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582 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

discute como elle realmente deve ser considerado, e a apreciação que vou fazer será muitissimo mais severa.

O pedido que se faz á camara não é só inconveniente, extemporaneo e indiscreto; é muito mais do que isso.

Pede-se, ou para melhor dizer, exige-se d´esta camara, um pouco disfarçadamente, que ella sé preste a ser cumplice do governo n´um attentado manifesto, evidente, contra o nosso codigo fundamental.

A minha affirmativa é facil de demonstrar.

O facto de não ter sido principalmente considerado este projecto de lei sob este grave aspecto pelos espiritos esclarecidos que na outra casa do parlamento o combateram, não é para admirar, nem póde ser invocado em sua defeza.

Contra elle se adduziram na camara dos senhores deputados outras rasões, tambem valiosas, e se se não insistiu mais no principal argumento que, a meu ver? o invalida, o implicar a derogação de uma disposição do nosso codigo fundamental, explica-se isso facilmente pela pressa com que correu a discussão, que não tardou muito em ser abafada.

Vejamos o que diz o artigo 2.° do projecto.

(Leu.)

Este artigo declara expressamente que se vae negociar em Pekim um tratado de commercio, e pede que o governo seja auctorisado a ratificar desde logo esse tratado. Pergunto eu. Está o parlamento portuguez auctorisado para o fazer, cabe nas suas attribuições conceder esta auctorisação? Póde o parlamento portuguez dispensar a execução litteral e rigorosa da disposição que determina o modo por que se deve proceder em assumptos d´esta ordem?

Vejamos quaes são as leis que devem regular o nosso procedimento. Quando se negoceia um tratado ha entre a sua assignatura e a ratificação um acto a preencher. Este acto está definido no codigo fundamental do estado.

A carta constitucional e o primeiro acto addicional encerram disposições claras a este respeito. O § 8.° do artigo 75.° da carta constitucional diz o seguinte.

(Leu.)

E o acto addicional no seu artigo 10.°modificou a disposição fundamental que diz respeito ás attribuições do poder executivo, e modificou-a, passando uma parte d´essas attribuições para o poder legislativo.

(Leu.)

D´estas disposições conclue-se que qualquer tratado, convenção ou convenio, não póde ser ratificado sem ser sujeito ao exame e approvação do parlamento.

O projecto que se discute diz-nos que se vae negociar em Pekim um tratado e que esse tratado ha de ser assignado e enviado depois para ser ratificado.

Exige-se da camara, sr. presidente, a approvação de um tratado que não se conhece, que não está feito e que não está ainda nas condições de ser acceito e assignado.

Sr. presidente, a approvação d´esta proposta é evidente e incontestavelmente a revogação do artigo 1.° do acto addicional.

Com relação a este facto particular pede-se ao parlamento a suspensão d´este artigo.

Ora, pergunto eu: póde a camara suspender este artigo do acto addicional ou fazer-lhe qualquer modificação!

Parece-me que não.

Dirijo-me muito especialmente aos distinctos jurisconsultos que temos a honra de contar como collegas n´esta camara, e pergunto-lhes se a minha argumentação é ou não rigorosamente exacta.

Pergunto se não se trata de auctorisar o parlamento a approvar um tratado que não está ainda feito nem negociado, do qual apenas se conhecem algumas das clausulas que ha de conter, que não póde ser por conseguinte devidamente apreciado.

Pergunto, sr. presidente, se a approvação de um tratado n´estas condições, se este voto de confiança não implica um pedido de cumplicidade para a revogação do artigo 10.° do acto addicional?

Pergunto finalmente, se estou em erro quando affirmo que é um artigo constitucional, e se a camara em sessão ordinaria tem poderes expressos e faculdades para derogar artigos constitucionaes?

Se as respostas de s. exas. forem, como supponho que devem ser, que o tratado não está feito, pois vae ainda ser negociado, que não pôde ser apreciado pois que d´elle apenas se conhecem algumas das clausulas que ha de conter, que a sua approvação deve ser feita depois de completo e assignado em obediencia a um preceito constitucional que este parlamento não póde derogar, concluirei, sr. presidente, que este projecto de lei não póde ser approvado.

Repito: se a resposta for, affirmativa, como creio, não restará duvida alguma que a camara não póde approvar a proposta de lei que se discute, e não póde approvar porque não tem poderes para delegar no governo, como seria necessario que delegasse, para prescindir da approvação do projecto de lei que se discute.

Eu sei que o artigo 10.° do acto addicional foi modificado numa das suas disposições, e talvez haja quem deste facto queira menos reflectidamente concluir que este artigo deixou de ser considerado como constitucional, visto ter sido modificado por uma camara que não tinha poderes especiaes.

Não creio que se invoquem a serio taes argumentos, mas sempre é bom consideral-os e rebatel-os desde já.

E verdade que foi modificado o artigo 10.° do acto addicional em relação ao modo por que deve ser approvado qualquer tratado ou convenção.

O artigo 10.° do acto addicional, dizia que fosse em sessão secreta, depois por uma proposta de iniciativa do sr. Carlos Bento e sobre parecer de uma commissão especial composta na maxima parte de distinctos jurisconsultos desta camara, os sr. Carlos Bento, Antonio Augusto de Aguiar, Fernandes Vaz, Barjona de Freitas, Barros e Sá, etc. approvou-se que as convenções e os tratados fossem discutidos antes da ractificação, não em sessão secreta, mas em sessão publica.

A camara permittirá que eu leia alguns trechos do relatorio desta commissão, porque se acham ali consignadas as boas doutrinas.

(Leu.)

Dizia esta commissão que era obrigação imposta ao governo o trazer á discussão do parlamento as convenções ou tratados antes da sua ratificação, e entendia esta commissão composta de eminentes jurisconsultos de todas as parcialidades politicas, que era um verdadeiro principio liberal o que se achava exarado n´aquella proposta e continuava.

(Leu.)

Por conseguinte, a modificação d´este artigo em disposição que dizia apenas respeito a uma questão de forma não é precedente que possa invocar-se contra a constitucionalidade d´elle, nem ha precedentes que justifiquem o procedimento do governo em vir pedir a esta camara a approvação de um tratado que ainda não existe.

Pela proposta do sr. ministro dos negocios estrangeiros o parlamento é privado de um direito de que não póde prescindir; elimina-se esse direito, porque se exige a sua approvação antes da camara ter conhecimento do tratado, quando a lei manda que a camara tenha conhecimento d´elle, o examine e só depois o approve com perfeito conhecimento de causa, para que possa ser ratificado.

Já se vê, pois, que a camara não póde approvar esta proposta de lei, não tem as faculdades nem poderes para derogar um artigo constitucional, e a approvação d´esta proposta implicaria evidentemente a derogação d´esta disposição contitucional.

Sr. presidente, prezo-me de fazer justiça a todos, sobretudo aos meus adversarios politicos; tenho mesmo grande