DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 319
por condição, e sei avaliar as difficuldades com que luctam os trabalhadores sinceros. Confesso mais, que me não atreveria a entrar no debate, se um dever para mim sagrado, qual é o de tomar todas as responsabilidades que me pertencem ao encetar a carreira politica, me não forçasse a descerrar os labios, e a manifestar summariamente o meu pensamento.
De mais a mais ha vinte quatro horas que na outra casa do parlamento e na imprensa se têem feito allusões á minha humilde individualidade. Todos sabem que tive a honra de ser convidado para fazer parte do novo gabinete que se acha presente, e muitos poderão pensar que não sou ministro por cobardia ou por orgulho. E como felizmente não o deixei de ser, nem por uma cousa nem pela outra, careço de explicar-me. Os que me conhecem, creio me farão Justiça, porque as minhas, aspirações são simples. Amo sobretudo o meu paiz sem ambição de especie alguma, e sem inveja pelos homens que o illustram patrioticamente. Estou prompto para servir sempre a patria e não quero servir-me d'ella.
Não pretendo tambem, seja-me permittido o vocabulo usado nas escolas, fazer sabbatina aos illustres ministros, cujo merito, embora não tenha a fortuna de conhecer a maior parte d'elles pessoalmente, está affirmado de um modo brilhante nas discussões parlamentares em que figuraram. Um professor como eu não lhe faltará occasião, nas aulas em que o é, para fazer sabbatinas. O meu proposito é outro. Os illustres ministros vem dizer porque se encontram n'aquellas cadeiras. Eu direi porque não estou ao lado d'elles.
Na realidade, estando longe ha tanto tempo, não posso ter opinião segura sobre a crise quanto ao ministerio transacto, porque precisava para isso assistir a ella; mas, entendo que posso fazer juizo com relação á fórma como se resolveu a crise, e, se é verdade o que se avança, francamente acrescentarei que a resolução me não póde satisfazer.
Qual é a situação politica de que procede este ministerio? Como é que elle chegou a organisar-se? Quaes foram as peripecias da lucta? O digno par, o sr. Fontes, que seu sempre respeitei pelos seus altos dotes de estadista, tinha feito uma moção de censura ao ministerio transacto, e parecia, que havendo pedido este a demissão a El-Rei após a votação da moção, só o sr. Fontes seria o indicado a tomar a presidencia do governo.
Se é certo, como se dizia, que as instituições cornam risco e estavam até em muito perigo, não direi que fosse a patria tambem; se era averiguado que o espirito publico não podia mais soffrer a administração progressista; se na realidade os motins de Lisboa eram a expressão fiel da opinião publica exaltada contra esta administração; eu entendo, na minha humildade politica, que o sr. Fontes, recusando a presidencia do conselho, deixou perder uma occasião muito opportuna de prestar relevantes serviços ao paiz, e as declarações feitas anteriormente n'esta casa por s. exa. não o inhibiam de o vermos agora sentado n'aquellas cadeiras. Quando ha perigo real, um homem do estofo politico do sr. Fontes não póde manter declarações, feitas talvez n'um momento de impaciencia.
Direi mais, que não é permittido, quando se está na brecha, combatendo uma situação politica, fazer declarações d'aquelle caracter.
Combater um inimigo para não nos aproveitarmos da victoria, não é plano que eu possa persuadir-me haver passado pela mente de um general tão habil como s. exa. E que houvesse feito essas declarações? Sustental-as é que eu julgo inopportuno e até perigoso.
O homem publico não pertence a si. O homem publico pertence ao seu paiz. Havia grande excitação de animos e temiam-se acontecimentos graves?! Era pois uma excellente occasião para s. exa. poder mostrar que ainda é o reformador de outras epochas, e o mais notavel iniciador dos melhoramentos materiaes, emfim um financeiro, e administrador de primeira ordem.
Mas que vemos nós? Em vez do chefe supremo do partido regenerador, temos ali um liberal illustre e um patriota eximio do mesmo partido, mas que talvez nunca pensasse em tomar o logar d'elle. Em vez dos homens experimentados do partido regenerador, apparece-nos este mesmo partido, é certo; mas representado pela sua nova guarda. Como justificação d'esta mudança inesperada, declara o nobre presidente do conselho de ministros, que não foi possivel formar um ministerio de conciliação com as fracções opposicionistas, porque a isso se recusaram os chefes d'essas fracções. Tudo se julga por esta fórma justificado e aclarado, mas não se confessa com a franqueza precisa, que tal situação se tornara impossivel desde o momento em que o partido que no governo pretendia ficar em maioria, se oppunha a discutir todas as condições do contrato. Agora, sim, já todos o sabem o podem avalial-o. Este ministerio não tem programma, nem quer entrar no caminho das reformas politicas. A conciliação n'estes termos ficava sem objectivo. Seria uma conciliação para se não fazer cousa alguma. Uma conciliação sem utilidade.
E digo isto muito especialmente e só com referencia aos meus amigos politicos, que já na outra casa do parlamento declararam hontem pela sua voz mais auctorisada, que as rasões da nossa recusa se fundavam na divergencia com o sr. presidente do conselho na questão das reformas politicas, e tambem na falta de um programma que seria a base indispensavel para uma conciliação.
Nos termos vagos e indefinidos em que se pretendia chegar a um accordo, era impossivel crear-se ama situação vigorosa e duradoura.
Um ministerio com a fragilidade do vidro, não valia a pena emprehender-se.
Se eu, posso ter uma opinião em politica, irei mais longe ainda.
O paiz necessitava, é certo, nas actuaes circumstancias, de um ministerio de conciliação; mas formado dos elementos mais valiosos de todos os partidos, um ministerio em que figurassem os chefes das opposições, e no qual até estivesse representado o grupo progressista.
Situação robusta, que desse treguas á politica, treguas absolutas, com os homens mais experimentados na gerencia dos negocios publicos, todos unidos num pensamento unico, e compenetrados da alta necessidade de resolver as grandes questões de fazenda e reforma do exercito, da instrucção publica e administração colonial.
Um ministerio assim podia levar a cabo a solução dos grandes problemas, e collocar o paiz n'uma situação vantajosa para depois os partidos emprehonderem isoladamente as reformas politicas.
E não se diga que o accordo entre homens que nos seus respectivos partidos gosam da preeminencia não chegaria nunca a realisar-se.
É nos momentos solemnos que o patriotismo se manifesta, e eu tenho por verdadeiros patriotas todos os chefes dos nossos partidos politicos.
A felicidade do paiz impunha a todos o sacrificio de pequenas vaidades.
Aqui está a conciliação a que se devia ter chegado, eis ahi o que se devêra ter feito, e o que se não conseguiu nem tentou.
A politica, como ella se entende ordinariamente, adiou mais uma vez a solução da crise nacional.
Tentou se uma conciliação, mas inefficaz, que não podia satisfazer o espirito publico, sendo tão graves, como dizem todos, as circumstancias do paiz; uma conciliação em que só figurariam principiantes, e emprego esta palavra n'este momento, porque estou pensando em mim principalmente; uma conciliação que nada mais representaria do que um ministerio de transição, tão fraco, como o sr. presidente do conselho declarou já que seria o seu governo, um pacto