa, isto é, dizendo ao sr. ministro da fazenda, que havendo s. exa. sido tão condescendente com a outra casa do parlamento, e com as associações commerciaes, o seja tambem com esta camara. Porque não ha de o sr. ministro de concordar comnosco, e consentir na eliminação d’este imposto, que aliás não ha de produzir senão uma pequena receita para o thesouro?

Deixe s. exa. que a maioria vote livremente, sem considerar esta questão como politica, como nós não a consideramos, pois temol-a tratado exclusivamente, sob o ponto de vista economico e financeiro. O sr. ministro acceitou certas modificações a este projecto, na outra casa do parlamento, porque se convenceu que elle ficava melhorado com as modificações. Fez muito bem o pôr de parte o seu orgulho e o seu amor proprio em proveito do paiz; é lhe honroso. Mas para s. exa. ser coherente faça o mesmo para com a camara dos pares.

Se s. exa. já confessa que nós tinhamos rasão nas considerações que temos feito, e que o projecto é de puro expediente, e só para crear receita; n’este caso, estando o sr. ministro convencido, que essa receita é insignificantissima, e tendo lhe nós demonstrado que as desvantagens que podem advir de uma similhante disposição podem dar resultados negativos, parece-me que s. exa., condescendendo com a camara dos pares, daria uma prova incontestavel do seu bom senso.

Considere, pois, s. exa. a questão neste terreno, e vendo-a despreoccupado reconhecerá sem duvida a justeza das nossas apreciações.

Sr. presidente, este assumpto tem sido largamente debatido, o espirito illustrado da camara está esclarecido de sobejo, e por isso termino aqui as minhas modestas reflexões.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — Sr.

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presidente, creio que a camara está largamente esclarecida ácerca da doutrina do projecto, e por isso não cansarei por muito tempo a sua attenção. Todavia, não posso deixar de responder ás perguntas que acaba de me dirigir o digno par sr. Vaz Preto, formuladas por um modo preciso e claro:

Em primeiro logar. devo declarar que nenhuma antinomia ha entre as asserções do sr. relator da commissão e o que eu disse. Ambos nós considerâmos este projecto de expediente apenas como um meio occasional, para mais de prompto se obterem recursos para acudir ás despezas do thesouro.

O sr. conde de Castro declarou que, nesta parte, o imposto sobre a cortiça, como eu primeiramente o tinha concebido, devia ser um imposto que fosse até certo ponto buscar á propriedade um augmento de tributo, visto que a propriedade onde existiam sobreiraes via repentinamente duplicar o seu valor, e tem dado grandes resultados para o proprietario, e nenhuns para o fisco, em consequencia do systema de contribuição predial que vigora entre nós, e que é o de repartição.

Se o imposto, portanto, assim lançado sobre a cortiça fosse ferir o proprietario, não havia inconveniente em estabelecer direito mais elevado, pelo menos, emquanto não tivessemos a contribuição de quota; mas o imposto hoje não iria ferir o proprietario.

O imposto actualmente só irá ferir os contratantes da cortiça como os famosos corticeiros de S. Braz, do Algarve, por exemplo, que fixavam com o proprietario um preço que não póde ser alterado senão no termo dos contratos. O direito não iria, portanto, repito, ferir hoje o proprietario. Se esse imposto fosse lançado mais tarde, ou que só vigorasse quando os contratos tivessem acabado, então, e só então, a incidencia se verificaria nos proprietarios.

A impossibilidade de o conseguir por emquanto é que fez com que eu não me resolvesse a modificar o projecto n’esta parte, reduzindo o direito.

Disse o digno par que não tinha sido possivel no anno passado obter dos proprietarios novos contratos pelos preços dos contratos antigos. Mas a rasão d’este facto não me parece que esteja tanto na alteração do valor da cortiça, como nas circumstancias especiaes do paiz, que produziram em 1876 a crise bem grave, que assignalou esse anno.

Como é sabido uma das manifestações de extraordinaria prosperidade notada nos annos, anteriores áquelle, uma d’aquellas de que mais se abusou, foi a creação de uma grande quantidade de estabelecimentos bancarios, espalhando por toda a area do paiz as suas caixas filiaes e agencias.

Então os capitães baratearam-se relativamente: em logar d’aquelle juro muito elevado a que s. exa. alludiu, o que aconteceu foi que os negociantes de cortiça, e particularmente os corticeiros do Algarve, poderam obter dinheiro por juro medico. Como tinham ganho bastante nos primeiros contratos, aproveitaram esse barateamento de capitães para fazerem entre si uma forte concorrencia.

N’essas circumstancias effectuaram-se alguns contratos extraordinariamente vantajosos para os proprietarios, sem que o podessem ser igualmente para os corticeiros; e a posição d’estes tornou-se difficil quando, sobrevindo a crise de 1876, os estabelecimentos bancarios começaram a exigir o pagamento de letras, que lhes tinham sido descontadas. Eu conheci esta historia muito de perto, como director que fui do banco de Portugal; conheci, a situação difficil em que a agencia d’este banco se viu no Algarve com relação aos capitães levantados pelos corticeiros; porque, se os obrigasse a solver de prompto a respectiva importancia, encontrando elles obstaculo para realisar a venda da cortiça em condições que lhes compensassem o preço muito elevado por que lh’a tinham cedido os proprietarios, seguir-se-ia, com a ruina d’esses corticeiros, a perda dos seus contratos pela falta do pagamento das prestações annuaes. De modo n’estas circumstancias, o prejuizo para o banco era infallivel, se não se tivessem estabelecido os largos prasos que a sua direcção julgou convenientes.

Entendo eu, pois, que deste facto de abundancia de capital em 1876 e da competencia que entre si fizeram os corticeiros, é que resultou grande vantagem para os proprietarios, porquanto renderam a sua cortiça por preço a que não, estavam habituados até então, e que em realidade as circumstancias do mercado não bastavam só por si para explicar.

Tem-se argumentado muito com o facto de que este imposto sobre a cortiça não dará mais de 12:000$000 réis, e que por tão pouco não valeria a pena estabelecel-o, sobretudo que a exportação d’este genero tende a decrescer.

Já o illustre relator da commissão de fazenda disse, e muito bem, que, embora a exportação da cortiça haja diminuido, tendo-se reduzido de 16.252:622 kilogrammas, que era em 1876, a 12.878:083 em 1877, e a 9.866:350 em 1878, ainda assim o valor da cortiça exportada augmentou, porque em 1876 foi de 784:216$000 réis; em 1877, 841:716$000 réis; e em 1878, 973:500$000 réis.

Portanto, n’estes tres annos em que houve uma diminuição apparente de um pouco mais de 6 milhões de kilogrammas; na exportação, ainda assim, o valor da cortiça exportada subiu perto de 100:000$000 réis.

Temos mais. Para que nós realmente nos convençamos de que a situação do commercio da cortiça não é tão exageradamente desgraçada como se tem pretendido mostrar, e que este imposto tão medico não póde de modo algum affectar essa industria, invocarei alguns factos e algarismos; e como a má organisação do serviço estatistico entre nós me tolhesse infelizmente o conhecer de prompto do movimento commercial do anno passado, procurei pela minha parte obter informações estatisticas dos paizes estrangeiros que importam a nossa cortiça, e onde nós temos consules.

E quer v. exa., sr. presidente, e a camara, saber o que colhi das informações que obtive dos consules? Comecemos pelo valor da importação d’este genero em França nos ultimos tres annos.

[ver valores da tabela na imagem]

Importação em França:

1877 kilogrammas
1878 kilogrammas
1879 kilogrammas

Ora, emquanto nós não temos ainda estatistica da exportação em Portugal já eu sei de França, pelos nossos consules, que a importação da cortiça portugueza nos portos francezes quasi que duplicou nos ultimos dois annos.

E note-se que a cortiça importada de Argel foi menor em 1878 que em 1877, e teve um augmento insignificante em 1879 com relação ao primeiro d’estes annos.

Por consequencia, segundo se vê por esta estatistica o maior augmento que se notou em França, na importação da cortiça de differentes origens, foi o da proveniente de Portugal.

Vamos á Allemanha. Em Hamburgo a importação da cortiça de Portugal foi:

[ver valores da tabela na imagem]

Fardos
Valores

Aqui tem v. exa. a decadencia do nosso commercio da cortiça. Tudo isto me confirma na idéa de que o augmento

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de 12:000$000 réis do imposto não póde ir aggravar os interesses dos proprietarios d’este genero, quando se vê assim crescer a importancia só do commercio directo da cortiça entre Portugal e a Allemanha, entre Portugal e a França.

Observa o nosso consul em Hamburgo, que nós devemos ter todo o cuidado um não nos collocarmos era condições inferiores ás de Hespanha, mas que não nos devemos temer da concorrencia da cortiça de Argel, por ser de qualidade muito inferior á da nossa.

Agora, sr. presidente, passemos á Suecia; e é muito triste, repito, que eu possa referir-me a estas estatisticas estrangeiras e não me possa referir ás de Portugal; mas vamos á Suecia e Noruega, que importou de cortiça portugueza:

[ver valores da tabela na imagem]

Annos
Quantidade Kilogrammas
Valor Krowas
Equivalente em réis

Portanto, sr. presidente, ainda aqui houve augmento na importação da cortiça portugueza.

Ora, já v. exa. vê que houve augmento na importação da cortiça portugueza, pelo menos em todos estes paizes: o que prova que os mercados ainda têem elasticidade para este producto, e que essa elasticidade poderá compensar algum decrescimento produzido pelo commercio das cortiças de Argel, mesmo de Hespanha em outros mercados.

Pergunto, pois, se nestas circumstancias podemos acreditar n’esses receios, n’esses pavores, n’essas prophecias, mais ou menos sombrias, que os dignos pares apresentam com relação a um imposto sobre a cortiça tão e modico que apenas ha do render uns 12:000$000 a 15:000$000 réis? Parece-me que não.

E como se argumenta com um decrescimento na quantidade da cortiça exportada, embora houvesse um augmento no valor, é preciso que tu faça notar á camara, que esse facto do decrescimento é geral para toda a nossa exportação, e tanto assim que no anno de 1877 o valor da exportação foi de 22.564:403$000 réis, e no de 1878 desceu a 18.385:393$000 réis.

N’estas circumstancias, e só porque o commercio de exportação decresceu, devemos prescindir de lançar qualquer augmento de imposto de qualquer ordem e natureza? Creio que não.

Sr. presidente, declaro a v. exa. francamente que não considero este projecto sympathico. Sou o primeiro a condemnar, a combater a taxa complementar. Estimaria poder ligar o meu nome á derogação d’esse imposto, que acho mau e detestavel até na fórma da sua cobrança; mas as nossas circumstancias obrigam-me a conserval-o, não obstante os discursos mais ou menos espirituosos e arresticos, que tenho ouvido pronunciar, nos quaes se falla de tudo, menos do assumpto em discussão, e se aprecia o projecto como se representasse a abdicação do ministro uma humilhação que elle acceita para satisfazer a immensa ambição que nutre de se conservar n’este logar, como se fosse eu que por qualquer fórma tivesse provocado a minha entrada nos conselhos da corôa.

Quando vejo apreciar com estas rasões o meu modo de proceder, e interpretal-o como um favor ás companhias poderosas; como uma veniaga politica ás associações commerciaes, quando vejo fazer ironicamente a comparação da minha situação á de Thiers; e quando se diz, tambem ironicamente, que eu attribuo a subida dos nossos fundos na praça de Londres á sympathia que os inglezes têem pelo imposto sobre o carvão de pedra, sou o primeiro a declarar que o imposto é mau, mas que é muito mais detestavel o deficit. Se acceitei este imposto, foi pela mesma rasão por que a França acceitou o imposto sobre os phosphoros, sobre o transporte de pequena velocidade, e outros que tambem eram anti-economicos, mas que eu acceitaria igualmente se tivessemos a infelicidade de nos vermos nas mesmas circumstancias.

Esta é a situação, embora queiram dizer que eu vejo hoje com mais risonhas cores o que via hontem com cores sombrias. Mantenho e sustento tudo o que inseri no meu relatorio, porque tenho a convicção de que escrevendo-o pratiquei um verdadeiro serviço, mostrando ao paiz as circumstancias financeiras era que elle se achava. O deficit d’este anno é de 7.000:000$000 réis por causa da antecipação dos direitos do tabaco, o do anno que vem é de cinco mil e tantos contos, e a divida fluctuante deve elevar-se a 10.000:000$000 réis no fim do semestre corrente.

Ora, n’estas circumstancias, eu não tenho senão a esperar do patriotismo da maioria d’esta camara e da outra, e do sentimento do paiz, que levarão os contribuintes a não recusar os sacrificios justos que lhes sejam pedidos. Encaremos com seriedade a situação da fazenda publica, que é grave, e a camara não recusará por isso votar este imposto, que não é senão um expediente de que se lança mão para, com outros recursos já votados, e com aquelles que estão sujeitos ainda ao exame da outra casa do parlamento, podermos acudir a essa situação, só por parte das duas camaras o governo tiver o concurso indispensavel para sã alcançar esse fim, abstendo se as minorias de usar de qualquer meio impeditivo, ou de outros que paralysem a acção do governo n’esse empenho cordial de melhorar as nossas finanças.

As minhas convicções são profundas n’este ponto. Não retiro uma virgula sequer do que disse no relatorio que tive a honra ás apresentar ás camaras, com respeito á fazenda publica; são exactos os algarismos que ali se encontram; e o orçamento rectificado que fiz distribuir na outra casa do parlamento, e que o ha de ser aqui tambem, e a confirmação das asserções do meu relatorio sobre a situação financeira.

Disse já que não defendo o projecto em discussão senão como um expediente financeiro, do qual deve resultar para e o thesouro um augmento de receita de 350:000$000 réis; das adoptando este expediente, o que não fiz sem repugnancia, não quiz nem poderia querer proteger quaesquer interesses particulares, á custa de interesses publico, e muito menos proteger determinadas companhias poderosas, desprezando os pedidos justos dos proprietarios e industriaes que queriam protecção para os productos da sua propriedade ou industria. Muito pelo contrario, condescendi com os pedidos d’estes, concordando na reducção do imposto e na sua conformação com as qualidades e valor diverso dos productos exportados; procurei diligentemente ouvir e attender todas as vozes que eram justas, salvando o principal fim que tinha em vista, conseguindo augmento de receita, que já disse dever ser de 350:000$000 réis.

Sr. presidente. não vejo que tenha de responder a outras perguntas do digno par, e por agora nada mais me resta a dizer; reservando-me, comtudo, para mais tarde novamente occupar a attenção da camara, se pelo correr do debate o governo carecer dar novas explicações sobre o assumpto.

O sr. Presidente: — Vae ler-se um officio que acaba de ser recebido na mesa.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Um officio do provedor da santa casa da misericordia de Lisboa, remettendo 100 exemplares do relatorio e contas da gerencia do anno economico de 1873-1870.

Mandaram se distribuir.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, serei muito breve, pois não desejo difficultar a votação do projecto que se debate, visto que o governo confia muito nos seus resultados financeiros.

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O meu fim, pedindo de novo a palavra, é responder a dois pontos do discurso do sr. ministro da fazenda, que me fizeram impressão.

Por isso não posso deixar de fazer algumas reflexões suscitadas pelas palavras do sr. ministro.

Louvo o empenho do sr. ministro da fazenda de melhorar a nossa situação financeira. De modo algum eu poderia condemnar esse intuito patriotico de s. exa., e n’isso estamos de accordo.

Agora com o que eu não posso concordar é com a falta de coherencia que o governo tem manifestado sustentando os srs. ministros actuaes, quando eram opposição, principios que não estão em harmonia com os seus actos de governo.

O sr. ministro da fazenda está assustado com o deficit, que é grande, e com a situação financeira, que acha assustadora.

Todos nós nos preoccupâmos com o desequilibrio grave das nossas finanças.

Mas qual é a rasão por que os srs. ministros não põem em pratica hoje as idéas que defenderam quando eram opposição?

S. exa. sustentavam antes do seu advento ao poder que só se deviam fazer as despezas que fossem impreteriveis.

Têem feito isto? A nota de despezas apresentada pelo sr. Carlos Bento, já bastante avultada, prova o contrario, e bem assim a apresentação ás côrtes todos os dias de projectos que discordam completamente d’essa doutrina d’outr’ora.

Este procedimento é que eu não posso louvar; pelo contrario julgo o merecedor de acre censura, porque assim nunca o sr. ministro da fazenda ha de equilibrar a receita com a despeza.

Creia s. exa. que por este systema os seus collegas destroem-lhe os seus calculos, por melhores que sejam.

Quanto ao projecto, direi que as estatisticas da importação da cortiça em paizes estrangeiros, enviadas pelos nossos respectivos consules, ás quaes se referiu o sr. ministro da fazenda com relação a differentes mercados, mostram que as differenças do anno para anno com respeito a essa importação é insignificantissima, e, portanto, esse facto nem altera nem contraria os outros que têem referido.

E é preciso ter em vista, com respeito ao facto que se assignala nas informações dos consules referidas por s. exa., da inferioridade d’aquelle genero proveniente de certos paizes, em comparação ao que produz Portugal, que a cortiça que primeiro se extrahe das arvores é sempre de má qualidade, e que, á proporção que se vão renovando as tiragens por messas, se vae tornando melhor.

A primeira cortiça que se tira de uma arvore é sempre mais porosa, é a cortiça virgem, e que não tem valor.

A cortiça melhora consideravelmente á proporção das messas que lhe vão fazendo. Se, pois, de alguns pontos da Argelia e Marrocos a cortiça é ainda inferior, com o tempo e tiragens successivas melhora de condições, e ha de concorrer vantajosamente com a nossa.

Portanto, o bom senso e o juizo pratico aconselham que nos aproveitemos das circumstancias e da supremacia que agora tem o nosso genero, e teremos todas as vantagens em favor do nosso paiz.

É, pois, este mais um argumento em favor da doutrina que eu tenho sustentado, argumento que o sr. ministro forneceu lendo á camara as informações dos consules.

Sr. presidente, não me parece que os nossos consules sejam as pessoas mais competentes para conhecerem as melhores qualidades de cortiça, e conhecerem se a da Argelia e a de Marrocos podem ou não concorrer com a nossa. Se não póde concorrer agora poderá concorrer d’aqui a mais alguns annos, á proporção que a sua cortiça for melhorando com as messas successivas que lhe forem fazendo.

Sr. presidente, quando este commercio começa a desenvolver-se em grande escala em paizes onde uno existia até aqui, não me parece que haja vantagem alguma em lançar este oneroso tributo, quando, de mais a mais, a receita que d’elle póde advir para, o estado, calculada pelo sr. ministro da fazenda, será de 12:000$000 réis.

Se o governo empregasse providencias e meios adequados a evitar o monopolio, nós, os proprietarios, não tinha-mos muito a receiar; e eu mesmo acceitaria de bom grado esse imposto; mas tornando-se cada vez mais sensivel o monopolio, com este imposto perdem os proprietarios, e pouco resultado dará para o fisco.

Este assumpto está suficientemente discutido. A camara sabe bem o que significa este imposto.

O que eu desejo, pois, é que fique bem registado que o governo o lança quando a exportação em 1878 foi inferior á de 1866, o que quer dizer que ha doze annos exportámos mais cortiça, o que quer dizer tambem que este commercio em logar de florescer e crescer, defeca e diminue. É necessario tambem que fique bem registado o facto de que o governo lança este imposto na occasião em que a fonte d’onde se tirava esta riqueza definhou pelas horriveis estiagens que inesperadamente assolaram este paiz, e que fizeram morrer milhares e milhares de sobreiras.

Deixando bem manifestos e patentes estes factos, nada mais tenho a acrescentar.

O sr. Presidente: — Está extincta a inscripção; vae, portanto, votar-se o artigo l.°

Os dignos pares, que o approvam, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do artigo 2.° Leu se na mesa.

O sr. camara Leme (sobre a ordem): — Sr. presidente, como muito bem disse o digno par que acaba de sentar-se, este projecto está sufficientemente discutido, e por isso direi muito poucas palavras para justificar uma proposta que vou mandar para a mesa, assignada tambem pelo meu digno collega, o sr. Agostinho Ornellas, que na ultima sessão fez um lucido discurso para mostrar á camara, o que fez cabalmente, a inconveniencia do direito imposto sobre o carvão.

Quando em uma das sessões passadas se discutiu aqui o real de agua, mostrou o sr. Fontes, n’um brilhante discurso que pronunciou, quanto podia ser prejudicial ao porto de Lisboa o imposto sobre o carvão.

Pois se para Lisboa este imposto póde ser de grandes prejuizos, para o porto do Funchal vae ser fatal.

Sinto, terem-me esquecido os apontamentos, que tenho ácerca do movimento d’aquelle porto, mas desde já posso dizer á camara que esse movimento anda por oitocentos navios, a maior parte dos quaes são vapores.

E para que v. exa. possa fazer idéa do desenvolvimento de commercio a que dá logar ali a passagem desses vapores, alguns dos quaes pertencem a poderosas companhias, como é, por exemplo, a de navegação para o Cabo, basta dizer que só um dos consignatarios tem um pessoal com que despende 40:000$000 réis por anno.

V. exa., sr. presidente, que já esteve na Madeira, n’aquella formosa perola da corôa portugueza, onde desempenhou tão dignamente uma commissão; v. exa. conhece de certo as circumstancias,, economicas d’aquella ilha; mas não é só v. exa., ha tambem aqui muitos outros dignos pares que podem dar testemunho do que vou expôr. Vejo, por exemplo, o digno par e meu amigo o sr. visconde de S. Januario, que governou de um modo mui digno aquella ilha, e o sr. Carlos Bento, que esteve lá por algum tempo.

A proposta que vou apresentar não contem materia nova. Já em 1843, quando o movimento do porto do Funchal não tinha a importancia que attinge agora, e ainda não se havia manifestado a molestia dás vinhas, passou no parlamento a lei de 27 de maio d’esse anno, que diz no artigo 12.° (Leu.)

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Já v. exa. vê que eu não venho pedir para a ilha da Madeira um beneficio, cuja necessidade não esteja de ha muito reconhecida.

Deixarei de ler todas as cartas que tenho a este respeito; porém posso informar a camara de que algumas das companhias a que pertencem os vapores que tocam na ilha da Madeira, teem prevenido os seus correspondentes de que, se este projecto for approvado, hão de ver-se na necessidade de impedir que os seus vapores toquem n’aquella ilha.

Vou ler á camara um pequeno periodo de uma carta, pelo qual se póde concluir que os vapores da companhia do Cabo vão tocar em Tenerife, ou então na Goréa.

(Leu.)

Por conseguinte, eu tenho graves apprehensões de que este imposto sobre o carvão affecte o commercio da ilha da Madeira, que está hoje muito desenvolvido. Quando ali chega qualquer vapor, é não só curioso, mas pittoresco, vel-o rodeado de immensos barquinhos que vão ali vender fructas, vender as flores e as industrias d’aquelle povo laborioso e digno de melhor sorte.

Eu receio, pois, muito que o commercio da minha terra natal seja altamente prejudicado se os vapores deixarem de tocar no seu formoso porto do Funchal, e parece me que a receita dos cofres publicos da Madeira se ha de resentir muito.

Por consequencia, sr. presidente, eu creio ter1 mostrado convenientemente, o que tambem já tinha demonstrado o meu illustre collega, o sr. Agostinho de Ornellas, quanto o commercio do Funchal póde soffrer em virtude d’este imposto sobre o carvão.

Os vinhedos da Madeira, a sua principal riqueza, já estão affectados da phylloxera, o imposto sobre o carvão póde sor tambem uma especie do terrivel insecto para o commercio d’aquella ilha.

Por tão plausiveis e justas ponderações peço ao sr. ministro e á commissão que acceitem a proposta assignada por mim e pelo meu digno collega, parente e amigo o sr. Agostinho de Ornellas e que vou mandar para a mesa.

(Leu.)

Leu-se na mesa e foi admittida a discussão.

O sr. Conde de Castro (relator)-— Sr. presidente, o sr. D. Luiz da camara Leme pede que se faca uma excepção no projecto a favor do porto do Funchal.

Creio ter já demonstrado em uma das ultimas sessões o pouco fundamento que tem os receios de alguns dignos pares, de que a navegação com escala pelos nossos portos possa soffrer, porque já provei tambem que, pelo preço por que está em Hespanha o carvão de pedra, não se deve temer que os vapores vão procurar de preferencia os portos hespanhoes. Ora, comquanto sejam muito louvaveis as intenções dos dignos pares, os srs. D. Luiz da Camara Leme e Agostinho de Ornellas, tambem me não parece que sejam bem fundados os receios de s. exa. com respeito ao porto do Funchal.

As embarcações a vapor que fazem escala por aquelle porto não vão ali unicamente em attenção á barateza do carvão, suppondo mesmo que esta circumstancia possa influir, mas sim por outros motivos que justificam essa preferencia.

O digno par, que é natural da ilha da Madeira, sabe quanto são consideraveis e importantes as relações commerciaes entre aquella ilha e a Inglaterra; sabe que ha ali uma colonia ingleza muito numerosa, e que os vaporas que procuram aquelle porto de escala, não o fazem só para se abastecer de carvão, mas tambem de muitos outros generos, e para receber passageiros; e de corto que não é o; modico direito de 150 réis por tonelada de carvão, que ha; de concorrer para que elles deixem de ir ali.

Receia o digno par que os vapores prefiram o porto de Santa Cruz de Tenerife ou a Goréa; mas, realmente, é preciso não attender á situação geographica de qualquer destes dois portos, que estão muito mais distantes dos portos da procedencia d’esses vapores, para poder suppor que elles irão ali fornecer-se de carvão.

Portanto, s. exa. não deve temer a concorrencia dos dois portos que mencionou, nem tão pouco do de S. Vicente de Cabo Verde, que já tem o direito local de 100 réis por tonelada de carvão, e sem que um tal direito tenha obstado a que esse porto continue a ser muito procurado como porto de escala. Não vejo, pois, motivo para só fazer a excepção proposta.

Eu já tive a honra de informar a camara das circumstancias que se davam com relação ao porto de Vigo, e de mostrar quanto eram infundados os receios que tinham sido manifestados por alguns dignos pares, e entre elles o sr. Fontes, que por occasião de se discutir o projecto do real de agua nos disse, que havia já uma empreza de vapores da carreira transatlantica que ia mudar a sua escala para Vigo.

O que é certo, porém, é que não me constou mais nada a este respeito. E o que eu ha pouco li n’um jornal foi que se havia estabelecido em Vigo uma agencia de vapores, que partem dos Estados Unidos, tocam em Cuba, o fazem escala por aquelle porto.

É natural que sendo Cuba uma possessão hespanhola, a empreza que estabeleceu aquella carreira considerasse de vantagem estar em mais frequente communicação a referida colonia com um dos portos mais importantes do reino vizinho.

Estou persuadido do que o direito modico que se propõe n’este projecto sobre o carvão fornecido á navegação não a poderá desviar dos nossos portos, nem trará inconveniente algum, mesmo quanto á parte fiscal, que possa ser damnoso ao estado, ou a essa navegação.

N’esta parte appello para o testemunho do sr. ministro da fazenda, porque sei que por parte do governo ha a firme intenção de facilitar quanto possivel a fiscalisação do imposto, e a sua cobrança, de modo que não cause o menor estorvo á navegação...

O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.

O Orador: — E os navios sejam abastecidos promptamente do carvão, logo que cheguem aos nossos portos.

Devo assegurar aos dignos pares, que tão solicitamente zelam os interesses da ilha da Madeira, que a rejeição da sua proposta por parte da commissão de fazenda, que me fez a honra de me nomear relator d’este projecto, não importa de nenhuma fórma uma desconsideração para aquella importante parte da monarchia portugueza. Não podiamos, porém, tanto a commissão, como o governo, ter em vista fazer uma excepção n’esta lei, em proveito de um só porto, com prejuizo de todos os outros portos do reino.

E para mostrar que o parlamento e o governo não desconsideram a ilha da Madeira posso citar o facto bem recente de se ter resolvido na outra camara, a proposito de uma auctorisacão pedida pelo governo ás côrtes para contrahir um grande emprestimo para a construcção de estradas ordinarias, que no respectivo projecto de lei se declarasse que d’esse emprestimo sairia uma somma avultada com destino á construcçao de umas poucas de levadas na mesma ilha.

É esta uma prova de que se attende em Portugal aos interesses da Madeira, mas a consideração que temos por esses interesses não nos deve levar a praticar um acto de excepção, que não tem rasão de ser.

O sr. Camara Leme: — Sr. presidente, o que o digno relator da commissão de fazenda qualificou de excepção em favor da ilha da Madeira, não é mais do que se fez em 1843, e em circunstancias muito differentes das actuaes, pois ainda as vincas não haviam sido atacadas pelo oidium, e quando o movimento maritimo n’aquelle porto não estava tão desenvolvido.

O meu illustre amigo o sr. relator da commissão, chamou o attenção da camara para a posição geographica da

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ilha da Madeira e dos portos onde os vapores poderiam ir fornecer-se do carvão, se quizessem desviar-se d’aquella ilha, querendo assim mostrar que os vapores apesar do imposto, teriam mais vantagem em se fornecer de carvão no Funchal.

Permitta me s. exa. que observe que o porto das Canarias apenas fica distante d’aquelle umas 50 a 70 leguas, e que os navios facilmente se desviarão da Madeira para se abastecer de carvão e de generos alimenticios n’aquelle porto, desde que haja nisso vantagem para elles, como creio que haverá logo que este tributo se estabeleça, porquanto algumas das companhias de vapores já declararam, como acabei de dizer á camara, aos seus consignatarios que os seus barcos não tocariam na Madeira, se sobre o carvão de pedra se impozesse qualquer direito. E não me admirará se assim acontecer; porque, como v. exa. sabe, os vapores da carreira do Brazil que tocavam n’aquella ilha, deixaram de o fazer pelas difficuldades fiscaes que ali encontravam, e os faziam demorar algumas horas.

Foi bastante esta circumstancia para os fazer afastar da Madeira, preferindo ir a Cabo Verde.

Por conseguinte, tenho graves apprehensões de que passando esta lei o commercio n’aquella ilha seja muito prejudicado.

Esse commercio está, por assim dizer, exclusivamente reduzido aos navios que ali vão refrescar, os quaes, alem da se abastecerem de carvão o outros generos, levam para ali carregamentos de vinho.

É este, pois, um ponto importante para que chamo a attenção do sr. ministro da fazenda.

Com relação aos argumentos que s. exa. apresensou para combater a minha proposta, peço perdão para lhe dizer que elles não me poderam convencer, nem de certo convenceram a camara, a qual poderá no entanto fazer o que entender a este respeito; mas torno a envidar os meus esforços, pedindo ao sr. ministro da fazenda que tenha commiseração com a ilha da Madeira, e não lhe prejudique os seus interesses.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — O sr. Camara Leme não precisa pedir a minha commiseração para com a ilha da Madeira. Ha dois annos estive eu n’aquella ilha, e por essa occasião procurei prestar-lhe alguns serviços, evitando que muitas familias fossem arrastadas pela quebra de uma casa importantissima que ali existia.

Envidei os maiores esforços, não só para zelar os interesses que me cumpria defender, mas ainda para tornar para essas familias menos desastrosos os inconvenientes d’essa quebra. Conheço muito os seus habitantes, a quem devi o favor de um acolhimento sympathico. Portanto, alem do dever que tenho de zelar em geral interesses da nação, tenho n’este caso o interesse particular que provera do conhecimento, das condições difficeis com que a ilha está lactando; mas não levo este sentimento ao ponto de ir fazer uma excepção para aquelle porto, que de mais a mais não julgo necessaria.

O imposto de 150 réis sobre cada tonelada de carvão é effectivamente tão insignificante, que não póde por fórma alguma representar uma rasão para que os vapores não vão aquelle porto.

Ha, porém, com relação a este imposto um ponto muito importante, que poderia motivar justas queixas e os receios de que a navegação se afastasse do porto do Funchal; consiste elle nos embaraços provenientes da sua fiscalisação, A este respeito, porém, asseguro eu acamara que hão de ser dadas todas as providencias para que esses embaraços não se dêem, e para que os vapores possam sair livremente, e que as pequenas formalidades fiscaes que têem de ser preenchidas ficarão muito aquem das que dizem respeito ás outras visitas de saude e de fiscalisação. A formalidade do despacho a que se refere este projecto ha de fazer-se á vista de um simples recibo, passado por alguem de bordo do vapor, e no qual se declare o numero das toneladas embarcadas.

Ora, isto não embaraça o movimento maritimo, e, sendo o imposto tão modico, não vae de certo affectar a navegação, não a affectando pelas formalidades do fisco.

Por todas estas rasões não posso, com muito sentimento meu, acceitar a emenda apresentada pelo digno par o sr. Camara Leme.

O sr. Presidente: — Está extincta a inscripção. Vae votar-se o artigo 2.° e seus paragraphos.

Posto á votação, foi approvado.

O sr. Presidente: — Ha um additamento a este artigo, que vão constituir o § 3.°

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Additamento ao artigo 2.°

§ 3.° O carvão de pedra que for importado na cidade do Funchal, com destino á navegação a vapor, fica isento de todo e qualquer imposto.

Sala da camara, 19 de abril de 1880. = Os pares do reino, D. Luiz da Camara Leme — A. Ornellas.

Posto á votação foi rejeitado.

Artigo 3.°

Approvado sem discussão.

Artigo 4.°

O sr. Vaz Preto: — Ouvi a declaração do sr. ministro da fazenda, e em vista d’ella não posso deixar de ponderar que este, artigo 4.°, tal como está, é uma perfeita inutilidade, porque tributar o oleo da semente de algodão sem tributar está é proteger o fabrico do oleo dentro do paiz.

S. exa. reconhece que deve ser tambem tributada a semente de algodão, e promette trazer mais tarde ao parlamento uma proposta n’esse sentido.

Até então a disposição d’este artigo não produz os resultados que se desejam.

Mas por que não ha de introduzir-se desde já neste projecto uma disposição, que torne mais efficaz a medida que vae ser votada no intuito de obstar á importação do oleo de semente de algodão?

Pois não sabe o sr. ministro que existem no paiz muitas fabricas habilitadas a extrahir com extrema facilidade o oleo das sementes de algodão?

N’estas circumstancias, e sendo assim como é, haverá alguem que duvide de que a adulteração do azeite de oliveira ha de continuar do mesmo modo, se não recair sobre essas sementes um imposto equivalente ao que se propõe n’este artigo 4.°?

Vou mandar para a mesa um additamento, que me parece estar no caso de ser adoptado pelo sr. ministro.

(Leu.)

Não faço questão de redacção, e mesmo não terei duvida de o substituir por outro que tribute mais equitativamente a semente de algodão, guardando a devida proporcionalidade.

Este imposto não é pesado, mas assim mesmo difficulta a importação da semente de algodão, o que convem para melhor se conseguir o fim que todos nós temos em vista a não adulteração do azeite de oliveira.

Cumpre pôr termo ás adulterações que se fazem no nosso azeite, as quaes, alem de outros inconvenientes, concorrem principalmente para que nos mercados estrangeiros se desacredite este producto da agricultura nacional.

Concluindo, mando para a mesa este additamento ao artigo 4.°, salva a redacção.

(Leu.)

O sr. Presidente: — Vae-se ler uma mensagem que chegou da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que tem por fim modificar e ampliar a lei de 2 de maio de 1878, sobre instrucção primaria.

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O sr. Presidente: — É remettida á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.

Procede-se agora á leitura da proposta mandada para a mesa pelo sr. Vaz Preto.

Leu-se na mesa.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que ao artigo 4.° se junte o seguinte paragrapho:

§ 1.º Cada tonelada de semente de algodão que for importada pagará 2$000 réis. = Vaz Preto.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que admittem á discussão a proposta feita pelo sr. Vaz Preto, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Conde de Valbom: — Maneia para a mesa uma proposta de additamento ao artigo 4.° e acompanha-a de algumas considerações.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.}

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Additamento ao artigo 4-.°

§ unico. As sementes de algodão, que forem importadas no continente do reino e ilhas adjacentes, pagarão 35 réis por kilogramma.

19 de abril de 1880. == Valbom.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se admitte á discussão o additamento apresentado, pelo sr. conde de Valbom.

Foi admittido.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — Sr. presidente, as ponderações apresentadas pelos srs. Vaz Preto e conde: de Valbom merecem-me toda a consideração, e novamente declaro a camara que não deixarei de tomar todas as providencias, a fim de, que brevemente possa ser submettida á apreciação do corpo legislativo uma proposta no sentido indicado.

Os factos revelados á camara pelo sr. conde de Valbom estão mostrando a conveniencia de quanto antes se approvar o projecto em discussão.

É exacto tudo que s. exa. referiu, roas a importação da semente de algodão só poderá ter logar d’aqui a algum tempo. Por emquanto a que se tem verificado è a do oleo. E a proposito da importação do oleo de algodão, devo revelar um facto symptomatico da fraude que nós procurâmos impedir. Nota-se um decrescimento sensivel na quantidade do azeite despachado para consumo na alfandega municipal, o que prova que é feita em larga escala a adulteração d’este genero, visto que as habitos, da população da capital de certo não têem mudado por fórma a explicar um tal decrescimento.

Declaro, pois, a. v. exa. e acamara, que me comprometto a apresentar, sem demora, na outra casa do, parlamento uma proposta de lei tributando a semente de algodão.

Este systema de não embaraçar a, votação do actual projecto é melhor, e não traz demora para a resolução complementar d’esta questão.

Sr. presidente, apesar da muita consideração que me merecem as opiniões dos dignos pares. s. exa. não querem, de certo, que eu lhes acceite, sem ulterior exame, a relação, que elles julgam exacta, entre o oleo e a semente, e então parece-me de toda a conveniencia que sobre o assumpto sejam ouvidas as estações officiaes. (Apoiados.) Comprometto-me a consultal-as quanto antes, e a apresentou na outra camara um projecto de lei tributando a semente de algodão.

O sr. Conde de Valbom:. — Pede licença, para retirar a sua proposta de additamento.

O sr. Presidente: — O sr. conde de Valbom pede licença para retirar a proposta que apresentou com relação ao artigo que sã discute. Os dignos pares que approvam que s. exa. retire aquella proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Vaz Preto: — Tambem peço licença para retirar a proposta que apresentei. Depois das declarações, do sr. ministro da fazenda, não devo insistir n’ella. S. exa. quer seguir outro caminho para chegar ao fira que tocloa temos em vista. S, exa. julga mais facil, do que inserir um additamento n’este projecto, apresentar na outra camara uma nova proposta de lei, depois de ouvidas as estações competentes, proposta que tribute proporcionalmente a semente do algodão. Seja, pois, assim. Não me opponho, visto que os effeitos são os mesmos.

Resolvido este facto, seja-me permitido fazer uma observação relativamente ao emprego que se diz ter o oleo da semente de algodão

Sr. presidente, os defensores da introducção do oleo de semente de algodão, ou antes aquelles que especulam e commerceiam com este genero, allegam que é uma injustiça tributal-o, porque é materia prima para as saboarias. Não o creio, parece-me ser uma rasão falsa, porque não me consta que as saboarias empreguem o azeite no seu fabrico. O seu grande consumo é de borras de azeita, das fezes, e quanto menos crassas e mais carregadas são, mais procuradas é mais applicação têem. Sendo assim, como creio ser, este argumento não é mais do que um pretexto para introduzir no paiz o oleo alludido e com elle falsificar o azeite.

Votada esta medida com ò imposto, tambem sobre a semente, a introducção do oleo será diminuta, ou nulla, e o nosso azeite necessariamente deixará de ser adulterado e falsificado como até aqui.

Eram estas as declarações que eu entendia dever fazer á camara.

O sr. Presidente: — O sr. Vaz Preto pede para retirar a sua proposta. Vou consultar a camara sobre este pedido do digno par.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: — Está extincta a inscripção sobre o artigo 4.° Vae votar-se.

Posto a votação, foi approvado.

Os artigos 5.°, 6.° e 7.°, foram approvados sem discussão.

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o parecer n.° 49, sobre o projecto de lei n.° 30.

Leu-se na mesa, e é o seguinte:

Parecer n.° 49

Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 30, vindo da camara dos senhores deputados, concedendo á junta geral do districto de Evora a igreja de S. Pedro, situada na freguezia da Sé d’aquella cidade, para um estabelecimento de instrucçao e beneficencia.

Considerando que a referida igreja está abandonada ha longos annos, sem nenhuma applicação util, e em parte arruinada;

Constando das informações da direcção geral dos proprios, nacionaes que nenhuns inconvenientes resultam, para a fazenda publica d’essa concessão;

E attendendo ao fim de utilidade publica para que o mencionado edificio vae ser destinado:

É a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto de lei. deve ser approvado para subir á real sancção.

Sala da commissão, era 9 de abril de 1880. = Carlos Bento da Silva == Thomás de Carvalho. = Barros e Sá = Diogo Antonio C. de Sineira Pinto = Conde de Castro == Antonio de Serpa Pimentel.

Projecto de lei n.º 30

Artigo 1.° É concedido ajunta geral do districto de Evo-

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ra, para estabelecimento de uma escola normal de 2.ª classe, em conformidade com artigo 47.°da lei de 2 de maio de 1878, ou para qualquer outro estabelecimento de instrucção e beneficencia, a igreja de S. Pedro, situada na freguezia da Sé d’aquella cidade.

§ unico. O edificio reverterá para a fazenda nacional logo que deixe de ter a applicação fixada n’esta lei.

Art. 2.° - Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 1 de março de 1880 = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d’Avila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario.

Projecto de lei n.° 129-B

Senhores.-— A igreja de S. Pedro, da cidade de Evora, outr’ora seda da freguezia do mesmo nome, está abandonada ha mais de vinte annos, som n’ella se celebrar especie alguma de culto; e o seu estado de ruina, já n’aquelle tempo, fez com que a sede da freguezia se mudasse para o templo de S. Francisco, onde hoje se acha:

Esta igreja, situada no centro da cidade, embora em rua pouco frequentada, afeia aquelle sitio, e ameaça desabar dentro em pouco, sem que ajunta do parochia da Sé, sob cuja administração se acha, tenha meios para a reedificar: nem d’ella ha precisão para o culto, como prova o abandono de tantos annos.

A junta geral do districto de Évora, projectando o estabelecimento de uma escola normal de 2.ª classe, para habilitação de professores do 1.° grau de instrução primaria, de tanta vantagem para o districto, não tem, nem facilmente adquirirá á custa do seu cofre, em sitio tão apropriado, edificio que tão bem se preste para aquelle fim, e comquanto careça de fazer uma grande despeza em demolição, e depois em construcção, calcula-a, todavia, em somma inferior á que lhe custaria a compra de um edificio particular, difficil de encontrar, e era nenhuma maneira susceptivel de se lhe dar a disposição que um tal estabelecimento requer.

Alem d’isto, tem a junta em vista procurar meios para estabelecer uma creche, bastante precisa n’esta cidade; e a facilidade de adquirir por pouco preço uns pardieiros que circumdam a igreja, podendo tornar muito mais amplo aquelle recinto, leva-a a solicitar do governo de Sua Magestade a concessão d’aquelle templo, servindo assim a dois fins igualmente beneficos, e fazendo desapparecer do centro da cidade um edificio arruinado, que destoa completamente dos que lhe estão proximos, e improprio de uma cidade policiada:

Pelo que tenho a honra de apresentar o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É o, governo auctorisado a conceder ajunta geral do districto de Evora, para o estabelecimento de uma escola, normal do 2.ª classe, em conformidade com o artigo 47.° da lei de 2 de maio de 1878, ou para qualquer outro estabelecimento de instrucçao ou beneficencia, a igreja de S. Pedro, situada na freguezia da Sé, d’aquella cidade.

Art. 2.° A junta geral não poderá dar outro destino áquella igreja, sob pena de reversão.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

José Maria dos Santos, deputado por Evora.

O sr. Presidente: — Este projecto tem uma só discussão na generalidade e especialidade.

Como nenhum digno par pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer n.° 50 sobre o projecto de lei n.° 37, o qual tem tambem uma só discussão na generalidade e na especialidade.

Leu-se na mesa, e é seguinte;

Parecer n.º 50

Senhores.— As commissões reunidas de fazenda e de marinha e ultramar examinaram attentamente o projecto de lei n.° 37, vindo da camara dos senhores deputados, approvando o accordo provisorio celebrado em 21 de maio de 1879 entre o governo e a companhia The Eastern Telegraph Company Limited, para o estabelecimento e exploração de um cabo telegraphico submarino entre Aden e Natal, com estações em Moçambique e Lourenço Marques.

A ligação telegraphica da provincia do Moçambique com a metropole, que assim fica estabelecida, é de grande vantagem para os interesses da provincia e do estado, e certamente terá benefica influencia no futuro desenvolvimento da colonia.

_ Estas vantagens são alcançadas - mediante o subsidio concedido á companhia de 22:500$000 réis durante vinte annos, o qual não póde considerar-se excessivo em vista das vantagens alcançadas, convindo mais observar que no referido accordo se acham estabelecidas as condições, nada exageradas, em que a subvenção é reduzida a um terço ou deixa de ser paga, o que depende do numero de telegrammas transmittidos, sendo portanto de esperar que antes dos, vinte annos os encargos que resultam para o estado tenham sido attenuados ou mesmo cessado de todo.

Pelas rasões expostas, são as commissões de parecer que seja approvado o projecto de lei n.° 37, a fim de subir á sancção regia.

Sala das commissões, 9 de abril de 1880. — Visconde de Soares Franco = José Baptista de Andrade = Conda de Castro = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = João Baptista na Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = José Lourenço da Luz = Conde de Linhares = Visconde da Praia Grande — Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto — Marino João Franzini.

Projecto de lei n.° 37

Artigo 1.° É approvado e declarado definitivo o accordo provisorio, celebrado a 21 de maio de 1879, entre o governo e a companhia The Eastern Telegraph Company Limited, para o estabelecimento e exploração de um cabo telegraphico submarino, que, partindo do Aden e prolongando-se até Natal, toque em Moçambique e Lourenço Marques.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 5 de abril de 1880.= José Joaquim Fernande Vaz, presidente — Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d’Avila, deputado secretario.

- Proposta de lei n.89-A

Senhores. — Em 21 de maio ultimo foi assignado entre o governo e o representante da The Eastern Telegraph Company Limited um accordo provisorio para o estabelecimento e exploração de um cabo telegraphico submarino que, partindo de Aden e prolongando-se até Natal, toque em Moçambique o Lourenço Marques.

Não póde este accordo tornar-se definitivo sem que seja approvado pelo parlamento, por isso que algumas das suas clausulas importam obrigações que não cabe ao poder executivo acceitar sem que para isso tenha auctorisacão especial.

Por estas considerações e sem desconhecermos as vantagens que, para as nossas possessões da costa oriental de Africa, resultarão d’este melhoramento, julgâmos dever submetter á vossa approvação a seguinte.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É approvado e declarado definitivo o accordo provisorio celebrado a 21 de maio de 1879 entre o governo e, a The Eastern Telegraph, Company Limited, para o estabelecimento e exploração de um cabo telegraphico submarino que, partindo de Aden e prolongando-se até Natal, toque em Moçambique e Lourenço Marques.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, em 14 de janeiro de 188. = Henrique de Barro s Marquez de Sabugosa.

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Aos 21 dias do mez de maio de 1879, n’este ministerio dos negocios da marinha e ultramar, e gabinete do exmo sr. João de Andrade Corvo, ministro e secretario da negocios estrangeiros e interino dos da marinha e ultramar, compareci eu, visconde da Praia Grande de Macau, secretario geral d’este ministerio, e ahi estavam presentes, duma parte o mesmo exmo ministro como primeiro outorgante em nome do governo, e na outra parte Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque, como representante da The Eastern Telegraph Company Limited, como mostrou por documento em devida forma, que fica archivado n’este ministerio, assistindo tambem a este acto o conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, e pelos outorgantes fui dito na minha presença e das testemunhas abaixo nomeadas e assignadas, que tinham entre si ajustado o seguinte accordo provisorio, para o estabelecimento e exploração de um cubo submarino telegraphico que, partindo de Aden e prolongando se até Natal, toque em Moçambique e Lourenço Marques.

Artigo 1.° .O governo portuguez concede á companhia acima referida o direito de tocar, com o cabo que projecta estabelecer entre Aden e Natal, nos dois pontos do territorio portuguez da provincia ultramarina de Moçambique, isto é, em Lourenço Marques e Moçambique, e de em cada um d’elles estabelecer uma estação telegraphica, segundo as condições e clausulas n’este accordo exaradas.

Art. 2.° As condições technicas do cabo submarino telegraphico são as que constam do contrato celebrado entre a The Eastern Telegraph Company Limited e o governo britanico em 9 do corrente mez, que estabelece a velocidade de quatorze palavras por minuto.

Art. 3.° O cabo no seu trajecto de Aden a Natal deverá tocar em Zanzibar, Moçambique e Lourenço Marques.

Art. 4.° As despezas de construcção e lançamento do cabo; as de construcção e estabelecimento das estações em territorio portuguez; as reparações que houver a fazer no cabo; e o pagamento do pessoal necessario para os fins que a companhia se propõe, ficam exclusivamente a cargo da mesma companhia.

Art. 5.° Salvos os casos de força maior a exploração do Cabo submarino deverá começar entre Aden e Zanzibar até 1 de agosto do corrente anno, o entre Aden o Natal, tocando em Moçambique e Lourenço Marques, até 3l de dezembro do dito anno.

Art. 6.° Se por accidente occorrido durante a immersão do cabo, ou por defeito que se revele n’elle depois du estabelecido, não poder começar a sua regular exploração nos prasos mencionados no artigo antecedente, sem se effectuarem trabalhos de reparação ou substituição, será concedido e fixado pelo governo novo praso.

Art. 7.° É permittido á companhia estabelecer as linhas terrestres, acreas ou subterraneas que forem necessarias para ligar o cabo desde os pontos de amarração até ás estações respectivas.

Art. 8.° O governo portuguez pagará annualmente á companhia um subsidio de £ 5:000, ou réis 22:500$000.

§ 1.° Este subsidio começava a ser contado desde o dia em que se abrir á exploração o cabo entre Aden e Lourenço Marques: e será pago em Lisboa em partes proporcionaes no principio de cada trimestre e em relação ao trimestre que houver decorrido.

§ 2.° Este subsidio não será suspenso quando, por accidente ou causa imprevista, occorrer interrupção do cabo, e esta interrupção não for superior a tres mezes, dando-se entre Zanzibar e Natal, o a seis mezes, dando--se entre Aden e Zanzibar.

§ 3.° Só quando se prove que por circumstancias de força maior houve impossibilidade absoluta do proceder á reparação do cabo nos prasos marcados no § antecedente, será concedida pelo governo prorogação dos mesmos prasos pelo tempo que julgar rasoavel.

Art. 9.º O subsidio, a que se refere o artigo antecedente, durará por espaço de vinte annos.

§ 1.° Este subsidio será reduzido a um terço, quando, durante dois annos consecutivos tiver havido expedição por todas as estações do cabo, incluidas as de Aden e Natal, de cem ou mais despachos de vinte palavras cada um por dia.

§ 2.º O referido subsidio cessará, quando durante dois annos consecutivos o numero de despachos expedidos das mencionadas estações houver attingido o numero de duzentos, de vinte palavras cada um por dia.

§ 3.º Para a execução d’este artigo, os despachos officiaes que pagarem metade da taxa serão contados por metade das palavras que comprehenderem.

Art, 10.° O governo portuguez renuncia a qualquer participação nos lucros da companhia, e esta pela sua parto obriga-se a manter as estações de Moçambique e Lourenço Marques, sem subsidio algum, logo que, de accordo com as disposições do artigo antecedente, o subsidio fixado n’este contrato haja cessado.

Art: 11.º A tarifa das taxas que devem pagar os telegrammas transmittidos pelo cabo será a seguinte, por palavra:

Francos

De Aden a Zanzibar....................... 5

De Aden a Moçambique......................6,25

De Aden a Lourenço Marques................6,25

De Aden a Natal...........................6,25

De Zanzibar a Moçambique..................2,50

De Zanzibar a Lourenço Marques............5

De Zanzibar a Natal...................... 6,25

De Moçambique a Lourenço Marques..........3,75

De Moçambique a Natal.......,.............5

§ unico. Estas taxas serão cobradas pela companhia ou a ella entregues pelas respectivas estações portuguezas, na rasão de 180 réis fortes por cada franco.

Art. 12.º Os telegrammas officiaes entre as estugues do cabo, a que se refere este contrato, pagarão sómente metade das taxas mencionadas no artigo antecedente, qualquer que seja o numero dos ditos telegrammas.

Art. 13.° Os telegrammas meteorologicos expedidos entre os observatorios e postos meteorologicos portuguezes serão transmittidos gratuitamente pelo cabo. Cada observatorio ou posto meteorologico não poderá expedir mais do que dois telegrammas gratuitos por dia.

Art. 14.° O governo portuguez não exigirá o pagamento da taxa, de transito.

Art. 15.° A taxa terminal em Moçambique e Lourenço Marques, para os telegrammas dirigidos para as possessões portuguezas ou d’ellas originarias, é fixada em 5 centesimos por cada palavra.

Art. 16.° Nas estações telegraphicas estabelecidas em Moçambique e Lourenço Marques o governo poderá collocar empregados seus com o fim de exercerem a necessaria fiscalisação sobre os despachos transmittidos, e communicarem directamente com o publico.

§ 1.° A companhia será obrigada a pôr á disposição do governo as accommodações necessarias para poderem funccionar os empregados do mesmo governo, encarregados da recepção e distribuição dos telegrammas, pagando o estado o respectivo aluguer á companhia.

§ 2.° Se forem em edificios separados as estações telegraphicas de estado e as da empreza o governo as porá em communicação pelo meio conveniente.

Art 17.º As estações da companhia em Moçambique e Lourenço Marques receberão dos empregados do governo os telegrammas provenientes da localidade, e os telegrammas recebidos pelas linhas do estado pelos postos semaphoricos do correio, para serem transmittidos pelo

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cabo, e do mesmo modo serão entregues pelos empregados da companhia aos do governo todos os telegrammas que chegarem pelo cabo com destino á localidade, ou que houverem de ser expedidos pelas linhas do estado, pelos postos semaphoricos ou pelo correio.

§ unico. Estas disposições não se applicam aos despachos que, sem percorrerem as linhas do estado, transitarem de uma para outra secção do cabo. Estes despachos serão transmittidos pelos empregados da companhia sem intervenção dos empregados do governo.

Art. 18.° Se ao tempo em que começar a exploração do cabo não existir ainda em Moçambique ou Lourenço Marques estação telegraphica do estado, os empregados da companhia receberão directamente do publico os telegrammas que tiverem de ser transmittidos pelo cabo, e directamente distribuirão tambem os que vierem pelo cabo com destino á localidade.

§ unico. Dando-se a hypothese d’este artigo, ficará a respectiva taxa terminal pertencendo da companhia até que e ache estabelecida a estação do governo.

Art. 19.º Logo que haja outra via de communicação telegraphica entre Moçambique e Lourenço Marques e os outros pontos onde o cabo toca, os telegrammas seguirão pela via que o expedidor indicar.

§ unico. Na falta do indicação os telegrammas serão expedidos pela via mais barata.

- Art. 20.º O governo reserva-se o direito de estabelecer o serviço telegraphico terrestre o semaphorico conforme os regulamentos vigentes.

Art. 21.° O governo reserva-se a faculdade, reconhecida pelas convenções telegraphicas internacionais, de suspender por tempo indeterminado o serviço telegraphico nas estações da companhia estabelecidas em territorio portuguez.

§ unico. O governo só fará uso da faculdade mencionada n’este artigo quando se derem circumstancias anormaes ou caso de guerra.

Art. 22.° A companhia não poderá suspender as correspondencias telegraphicas nas secções do cabo do Lourenço Marques e de Moçambique a Lisboa, quer no todo, quer em parte, sem previa auctorisação do governo.

Art. 23.º O governo não se responsabilisa pelos prejuizos que a companhia possa ter na exploração do cabo por interrupção do serviço nos telegraphos do estado.

Art. 24.° A companhia é obrigada a ter em Lisboa um agente que a represente para todos os effeitos, e com o qual o governo possa estar em relação:

Art. 25.° O governo poderá mandar dois empregados seus assistir á immersão do cabo.

Art. 26.° Os navios que forem destinados a proceder ás sondagens, á immersão ou reparação do cabo serão, sempre que desempenharem taes serviços, isentos de quaesquer direitos nas alfandegas ou outros, e serão para todos os effeitos considerados como paquetes.

Art. 27.° O governo obriga-se:

1.° A proteger e auxiliar a emprega na immersão o exploração do cabo, nos termos das clausulas e condições d’este contrato, e conforme as leis e regulamentos vigentes em Portugal;

2.° A conceder gratuitamente á empreza os terrenos do estado necessarios para o estabelecimento do cabo, estações e officinas necessarias;

3.° A conceder a importação livro do direitos, em Moçambique e Lourenço Marques, dos cabos, instrumentos e material telegraphicos, bem como do material necessario para a construcção das estações e officinas, e da mobilia das estações;

4.° A isentar do pagamento de qualquer contribuição os rendimentos provenientes da exploração do cabo, bem como as estações telegraphicas da companhia.

Art. 28.° O governo reserva-se o direito de tomar as medidas necessarias para fiscalisar a execução das disposições d’este contrato.

Art. 29.º Todas as questões suscitadas entre o governo e a companhia sobre a execução ou interpretação do presente contrato, comprehondendo o julgamento dos casos de força maior, serão decididos pelo supremo tribunal administrativo.

Art. 30.º A companhia, no exercicio dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações em territorio portuguez, tanto nas suas relações com o estado como com o publico, fica sujeita ás leis, regulamentos e tribunaes portuguezes, qualquer que seja a nacionalidade das pessoas que a representarem.

E com estas condições e clausulas hão por feito e concluido o dito accordo provisorio, ao qual assistiu, como fica declarado, o conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, João Baptista da Silva Ferrão do Carvalho Mártens, sendo testemunhas presentes Tito Augusto de Carvalho, chefe da 3.ª repartição da direcção geral do ultramar, e José Estevão Clington, segundo official da mesma repartição. E eu, visconde da Praia Grande de Macau, secretario geral do ministerio, em firmeza do tudo e para constar onde convier fiz escrever, rubriquei e subscrevi o presente termo em duplicado, que vão assignar commigo os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas depois de lhes ter sido lido. = João de Andrade Corvo = Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque = Fui presente, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Visconde da Praia Grande. = Tito Augusto de Carvalho = José Estevão Clington.

O sr. Vaz Preto: — Desejava ver presente o sr. ministro da marinha, visto que este projecto, sobre o qual tenho a fazer algumas considerações, se refere ás colonias. Como, porém, está presente o sr. ministro da fazenda desejo que s. exa. me diga se o governo considera esta despeza como uma das taes despezas impreteriveis.

Desejo saber tambem se o governo toma a responsabilidade d’este contrato, se o julga conveniente e se entende que este subsidio se deve dar.

Sobre estes pontos espero ouvir a resposta do sr. ministro da fazenda, e pedirei depois a palavra para fazer algumas considerações, se assim o julgar conveniente.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — Como o digno par acaba de dizer, não está presente o meu collega da marinha, mas estou eu, que talvez possa dar algumas explicações que satisfaçam s. exa.

Este contrato encontrou-o o governo já firmado como accordo provisorio, e portanto, em caminho de se tornar definitivo.

A empreza representa um capital importante, e da sancção d’este contrato só póde resultar grande vantagem para as nossas colonias da Africa oriental. E quando o governo não encontrasse já firmado este accordo, parecia-me muito difficil hoje, apesar do estado da fazenda publica, não o realizar.

Isso não podia deixar de fazer recair sobre o governo portuguez a idéa de querer repellir um melhoramento tão util e vantajoso para as nossas colonias.

Creio que este subsidio não poderá ser taxado de elevado; e de certo nenhum governo, fossem quaes fossem as circumstancias do thesouro, deixaria de tomar a responsabilidade de manter o contrato.

Creio que, com estas explicações, tenho satisfeito os desejos do digno par.

O sr. Vaz Preto: — Este projecto, approvando e declarando definitivo o accordo provisorio celebrado a 21 de maio de 1879, entre o governo e a companhia The Eastern Telegraph Compagny Limited, concede-lhe o subsidio de 22:000$000 réis por estabelecer um cabo telegraphico submarino que, partindo de Aden e prolongando-se até Natal, toque em Moçambique e Lourenço Marques.

Que o paiz tira vantagem d’esta communicação é fóra

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de duvida; mas a questão é outra. O que precisamos é saber se esta despeza é impreterivel, e se no momento em que o sr. ministro quer equilibrar no orçamento a receita com a despeza; o governo póde gastar 22:500$000 réis annualmente, e dar no praso marcado de vinte annos um subsidio que equivale a 450:000$000 réis?!

É necessario saber se nós devemos antepor os interesses da metropole aos das colonias.

Eu entendo que sem nós termos a metropole bem organisação, sem termos resolvido as difficuldades que o sr. ministro da fazer da tem afigurado pavorosas, não pudemos distrahir os nossos recursos para as, colonias, e considerar despezas d’estas impreteriveis. Se ellas carecem d’estes melhoramentos paguem-nos, façam-n’os á sua custa, e não á custa da metropole.

Este subsidio parece-me exagerado para uma despeza, que não é das mais urgentes nem impreteriveis.

O governo está seguindo o systema que tanto censurou aos, seus antecessores.

E uma incoherenceia repetir as faltas e os erros que justificaram a opposição firmo e accentuada que os progressistas fizeram aos regeneradores.

Então, n’essa epocha, o partido da Granja censurava aos seus adversarios, e combatia briosamente todas as despezas que, embora fossem necessarias, não se julgavam impreteriveis.

Pois o sr. ministro da fazenda está lançando impotos para extinguir o deficit, e ao mesmo tempo apresenta medidas desta natureza, creando despezas de que por ora se póde prescindir.

Por esta fórma nem o actual sr. ministro, nem qualquer outro, por maiores sacrificios que exija do contribuinte, chegará ao almejado fim do equilibrio orçamental.

Sem a mais stricta economia, sem a maior moderação nas despezas, e sem a mais previdente administração, todos os esforços e sacrificios do contribuinte serão inuteis e estereis. Este systema de crear despeza, umas apoz outras, a existencia permanente do deficit, é impossivel.

Muito bem dizia o sr. Carlos Bento, quando expressivamente alarmava que não tinha receio dos projectos tendentes a crear receita, mas sim dos que augmentavam a despeza.

A camara apreciou certamente o extenso rol d’essas despezas, enumeradas por s. exa., que já formam um extensissimo sudario das contradicções dos ministros, que se traduzem em milhares de contos de réis que o paiz ha de pagar.

Por ultimo, sr. presidente, tenho ainda a repetir que este governo vae seguindo o systema que tinha cendem nado quando estava na opposição, o que não me parece muito consentaneo com o seu programma tão apregoado, nem tão pouco exemplo de moralidade.

O sr. Franzini (relator): —Chamo a attenção do digno par, o sr. Vaz Preto, para o § 1.° do artigo 9.° do contrato. Ahi se dispõe que o subsidio á companhia, durante o espaço de vinte annos, será reduzido a um terço, quando durante dois annos consecutivos tiver havido expedição por todas as estações do cabo, incluidas as de Aden e Natal, de cem ou mais despachos de vinte palavras cada um por dia.

Eu creio, pois, que o subsidio não se prolongará, alem de dois annos, porque o numero de telegrammas entre os portos de Aden e Natal; cujas estacões communicam com as nossas importantes colonias de Lourenço Marques e Moçambique, deve necessariamente attingir dentro d’esse periodo o desenvolvimento exigido no contrato.

Quando o numero de despachos attingir a duzentos, cada um de vinte palavras, cessa de todo o abono de subsidio. E não é exagerado suppôr que as hypotheses previstas no contrato se verifiquem brevemente, considerando que os extremos dr. linha se acham em dois pontos tão importantes do dominio britannico.

O sr. Presidente:— Os dignos pares que approvam na generalidade e na especialidade o projecto de lei n.º37, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Passâmos á discussão do parecer n.° 5l. Vae ler-se.

Foi lido na mesa. É o seguinte:

Parecer n.ºs 51

Senhores. — As commissões de fazenda e obras publicas examinaram o projecto de lei n.° 8, vindo da camara dos senhores deputados, pela qual o governo é auctorisado a despender, durante o presente anno economico, mais réis 100:000$000 em obras de edificios publicos, pontes e rios, alem das verbas que para taes obras já foram auctorisadas pela lei ordinaria da despeza.

O fundamento da disposição proposta é que as verbos auctorisadas já foram gastas, sendo preciso e urgente occorrer á continuação de algumas obras já começadas, e providenciar ácerca de outras que não podem ser preteridas.

As commissões, desejando que na applicação aos dinheiros publicos se observe a maior economia e se proceda com grande discernimento, entendeu que a auctorisacão pedida póde merecer a approvação da camara.

Sala das commissões, em 2 do abri! de 1880.= Marquez de Ficalho = José Lourenço da Luz = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Conde de Castro =Placido de Abreu = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = Marino João Franzini = Sebastião Lopes de Cacheiros e Menezes = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = J. J. da Mendonça Côrtez = Barras e Sá = Tem voto do digno par A. de Ser pá.

Projecto de lei n.º 8

Artigo 1.° E o governo auctorisado a despender no actual anno economico em obras do edificios publicas e de portos e rios somma de 100:000$000 réis, alem das verbas destinadas para as mesmas obras na tabella da despeza ordinaria do ministerio das obras publicas, commercio e industria, approvada por decreto de 28 de junho de 1879.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 27 de fevereiro de 1880.= José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d’Avila, depurado secretario.

Proposta de lei n.º 83-A

Senhores.—As verbas auctorisadas na tabella da des-peza ordinaria do ministerio das obras publicas, commercio e industria para occorrer, no actual anno economico, ás despesas com obras em edificios publicos e em portos e rios, acham-se esgotadas.

Este facto não é singular, tem-se dado em annos economicos anteriores, e no actual tera facil explicação na circumstancia do não ter sido para elle calculado o orçamento que hoje vigora.

N’estes termos, e sendo indispensavel occorrer a instantes necessidades dos serviços para que taes verbas tinham sido votadas, tenho a honra do submetter á vossa approvação a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° E o governo auctorisado a despender no actual anno economico em obras do edificios publicos e de portos e rios a somma de 100:000$000 réis, alem das verbas destinadas; para as mesmas obras na tabella da despeza ordinaria do ministerio das obras publicas, commercio e industria, approvada por decreto de 28 de junho de 1879.

Art. 2.° Fica revogada a legislação era contrario.

Ministerio das obras publicas commercio e industria, em 6 de fevereiro de 1880 = Augusto Saraiva de Carvalho.

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O sr. Vaz Preto: — Este projecto vem desacompanhado de esclarecimentos e de documentos. Parecia-me, pois, que, vindo o sr. ministro das obras publicas pedir á camara uma auctorisação d’esta ordem, era do seu dever justifical-a e acompanhal-a com os seguintes documentos:

1.° Um mappa que mostrasse circumstanciada e desenvolvidamente em que se despendera a verba votada no orçamento;

2.° Outro que indicasse quaes os edificios, portos, pontes e rios a que é necessario applicar já verbas de despeza para lhes acudir, visto o seu estado de deterioração;

3.° As reclamações e informações das estações competentes.

Pois havemos de estar votando aqui todos os dias auctorisações ao governo, sem saber para que, e inteiramente ás cegas? Acaso esqueceram os srs. ministros aquelles principios Sustentados por s. exa. nas censuras acrimoniosas que a todo o momento faziam ao ministerio transacto? Pois não era então citado n’esta camara e na outra o artigo 4.° do regulamento da contabilidade publica de 1870, em que se declarava que não se devia votar despeza alguma sem que ao mesmo tempo se votasse receita para lhe fazer face?

Pergunto ainda ao sr. ministro das obras publicas, e ao sr. ministro da fazenda tambem, qual é a receita com que s. exa. contam para cobrir a despeza resultante assim d’este projecto como do que foi agora votado?

Confesso que não comprehendo este systema de governar, e que menos comprehendo esto systema de contradicções continuas, seguido pelo governo sem escrupulo e com o maior desassombro, o que me faz ver que o ministerio, quando estava na opposição, não tinha outro plano nem outra mira senão o de escalar o poder, e de substituir n’aquellas cadeiras os seus adversarios. Com a sua ascenção ás altas regiões da governança publica podiam lucrar muito os partidarios do governo, tripudiar o orgulho e a vaidade dos ministros, o que não lucrou nada foi a coherencia e o prestigio da auctoridade, a moralidade, e sobretudo o paiz.

Sr. presidente, quando vejo as summidades, os representantes de um partido sacrificar em os precedentes, as tradições d’esse partido, o seu passado e a, sua coherencia, a este mesquinho e acanhado systema de governar, não para o paiz, mas para se conservarem no poder; quando vejo estes ministros, que ali se sentam, esquecer tão depressa as doutrinas, os principios e as opiniões de hontem, vou descrendo da salvação do paiz, porque a immoralidade e a corrupção tem invadido todas as camadas sociaes.

Tudo isto me faz ver e acreditar que o systema governativo que os que estão hoje no poder apregoavam quando eram opposição, era simplesmente uma arma de que então se serviam para conseguirem os seus fins e os seus intuitos politicos.

Sr. presidente, com estas contradicções desauctoram se os partidos, e não lucra nada o paiz o paiz lucrada com a pratica das boas doutrinas, com a Coherencia, justiça e moralidade no poder.

Sr. presidente, nas condicções em que se acha o projecto sem esclarecimentos, eu proporei o adjamento d’elle até que o sr. ministro das obras publicas mande para cita camara os documentos que o deviam acompanhar.

Pois é no momento em que se estão lançando sobre o paiz impostos odiosos que se lhe vem pedir mais 100:000$000 réis, sem se lhe provar que são precisos?!

É este o receio que tinha o sr. Carlos Bento, s. exa. já pressentia que seria este o systema do governo actual.

Sr. presidente, quaes sr. as obras que demandam promptamente reparos?

Quaes são as que carecem de despezas alem das verbas que estão votadas?

Não se diz quaes são, não se especificam; e apenas em globo se falla em obras. Eu desejaria que o sr. ministro procedesse com mais circumspecção, e mais methodicamente. Eu desejava que não se andasse ás cegas e levianamente no dispendio do despezas, que tantos sacrificios custam ao contribuinte. Eu desejava, pois, que as obras de pontes, portos e rios, fossem sujeitas a um systema, a um plano completo, estudado por pessoas competentes. O sr. ministro das obras publicas, que tem nomeado commissões para tudo, e para reformas de serviço, esqueceu-se de nomear uma outra estudar este importante assumpto. Assim, como tambem se esqueceu de nomear outra para elaborar um plano, onde esteja estudada e traçada toda a rede de caminhos de ferro portuguezes. Se o tivesse feito não se veria nas difficuldades em que hoje se encontra o governo com o caminho de ferro de Torres Vedras, e não teria procedido tão de leve em assumptos que affectam seriamente o paiz.

Quaes são as obras em que o sr. ministro gastou já a verba votada no orçamento?

Como usou d’essa auctorisação?

Quaes são as obras que quer fazer já, e os edificios que exigem prompta reparação?

Sr. presidente, parece-me que não é por esta fórma que havemos de chegar a organisar as nossas finanças. Eu desejo que o sr. ministro da fazenda declare se lhe agrada o systema seguido pelos seus collegas, e se nos calculos que faz para o equilibrio orçamental, introduziu este elemento caracteristico, a tendencia gastadora dos seus collegas, e emquanto milhares de contos a avaliou.

Sr. presidente, é necessar o prudencia e previdencia, e por isso eu peço á caiçara que esteja de atalaia, e não seja condescendente em votar despezas que não sejam impreteriveis.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): — Sr. presidente, poucas palavras pronunciarei para justificar o projecto que tive à honra do submetter á approvação o d’esta camara.

O digno par, o sr. Manuel Vaz Preto, disse que esta proposta de lei não estava acompanhada de documentos nem de um plano das obras hydraulicas. Esse plano não vem porque não o ha, nem o havia; mas, porventura, sou eu só o culpado d’isso, e não se hão de fazer as obras indispensaveis só porque não existe um plano geral?!

Todos sabem que eu fui obrigado a restringir-me ás verbas de um orçamento que não foi calculado para este anno.

Forçado a viver dentro de verbas, que não tinham sido calculadas para, este anno, e claro que havia de restringir-mo. Consegui, ainda que com grande difficuldade, conter a maior parto, das obras dentro das verbas auctorisadas, mas houve outras em que isso foi impossivel. Estas foram as de portos, rios e edificios publicos.

Sr. presidente, eu esperava que o parlamento vesse mais depressa uma homenagem, uma manifestação de respeito pelos principies constitucionaes n’esta proposta de lei, do que um motivo para combater o governo; mas não podia esperar que se exigisse a apresentação de um plano geral dos melhoramentos a emprehender, tendo decorrido um tão limitado espaço de tempo depois da nossa entrada, ao mesmo passo que nos censuram por apresentarmos mais propostas do que aquellas que, na opinião dos nossos censores, deviamos apresentar.

Estas duas opiniões contradizem-se.

Disse-se tambem que os membros do governo sustentavam, quando militavam na opposição, doutrinas centrarias ás que perfilham hoje.

Esta asserção não é exacta.

Os homens que estão no governo nunca declararam guerra aos melhoramentos publicos, o que disseram é que esses melhoramentos deviam ser feitos por conta, peso e medida, e é precisamente o que elles fazem. O que seria andar desordenadamente era mandar suspender obras começadas, que se arruinariam se parassem os trabalhos. Por exemplo: não seria um desperdicio mandar suspender uma

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obra hydraulica era que se tivessem despendido cerca de 100:000$000 réis? Não seria prejudicial mandar parar as obras de um edificio publico, quando de tal ordem resultasse a ruina do que estava feito? De certo que sim.

Pergunta-se em que se gastou a verba consignada no orçamento. Gastou-se nas obras que já existiam, e que nós continuámos; e se se confrontarem as despezas do anno passado com as do anno corrente, ver-se-ha que a verba que estava no orçamento deu para tres mezes mais do que tinha dado no anno anterior, graças ao zêlo e solicitude dos empregados a quem estavam entregues essas obras. E não quero attribuir esta gloria ao governo, embora elle concorresse tambem para esse resultado, procurando sempre conter-se dentro das verbas orçamentaes. Mas, o que elle não podia consentir era a suspensão de obras de que resultasse prejuizo publico superior áquelle que deve advir da sua continuação.

Entre dois males, entendo eu que se deve escolher o menor; e o menor, n’este caso, é continuar com as obras. (Apoiados.}

Disse tambem o digno par que o governo apresentava propostas de despezas que não eram impreteriveis.

Sobre este ponto ha diversos modos de ver as questões.

Eu entendo que são despezas impreteriveis todas as que dão resultados superiores ao que se despende, compensando assim os sacrificios que se fazem. É este o modo de ver do governo, e foi isto o que elle sustentou sempre na opposição. Nunca disse que havia de acabar com os melhoramentos publicos, como se póde ver da simples leitura do programma do partido que representa.

Mas, diz-se, feçam-se só as despezas impreteriveis. De accordo; qual é, porém, o verdadeiro criterio com que se possa determinar rigorosamente o que na realidade se deve considerar como despeza que não seja conveniente adiar?

O que entendo é que nós devemos considerar se as despezas que temos a fazer podem dar resultados proveitosos para o estado, quer dizer, se porventura das obras, que construimos, o estado póde auferir vantagens superiores aos encargos que ellas trazem; porque, n’esse caso taes obras devem ser feitas.

Parece-me que isto é uma verdade axiomatica; talvez não o seja, mas como tal a apresento á camara.

Creio ter dado as explicações que o digno par, o sr. Vaz Preto, desejava ouvir; e termino aqui, porque não quero abusar da paciencia da camara.

(O orador não reviu este discurso.}

O sr. Vaz Preto: — Como não obtive resposta a algumas das perguntas que dirigi ao sr. ministro das obras publicas, mando para a mesa a seguinte proposta de adiamento.

(Leu.)

Sr. presidente, creio que o nosso dever exige que não votemos aqui ás cagas projectos da ordem do que se discute.

Creio que o parlamento deve ser escrupuloso em votar auctorisações para despezas avultadas. Creio que o governo desconsidera o poder legislativo, pedindo-lhe auctorisações para gastar centenares de contos de réis, sem ao menos se dizer em que se vão gastar estas avultadas sommas, porque é o mesmo que nada dizer o parecer da commissão, e o artigo do projecto no sentido vago em que está redigido.

(Leu.)

A obrigação do governo era apresentar com a sua proposta os documentos precisos para mostrar á camara qual a applicação d’aquella verba, e saber-se a maneira por que foi despendida aquella somma que o parlamento votara o anno passado para obras em portos, rios, pontes, etc.

Só na presença de taes esclarecimentos é que poderemos ajuizar se as despezas de que se trata são ou não impreteriveis.

Infelizmente o governo, importando-se pouco com estas bagatelias, trouxe aqui este pedido de auctorisação completamente desacompanhado de documentos, de modo que não sabemos quaes os edificios publicos e quaes os portos, rios e pontes que carecem de obras e concertos a que é destinada esta verba. Sempre em tudo a falta de publicidade.

E era este governo que proclamava a luz e pedia para todos os negocios a maior publicidade?! E era este governo que atacava os seus adversarios com a maior violencia, por elles, quando estavam no poder, não acompanharem as suas propostas de despeza com os esclarecimentos devidos?!

Entenderá, porventura, o governo que a camara dos pares é uma simples e pura chancella, e que a póde obrigar a votar aos olhos fechados tudo quanto elle queira? A sua maioria que lh’o agradeça.

Esta camara não é chancella; ha de manter a sua dignidade e o seu prestigio, e a opposição continuará a discutir com seriedade e maduro exame, e a sustentar aqui os bons princios e sãs doutrinas, que o governo quer postergar no poder. O partido constituinte e o actual governo combateram, na opposicão, a favor d’estas doutrinas. Hoje o governo sustenta as contrarias, e nós mantemos firmes o nosso posto, defendendo a economia, a moralidade e o respeito á lei.

Sr. presidente, o sr. ministro das obras publicas creio que nem mesmo á commissão apresentou os documentos a que me refiro. E, se assim não é, muito desejava que o sr. relator d’este parecer, que eu não sei quem é, nos elucidasse a tal respeito.

Ah! é o sr. Barros e Sá!

Queira, pois, s. exa. dizer, á camara quaes foram os documentos que o sr. ministro forneceu á commissão que elaborou o parecer que se debate. Acaso foram, indicadas á mesma commissão quaes as obras a fazer nos edificios publicos, nos rios e portos, e quaes os portos, rios o edificios que precisavam immediatamente dessas obras? Explicou o sr. ministro á commissão, ou apresentou-lhe documentos do modo como foi esgotada e despendida a verba votada no orçamento?

Na verdade o governo está caminhando n’uma senda demasiadamente tortuosa. Este systema é a negação de toda a coherencia, e o desprezo completo pelo seu passado, e a declaração formal de que a opposição feita aos seus antecessores não era seria nem convicta, e de que as doutrinas sustentadas pelos actuaes sr. ministros, fóra do governo, eram armas de combate e de interesses partidarios.

Sr. presidente, que systema é este, que modo de governar é este do partido progressista? Pois é na occasião em que o governo está pedindo a esta camara que lhe vote impostos os mais vexatorios, e que a camara docilmente lhe está votando com o intuito de dar ao governo os meios necessarios para vencer as difficuldades que o assoberbam e á fazenda publica; é, pois, nesta occasião que se lhe propõem despezas que se não sabe se são impreterives; que se lhe póde uma auctorisação tão lata como esta para despender 100:000$000 réis em obras que se não designam?!

Disse o sr. ministro das obras publicas que concordava commigo, na necessidade de sujeitar todas as obras a que se refere este projecto a um plano geral; mas que estando ha pouco tempo no governo, não podia ter já formado esse plano. Não o podia ter formado, mas o sr. ministro que tem nomeado já tantas commissões devia ter já incumbido esse trabalho a mais uma commissão.

Porque não nomeou uma commissão para fazer o plano para todos estes melhoramentos? Porque não nomeou outra para fazer os planos de caminhos de ferro em Portugal, de forma que a sua rode fosse completa e traçada pe-

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los homens competentes, satisfazendo a todas as necessidades, do paiz, pelo que respeita á viação accelerada?

Se tivesse esse piano racional, o sr. ministro das obras publicas não estaria fazendo ás cegas concessões de caminhos de ferro, sem attender ás regras prescriptas n’esse plano, sem saber quaes eram as linhas mais necessarias, e as obras impreteriveis.

Assim o sr. ministro se veria obrigado a attender aos principios da justiça e da boa administração, e lembrar-se-ia que todas as provindas têem igual direito aos seus melhoramentos, visto serem todas chamadas para supportarem os onus, e para fazerem sacrificios.

Não teria, pois, occasião o sr. ministro das obras publicas de praticar desacertos como este da concessão do caminho de ferro de Torres Vedras, a favor de uma provincia que já estava servida, emquanto outras não têem sequer um kilometro de caminho de ferro.

Sr. presidente, isto não é systema; este meio de governar é prejudicial para o paiz, e para o governo é altamente desairoso sustentar na opposição idéas e doutrinas, e depois como poder sustentar as contrarias, e fazer passar o parlamento por vexames, votando aquillo só que os ministros têem vontade de propor, obrigando os seus proprios amigos a votar muitas vezes em sentido opposto ao que já votaram.

Similhante proceder revela a falta de coherencia, e certas incoherencias desprestigiam.

Sr. presidente, disse o sr. ministro das obras publicas, que tanto elle como o governo eram coherentes, e sustentavam no poder as suas opiniões e idéas na opposição! Coherente o sr. ministro das obras publicas! É s. exa. que faz. esta asseveração diante de mira, que conheço o seu passado?!

Eu hei de ter occasião de trazer á camara os discursos de s. exa., e ver-se-ha então onde está essa coherencia, como ella se combina com o modo como s. exa. tem tratado com as companhias.

Eu mostrarei o que é a coherencia das doutrinas dos homens que hoje se sentam nos bancos do poder, com as que sustentavam nos bancos da opposição, abolindo os concursos para favorecerem companhias poderosas.

Hei de então combater os seus projectos, as suas concessões, com os proprios discursos dos ministros. Então a camara avaliará a coherencia de s. exa., e com especialidade do sr. ministro das obras publicas.

Sr. presidente, disse, ainda o sr. ministro das obras publicas, que entendia que estas despezas são impreteriveis. Mas porque?

Quaes são as obras que as justificam?

Onde estão os documentos que pedi?

Desde o momento que s. exa. nos mostre que essas despezas são impreteriveis eu voto o projecto, e de certo nenhum digno par deixará de o votar.

Quaes são, pois, as despezas que se vão fazer?

Que obras são necessarias?

Que edificios carecem de melhoramentos urgentes?

S. exa. não apresenta nenhum d’estes esclarecimentos á camara, e quer que ella vote ás cegas um projecto d’estes. Ella póde fazel-o; eu é que o não faço.

Sr. presidente, vou mandar para a mesa a minha proposta do adiamento, que é a seguinte:

(Leu.)

Sr. presidente, nós queremos a publicidade, porque o governo representativo é de todos, e o publico tem direito a saber como são administrados o fiscalisados os seus haveres.

Será, pois, o partido, que hoje está no poder, que se diz progressista, e que apregoava a necessidade da luz e da publicidade, a negue, e a não queira para os seus actos? Será esse partido, que occulta os documentos que devem ser presentes ao parlamento, para que os projectos possam ser estudados e maduramente discutidos?

É o que se vê.

N’esta conjunctura creia o governo, que eu não o deixarei socegado nem tranquillo um instante, que serei sombra a perseguil-o e a tornar-lhe contas do passado.

Espero, ao menos, que o sr. ministro, em homenagem ao regimen constitucional, se levante e declare que vae mandar á camara esses documentos a que me tenho referido.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a proposta de adiamento mandada para a mesa pelo digno par o sr. Vaz Preto.

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Proposta

Proponho que o projecto em discussão seja adiado até que o sr. ministro apresente à camara os documentos em que se mostre como foi gasta a verba votada no orçamento, e bem assim o documento que mostre, quaes os edificios, pontes e rios que precisam obras. = Vaz Preto.

Foi admittida á discussão.

O sr. Mathias de Carvalho (sobre a ordem):— Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto relativo ao imposto predial.

Aproveitando a occasião devo declarar a v. exa., que foi presente á commissão de fazenda um projecto em que tem de ser ouvida a commissão de negocios ecclesiasticos.

Os membros que compõem esta commissão não têem comparecido ás sessões da camara, naturalmente por motivo justificado, por isso peço a v. exa. que nos faça sair deste embaraço, porquanto a commissão de fazenda não póde dar parecer sem que primeiro tenha sido ouvida a de negocios ecclesiasticos.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer mandado para a mesa pelo digno par.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: — O sr. Mathias de Carvalho declara que a commissão de fazenda tem de dar parecer sobre um projecto, em que tem de ser tambem ouvida a commissão ecclesiastica, a qual não se tem podido reunir.

A commissão de fazenda pede providencias a este respeito, mas estas só podem ser tomadas pela camara.

Pergunto, pois, aos, dignos pares se querem que se proceda a nova eleição de alguns membros para serem aggregados á commissão de negocios ecclesiasticos, visto ella não poder funccionar, em consequencia de não terem comparecido os membros que a compõem.

O sr. Conde de Castro: — Parece-me que se póde remediar esta falta, nomeando v. exa. os membros para essa commissão. (Apoiados.)

O sr. Presidente: — Isso não se póde fazer sem uma resolução da camara, a qual vou consultar a esse respe-to.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: — Na proxima sessão darei conta á camara do resultado d’esta sua decisão.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Declarou votar o projecto se o sr. ministro das obras publicas justificasse as disposições d’elle. Sem essas explicações não se achava habilitado para pronunciar o seu voto, e não as substitue o parecer da commissão que não diz para que obras se pedem os 100:000$000 réis, nem por que rasão se acha esgotada a verba que no orçamento estava marcada para taes despezas. Os edificios publicos, os portos e os rios têem uma diversa verba no orçamento.

E necessario saber qual se excedeu e por que se excedeu.

Esperando as explicações ulteriores do sr. ministro, ou do sr. relator da commissão, declara que vota o adiamento, se estas o não satisfizerem, como votará o projecto no caso contrario.

O sr. Presidente: — Sendo urgente que a commissão dos negocios ecclesiasticos possa funccionar, vou dar desde

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já conta á camara do modo porque arnosa se desempenhou da missão com que a camara a honrou, resolvendo que foi-se a mesa que nomeasse os dignos pares que devem ser aggregados á mesma commissão. Sào estes os srs.:

Bispo eleito do Algarve.

Visconde de Alves e Sá.

Conde de Bretiandos.

Couro Monteiro.

Mexia Salema.

A hora já deu, e por consequencia vou dar a ordem do dia para a sessão de amanha; e será, alem da que estava dada para hoje, os pareceres n.ºs 53, 54, 55, 56,57 e 58.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares; presentes na sessão de 13 de abril de 1880

Exmos srs.: Duque d’Avila e de Bolama, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, Duque de Palmella, Marquezes de Fronteira, de Vallada; Condes, de Bomfim, de Cabral, de Castro, da Fonte Nova, de Gouveia, de Linhares, de Valbom, de Bertiandos; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, do Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, do Seisal, de Valmór, de Villa Maior; Barão de Ancede, Ornellas, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cominho de Macedo, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira, Pinto, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Côrtez, Mamede, Braamcamp, Andrade, Castro, Reis e Vasconcellos, Raposo do Amara!, Mello o Gouveia, Mexia Salama, Mattoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas. Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Casto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Barjona de Freitas,

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