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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 311

governo, e enunciar francamente a minha opinião com respeito aos acontecimentos que produziram a ultima crise politica e em relação á solução d'ella, mas muito principalmente porque entendi dever expor a esta camara e ao paiz os motivos pelos quaes, independentemente de quaesquer considerações de politica partidaria, sou levado a declarar-me desde já em opposição franca e aberta, mas leal e moderada, ao actual ministerio.

Sr. presidente, no meu entender, a missão d'esta camara não é principalmente politica; o papel que a nossa constituição e o bom senso lhe destinaram é, segundo creio, sobretudo um papel de revisão legislativa.

Não quero significar com estas palavras que á camara dos dignos pares não assista o direito de assumir uma attitude politica em caso algum; entendo, porém, que ella só póde e deve fazel-o em circumstancias excepcionaes, extraordinarias, quando a queda, a ascenção no poder, ou a manutenção n'elle de um determinado grupo politico, se traduzam em manifesta calamidade publica, em verdadeiro e evidente perigo para as instituições ou para a ordem social.

E' portanto convicção minha, bem definida e radicada, que o voto de um membro d'esta casa raro poderá determinar-se por fundamentos exclusivamente partidarios.

Em presença do actual gabinete, e apesar de o ver constituido por cavalheiros filiados na sua grande maioria em um partido politico contra o qual sempre militei, podia eu, devia até, segundo a ordem de idéas que acabo de expor, e se outras fossem as circumstancias, tomar uma posição de expectativa benevolente, aguardar os actos do governo antes de o julgar; as condições especiaes em que os actuaes ministros subiram ao poder determinam-me, porem, uma posição inteiramente differente, como logo explicarei.

A resolução da ultima crise, sr. presidente, reputo-a eu perfeitamente constitucional; e não se imagine que, exprimindo-me por esta fórma, esteja em contradicção com o meu respeitavel amigo e venerando correligionario, o sr. Ferrer, porque pretendo significar unicamente com estas palavras que o alto poder do estado a quem, segundo a constituição, incumbe a escolha dos ministros responsaveis, não podia, em presença das circumstancias em que se deu a crise, e muito principalmente em vista da singularissima posição assumida pelos cavalheiros que compõem o estado maior dos differentes partidos politicos que a produziram proceder de maneira que mais se harmonisasse com os preceitos e praxes constitucionaes.

Ao poder moderador, portanto, segundo o meu modo de ver, nem mesmo moralmente póde imputar-se qualquer responsabilidade pelo modo como a crise foi resolvida, porque os homens e as cousas se conspiraram para que o chefe do estado não tivesse, constitucionalmente fallando, dois caminhos abertos diante de si, duas soluções possiveis do problema.

Mas, sr. presidente, se eu entendo que se não póde duvidar da constitucionalidade com que foi resolvida a crise, penso tambem, por outro lado, que ella foi nos seus antecedentes como nos seus consequentes, que são a formação do ministerio, tal como elle se acha constituido, perfeitamente illogica.

A crise, sabemol-o todos, foi provocada por um facto tambem de todos nós conhecido. O sr. Barjona de Freitas apresentou aqui uma moção de censura ao governo, transacto, moção que depois foi substituida por outra, mais suave na fórma, mas evidentemente a mesma no pensamento e nos intuitos, apresentada pelo illustre chefe do partido regenerador. Desde esse acto, que é um, senão o primeiro antecedente da crise, começa esta de mostrar-se manifestamente illogica.

Os differentes grupos de opposição ao governo transacto que votaram aquella segunda moção, e que nesse proposito se colligaram, parece que formaram tal colligação para o fim unico e exclusivo de derrubar o governo. Esqueceram as opposições que estavam pendentes graves problemas de governação publica, e não sómente negocio importantissimo de administração interna, como tambem questões internacionaes de momento. E no ardor da lucta e com o fito na sonhada victoria, esqueceram-se tambem essas opposições de que não estavam de accordo na solução de um pé quer d'esses problemas pendentes.

Succedeu, portanto, o que a logica pedia que succedesse; no dia seguinte áquelle em que tinham colhido as palmas da victoria, esses grupos, profundamente divididos de idéas em tudo que não fosse a guerra a todo o transe ao ministerio transacto, não poderam accordar-se para formar um gabinete que representasse a supposta unidade de idéas de uma colligação em que as não havia communs, porque nascêra de um principio negativo, do exclusivo intuito de derrubar a administração transacta.

Succedeu o que o illustre chefe do partido regenerador parece não ter previsto, mas o que não era licito á largueza de vistas propria de um homem de estado como o sr. Fontes, deixar de prever, de prevenir ou de impedir dominando as impaciencias dos seus proprios amigos; succedeu que o partido regenerador teve de acceitar sosinho o poder, apesar das declarações formaes que o sr. Fontes, com a sua voz que eu até então suppozera auctorisada, fizera poucos dias antes n'esta casa, e das palavras proferidas por um dos actuaes ministros, o sr. Lopo Vaz, na outra casa do parlamento, onde, em nome do seu partido e declarando que fallava nos nomes dos chefes d'elle, disse que a occasião constitucional de subir ao poder ainda não chegára nem chegaria na presente sessão parlamentar para o partido regenerador.

E o sr. Lopo Vaz, que então repetiu com formal e singular insistencia essas declarações, ahi está nas cadeiras do governo!

E o sr. Fontes, e o illustre ministro que ha poucos dias reputavam por certo inconveniente para a causa publica (porque se assim o não entendessem não fariam de certo taes declarações) que o partido regenerador succedesse ao gabinete progressista, cooperaram manifestamente e de perfeito accordo para que essa solução tivesse logar.

Portanto os proprios actos, as repetidas afirmações dos illustres ministros que se sentam n'aquellas cadeiras, affirmações feitas por vozes auctorisadas tanto n'esta como na outra casa do parlamento, me dão o direito de deduzir que a solução da crise, alem de illogica, imprevista e impensada, foi uma solução que tanto os ministros como os seus mais illustres correligionarios antecipadamente reputaram e affirmaram inconveniente para a causa publica.

Na enumeração dos motivos que fazem com que eu me colloque e declare desde já em opposição ao novo gabinete, motivos por tal fórma concludentes e imperiosos que, ainda que me encontrassem desprendido de quaesquer laços partidarios, me inhibiriam de prestar-lhe o meu apoio, ou ainda de recebei-o ao menos com expectativa benevolente, permittam-me v. exa., consinta-me a camara, que eu seja um pouco mais extenso e demorado do que desejaria sel-o n'esta occasião.

Os negocios e os assumptos de alto interesse publico, pendentes perante uma ou outra das casas do parlamento, no momento em que com tanta imprudencia e maior imprevidencia se provocou a crise de que resultou a queda do gabinete transacto, eram muitos e importantes, e a respeito de cada um d'elles, pelo menos a respeito dos de maior vulto, vejo eu representado no gabinete, apesarada sua quasi homogeneidade politica, o antagonismo mais completo e radical. Senão vejamos: em relação ao imposto de rendimento, assumpto tão largamente discutido, no parlamento, na imprensa, e nas reuniões populares, e que na opinião dos membros do actual governo, na dos seus correligionarios, e ainda na d'aquelles que, sem o serem, contribuiram para os levar áquellas cadeiras, constituia uma das mais graves causas de agitação da opinião publica; em relação ao imposto de rendimento, sr. presidente, quer v. exa., quer a camara