DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 325
expor; os proprios srs. ministros estamparam esta apreciação em documentos impressos, que toda a gente conheça. (Apoiados.)
Portanto, digo que o povo, a massa da nação, não se acha representada na camara dos senhores deputados. Esta, por espirito de partido, dá em todas as questões, boas ou más, maioria ao governo; e, digamos com verdade, que sempre têem dado maioria aos governos, excepto a um que, prescindindo de influir nas eleições, caíu immediatamente.. Esse governo é conhecido na nossa historia politica por um epitheto ridiculo.
É necessario que corrijamos estes defeitos e estes vicios, que fazem com que a representação nacional não possa merecer a confiança que mereceria, se ella fosse o producto genuino do voto livre da nação, e é isso que faz com que, em determinadas occasiões, quando pende sobre o povo uma questão que ameaça os seus direitos e os seus interesses mais importantes, elle se vê obrigado a recorrer aos meetings, ás associações publicas, para exprimir a sua opinião, e fazel-a chegar até ao parlamento e ao throno, a fim de que se conheça qual é a vontade do paiz.
Que fez este governo para deixar exprimir livremente as opiniões?
A camara dos pares, pelo seu caracter permanente, possue, como ninguem póde negar, condições de mais independencia.
Quando tratou de manifestar livremente a sua opinião, procuraram supplantar-lhe a independencia de voto e de parecer com successivas fornadas, para transformar a maioria da camara. (Apoiados.}
Eu não digo que se não possa nomear pares, em maior ou menor numero, quando ha uma grande medida reclamada pelo publico, á qual é obstaculo uma maioria facciosa ou renitente n'esta camara mas nomear pares successivamente, fazer fornadas consecutivas, só para estabecer o predominio politico de um partido, sem um determinado fim de utilidade publica, isso é que é injustificavel. (Apoiados.}
O governo constitucional é essencialmente um governo de transacção, um governo de conciliação; e se a camara dos pares houvesse de subscrever servilmente a tudo o que o governo conseguisse fazer votar na outra casa do parlamento, deixava ella de ter rasão de existencia. (Apoiados.}
Não fica mal a nenhum .governo transigir, conciliar as opiniões; antes lhe fica muito bem, que é para isso que existe o equilibrio das instituições, a harmonia de differentes elementos, dos quaes deve resultar a opinião que mais se coadune com os interesses do paiz. (Apoiados.)
Destruido este equilibrio, ficando tudo sujeito ao predominio exclusivo de uma facção, acaba a indole do systema representativo. (Apoiados.}
O governo procurou desvirtuar, frustrar todas as manifestações da opinião publica, da opinião independente que lhe era contraria, e agora admira-se de que o povo trate de reunir-se para manifestar essa opinião e fazel-a chegar onde deve.
Os meetings, em geral, são uteis, são necessarios. Mesmo na Inglaterra, onde a eleição da camara popular mais se approxima da verdade, apparecem os meetings, quando se trata de discutir uma grande questão de interesse publico, tanto de politica interna, como de politica externa. Mas, entre nós, a necessidade dos meetings sobe de ponto, pelas considerações verdadeiras, sinceras, innegaveis, que eu acabei de fazer.
"Cumpre, porém, que esses meetings se mantenham dentro da legalidade." De accordo; e sem isso elles não podem, nem devem existir; mas o que é tambem necessario é que se não deixe nascer a suspeita de que outras pessoas, que de certo não pertencem á opposição, porque esta não tem interesse nenhum em desvirtuar os meetings, é que aquelles, digo, que podem ser mais suspeitos, porque têem interesse em vicial-os, lancem a perturbação sobre o exercicio livre de reunião que tem o povo. (Apoiados.)
O que é necessario é que não appareça, entre nós, esse producto hybrido, que não é conhecido em parte alguma do mundo - os meetings officiaes, mandados fazer pelo governo ou pelas suas auctoridades, o que é outra viciação que vem emparelhar com a viciação do direito eleitoral pelas auctoridades. (Apoiados.) Nem em Inglaterra, nem em parte alguma, repito, se fez nunca o meeting official. Ali, o governo espera ser julgado pelos seus actos, mantem a ordem publica e a liberdade dos cidadãos, e o paiz é que dá a sentença. Não procura servir-se dós meios da auctoridade, nem da força que lhe 4á o poder, para fabricar uma opinião publica de proposito para o seu serviço. (Riso.) Assim é que o governo devia proceder, a não estar a fabricar meetings, como se tem visto por esse paiz. (Apoiados.) Pois é crivel que o povo faça um meeting para pedir ao governo que lhe lance o imposto de renda, como o melhor dos impostos?! (Riso.) Já se viu em alguma parte do mundo que o povo pedisse para lhe lançarem um imposto, por mais suave que esse imposto podesse ser? .(Riso.)
Pois dão-se d'estas cousas em Portugal, no meeting official de Braga, por exemplo. (Riso.)
Como se póde acreditar, na verdade, de manifestações de similhante natureza? Como se póde crer que o povo, entre nós, chegasse já á perfeição de ser elle proprio quem peça que se lhe lance um imposto, e imposto tão inacceitavel, como é o de renda?
Aqui está, pois, a rasão por que eu temo que se chegue a viciar completamente este outro modo de manifestar a opinião publica, e que a final as reuniões populares não tenham a significação real que devem ter. Portanto, essa creação hybrida, inadmissivel e inconstitucional, que tende a desnaturar a expressão sincera do voto popular por meio de reuniões ou meetings officiaes, deve ser fulminada por todos os homens que têem amor ao exercicio livre do systema constitucional e aos sãos principios da liberdade. (Apoiados.)
Mantenha-se a ordem dentro da legalidade, mas deixem ao povo exprimir livremente a sua opinião, sem a influencia da auctoridade.
Agora que tenho dito estas verdades, embora duras, ao governo, devo tambem dizer a verdade ao povo e ao partido republicano.
Este partido, como, já disse, e é exacto, medrou á sombra dos expedientes politicos d'este governo, e continua a figurar na scena publica por virtude de alguns d'esses expedientes.
Qual é a rasão por que esse partido apparece agora e não apparecia dantes? É porque, comquanto as nossas instituições garantam a maxima liberdade de cada um manifestar as suas opiniões, e embora a nossa indole seja ò mais tolerante possivel, e certos individuos que professam as idéas mais avançadas tenham as nossas sympathias, a immensa maioria dos portuguezes não é de certo republicana; (Apoiados.) por isso as idéas republicanas não achavam até agora tanto acolhimento.
A explicação, pois, de serem agora mais publicamente acceites as idéas republicanas, é porque os verdadeiros republicanos são aquelles que se fazem monarchicos para terem occasião de tornar esse systema antipathico. (Apoiados.}
Póde haver homens de doutrina e de gabinete, que acreditem de boa fé nas excellencias do systema republicano; mas é preciso que, antes de procurarem desvairar o povo, elles examinem se o paiz está no caso de o estabelecer.
Isso é que é necessario sobretudo ter em attenção, e não vir lançar no paiz uma agitação inutil, ou antes prejudicial.
As agitações do partido republicano não podem actualmente em Portugal servir senão para sustentar este ministerio.