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N.º 42

SESSÃO DE 14 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcelos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Sousa Avides

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - É introduzido na sala, presta juramento e toma assento o sr. José Gregorio da Rosa Araujo. - O sr. conde d'Avila participa que se acha constituida a commissão de guerra. - O sr. Montufar Barreiros manda para a mesa o parecer da primeira commissão de verificação de poderes sobre o requerimento em que o sr. marquez das Minas pede para tomar assento por direito hereditario. Foi a imprimir.

Ordem do dia (primeira parte): parecer n.° 52, relativo ao requerimento em que o sr. Luiz A. Rebello da Silva pede para tornar assento n'esta camara como successor de seu pae. É approvado por 25 espheras brancas.

Ordem do dia (segunda parte): continúa a discussão do parecer n.° 48, sobre o bill de indemnidade - Usa da palavra o sr. Rodrigues de Carvalho, que conclue apresentando uma moção e additamentos propostos, não admittidos. - É lido um decreto prorogando as côrtes até 23 do corrente mez. - O sr. Jeronymo Pimentel replíca aos argumentos adduzidos pelo orador antecedente. - O sr. Thomás Ribeiro mostra a conveniencia de haver uma discussão especial sobre cada uma das providencias a que se refere o projecto em ordem do dia. - Sobre esta indicação apresentam algumas considerações os srs. presidente, Jeronymo Pimentel e Thomás Ribeiro, e a final a camara, previamente consultada, decide que a discussão na especialidade verse unicamente sobre os artigos do projecto. - O sr. Moraes Carvalho manda para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o addicional de 6 por cento. - Usam da palavra sobre o assumpto em ordem do dia os srs. Coelho de Carvalho, presidente do conselho e Barros e Sá. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e trinta e cinco minutos da tarde, adiando-se presentes 25 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. Francisco Simões Margiochi, participando que, por motivo do fallecimento de sua sogra, não póde comparecer a algumas sessões.

Mandou-se desanojar.

Officio do sr. ministro da marinha, enviando os documentos pedidos pelo digno par o sr. Luiz de Lencastre, relativos ao governador geral de Cabo Verde.

Entregues ao digno par Luiz de Lencastre.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando a proposição de lei introduzindo alterações no decreto que reorganisou os quadros dos officiaes da armada.

Para a commissão de marinha.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho de ministros, e ministros dos negocios estrangeiros e da instrucção publica e de bellas artes.)

O sr. Presidente: - Acha-se nos corredores da camara o sr. José Gregorio da Rosa Araujo.

Convido os dignos pares os srs. Rodrigo Pequito e Jeronymo Pimentel a introduzirem s. exa. na sala.

Em seguida foi s. exa. introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Conde d'Avila: - Tenho a honra de mandar para a mesa a seguinte:

Participação

Tenho a honra de participar a v. exa. que se constituiu a commissão de guerra, tendo eleito para seu presidente o sr. D. Luiz da Camara Leme e tendo-me feito a distincção de me eleger secretario.

Sala da commissão, 14 de julho de 1890. = Conde d'Avila.

O sr. Montufar Barreiros: - Mando para a mesa o parecer da primeira commissão de verificação de poderes, que se refere ao requerimento em que o sr. marquez das Minas pede para tomar assento n'esta camara, como successor de seu pae.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.º 52, relativo ao requerimento em que o sr. Luiz Antonio Rebello da Silva pede para tomar assento n'esta camara, como successor de seu pae

O sr. Presidente: - Vamos entrar na primeira parte da ordem do dia.

Vae ler-se o parecer n.° 52.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 52

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foi apresentado o requerimento de Luiz Antonio Rebello da Silva, que pretende ter ingresso n'esta camara como successor do seu pae, o fallecido par do reino Luiz Augusto Rebello da Silva.

Occorreu o fallecimento do referido par em 1871, tendo o requerente nascido em 1855 (documentos n.ºs 3 e 4). D'aqui resulta, que a este aproveita a disposição especial do artigo 9.° da lei de 3 de maio de 1878, que admitte á successão do pariato em conformidade das disposições da legislação anterior, sem nenhumas outras exigencias, aquelles que já tinham adquirido este direito por morte do seu antecessor ao tempo da promulgação d'essa mesma lei.

Encontram-se aquellas disposições anteriores sobre successão do pariato na carta de lei de 11 de abril de 1845, artigos 1.° e 2.° e a ellas satisfaz o requerente, como mostram os documentos juntos ao seu requerimento, pelos quaes se prova o seguinte:

1.° Que o requerente é cidadão portuguez por nascimento, filho legitimo e primogenito do fallecido par do reino Luiz Augusto Rebello da Silva, e tem mais de 25 annos (documentos n.ºs 4, 11 e 11-b);

2.° Que o seu fallecido pae prestára juramento e tomára assento n'esta camara (documento n.° 5);

3.° Que elle requerente está no pleno goso dos seus direitos civis e politicos (documentos n.ºs l, 6, 8 e 9);

4.° Que possue moralidade e boa conducta, como prova pelo attestado de tres pares (documento n.° 6);

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5.° Que completou em um estabelecimento publico um curso de instrucção superior (documentos n.°s l, 8 e 9);

6.° Que tem rendimento de l:600$000 réis, proveniente, á de bens proprios, já do cargo de professor cathedratico e de director do laboratorio chimico no instituto de agronomia (documentos n.ºs l, 2, 2 b, 7, 8, 9, 10 e 11, decreto de 2 de dezembro de 1886 e respectiva tabella, decreto de 9 de dezembro de 1886, artigo 14.° e 30.°, e leis de 1 de setembro de 1887 e do 1.° de junho de 1888).

Justificou pois o requerente todos os requisitos necessarios; pelo que parece á vossa commissão que elle deve ser admittido a prestar juramento e tomar assento n'esta camara como successor de seu pae.

Sala das sessões da commissão de verificação de poderes, 1 de julho de 1890. = Augusto Cesar Cau da Costa = Eduardo M. Barreiros = A. de Ornellas = Conde de Thomar = Conde de Gouveia = Bernardo de Serpa Pimentel, relator.

IIImo. e exmo. sr. - Diz Luiz Antonio Rebello da Silva, lente de chimica no instituto de agronomia e veterinaria, filho legitimo e primogenito do conselheiro Luiz Augusto Rebello da Silva, par do reino, fallecido em setembro de 1871, que pretende, como successor de seu pae, tornar assento na camara dos dignos pares, como lhe garante a carta constitucional, visto serem-lhe applicaveis as disposições da lei de 11 de abril de 1845, artigo 2.°, conforme é expresso no artigo 9.° da carta de lei de 3 de maio de 1878. - Pede a v. exa. lhe defira como requer. - E. R. Mcê.

Lisboa, 20 de abril de 1890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Documentos

N.° 1

Logar do sêllo de 80 réis. - IIImo. e exmo. sr. - Luiz Antonio Rebello da Silva, lente cathedratico da segunda cadeira do instituto de agronomia e veterinaria, antigo chefe do serviço chimico, e tendo como tal exercido as funcções de professor da cadeira de chimica, de que actualmente é cathedratico, e que então era obrigada a um programma approvado pelo conselho d'esta escola, que, salvo algumas ampliações, tem sido sempre adoptado, deseja que lhe sejam attestados estes factos, declarando-se superiormente como foi apreciado o seu serviço.

O supplicante foi nomeado chefe de serviço chimico por decreto de 12 de agosto de 1884. - P. a v. exa. lhe defira. - E. R. Mcê.

Lisboa, 2 de fevereiro de 1889. - Luiz Antonio Rebello da Silva.

Despacho

Atteste, querendo, o exmo. sr. D. Antonio Xavier Pereira Coutinho.

Sala do conselho, 27 de fevereiro de 1889. - O director, Ferreira Lapa.

Attestado

Em conformidade com o despacho junto e os desejos do requerente:

Attesto que, quando elle foi chefe de serviço chimico, regeu a cadeira de chimica geral, em que ultimamente foi provido.

A approvação do programma da mesma cadeira pelo conselho escolar deve constar das actas das suas sessões.

Quanto á apreciação do serviço do requerente não me póde competir fazel-a, nem para isso tenho elementos.

Lisboa, 29 de março de 1889. - Antonio Xavier Pereira Coutinho.

E não continha mais o transcripto documento, ao qual me reporto, que, depois de conferido, o entreguei com esta publica fórma ao apresentante.

Lisboa, 6 de maio de 1889. - E eu, Joaquim Barreiros Cardoso, tabellião, a rubriquei na mesma folha antecedente e n'esta rubrico e assigno em publico e razo. = Em testemunho de verdade, o tabellião, Joaquim Barreiros Cardoso.

N.° 2

Saibam quantos esta publica escriptura de venda, quitação do preço e de laudemio, reconhecimento de foreiro e mais obrigações virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1890, aos 3 dias do mez de março, n'esta cidade de Lisboa, rua Aurea, n.° 26, meu escriptorio, compareceram de uma parte D. Eugenia Aurora Rebello da Silva, solteira e maior, moradora na rua do Sacramento, n.° 87; de outra parte Luiz Antonio Rebello da Silva, viuvo, lente de chimica, morador na mesma casa; e de outra parte o dr. Alfredo Cesar Brandão, advogado, morador na rua da Magdalena, n.° 214; este em nome e como procurador de Thomás de Aquino Coutinho Barriga, actualmente visconde de Tinalhas, o que fez certo pela procuração que existe archivada em meu cartorio fazendo parte da escriptura de 5 de julho de 1889 a fl. 10, v. do livro 1:058, d'esta nota, e que ha de ir transcripta nos traslados, todos pessoas que conheço pelos proprios.

E logo em minha presença, e na das testemunhas ao diante nomeadas, disse a primeira outorgante:

Que ella é legitima possuidora de um predio que se compõe de lojas, tres andares e um pequeno quintal, sito na rua de Santa Martha, n.ºs 37 e 39, modernos, freguezia do Coração de Jesus.

Que este predio lhe pertence em legitima por fallecimento de seu pae o conselheiro Luiz Augusto Rebello da Silva, no inventario e partilha a que se procedeu pelo juizo de direito da primeira vara d'esta comarca, cartorio do escrivão Theotonio Augusto Patricio Alvares.

Que o mesmo predio é foreiro em 900 réis annualmente com vencimento pelo Natal e laudemio de dezena, dominio directo que agora pertence ao terceiro outorgante, como herdeiro de seu pae o visconde de Tinalhas, a quem ella primeira outorgante, representada por sua mãe e tutora, reconheceu como senhorio directo por escriptura de 22 de fevereiro de 1877, a fl. 79 do livro 960 d'esta nota.

Que, alem d'este onus emphyteutico, o predio é livre de hypotheca ou outro qualquer encargo, e tem as decimas pagas em dia, o que ella primeira outorgante declara sob sua responsabilidade.

Que na legitima posse do mesmo predio contratou com o segundo outorgante, seu irmão, vender-lh'o pela quantia de 900$000 réis, livres de quaesquer despezas, mas não podendo realisar seu contrato sem licença do senhorio directo, foi consultado o terceiro outorgante, seu procurador, que declarou não querer seu constituinte usar do seu direito de opção, como do documento que me foi apresentado para ficar archivado em meu cartorio e igualmente ir transcripto nos traslados.

Que, pois, por esta escriptura, e na melhor fórma de direito, effectivamente vende de pura e firme venda de hoje para sempre ao segundo outorgante, seu irmão, o referido e confrontado predio, com todos os seus pertences, pela dita quantia de 900$000 réis, que o comprador logo n'este acto apresentou em moedas correntes e ella vendedora recebeu depois de a contar e achar certa.

Que dá ao comprador plena quitação do ajustado preço d'esta venda, para nada mais lhe poder exigir a este respeito em tempo algum.

Que tira e demitte de si, seus herdeiros e successores, todo o dominio e acção, direito e posse que até agora tinha no predio vendido, e tudo cede e transfere no comprador, que poderá tomar sua posse quando lhe approuver, mas que no entretanto lhe ha por dada e tomada.

Que se obriga a fazer esta venda boa e firme a todo o

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tempo e o predio vendido certo, livre e desembaraçado de qualquer onus até ao presente, com excepção do fôro a que está sujeito pela sua natureza emphyteutica, bem como a tirar o comprador em paz e a salvo de todas as duvidas e pleitos que se possam suscitar ácerca d'esta venda até lhe compor a evicção de direito.

Disse o segundo outorgante que acceita esta venda e quitação nos termos e pela maneira exarada na presente escriptura, pela qual reconhece o constituinte do terceiro outorgante como senhorio directo do predio que acaba de comprar, e se obriga a pagar-lhe o fôro annual de 900 réis em dinheiro, por dia de Natal, bem como a cumprir todas as mais clausulas e condições do primordial aforamento que não estiverem revogadas por lei.

Que sendo o laudemio devido por esta venda a quantia 90$000 réis, logo apresentou esta importancia em moedas correntes que o terceiro outorgante, na qualidade que representa, recebeu depois, de as contar e achou certas, descontando o respectivo sêllo.

Disse o terceiro outorgante que acceita para seu constituinte este reconhecimento de foreiro e dá ao comprador plena quitação do laudemio, para todos os effeitos.

Para outorga d'esta me foi apresentado o conhecimento do teor seguinte:

"N.° 78. - Districto administrativo de Lisboa. - Terceiro bairro. - Contribuição de registo por titulo oneroso. - Importancia da contribuição 333$723 réis, 6 por cento, réis 20$023. Sêllo 7$074 réis. Total 360$820 réis. Pagou o sr. Luiz Antonio Rebello da Silva a quantia de 360$820 réis pela compra que fez a D. Eugenia Aurora Rebello da Silva por 900$000 o predio situado na rua de Santa Martha, 37 e 39, freguezia do Coração de Jesus, foreira em 900 réis, com laudemio de vintena, calculada a contribuição pelo rendimento collectavel da matriz, artigo 6.°; que fica lançada no livro competente, a fl.

Recebedoria do terceiro bairro, 28 de fevereiro de 1890. - O escrivão de fazenda, Adriano J. F. da Costa. - Pelo recebedor, o primeiro fiel, J. C. Monteiro.

(Logar do sêllo da repartição de fazenda.)

É o que se contém no transcripto conhecimento, que fica archivado em meu cartorio.

Ao diante vão colladas e devidamente inutilisadas estampilhas perfazendo o sêllo de 5$300 réis, em que vae comprehendido o do laudemio.

E, em testemunho de verdade, assim o outorgaram, pediram e acceitaram, sendo testemunhas presentes: Arthur Martiniano de Oliveira, advogado, morador na rua do Retrozeiros, n.° 143, e Leopoldo Arthur de Avellar Telles, thesoureiro da misericordia, morador na rua do Gremio Lusitano, n.° 56; os quaes aqui assignam, como outorgantes, depois de a todos ser lida esta escriptura. - D. Eugenia Aurora Rebello da Silva - Luiz Antonio Rebello da Silva - Alfredo Cesar Brandão - Arthur Martiniano de Oliveira - Leopoldo Arthur de Avellar Telles.

Logar de duas estampilhas do imposto do sêllo, das quaes uma da taxa de 5$000 réis e outra de 300 réis, devidamente colladas e inutilisadas com o seguinte: "3 de março de 1890 e noventa. - J. B. Cardoso."

Logar do signal publico. Em testemunho de verdade. - O tabellião, Joaquim Barreiros Cardoso.

Traslado dos documentos.

Logar do imposto do sêllo da taxa de 80 réis. - Procuração. - Saibam quantos este publico instrumento de procuração virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887, aos 7 dias do mez de janeiro, n'esta cidade de Castello Branco, rua da Ferradura e residencia do exmo. sr. José Caldeira de Ordaz Queiroz de Valladares, onde eu tabellião vim, aqui estava presente o exmo. sr. Thomás de Aquino Coutinho Barriga, casado, proprietario, de maior idade, meu conhecido pelo proprio e das testemunhas adiante nomeadas e assignadas, do que dou fé.

E em presença das mesmas testemunhas pelo mencionado exmo. Thomás do Aquino Coutinho Barriga, que reside no logar, de Tinalhas, d'esse concelho foi dito que constitue seu procurador com poderes de substabelecer ao exmo. dr. Alfredo Cesar Brandão, advogado, residente em Lisboa, a quem dá todos os poderes em direito necessarios para administrar todos os bens que elle outorgante possue em Lisboa e seus suburbios, como herdeiro de seu pae o exmo. visconde de Tinalhas, para os dar de arrendamento no todo ou parte pelo tempo, preços e condições que tiver por conveniente, distractar os mesmos arrendamentos, prorogal-os e alteral-os; despedir rendeiros e inquilinos; fazer arrendamentos de cortiça, tambem pelos preços, tempo e condições que julgar por conveniente, fazer perante as respectivas auctoridades as necessarias reclamações para diminuição ou reducção das verbas em que for indevida ou excessivamente collectado, interpondo e seguindo os competentes recursos para este fim; para receber e cobrar todas as rendas, fóros, censos, pensões, laudemios, rendimentos vencidos e vincendos e quaesquer valores e objectos que por qualquer titulo lhe pertençam; para fazer e acceitar reconhecimentos de foreiros e renovações de prasos, optando nas alienações d'aquelles de que é senhorio directo, ou dando licença para ellas; para ajustar e liquidar contas com os seus devedores e credores, fixar os saldos, recebel-os ou pagar os saldos; para solicitar em quaesquer conservatorias os registos das suas propriedades e direitos prediaes; para no caso de fallencia dos seus devedores fazer valer os seus creditos, exigir o seu pagamento, disputar preferencias, comparecer nas reuniões dos credores, votar e tomar qualquer deliberação, receber as quantias que lhe tocarem em rateio, e requerer quaesquer providencias para a sua segurança; receber de qualquer deposito publico ou particular as quantias, valores ou objectos depositados, igualmente para exercer e praticar em seu beneficio todos os actos de livre e geral administração e para dar e acceitar quitação de todas as quantias ou generos recebidos e pagos.

E tudo quanto o seu dito procurador fizer n'esta conformidade promette validar por sua pessoa e bens. Assim o outorgou depois de ser lida esta procuração, a ratificou, sendo testemunhas presentes a este acto os exmos. srs. José Caldeira de Ordaz Queiroz de Valladares, proprietario, e José da Silva da Ascensão, feitor, ambos solteiros, maiores, proprietarios, residentes n'esta cidade, que assignam com o exmo. outorgante e commigo Domingos Antonio Moraes, tabellião, que a escrevi e assigno em publico e raso.

Logar de uma estampilha do imposto do sêllo da taxa de 800 réis, devidamente collada e inutilisada com o sêllo seguinte: 7 de janeiro de 1887.

Signal publico. - Em testemunho de verdade. - O tabellião, Domingos Antonio de Moraes - Thomás de Aquino Coutinho Barriga, José Caldeira de Ordaz Queiroz de Valladares - José da Silva de Ascensão.

D'esta, papel e sêllos, 2$485 réis. - Recebi. - Moraes.

Logar de uma estampilha do imposto do sêllo da taxa de 10 réis, devidamente collada e inutilisada com o seguinte: reconheço o signal supra do tabellião.

Lisboa, 26 de março de 1888. - Signal publico. - Em testemunho de verdade. - O tabellião, Manuel Augusto de Moraes da Silva.

Logar do imposto do sêllo da taxa de 800 réis.

IIImo. e exmo. sr. - Diz D. Eugenia Aurora Rebello da Silva que, desejando vender a seu irmão Luiz Antonio Rebello da Silva, lente de chimica, um predio que possue na rua de Santa Martha n.ºs 37 e 39, por 900$000 réis, precisa que v. exa., como directo possuidor do fôro com laudemio de dezena, lhe conceda a necessaria auctorisação, em harmonia com o artigo 1678.° do codigo civil. - Pede a v. exa. lhe defira.

Lisboa, 27 de janeiro de 1890. - D. Eugenia Aurora

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Rebello da Silva. - Reconheço o signal supra. - Logar de uma estampilha do imposto do sêllo da taxa de 10 réis, devidamente collada e inutilisada com o seguinte: Lisboa, 27 de janeiro de 1890. - Signal publico. - Em testemunho de verdade. - O ajudante do tabellião Cardoso, Antonio Fernandes Tavares de Carvalho.

Na qualidade de procurador do exmo. sr. Thomás de Aquino Coutinho Barriga, actualmente visconde de Tinalhas, concedo a auctorisação pedida, por não querer usar agora do direito de preferencia, sendo-me entregue antes ou no acto da venda o respectivo laudemio e um traslado da escriptura, em que o comprador fará o reconhecimento de foreiro, sujeitando-se a todas as clausulas e condições do emprazamento primordial.

Quando se celebrar a escriptura da venda, a que assistirei, juntarei a procuração que me auctorisa a conceder esta licença.

Lisboa, 31 de janeiro de 1890. - Alfredo Cesar Brandão.

E eu, Joaquim Barreiros Cardoso, tabellião, esta fiz extrahir da minha nota e respectivos documentos, numerei, rubriquei, subscrevo e assigno em publico e raso. - Em testemunho de verdade. = O tabellião, Joaquim Barreiros Cardoso.

Em 17 de marco de 1890, no livro G-8.° sob o n.° 5:559, foi registada a favor de Luiz Antonio Rebello da Silva a transmissão do predio descripto sob n.° 2:360. = O conservador ajudante, Pereira Alves.

N.° 2-b

IIImo. e exmo. sr. - Diz Luiz Antonio Rebello da Silva, que precisa que se lhe passe por certidão, em nome de quem se acha inscripto na matriz da freguezia do Coração de Jesus o predio situado na rua de Santa Martha n.ºs 37 e 39, e qual o seu rendimento collectavel. - P. v. exa. lhe defira. - E. R. Mcê.

Lisboa, 8 de abril de 1890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Adriano José Ferreira da Costa, escrivão de fazenda do terceiro bairro de Lisboa por Sua Magestade Fidelissima a quem Deus guarde, etc.

Certifico que no artigo n.° 6 da matriz predial da freguezia do Coração de Jesus, existente na repartição de fazenda a meu cargo, se acha inscripto, em nome de D. Eugenia Aurora Rebello da Silva, o predio situado na rua de Santa Martha n.ºs 37 e 39, sendo o seu rendimento collectavel 210$000 réis.

E para constar e esta me ser pedida mandei passar a presente, que subscrevo e assigno.

Lisboa, 8 de abril de 1890. Eu, Adriano José Ferreira da Costa, escrivão de fazenda que a rubrico e assigno, Adriano José Ferreira da Costa.

N.° 3

Certifico que no livro 4.° a fl. 286 v. do termo dos obitos d'esta parochial igreja de S. Mamede de Lisboa está o seguinte:

"Aos 19 dias do mez de setembro de 1871, pelas nove horas da manhã, na casa n.ºs 61 e 63, 2.° andar, rua da Escola Polytechnica, d'esta freguezia de S. Mamede de Lisboa, falleceu um individuo do sexo masculino por nome exmo. Luiz Augusto Rebello da Silva, par do reino, e ministro de estado honorario, de idade de quarenta e nove annos, natural de Lisboa, freguezia de Nossa Senhora das Mercês, filho legitimo do dr. Luiz Antonio Rebello da Silva, natural de Villa Real e de D. Anna Joaquina Rebello da Silva, natural de Lisboa, casado com exma. D. Maria Henriqueta Teixeira Coelho de Mello Ribeiro, deixou sete, filhos menores, tres do sexo feminino e quatro do sexo masculino, não fez testamento; jaz no cemiterio dos Prazeres, jazigo n.° 670. E para constar lavrei em duplicado este assento que assigno. Era ut supra. - O cura, Antonio Pedro Braz Alves."

Está conforme com o original. Parochial de S. Mamede de Lisboa, 18 de janeiro de 1890. = Padre Diogo Santa Anna de Mendonça. - (Segue o reconhecimento.)

N.° 4

Certifico eu abaixo assignado que a fl. 97 do livro 22 dos baptismos d'esta freguezia de Santa Izabel de Lisboa se acha, ipsis verbis, o termo seguinte:

(Em 21 de março de 1855, de manhã, n'esta igreja parochial de Santa Izabel, baptisou solemnemente e poz os santos oleos o reverendo João Garcia de Carvalho, cura da mesma, a Luiz, que nasceu a 5 de janeiro do dito anno, filho legitimo de Luiz Augusto Rebello da Silva, proprietario, e de D. Maria Henriqueta Rebello da Silva, naturaes de Lisboa, elle baptisado na freguezia das Mercês, ella na do Sacramento, recebidos na de Santo André e Santa Marinha, e moradores na rua de S. Bento, n.° 62 d'esta, neto paterno do conselheiro Luiz Antonio Rebello da Silva e de D. Anna Joaquina da Conceição Rebello, materno de Antonio Ribeiro dos Santos e de D. Maria José Teixeira Coelho. Foi padrinho o avô materno e madrinha Nossa Senhora, de que fiz este termo, que assignei. Era ut supra. - O prior, José Jacinto Tavares."

ada mais contém o dito assento. Lisboa, 18 de janeiro de 1890. = O prior de Santa Izabel, Dr. J. Maximo.

N.° 5

IIImo. e exmo. sr. - Diz Luiz Antonio Rebello da Silva, filho legitimo e primogenito do conselheiro Luiz Augusto Rebello da Silva, que precisa lhe seja attestado que seu pae tomou assento na camara dos dignos pares do reino. - E. R. Mcê.

Lisboa, 9 de abril de 1890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Passe certidão do requerido.

Lisboa, 9 de abril de 1890. = Barros e Sá.

Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira, do conselho de Sua Magestade, commendador da ordem militar de Nossa Senhora da Conceição de Villa Viçosa, e director geral da secretaria da camara dos dignos pares do reino.

Em observancia do despacho de s. exa. o sr. presidente, certifico em como, revendo o registo das cartas regias de nomeação de dignos pares, n'elle, a fl. 37, se acha registada a que, sob data de 30 de dezembro de 1862, eleva á dignidade de par do reino o exmo. sr. Luiz Augusto Rebello da Silva; e revendo outrosim o registo das actas do anno de 1863, menciona a de n.° 110 que o nomeado foi introduzido na sala, prestou juramento e tomou assento no dia 9 de janeiro de 1863.

Para firmeza do que, e constar onde convier, mandei passar esta, que vae por mim assignada e sellada com o sêllo da camara.

Direcção geral da secretaria da camara dos dignos pares do reino, em 10 de abril de 1890. = Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira.

N.° 6

Os abaixo assignados attestam que o sr. Luiz Antonio Rebello da Silva, filho de Luiz Augusto Rebello da Silva, par do reino, possue boa conducta, e bem assim que está no uso pleno dos seus direitos civis e politicos.

Lisboa, 20 de abril de 1890. = João Ignacio Ferreira Lapa = Conde da Ribeira Grande = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

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Diz Luiz Antonio Rebello da Silva que precisa lhe seja attestado que o rendimento collectavel de 210$000 réis, imposto no predio urbano situado na rua de Santa Martha, n.ºs 37 e 39, freguezia do Coração de Jesus, está assim fixado ha mais de tres annos. Este predio está inscripto nos cadernos da administração do concelho do respectivo bairro, em nome de D. Eugenia Aurora Rebello da Silva.

P. a v. exa. lhe defira. - E. R. Mcê. - Lisboa, 19 de maio de 1890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Adriano José Ferreira da Costa, escrivão de fazenda do terceiro bairro de Lisboa, por Sua Magestade Fidelissima a quem Deus guarde, etc.

Certifico que no artigo 6.° da matriz predial da freguezia do Coração de Jesus, existente na repartição de fazenda a meu cargo, se acha inscripto, em nome de D. Eugenia Aurora Rebello da Silva, o predio situado na rua de Santa Martha, n.ºs 37 e 39, o qual ha mais de tres annos tem o rendimento collectavel de 210$000 réis.

E para constar e esta me ser pedida, mandei passar a presente, que subscrevo e assigno, reportando-me no caso de duvida á propria matriz.

Lisboa, 19 de maio de 1890. E eu, Adriano José Ferreira da Costa, escrivão de fazenda, que a rubrico e assigno. = Adriano José Ferreira da Costa.

N.º 8

IIImo. e exmo. sr. - Diz Luiz Antonio Rebello da Silva, lente cathedratico do instituto de agronomia e veterinaria, que tendo concluido o curso de agronomia, pretende, a bem da sua justiça, provar que se lhe passou a carta do dito curso, o que pede a v. exa. mande passar por certidão, como consta no livro do registo das cartas.

Outrosim pede que se lhe certifique em como foi proposto pelo conselho escolar do instituto para o logar de chefe de serviço chimico, posto a concurso documental. - P. a v. exa. lhe defira. - E. R. Mcê.

Lisboa, 20 de maio de 1890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Passe do que constar. - Instituto, 21 de maio de 1890 = O director, Ferreira Lapa.

Augusto José Henriques Gonzaga, agronomo e medico veterinario, secretario do instituto de agronomia e veterinaria.

Certifico, em virtude do despacho supra, que ao supplicante Luiz Antonio Rebello da Silva, lente cathedratico d'este instituto, tendo sido approvado em todas as disciplinas que, segundo o decreto de 29 de dezembro de 1864, constituem o curso de agronomo que seguiu n'esta escola, se lhe passou em 26 de fevereiro de 1880 a respectiva carta. Consta do registo de cartas a fl. 55.

Item, certifico que em data de 8 de agosto de 1884, o conselho escolar d'este instituto, por intermedio do seu director, fez subir á presença de Sua Magestade uma consulta em que propunha o agronomo Luiz. Antonio Rebello da Silva para ser provido no logar vago de chefe de serviço chimico, a cujo concurso, publicado no Diario do governo n.° 106 de 10 de maio do mesmo anno, concorrêra e fôra admittido, satisfazendo com distincção a todas as provas praticas do dito concurso. Consta do livro 6.° de registo da correspondencia expedida, a fl. 980. As presentes. por mim sómente assignadas, vão firmadas com o sêllo d'este instituto.

Secretaria do instituto de agronomia e veterinaria, em 22 de maio de 1890. = O secretario, Augusto José Henriques Gonzaga.

N.° 9

Copia. - Attendendo ao distincto merecimento e mais circumstancias que concorrem na pessoa de Luiz Antonio Rebello da Silva, lente cathedratico da segunda cadeira do instituto de agronomia e veterinaria, e á proposta do respectivo conselho escolar: hei por bem nomear o referido lente para o logar vago de director do laboratorio de chimica agricola do mesmo instituto, nos termos e para os effeitos do § 5.° do artigo 9.° do decreto com força de lei 2 de dezembro de 1886 e dos artigos 14.° e 15.° do decreto com força de lei de 9 do mencionado mez e anno. O ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, assim o tenha entendido e faça executar.

Paço, em 2 de junho de 1887. - REI. - Emygdio Julio Navarro.

Está conforme. Direcção geral de agricultura, em 3 de junho de 1887. = O conselheiro director geral, Elvino de Brito.

N.° 10

IIImo. e exmo. sr. - Luiz Antonio Rebello da Silva, lente cathedratico da segunda cadeira do instituto de agronomia e veterinaria, precisa que se lhe declare durante quantos mezes esteve em exercicio de leccionação e de exames como lente d'este instituto, durante o anno de 1888-1889 (anno lectivo). - P. a v. exa. lhe defira.

Lisboa, 10 de junho de 1890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Passe do que constar. Instituto, 20 junho de 1890. = O director, Ferreira Lapa.

Augusto José Henriques Gonzaga, agronomo e medico veterinario, secretario do instituto de agronomia e veterinaria.

Certifico, em virtude do despacho retro, que o supplicante Luiz Antonio Rebello da Silva, lente cathedratico d'este instituto, regendo a segunda cadeira, chimica geral e analyse chimica, esteve em serviço effectivo de regencia e de exames finaes ordinarios e extraordinarios, durante o anno lectivo de 1888-1889, que se conta de 1 de outubro de l888 a 31 de julho de 1889. Consta dos registos d'esta escola. A presente por mim sómente assignada, vae firmada com o sêllo d'este instituto.

Secretaria do instituto de agronomia e veterinaria, em 21 de junho de 1890. = O secretario, Augusto José Henriques Gonzaga.

N.° 11

IIImo. e exmo. sr. - Luiz Antonio Rebello da Silva, filho de Luiz Augusto Rebello da Silva, precisa que se lhe passe por certidão em como é filho primogenito, como consta dos autos civeis do inventario entre menores a que se procedeu no juizo de direito da l.ª vara, por obito de Luiz Augusto Rebello da Silva. - P. a v. exa. lhe defira.

Lisboa, 10 de junho de l890. = Luiz Antonio Rebello da Silva.

Passe em termos. - Lisboa, 20 de junho de 1890. = Sebastião Carlos.

N.° 11-b

Fortunato de Jesus Pereira, escrivão interino no quarto officio do juizo de direito da primeira vara da comarca judicial de Lisboa.

Narrativamente:

Certifico que em meu poder e cartorio guardo os autos civeis do inventario por obito de Luiz Augusto Rebello da Silva, dos quaes consta:

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504 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Que Luiz Antonio Rebello da Silva é filho primogenito do inventariado, dito Luiz Augusto Rebello da Silva e nos quaes foi inventariante e cabeça de casal a sua viuva, D. Maria Henriqueta Rebello da Silva.

Por verdade fiz passar a presente, que vae por mim ser assignada.

Lisboa, 23 de junho de 1890.

E eu, Fortunato de Jesus Pereira que a subscrevi e assigno. = Fortunato de Jesus Pereira, escrivão.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra, vae votar-se.

O sr. Presidente: - Convido o digno par o sr. Sousa Avides, a vir servir de secretario.

Feita a chamada, corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna da approvação 25 espheras brancas, igual numero ao da contra prova.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 48, relativo ao "bill" de indemnidade

O sr. Presidente: - Vamos entrar na segunda parte da ordem do dia, e tem a palavra sobre a ordem o digno par, o sr. Rodrigues de Carvalho.

O sr. Rodrigues de Carvalho (sobre a ordem:) - De conformidade com o regimento vou ler a minha moção de ordem.

(Leu.)

Sr. presidente, pela leitura d'esta moção, já v. exa. vê que vou occupar-me unicamente do decreto que creou um novo regimen de liberdade de imprensa.

Declaro a v. exa. que venho combater algumas disposições d'este decreto, não só porque as julgo demasiadamente repressivas da liberdade de imprensa, mas principalmente por serem attentatorias dos principios da jurisprudencia criminal e civil. Este desvio, esta aberração systematica dos principios de direito, que se nota em quasi todas as disposições d'este decreto, obrigou-me a pedir a palavra, porque julgo conveniente, e até necessario, que no parlamento se levantem protestos contra estas doutrinas, contra estes precedentes que reputo perigosos, embora esses protestos sejam formulados por uma voz pouco auctorisada como a minha.

Sr. presidente, serei muito breve no que tenho a dizer, porque propondo-me a tratar a questão sob o ponto de vista juridico, desejo poupar á camara o enfado de assistir por muito tempo á exposição de um assumpto, que é arido, e como tal a não póde interessar, e tambem porque não careço de entrar em largas considerações para sustentar os fundamentos da minha moção.

Sinto não ver presente o sr. ministro da justiça, a quem tenho de me referir amiudadas vezes, visto que s. exa. não só declarou acceitar precipua e inteira a responsabilidade d'este decreto, mas até se apresentou como auctor d'elle. Como não tenciono proferir nenhuma palavra que possa melindrar a s. exa., entendo que ainda na sua ausencia que devem ser permittidas estas referencias, mesmo porque preciso de as fazer no interesse da minha argumentação.

O sr. ministro da justiça declarou, ou antes protestou com toda a energia da sua palavra eloquente, que o governo com este decreto não attentou contra a liberdade de imprensa.

Ouvi com toda a attenção o primoroso discurso de s. exa. primoroso pela elegancia da fórma, pela elevação das idéas, e até pela habilidade da argumentação, posto que não concorde com a maior parte das doutrinas, que s. exa. sustentou, e a impressão que me deixou este discurso, pelo menos na parte a que me refiro, foi que o sr. ministro da justiça, apesar do seu muito talento, e dos seus notaveis dotes parlamentares, não conseguiu provar o que affirmou.

Ora eu e que vou provar á camara, e vou proval-o, porque é facilmo, que este decreto não só attenta contra a liberdade de imprensa, mas o que é mais, acaba com a publicação da maioria dos jornaes politicos do paiz, e isto á custa de disposições, que eu considero subversivas dos principios da jurisprudencia criminal e civil.

Para provar isto, basta-me chamar a attenção da camara para algumas disposições, que passo a examinar muito resumidamente.

Começarei pelo § 1.° do artigo 3.°, que diz o seguinte:

(Leu.)

O sr. ministro da justiça entendeu que devia alterar a disposição da lei de 17 de maio de 1866, na parte que diz respeito á attribuição das responsabilidades, e adoptar o principio da legislação franceza, que estabelece a responsabilidade do auctor conjunctamente com a do editor, com a differença de que pela lei franceza é considerado como auctor do crime o gerente do jornal, e como cumplice o auctor do artigo incriminado, ao passo que por este decreto são considerados como auctores, tanto o editor do jornal, como o auctor do artigo.

Declaro a v. exa. que nada tenho que oppor a esta innovação. Entendo que póde sustentar-se com boas rasões que a responsabilidade, tanto criminal como a civil, que lhe é connexa, devem ser as mesmas para o editor e para o auctor, porque ambos tomam parte directa na execução do crime, um preparando a materia incriminada, com a intenção de a publicar, e o outro dando-lhe a publicidade, que é elemento constitutivo da criminalidade nos delictos d'esta natureza

Mas o que o sr. ministro da justiça não encontrou, nem na lei de 17 de maio, nem mesmo na legislação franceza, é o principio que se acha estabelecido n'este paragrapho: - que na falta de editor, susceptivel de imputação, ou quando não for encontrado, a responsabilidade criminal passa para o dono ou administrador da typographia, ainda mesmo no caso de ser conhecido o auctor. -

Esta doutrina é que é inteiramente nova, e eu não posso deixar de a qualificar de injusta, e até de iniqua, porque, a par de uma violencia escusada, vae offender os principios da jurisprudencia criminal.

Para que v. exa. e a camara possam melhor avaliar a injustiça d'esta disposição, eu vou recordar muito summariamente as principaes providencias da lei de 17 de maio, e confrontal-as com este paragrapho.

A doutrina da lei de 17 de maio de 1866 era que os donos ou administradores de typographias só respondiam pelos crimes de abusos de liberdade de imprensa na falta do editor e do auctor. Era um principio justo, porque editor e auctor são os verdadeiros agentes dos crimes de abuso de liberdade de imprensa, e segundo a theoria do direito penal, que foi adoptada no nosso codigo, a responsabilidade criminal deve recaír unica e individualmente sobre os agentes dos crimes. Se na falta de editor, os donos ou administradores das typographias não faziam reconhecer o auctor, e a camara comprehende que facil era fazel-o reconhecer, porque para acautelarem as responsabilidades proprias, podiam recusar-se a imprimir artigos, ou autographos, sem assignatura devidamente reconhecida, como em tal caso muito voluntariamente occultavam as provas, que possuiam contra o auctor, com intenção de contribuirem para a sua impunidade, era justo que respondessem pelo crime de abuso de liberdade de imprensa, como encobridores, visto que o nosso codigo penal considera tambem os encobridores como agentes do crime.

Se porém sobrevinha ao editor incapacidade moral, que o isentava de imputação criminosa, n'este caso a lei de 17 de maio decretava apenas a suspensão do periodico, e com rasão, porque, dada aquella incapacidade moral, de que resultava a inhabilidade do editor para assumir a responsabilidade criminal, era necessario que se fizesse uma nova

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habilitação de editor. Mas se os donos ou administradores da typographia não promoviam essa nova habilitação, e continuavam a publicar o periodico, ainda n'este caso a lei de 17 de maio não lhes impunha as penas correspondentes ao crime de abuso de liberdade de imprensa, porque, para responder por esse crime, para assumir a responsabilidade criminal, lá estava o auctor do crime, e apenas os fazia incursos em tres dias a tres mezes de prisão, multa correspondente e suppressão do jornal, como contraventores das disposições da lei, que não permittiam a publicação do jornal sem editor responsavel. Esta era a doutrina da lei de 17 de maio de 1866, doutrina que, como a camara vê, era ao mesmo tempo liberal e justa.

Vem agora o decreto dictatorial e estabelece que, na falta de editor susceptivel de imputação, ou quando não for encontrado, a responsabilidade criminal passa para os donos ou administradores das typographias, ainda no caso de ser conhecido o auctor.

Não sei em que principios de jurisprudencia criminal se firmou o sr. ministro da justiça, que é um criminalista distincto, para obrigar os donos e administradores da imprensa a responderem conjuntamente com o auctor.

S. exa. não ignora que estes individuos não podem ser considerados, nem como auctores, nem como cumplices dos crimes de abuso de liberdade de imprensa. Em-quanto existirem, para responder por estes crimes, o editor e o auctor, ou sómente este, os donos ou administradores das typographias, imprimindo os artigos que lhes são entregues, não fazem mais do que exercer uma industria legitima, e, portanto, não praticam acto algum, que revele intenção criminosa, nem mesmo negligencia, ou omissão, isto é, acto algum, que deva ser classificado como criminoso.

'estas circumstancias, querer o sr. ministro da justiça impor-lhes a obrigação de fiscalisarem a doutrina dos artigos que elles imprimem, é uma sem rasão e uma violencia, porque estes individuos nem sempre possuem os conhecimentos e habilitações necessarias para poderem apreciar se esses artigos contêem ou não materia, que possa ser incriminada, nem mesmo lhes sobraria tempo para exercerem esta censura prévia.

A face das disposições de direito criminal, os donos ou administradores das typographias só podem ser considerados como responsaveis quando não fazem reconhecer o auctor, isto é, quando encobrem as provas que possuem contra elle, porque n'esse caso são encobridores, e como taes collocam-se na situação de agentes de crime.

Estes são os principios a que o sr. ministro da justiça não attendeu na disposição do § 1.° do artigo 3.°, disposição que nem sequer se justifica pela necessidade de assegurar a punição do crime, porque, se na falta de editor ficava ainda para responder pelo crime o auctor do artigo, que é um dos principaes agentes, é evidente que ficavam tambem inteiramente garantidos os interesses da justiça, e da sociedade, e portanto nenhuma necessidade havia de estender a responsabibilidade criminal aos donos ou administradores da typographia.

Mas, sr. presidente, mais extraordinario ainda do que isto é a disposição que impõe aos donos ou administradores da typographia a responsabilidade criminal, só porque posteriormente á publicação do artigo incriminado, sobreveiu ao editor incapacidade moral, que o isenta da imputação criminosa, ou porque elle não foi encontrado.

O § 1.° do artigo 3.° diz: "na falta de editor susceptivel de imputação, ou quando não for encontrado", sem distinguir se a incapacidade moral, ou a ausencia em parte incerta, se verificou antes ou depois de publicado o artigo, e por isso, segundo a disposição generica d'este paragrapho, em qualquer dos casos a responsabilidade criminal passa para os donos ou administradores da imprensa.

Eu não sei se exprimi claramente o meu pensamento, e per isso vou enuncial-o por outra fórma.

Na generalidade do § 1.° cabe perfeitamente a hypothese que vou estabelecer.

Publica-se um artigo que contém materia incriminada, e no momento em que o artigo se imprime, e mesmo na occasião em que é publicado, existem para responder por elle, tanto um editor susceptivel de imputação, como o auctor. Posteriormente a parte offendida, ou o ministerio publico, em nome dos interesses sociaes, promove procedimento criminal, e é só então que sobrevem ao editor incapacidade moral, ou que elle desapparece.

Pois é n'estas circumstancias que o sr. ministro da justiça se permitte impor a responsabilidade criminal aos donos ou administradores das typographias, só porque, posteriormente á publicação do artigo, sobreveiu ao editor incapacidade moral, ou porque elle se ausentou, factos que, segundo a lei de 17 de maio de 1866, apenas implicavam a suspensão do periodico.

Pois se no momento em que o artigo se imprime, e em que é publicado, existem para responder por elle os dois principaes agentes, que o proprio decreto dictatorial considera, como unica e exclusivamente responsaveis pelos crimes de abuso de liberdade de imprensa, em nome de que principios vae o sr. ministro da justiça fazer incursos na responsabilidade criminal os donos ou administradores da typographia, só porque se deram factos de que elles não têem a minima responsabilidade, porque os não podiam prever, nem evitar, factos que apenas podiam justificar a suspensão do periodico, como se achava estabelecido na lei de 17 de maio?!

Eu não sei se a interpretação, a que se presta o § 1.° estava na mente, estava nas intenções do sr. ministro da justiça quando elaborou este decreto.

Se não estava eu estimarei que s. exa., ou o illustre relator do parecer, dêem á camara explicações claras e categoricas, porque me parece que em assumptos de tamanha importancia todos os esclarecimentos são necessarios, para que desappareçam todas as ambiguidades. Qualquer porém que seja a opinião da sr. ministro das justiças, ou do sr. relator do parecer a este respeito, subsistem sempre as considerações que fiz para mostrar a injustiça da disposição, que na falta de editor susceptivel de imputação, ou quando não for encontrado, transfere para os donos ou adminstradores da typographia a responsabilidade criminal, ainda no caso de ser conhecido o auctor.

Eu vou mandar para a mesa propostas de emendas, que abrangem ambos os pontos, a que me tenho referido.

(Leu.)

Passarei agora a occupar-me do artigo 10.° e § unico.

O digno par o sr. Thomás Ribeiro que sinto não ver presente, pois creio que não tem comparecido ás sessões da camara por incommodo de saude, já se referiu á doutrina d'este artigo e paragrapho que eu vou tambem examinar, porque julgo conveniente que se radique no espirito da camara a convicção de que esta doutrina é tambem inteiramente insustentavel.

(Leu.)

Quer isto dizer que os donos ou administradores das typographias respondem com os bens proprios pelo pagamento das multas, ainda quando não tenham sido condem-nados.

Já vê v. exa. que esta disposição é ainda mais injusta, do que a do § 1.° do artigo 3.°, porque ao menos ali simulava-se algum respeito pelos principios, creando-se e impondo-se, posto que arbitrariamente, uma responsabilidade criminal aos donos ou administradores das typographias, ao passo que no § unico do artigo 10.° chega-se ao ponto de dispensar aquella formalidade, e até de se prescindir da sentença condemnatoria. Pela doutrina d'este paragrapho ainda que não se tenha instaurado processo contra os donos ou administradores das imprensas, ou instau-

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rando-se, ainda que elles tenham sido absolvidos, o que significa o reconhecimento da sua innocencia, ou irresponsabilidade criminal, ficam estes individuos sujeitos ao cumprimento de uma pena, porque respondem com os bens proprios pelo pagamento das multas, com regresso, é verdade, contra os que foram condemnados como responsaveis, mas regresso ou recurso, que a maior parte das vezes será illusorio, por não encontrarem bens, com que possam indemnisar-se dos damnos e prejuizos, que soffreram.

Admittia-se que o sr. ministro da justiça onerasse com a obrigação do pagamento das multas as imprensas e lithographias, quando ellas pertencessem aos réus condemnados, e que no intuito de assegurar esse pagamento, creasse, como creou no artigo 10.°, um privilegio mobiliario sobre aquelles bens em favor do estado.

A disposição que sujeitasse as imprensas ou lithographias ao pagamento das multas, quando ellas pertencessem aos individuos condemnados, justificava-se, porque se fundava na obrigação que derivava da responsabilidade criminal, averiguada pela sentença condemnatoria, qual era a obrigação do cumprimento das penas, e portanto do pagamento das multas, e o privilegio mobiliario tambem se justificava pelo principio de que os interesses do estado devem prevalecer aos interesses particulares.

Mas quando a imprensa, ou typographia não pertence nem ao editor do jornal, nem ao auctor do artigo, e quando foram estes os unicos réus condemnados pelo crime de abuso de liberdade de imprensa, que rasões teve o sr. ministro da justiça para obrigar o dono ou o administrador da imprensa ou lithographia a responder com os bens proprios por um facto criminoso, que não praticou, e em que obrigação foi s. exa. fundar o privilegio mobiliario, que estabeleceu sobre esses bens?!

O codigo civil tambem creou privilegios mobiliarios e immobiliarios sobre os bens dos contribuintes para pagamento dos impostos devidos á fazenda nacional, mas esses previlegios fundam-se na obrigação que todo o cidadão tem de contribuir para as despezas do estado, obrigação que até se acha reconhecida na carta constitucional. O mesmo se dá com as hypothecas legaes, que como diz o codigo civil existem, pelo facto de existir a obrigação a que servem de segurança.

Assim, por exemplo a hypotheca legal, que a mulher casada por dote tem sobre os bens do marido para pagamento dos valores mobiliarios dotaes, funda-se na obrigação, que o marido tem de restituir esses valores, que são proprios da mulher, ou a ella no caso de divorcio, ou aos seus herdeiros no caso de fallecimento.

Do mesmo modo a hypotheca legal que os menores interdictos ou ausentes, têem sobre os bens dos seus tutores, curadores ou administradores, funda-se na obrigação que estes têem de administrar com zelo os bens dos seus tutelados, de lhes dar a applicação para que estejam legal ou judicialmente auctorisados, e de os restituir finda a administração.

O mesmo se dá com todas as outras hypothecas legaes, que segundo diz o codigo civil, têem rasão de ser, por isso que existem as obrigações anteriores em que ellas se fundam. Mas qual é a obrigação, que serve de fundamento ao privilegio mobiliario creado por este decreto?

A obrigação só podia derivar da responsabilidade criminal, e essa não chegou a averiguar-se porque não houve sentença condemnatoria.

Talvez o sr. ministro da justiça, ou o sr. relator, entendam que a obrigação é legitima, porque nasce da disposição d'este decreto. Eu sei que o codigo civil diz que as obrigações tambem derivam da mera disposição da lei, mas s. exas. que são jurisconsultos muito distinctos, não podem deixar de reconhecer que as leis não devem crear e impor arbitrariamente obrigações. As disposições legaes devem regular-se pelos principios da justiça e da equidade, e as disposições que não tiverem estas caracteristicas obrigam ainda assim, porque têem a sancção, que constrange a vontade, mas falta-lhes a força moral, que subjuga a consciencia, e esta ha de insurgir se sempre contra todas as disposições odiosas, violentas e arbitrarias.

Sr. presidente, custa realmente a explicar de um modo satisfactorio esta má vontade da parte do governo, ou antes da parte do sr. ministro da justiça para com os donos das typographias; só póde explicar-se por uma locução popular, que eu não refiro agora, porque me parece que não é rigorosamente parlamentar.

O sr. ministro da justiça bateu nos donos das imprensas por causa do material typographico, de que precisava para assegurar o pagamento das multas, de modo que por este decreto os donos das imprensas ficam sendo os bodes expiatorios dos crimes de abuso de liberdade de imprensa.

Eu vou mandar para a mesa uma emenda a este artigo 10.° e § unico, e confio que a camara, convencida da injustiça da disposição a que me tenho referido, não a rejeitará.

Disse o sr. ministro da justiça que o governo com este decreto não restringiu a liberdade de imprensa, ruas, apenas os abusos da imprensa.

Effectivamente, o artigo 1.° do decreto diz que é assegurada a liberdade de imprensa e permittida a publicação de qualquer periodico.

Não póde haver disposição mais liberal, mas declaro a v. exa. que confrontando este artigo com os outros a que me tenho referido, cheguei a suppor que a disposição do artigo 1.° era uma completa irrisão. Depois, reflectindo que com esta supposição fazia uma offensa immerecida á seriedade do sr. ministro da justiça, entendi que devia attribuir as anomalias d'este decreto unicamente ás difficuldades e embaraços em que se enleiam as intelligencias ainda as mais lucidas, quando nas suas manifestações têem por ideal era vez da justiça as conveniencias.

O artigo l.°, permitte, é verdade, a publicação de qualquer periodico, mas os outros artigos difficultam os meios d'essa publicação.

O sr. ministro da justiça sabe muito bem que os jornalistas do nosso paiz, com limitadas excepções, não dispõem dos meios necessarios para poderem adquirir todo o machinismo e material typographico, e por conseguinte, para publicarem os seus escriptos precisam do recorrer ás imprensas alheias.

Ora, se este decreto for tomado a serio, quero dizer, se não for letra morta, dados os primeiros casos de execução por multas contra os donos ou administradores das imprensas, nenhum mais se prestará a essa publicação, pela simples rasão de que não quererão sujeitar-se ao pagamento de multas avultadas, que lhes absorveriam mais ainda do que os lucros, que podessem tirar d'aquella publicação, e aqui tem a, camara como o sr. ministro da justiça, com esta disposição, envolveu no mesmo anathema, tanto a imprensa seria e digna, como a que não merece este nome, o como foi offender o exercicio do uma industria legitima, e ferir os interesses de uma classe numerosa, como é a dos typographos, porque no nosso paiz não abundara as publicações scientificas ou meramente litterarias, e as imprensas vivem quasi exclusivamente da publicação dos jornaes politicos.

O artigo 1.° do decreto, permitte a publicação de jornaes, mas os outros artigos difficultam os meios de se realisar essa publicação; garante aos jornalistas a liberdade de imprensa, mas ao mesmo tempo nega-lhes a imprensa.

N'estas condições, que liberdade é garantida á maioria dos jornalistas? A liberdade de lerem os autographos á familia, nada mais.

Parece que o sr. ministro da justiça, quando elaborou este decreto, tinha o seu espirito inteiramente preoccupado com a idéa de restringir o mais possivel a liberdade de imprensa, e que esta preoccupação não lhe permittiu ver

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que para conseguir o fim a que se propunha, a cada passo tinha de offender e maltratar as regras e preceitos do direito.

Foi o que lhe aconteceu com as disposições de que me tenho occupado, e o que se deu tambem com os §§ 3.° e 4.° do artigo 8.° que passo a mencionar.

Dizem os §§ 3.° e 4.°:

(Leu.)

Segundo o codigo penal, as circumstancias aggravantes de reincidencia e accumulação de crimes, assim como todas as outras circumstancias aggravantes, referem se sempre aos agentes dos crimes, e contribuem para se aggravarem as penas correspondentes aos crimes commettidos por esses agentes, que são os auctores, cumplices ou encobridores.

Comprehendia-se que o sr. ministro da justiça, fundado n'esta doutrina applicasse, como applicou na segunda parte do § 4.°, estas circumstancias aggravantes ao mesmo editor, embora os crimes de abuso de liberdade de imprensa fossem commettidos em diversos periodicos; mas o que não póde justificar-se é que s. exa. fosse applical-as, como o fez na primeira parte d'aquelle paragrapho, ao mesmo periodico, embora os crimes tivessem sido commettidos por diversos editores.

As folhas periodicas são cousas, não são pessoas, e segundo o codigo civil só as pessoas é que são susceptiveis de direitos e obrigações, assim como pelo codigo penal só podem ser agentes de crimes ou criminosos, os individuos que têem a necessaria intelligencia e liberdade, mas como o sr. ministro da justiça tinha particular empenho em supprimir definitivamente os periodicos, não hesitou, para conseguir isto, em elevar as folhas periodicas á categoria de pessoas e até de agentes de crimes, embora tivesse de revogar o artigo 1.° do codigo civil, e o artigo 26.° do codigo penal.

Sr. presidente, a sciencia de direito tem, como todas as sciencias, regras e preceitos, com que todos devem conformar-se, e mais particularmente os homens, que as professam, a quem não é licito desconhecel-as, e muito menos attentar contra ellas por meras conveniencias.

Eu sinto que se tivesse publicado um decreto com taes doutrinas. Sinto-o, não pelo decreto em si, porque esse pouco tempo ha de vigorar; está condemnado a morrer da lesão organica com que nasceu, mas pelo sr. ministro da justiça, pelo seu talento e illustração, que são grandes, e que todos lhe reconhecem, e até pelos seus creditos de jurisconsulto criminalista, que, a meu ver, não tiram acrescentados com diplomas d'esta natureza.

Mando para a mesa uma emenda a este § 4.°

(Leu.)

Com a eliminação do § 4.° desapparece a nova doutrina de se applicarem circumstancias aggravantes ás folhas periodicas, e ficam subsistindo os principios, que já existem no codigo penal, e segundo os quaes podem applicar-se aquellaa circumstancias ao mesmo editor, embora os crimes sejam commettidos em diversos periodicos. Eu tenho a certeza de que toda a camara ha de approvar esta emenda, a não ser que ella queira tambem revogar o artigo 1.° do codigo civil, e o artigo 26.° do codigo penal, o que eu não posso suppor, porque com esta supposição offenderia a sua illustração, e até o seu bom senso.

A emenda não tem nenhum caracter politico. Se o tivesse, eu não me admiraria de que a camara a rejeitasse, ainda com o risco de revogar todos os nossos codigos.

Sr. presidente, a disposição do § 2.° do artigo 7.° deu logar a uma larga controversia n'esta camara.

O sr. ministro da justiça já deu explicações categoricas, declarando que tomava a palavra - offensa - na accepção de diffamação ou injuria; estas declarações vieram desvanecer todas as duvidas, que aqui se tinham levantado, mas apesar disto eu preciso de dizer ainda algumas palavras, com referencia a algumas affirmações de s. exa. com as quaes não posso conformar-me.

Disse o sr. ministro da justiça que a palavra offensa não era uma innovação, porque se encontrava em alguns artigos do codigo penal, e até do codigo civil. Com certeza que a palavra offensa não é uma innovação, é porque é uma palavra da lingua portugueza; mas a classificação da offensa como crime, quando commettida contra qualquer auctoridade, ou empregado publico, é que seria uma verdadeira innovação, porque o codigo penal só pune as offensas, quando ellas se dirigem ao Rei ou Rainha, regente do reino, successor immediato da coroa, ou membros da familia real, do mesmo modo que a legislação franceza só pune as offensas, quando ellas se dirigem ao chefe do estado, ou aos chefes das nações estrangeiras. O sr. ministro da justiça citou em abono da sua opinião os artigos 181.°, 182.° e 407.° do codigo penal, e o artigo 2:389.° do codigo civil, mas s. exa. não reparou que n'estes artigos a offensa é sempre tomada na accepção de diffamação, ou injuria.

Os artigos 181.° e 182.° do codigo penal tratara, é verdade, das offensas commettidas contra qualquer auctoridade ou empregado publico no exercicio das suas funcções, ou fôra das mesmas, mas por causa d'ellas, mas esses artigos acham-se na secção l.ª, capitulo 2.° titulo 3.°, e essa secção intitula-se - injurias contra as auctoridades publicas. - Já vê a camara que o codigo penal toma estas offensas na accepção de injurias, o que explica e restringe o sentido da palavra offensa.

O artigo 407.° não trata do crime de offensa, mas sim do crime de diffamação. As palavras "imputando-lhe um facto offensivo da sua honra e consideração" servem apenas para designar os elementos constitutivos do crime de diffamação. O artigo 2389.° do codigo civil diz o seguinte "a indemnisação por injuria, ou por qualquer outra offensa contra o bom nome e reputação" o que mostra evidentemente que a palavra offensa é tomada na acepção de injuria ou diffamação.

Mas em que consiste o crime de offensa? O codigo penal define o crime de diffamação e injuria, considerando diffamação a imputação de um facto offensivo da honra e consideração, e injuria toda a expressão ultrajante, que não envolve a imputação de um facto determinado; mas em nenhum artigo se encontra a definição do crime de offensa. Na falta de definição juridica temos de recorrer á accepção vulgar, segundo a qual devemos considerar como offensa, não só o que deprime o caracter, ou prejudica a honra, mas até o que contribue para diminuir o respeito que devemos ás outras pessoas, o que sem duvida é menos grave. Na impossibilidade de determinar ou fixar todos os factos, e todos os actos, que possam significar falta de respeito, o codigo deixou aos tribunaes a liberdade de averiguarem, e decidirem o que constitue o crime de offensa, que em alguns casos, como disse, póde ser uma diffamação ou uma injuria, e n'outros apenas uma palavra menos respeitosa, e até um simples gesto de desdem. O codigo penal, com referencia ás offensas, tomadas na accepção mais lata, fez uma excepção aos principios de direito penal, segundo os quaes os crimes devem ser definidos na lei, e esta excepção justifica-se pelo interesse social de manter inteiramente illesa a alta dignidade, e a superior gerarchia das pessoas reaes, e membros da familia real, a quem se refere no artigo 169.°

Mas o que não se justificava é que aquella excepção se tornasse extensiva a qualquer auctoridade e a qualquer empregado publico, porque assim até os officiaes de diligencias ficariam equiparados ás pessoas reaes, o que seria para elles uma grande honra, mas não me parece que os interesses sociaes obrigassem a tanto.

Eu creio que o sr. ministro da justiça empregou n'este decreto a palavra offensa no mesmo sentido em que a tomou o codigo penal, com referencia ás pessoas reaes, e

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creio isto, por que, sendo s. exa. tão lido n'estes assumptos, não podia desconhecer que a palavra offensa tem uma significação muito mais lata, do que a diffamação ou injuria, e portanto não a empregaria, como empregou isoladamente no § 2.° do artigo 7.° S. exa., porém, teve de render se ás rasões que aqui se apresentaram, e digo isto sem idéa de o censurar; pelo contrario, entendo que merece elogios quem, reconhecendo o erro, se apressa a reparal-o. Folguei com as declarações explicitas de s. exa., porque de outro modo ficaria consideravelmente restringida a faculdade de discussão e de critica dos actos e abusos das auctoridades, e é na critica liberrima d'esses actos, que assenta uma das melhores garantias da liberdade e segurança dos cidadãos.

Se o crime de offensa commettida contra as auctoridades ou funccionarios publicos fosse punido, nem sequer, como disse o digno par, o sr. José Luciano, poderia averbar-se de injusta uma sentença dos tribunaes. Dizer-se simplesmente que um juiz de direito revela nos seus julgados ignorancia dos principios de direito, ou das disposições legaes, não é diffamação nem injuria, porque não prejudica o caracter ou a probidade, como prejudicaria, se porventura se dissesse que o juiz se deixou mover de odio ou affeição para com as partes, ou influenciar por peita, suborno, ou corrupção, mas é uma offensa, porque contribue para diminuir o respeito, que é só devido aos funccionarios, que possuem as precisas habilitações para o bom desempenho dos cargos que exercem.

Do mesmo modo dizer-se que um ministro da corôa não dá ás verbas orçamentaes a applicação legal, tambem não é diffamação ou injuria, quando não se acrescente que elle obrou com dolo ou má fé, mas é uma offensa, porque significa que o ministro desconhece as leis, e não sabe cumprir as obrigações do seu cargo.

Eu mesmo, nas considerações que aqui tenho apresentado, fazia uma offensa ao sr. ministro da justiça, offensa, já se vê que não estava nas minhas intenções, porque as observações que tenho feito, foram-me suggeridas sómente pela necessidade de sustentar a minha opinião, que póde ser errada, mas que é sincera. Mas a verdade é que eu sustentando que o sr. ministro da justiça, com as disposições d'este decreto, attenteu contra os principios da jurisprudencia, ou pelo menos mostrou desconhecel-os. fazia uma offensa a s. exa., offensa que dentro d'esta casa estava coberta com a irresponsabilidade que a carta constitucional garante aos membros do parlamento, mais que feita lá fóra, por meio de publicação, podia ser incriminada perante os tribunaes.

Sr. presidente, alonguei-me um pouco n'estas considerações porque julgo necessario que a disposição do artigo 7.°, § 2.° do decreto, fique completamente esclarecida, não só com as declarações do sr. ministro da justiça, mas tambem com a discussão parlamentar.

A doutrina que auctorisasse a punição da offensa commettida contra as auctoridades e fuuccionarios seria altamente perigosa porque iria annullar a benefica missão da imprensa, missão para a qual o proprio sr. ministro da justiça teve no relatorio que precede este decreto, palavras de encarecimento e louvor, porque lhe chamou importante e gloriosa.

Mando para a mesa, uma emenda a este paragrapho, e como ella está de harmonia com as declarações do sr. ministro da justiça, a camara não póde ter duvida em a acceitar.

(Leu.)

Sr. presidente, tenho combatido algumas disposições d'este decreto; mas, como desejo ser imparcial, devo tambem declarar que a decreto é uma obra engenhosa, está elaborado com engenho e arte. Tem só um defeito, e esse não é pequeno. O sr. ministro da justiça attendeu aos fins sem se preoccupar com a legitimidade dos meios. É-me licito dizer isto porque é a verdade, e porque s. exa. já aqui o reconheceu e confessou.

S. exa., em resposta ao digno par o sr. Thomás Ribeiro, disse que se applaudia por ter publicado este decreto que a experiencia de poucos mezes lhe tem mostrado que com esta publicação conseguíra que a linguagem da imprensa periodica fosse mais moderada e comedida. Ora isto é a consagração da doutrina, é a affirmação do principio utilitario, segundo o qual os fins justificam os meios. Mas, se o sr. ministro da justiça era sectario d'esta doutrina, poderia ter ido mais longe, poderia ter acabado completamente com os abusos da liberdade de imprensa, se, em vez de parar na repressão, fosse até á suppressão da imprensa Era uma medida mais violenta, mas que s. exa. podia defender com as mesmas rasões, com que justificou a repressão.

Sr. presidente, é bom que os governos em todos os seus actos, em todas as suas medidas, tenham sempre em conta os interesses sociaes; mas não me parece que o respeito por esses interesses deva ir até ao ponto de se offenderem e desacatarem os principios, porque estes tambem merecem ser considerados. Mas a verdade é que para o effeito da repressão este decreto foi traçado por mão de mestre, por mão de artista consummado.

Até o artigo 7.° que reduziu a prisão correccional de um anno a seis, mezes, disposição que por muitos será tomada como acto da, benevolencia do sr. ministro da justiça para com a imprensa, até esse revelia a grande habilidade do auctor, habilidade que consiste em se ter disfarçado com apparencias de benevolencia uma disposição que é muito prejudicial aos jornalistas.

Declaro a v. exa. que quando, depois de ter estudado attentamente este decreto, tornei a ler o artigo 7.°, lembrou-me o sic valeas ut farina es e tratei logo de ver se encontrava explicação para tamanha benevolencia. Quer v. exa. saber a explicação que eu achei? A prisão correccional foi effectivamente reduzida de um anno a seis mezes, mas ao mesmo tempo estabeleceram-se penas de multas avultadas, o que fez com que a balança pendesse consideravelmente para o lado da repressão. Mas, não foi só isto, sr. presidente, foi tambem que o sr. ministro da justiça, reduzindo a prisão correccional de um anno a seis mezes, entregou os jornalistas ao processo de policia correccional, privando-os assim dos recursos e garantias, que lhes podia dar o novo processo correccional creado pelo decreto n.° 2 de 29 de março. Ora, francamente, n'estas condições, fôra melhor para a imprensa que o sr. ministro da justiça não se tivesse lembrado de a contemplar com a sua benevolencia

Alem d'isto, s. exa. acabou com a intervenção do jury e sujeitou a imprensa ao julgamento por juizes singulares, e esta innovação nos crimes de abuso de liberdade de imprensa, em que é admissivel a prova dos factos imputados, considero-a muito prejudicial, não só para a imprensa, mas até para os interesses sociaes.

A camara sabe que perante os juizes de direito só póde produzir-se a prova legal, porque só essa é que póde ser attendida, e a prova legal deve ser de natureza tal, que consiga formar a convicção juridica do juiz, ao passo que o jurado obedece unicamente aos dictames da sua consciencia, e a consciencia do jurado, isto é, a certeza moral de um facto criminoso, póde formar-se não só com as provas juridicas, mas tambem com as provas moraes, e até com as extrajudiciaes.

É n'isto que consiste a belleza e a excellencia da constituição do jury.

Ora como rarissimas vezes os abusos da auctoridade poderão provar-se com a prova, legal, porque a auctoridade que abusa das suas funcções, ou prevarica, tem todo o interesse em se acautelar de modo que a sua responsabilidade não fique inteiramente a descoberto, rarissimas vezes tambem a imprensa se ha de abalançar á critica e censura

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d'estes abusos, e d'este modo desapparece uma das maiores garantias da liberdade e segurança individuaes.

Diz-se que a honra do funccionario tambem merece [...] estou inteiramente de accordo com isto, mas na collisão dos interesses geraes com os particulares devem prevalecer aquelles, e são maiores os inconvenientes e mais graves os prejuizos que para a sociedade podem resultar de se annullar, ou mesmo restringir a liberdade da censura e critica dos abusos da auctoridade, do que os que para a honra do funccionario podem provir de uma ou outra decisão injusta do jury.

Sr. presidente, eu tambem fui funccionario publico durante muitos annos, e declaro a v. exa. que se tivesse recorrido ao jury para me defender de uma diffamação ou injuria, e não lograsse obter uma decisão favoravel, nem por isso me incommodaria muito, porque perante a minha consciencia continuaria a ser o que era antes d'aquella decisão, e perante a opinião publica tambem me parece que não ficaria prejudicada a minha reputação de funccionario, se porventura essa reputação se tivesse affirmado, e continuasse a affirmar, por actos de honestidade, do cumprimento do dever, e do respeito á lei.

Disse o sr. ministro da justiça e tambem o declarou o nobre presidente do conselho na outra casa do parlamento, que o governo publicára este decreto por entender que era necessario que a par da liberdade de imprensa houvesse tambem alguma responsabilidade. Declaro a v. exa. que n'este ponto eu vou mais longe do que s. exas. Eu quero a maxima liberdade de imprensa a par da maxima responsabilidade, e com isto mostro a v. exa. e á camara que não estou combatendo as disposições d'este decreto por jacobinismo.

Entendo que a imprensa livre é uma das principaes garantias da liberdade e segurança do cidadão, mais pelo mal que a imprensa evita, do que pelo bem que pratica, porque sem ella, tanto os poderes publicos, como os seus agentes, poderiam offender e violar impunemente as leis; mas o meu culto aos immortaes principios não é tão fervoroso que me leve a defender a liberdade de imprensa, ainda quando ella degenera em licença. Reconheço, e nenhuma duvida tenho em o declarar, que algumas providencias eram necessarias no sentido de se corrigirem os desmandos e os excessos de linguagem a que se entregava uma parte da imprensa periodica, mas tambem não posso applaudir, nem sequer absolver, o acto do governo, que, a pretexto de cohibir abusos, aliás condemnaveis, entendeu que lhe era licito entrar n'uma caminho de repressão violenta, e até attentatoria dos principios da jurisprudencia.

Eu quero a maxima liberdade, a par da maxima responsabilidade, mas responsabilidade que recáia unica e exclusivamente sobre os agentes dos crimes, e que não vá alem do que exigem os interesses sociaes, porque é este um dos caracteres que as penas devem ter, para serem justas, e a nenhuma d'estas considerações obedeceram, as disposições d'este decreto.

Se o sr. ministro da justiça julgava conveniente estabelecer penas de multa fixa, podia estabelecel-as do mesmo modo que ellas existem no nosso codigo penal, isto é, para serem pagas pelos réus condemnados, e, quando elles não tivessem bens, que garantissem o pagamento, podia a pena de multa ser remida pela de prisão na rasão de uma quantia diaria, que se arbitrasse.

Mas se estava resolvido a adoptar disposições mais repressivas, e desejava tornar sempre seguro e effectivo o pagamento da multa, n'esse caso melhor fôra que tivesse restabelecido as fianças, depositos ou hypothecas, das leis de 19 de outubro de 1840, e 3 de agosto de 1850. Não applaudo as disposições d'estas leis, mas n'esta parte acho-as mais justas do que o decreto dictatorial, porque pelo systema das fianças, depositos ou hypothecas, as multas eram sempre pagas por quem, as de via pagar, isto é, ou pelos réus condemnados, ou por quem voluntariamente tinha assumido a responsabilidade civil do pagamento, ao passo que este decreto veiu criar para os donos das imprensas uma situação verdadeiramente violenta, porque, ou os obriga ao pagamento de multas por crimes que não commetteram, ou os constrange a privarem-se dos lucros, que lhes podiam provir da publicação dos jornas politicos, o que se traduz n'um grave prejuizo para a sua industria.

Sr. presidente, quando comparo as antigas opiniões do sr. ministro da justiça sobre assumptos de liberdade de imprensa, e não digo bem chamando lhes antigas, porque são de data recente, as anteriores opiniões de s. exa. com as actuaes, fico realmente assombrado com a grande evolução que se operou no seu espirito e nas suas convicções.

Quer a camara saber qual era a opinião do sr. ministro da justiça em 1888?

N'uma das sessões da camara dos senhores deputados do mez de janeiro d'esse anno s. exa. fallando de liberdade de imprensa, disse o seguinte:

(Leu.)

Depois referindo-se tambem a algumas disposições repressivas da legislação estrangeira sobre o mesmo assumpto acrescentava.

(Leu.)

Pois se o sr. ministro da justiça em 1888 entendia "que o pensamento da lei de 17 de maio de 1866 ainda então era acatado, e até applaudido por todos os homens liberaes do paiz"; se s. exa. era de opinião que, "o mais completo respeito pela liberdade da manifestação do pensamento era uma das melhores garantias, e uma das principaes valvulas de segurança da ordem publica no systema constitucional, porque por esta fórma, fazendo-se queixumes, criticas e censuras, e excedendo-se amplamente o direito de petição e de representação, muitas vezes se gastam ou pelo menos cessam e acalmam-se as grandes indignações, quer sejam justas, quer injustas", como é que s. exa. vem agora, decorridos apenas dois annos, repudiar com este decreto o pensamento liberal d'aquella lei, e ao mesmo tempo se apressa a fechar hermeticamente as taes valvulas de segurança da ordem publica, ainda com o risco de provocar uma explosão?!

Disse o sr. ministro da justiça que era necessario reprimir os abusos da imprensa, cuja linguagem descomedida e violenta não respeitava, nem os poderes publicos e as instituições, nem mesmo o chefe do estado, mas ha de ser muito difficil a s. exa. provar que a linguagem da imprensa periodica de 1888 era mais comedida do que a de 1890, que a imprensa d'aquella epocha tinha mais respeito do que a actual, tanto pela honra dos nossos homens publicos, como pelo prestigio e decoro dos poderes politicos e das instituições. Isto é que a s. exa. ha de ser muito difficil provar, e no emtanto em 1888 s. exa. não julgava necessario, nem mesmo conveniente, que se reprimissem as grandes indignações da imprensa, embora fossem injustas!

Sr. presidente, esta instabilidade de opiniões nos homens publicos, opiniões que não se firmam em convicções sinceras, mas apenas nos interesses da occasião, não me parece que possa contribuir para fortalecer os creditos e o prestigio do seu nome.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Vão ler-se a moção e as emendas mandadas para a mesa pelo digno par o sr. Rodrigues de Carvalho.

Foram lidas na mesa e admittidas á discussão a moção e emendas do sr. Rodrigues de Carvalho, que são do teor seguinte:

Moção

A camara, lamentando que o governo assumisse a dictadura para attentar contra a liberdade de imprensa, por virtude de disposições offensivas dos principios do direito criminal e civil, passa á ordem do dia, Rodrigues de Carvalho.

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Emendas

Com referencia ao decreto dictatorial sobre liberdade de imprensa:

Proponho que se emende o § 1.° do artigo 3.° pela seguinte fórma:

Na falta de editor susceptivel de imputação, ou quando não for encontrado, a responsabilidade de que trata este artigo pertence ao dono on aos administradores da officina ou officinas, quer seja imprensa, typographia, lithographia, ou estabelecimento analogo, em que se tiver feito a impressão ou a estampagem, se os donos ou administradores não fizerem reconhecer o auctor da materia, cuja publicação é incriminada.

Proponho que se elimine o § 2.° d'este mesmo artigo.

Proponho que no § 2.° do artigo 7.º se addicionem a palavra "offensa" as seguintes: "por diffamação ou injuria".

Proponho que se elimine o § 4.° do artigo 8.°

Proponho que se emende o artigo 10.° pela seguinte fórma:

O titulo e propriedade do periodico e o material typographico ou lithographico da officina ou officinas em que tiver sido feita a respectiva composição e a impressão ou estampagem, respondem pelo pagamento das multas e pelo da indemnisação de perdas e damnos em que tenham sido condemnados os responsaveis d'esse periodico, quando aquelles bens pertencerem aos mesmos responsaveis.

Proponho que se elimine o § unico d'este artigo. = Rodrigues de Carvalho.

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio do ministerio do reino.

Foi lido e é do teor seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia, no artigo 74.º. § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho de 1885 no artigo 7.°, § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 23 do corrente mez.

O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço, em 14 de julho de 1890. = EL-REI. = Antonio de Serpa Pimentel.

O sr. Presidente - A camara fica inteirada. Continúa a discussão e tem a palavra o sr. Jeronymo Pimentel.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, se foi grande, e de certo o foi, o prazer que a camara teve ouvindo o digno par que me precedeu, não podia ser menor o sentimento de o ver afastado d'estes debates, pois me parece que foi hoje até n'esta casa a sua estreia parlamentar.

A ninguem podia causar admiração o notavel discurso que s. exa. acaba de proferir, porque o seu talento e os seus dotes de orador são conhecidos desde muito no mundo politico, onde s. exa. tem um logar proeminente que lhe pertence e a que tem incontestavel direito.

Sr. presidente, é por aquella fórma que se elevam os parlamentos; é assim que elles mantêem o seu prestigio. Não é com declamações vagas, com insinuações injuriosas, com indignações á sobreposse, com esforços de rhetorica descabida que o parlamento se alteia á comprehensão do seu fim; mas com discursos moderados, com rasões mais ou menos acceitaveis, com a critica, embora severa, mas sempre em phrase polida, correcta e elegante, como fez s. exa., e sobretudo com a auctoridade da sua palavra, apanagio de um caracter serio e digno, como é o de s. exa.

Não veja s. exa. nem a camara, n'estas minhas palavras um mero comprimento de cortezia, e muito menos ainda uma sombra sequer de adulação. Não está isso no meu feitio, e mal cabida era da minha parte para com o digno par. Aqui ha só verdade, ha só justiça.

Embora nos separem divergencias partidarias; embora nos distanceiem as luctas da politica local, onde cada um occupa o seu posto; s. exa. aquelle a que tem incontestavel direito pelo seu merito e pelos serviços ao seu partido; eu aquelle que me concede a benevolencia dos meus amigos, e só ella, fundada apenas na minha dedicação partidaria; mas isto não obsta, nem nunca obstou, a que eu sempre, e em toda a parte, prestasse as homenagens do meu respeito as seu nobilissimo caracter.

Sr. presidente, se alguem não devia gostar de ouvir o digno par n'esta occasião era eu, porque, tendo por força dar circumstancias de tomar a palavra depois do seu brilhante discurso, ía pôr em confronto a sua palavra insinuante, correcta e elegante, e a finura da sua argumentação, com a minha palavra fraca em todos os sentidos, porque é baixa, pouco clara e pouco agradavel, e de mais a mais sem elevação, sem prestigio nem auctoridade.

Forçado a acceitar as cousas como ellas são, visto que circumstancias me collocaram n'esta posição difficil e embaraçosa, procurarei desempenhar-me do meu cargo, como eu poder e souber.

Se não é facil a qualquer, embora lhe sobrem recursos que eu não tenho, relatar um projecto d'esta natureza, contendo vinte e um decretos differentes, com variadas providencias, desde as questões militares e da marinha até as da instrucção publica; desde as questões referentes á administração do municipio de Lisboa ou dos concelhos da Arruda e do Sobral, até ás da liberdade de reunião e de imprensa ou da reforma judiciaria, quanto não será difficil para mim, a quem escasseiam todos os elementos para tratar assumptos de tanta magnitude?

A accusação e mais facil, porque escolhe o ponto de ataque; não acontece o mesmo á defeza, que tem de acceitar as questões no campo em que forem collocadas.

O digno par limitou as suas observações ao decreto n.° l, de 29 de março, que trata da liberdade de imprensa. Este decreto afigurou-se-lhe como significando certas restricções para o direito de liberdade. Se me convencesse d'isso, não poria a minha palavra, embora tão humilde, ao serviço da defeza d'este decreto. Eu tenho a maxima consideração pela liberdade de imprensa, porque ella é consequencia necessaria da liberdade de um pensamento; é uma garantia dos direitos sociaes, a atalaia vigilante de todas as liberdades publicas, a fiscalisadora dos actos do governo.

Dá-se ainda para mim um motivo que mais justifica a minha sympathia, e a minha consideração pela liberdade de imprensa; foi por ella que comecei a minha modesta vida politica, em que tenho sempre occupado um logar tambem modesto, consoante os limitados recursos da minha intelligencia.

Tenho sido sempre jornalista, não de profissão, mas de occasião. Por isso não poderia defender uma medida que procurasse coarctar a liberdade de imprensa.

Notavel coincidencia! Ha vinte e seis annos escrevi eu o meu primeiro artigo n'um jornal que então se publicava em Coimbra, de que era director o meu fallecido amigo Silva Gayo, jornal que por muitas vezes foi honrado com a illustrada collaboração do nosso collega e meu amigo o sr. Thomás Ribeiro.

Esse meu primeiro artigo era justamente sobre liberdade de imprensa, em que defendia as suas mais amplas manifestações, sem peias nem restricções, mas com garantias, mas com responsabilidades.

Desde então creio que nunca mais tive occasião de na imprensa ou no parlamento me occupar d'este assumpto.

Não viria hoje combater o que então defendi com todo o amor de uma mocidade cheia de fé viva e de crenças no futuro do meu paiz, quando as minhas idéas de hoje

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são exactamente n'este ponto as idéas que n'essa epocha tinha.

Não viria sustentar uma medida que tentasse coarctar o amplo direito de liberdade de imprensa, porque isso seria trahir as naturaes tendencias do meu espirito e desmentir as affirmações do meu passado.

O digno par, a quem tenho a honra de responder, mostrando-se altamente apprehensivo pelas disposições d'este decreto, que s. exa. julga coercivas da liberdade de imprensa, disse que estas disposições não têem por fim senão difficultar a publicação da imprensa jornalistica. S. exa. não concorda com o nobre ministro da justiça, não concorda com o que se diz no relatorio que precede este decreto, não concorda com a opinião do relatorio da commissão, não concorda finalmente com as disposições do proprio decreto em que evidentemente se vê que elle não teve por fim coarctar o direito de liberdade, mas unica e exclusivamente evitar os abusos que tanto damno estavam causando, e que eram prejudiciaes á propria liberdade, porque com elles, ella perdia a sua força e prestigio, e deixava de ser a garantia social.

Mas onde estão as difficuldades que se oppõem á fundação de um jornal; onde estão as fianças, as cauções, as peias que outr'ora se exigiam para se publicar um jornal?

Nenhuma alteração se fez á legislação em vigor.

Analysando o decreto, s. exa. referiu-se ao § l.° do artigo 3.°, em que se dispõe que na falta de editor susceptivel de imputação, ou quando não for encontrado, se imponha a responsabilidade ao dono ou administrador da officina ou typographia.

Parece-lhe não só inacceitavel, mas iniqua esta innovação que a nova lei de imprensa traz. Como a camara sabe, até agora a lei de imprensa contentava se com uma responsabilidade, que era a responsabilidade do editor, quando a não declinava no auctor. A lei franceza, de 29 de julho de 1881 no artigo 42.°, estabelece a responsabilidade successiva, chamando a ella primeiramente os gerentes ou editores, na sua falta os auctores, depois os impressores, e por ultimo os vendedores, distribuidores ou affixadores.

Este mesmo principio da responsabilidade successiva é adoptado na legislação de outros povos, como por exemplo, na Italia e na Belgica.

O novo decreto, que discutimos, acceitando tambem o principio da responsabilidade successiva, estabeleceu comtudo a responsabilidade conjuncta, como consequencia dos principios geraes que regulam a responsabilidade criminal.

S. exa. não discutiu esta doutrina, porque concorda plenamente com ella.

Não se revoltou contra esta innovação, e tambem não combateu a responsabilidade imposta aos vendedores de jornaes ou aquelles que concorrem para a divulgação das doutrinas que constituem offensa em face do nosso direito, e só combateu a disposição que transfere essa responsabilidade para o dono de imprensa.

Deve, porém notar-se que essa responsabilidade é restricta aos dois casos mencionados n'aquelle paragrapho: quando não haja editor susceptivel de imputação, ou quando o editor tenha desaparecido.

O dono da imprensa deve saber se o editor existe, ou se está susceptivel da imputação que a lei lhe attribue; se não se importou com isto, acceitou a responsabilidade que pertencia ao editor; substituto para os effeitos da lei; sujeitou se ás consequencias que d'esse facto lhe advieram.

Torno a dizer, a responsabilidade só pertence ao dono da imprensa, quando elle não tratou de inquirir se havia editor legalmente habilitado, e portanto susceptivel de imputação, e publicou o artigo incriminado; ou quando não se certificou do estado das suas faculdades, ou por qualquer modo não procurar assegurar o seu comparecimento em juizo.

Pois o digno par revolta-se contra a doutrina expendida n'este paragrapho, e acceita então a responsabilidade imposta aos vendedores de jornaes, quando a verdade é que elles, entregues ao seu modo de vida não tratam de saber o que se contém nas publicações, que muitas vezes não sabem sequer ler, nem em geral a sua illustração lhes permitte essa indagação?

Mas não vejo n'aquella disposição uma doutrina inteiramente nova, porque, segundo o seu ponto de vista, é o que já se achava estabelecido no artigo 7.° da lei de 17 de maio de 1866, quando chama á responsabilidade o auctor, na falta do editor, por este não existir ou não apparecer, e quando devolve a mesma responsabilidade para o dono ou administrador da imprensa, que na falta de editor não fizer reconhecer o auctor.

S. exa. disse que queria a maxima liberdade; mas reclamava tambem a maxima responsabilidade.

Desde que acceita este principio, deve acceitar como consequencia a disposição d'esta lei, que não tem outro fim mais que garantir a responsabilidade sem offender a liberdade.

O digno par, na sua analyse, referiu-se tambem ao artigo 10.° do mesmo decreto.

Ora, o artigo 10.° parte do principio de tornar effectiva essa responsabilidade, e esta consegue-se desde que o material das officinas responda pelo pagamento das multas e das perdas e damnos em que tenham sido condemnados em juizo os responsaveis dos jornaes.

S. exa. entende que não deve admittir-se esta disposição por ser contraria á justiça; entende que não deve ser a empreza a que responda pelo pagamento das multas a que tenham sido condemnados os responsaveis.

Não contesta o principio que está estabelecido na lei sobre o pagamento dos impostos á fazenda, que é privilegiado. O artigo 885.° do codigo civil lhe concede privilegio mobiliario em todas as classes.

Ora, este mesmo principio justifica o que agora se faz com respeito ao pagamento das multas a que tem de se sujeitar as emprezas dos jornaes, pois que as multas, no caso de que se trata são receita do estado. Parece-me, pois, que não se podia deixar de estabelecer na lei que a empreza dos jornaes deverá ser a responsavel pelo pagamento das multas, no caso de que se trata são receita do estado. Parece-me, pois, que não se podia deixar de estabelecer na lei que a empreza dos jornaes deverá ser a responsavel pelo pagamento das multas.

Tambem me parece bem entendido que se imponha ao dono da empreza do jornal o pagamento das perdas e damnos em que elle é condemnado

Quanto a mim o meio de tornar mais effectiva essa responsabilidade, é exigindo directamente a importancia do pagamento aquelles que podem mais facilmente garantil-o, porque têem por onde o possam fazer.

Por consequencia, os encargos vêem a recaír sobre a empreza, que acceita a publicação do jornal, e que portanto se sujeitou aos precalços e ás vantagens.

De mais a mais fica salvo ao dono ou administrador da officina, quando não tenham sido julgados responsaveis, o direito e acção para o reembolso do que hajam despendido.

Perguntou tambem o digno par onde é que o sr. ministro da justiça tinha ido buscar esta responsabilidade, que não se encontra em lei nenhuma?

Sem ir mais longe, eu tenho aqui a lei franceza de 1881, que ha pouco citei, que no artigo 44.° estabelece doutrina quasi identica á que apresenta o artigo 10.º d'este decreto, sem comtudo dar aos proprietarios dos jornaes o direito do reembolso.

S. exa. disse que as providencias publicadas com respeito á liberdade de imprensa tornavam muito restrictivo o direito que cada um até aqui tinha de publicar qualquer jornal.

Eu devo dizer que não me parecem justas aquellas observações, como já tive occasião de notar.

Essas providencias não devem causar nenhum embaraço, nem ser origem de difficuldades para a empreza de qualquer jornal.

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A lei de 1866 estabelecia para a fundação de um jornal as formalidades que a nova lei não augementou, nem alterou.

Não se trata, pois, de difficultar o estabelecimento de qualquer empreza jornalistica; do que se trata é de tornar responsavel a empreza do jornal quando este desvirtue o fim da instituição da imprensa.

N'este caso a imprensa soffre as consequencias da sua falta.

O que a lei anterior exigia, quanto á publicação de qualquer jornal, é o mesmo que hoje se exige.

Disse tambem o digno par que o sr. ministro da justiça se preoccupava muito com os abusos de liberdade de imprensa, mas que não se preoccupava da mesma fórma com os meios de que lançava mão para conseguir que esses abusos cessassem.

De certo que o sr. ministro da justiça se preoccupou muito com os abusos de liberdade de imprensa, como se preoccupavam todos os homens publicos que se interessam pelo respeito devido ás instituições, e ao direito de cada um, que não póde ter o seu bom nome á mercê das injurias e das calumnias, e pelo prestigio da propria liberdade de imprensa.

O sr. ministro da justiça da situação anterior, o sr. Beirão, n'uma circular que dirigiu á procuradoria geral da corôa, mostrou o quanto era necessario que se pozesse côbro aos abusos de liberdade de imprensa, que se estavam dando e não pôde conseguir isto, porque a parte regulamentar da lei não tinha disposições bastantes que podessem evitar estes grandes inconvenientes.

Mas os abusos continuaram, disse s. exa.; não se conseguiu o fim que se tinha em vista; a imprensa de hoje é a mesma que era em 1888, quando o sr. ministro da justiça se mostrava nas palavras, que o digno par citou, tão enthusiasta da liberdade de imprensa, ás quaes as suas idéas de hoje são completamente oppostas.

Essa opposição é que ninguem a póde ver tendo o animo despreoccupado. As suas idéas são as mesmas a respeito da liberdade de imprensa; no que podia ter havido mudança era no seu pensar a respeito da tolerancia para com os abusos.

O digno par reconheceu e confessou que se estavam dando grandes abusos, mas entendia que para os evitar não eram precisas medidas tão repressivas como aquellas que se lhe afiguram ser as do decreto.

O sr. José Luciano de Castro, quando se referiu a este assumpto, notou que a imprensa precisava de correctivo e disse que não tinha tido coragem de lh'o dar quando ministro, mas que esperava que da iniciativa parlamentar partisse a idéa de se apresentar qualquer proposta n'este sentido.

Ora, desde que s. exas. estão concordes em que era necessario evitar os abusos de imprensa, desde que se apresenta uma medida cujos fins são exactamente estes; desde que houve um ministro que teve a coragem, que faltou ao illustre chefe do partido progressista, parece-me que todos deviam ficar muito satisfeitos, e não vir censurar o que o não merece.

Tratando do § 3.° do artigo 8.°, que trata da accummlação dos crimes, s. exa. tambem não reconhece acceitavel a innovação que encerra este artigo.

Pela nossa legislação criminal a accumulação de crimes não constitue senão uma aggravante, e não um crime novo.

Entendeu-se, e muito bem, que a natureza dos crimes de que se trata exige uma disposição muito diversa, que a accumulação de crimes e a reincidencia não deviam ser consideradas como aggravantes, mas sim como um crime novo.

O homem que praticava um crime por abuso de liberdade de imprensa, e no dia seguinte outro, tinha a mesma penalidade que teria se praticasse tres, quatro ou cinco crimes da mesma natureza.

D'aqui resultava a repetição, porque não havia maior gravidade, a pena era a mesma, quer fossem dois, quer fossem muitos os crimes.

Era mister, por consequencia, trazer para a nossa legislação uma disposição nova que considerasse cada um dos crimes que se praticassem como um crime novo, em questão de abusos de liberdade de imprensa.

S. exa. renovou tambem as duvidas aqui já apresentadas a repeito do § 2.° do artigo 7.°, com relaçãa á palavra offensa.

Eu creio que não precisava dizer mais nada sobre este ponto, porque as explicações do sr. ministro da justiça foram bastantes para que desapparecessem do espirito dos dignos pares quaesquer apprehensões que tivessem a este respeito.

O nobre ministro tinha dito que a palavra offensa é representativa do crime de injuria ou de diffamação.

Para tornar mais facil a terminologia juridica adoptou-se esta expressão, significando um ou outro d'aquelles crimes.

O sr. Rodrigues de Carvalho não considera descabida a palavra offensa em relação aos ataques dos altos poderes do estado, porque os acha graves, e portanto merecedores de uma outra penalidade, mas acha inconveniente a doutrina pelo que diz respeito aos empregados publicos, ou a qualquer auctoridade, quando pela palavra offensa se entenda outra cousa, que não seja o crime da injuria ou ca-lumnia.

O codigo penal nos artigos 181.° a 187.° pune estes crimes contra as auctoridades e empregados, no exercicio das suas funcções; está, portanto, em harmonia com isso a disposição estabelecida no artigo do decreto dictatorial.

Notou o digno par, que a nova reforma, que tão rigorosa se apresentou contra os abusos de liberdade de imprensa, se mostrasse benevola quando tratou da diminuição das penas de prisão.

Uma das cousas que s. exa. combateu foi o aggravamento das multas, e outra foi a fórma de proceso, entendendo que tiveram por fim as respectivas disposições augmentar a repressão.

A reducção do maximo da pena de prisão de um anno a seis mezes teve em vista não só harmonisar o que n'esta legislação se estatue, com a que se refere a delictos da mesma natureza, mas ainda equilibrar a penalidade pela imposição de multas, que se augmentam ou se estabelecem n'este decreto.

Esta disposição logica e harmonica obedece tambem ao pensamento, que inspirou o legislador, quando entendeu, e a meu ver muito bem, que devia sujeitar estes crimes ao processo correccional.

Não agradou este pensamento ao digno par, que queria que os crime de imprensa continuassem a ser julgados com a intervenção do jury.

Sabe v. exa., sr. presidente, sabe a camara, os protestos que em toda a parte se têem ultimamente levantado contra o jury, instituição que, devendo ser para os cidadãos garantia de recta administração da justiça, tem se mostrado viciada a ponto de contra ella se ter creado uma verdadeira cruzada. Na Italia é onde essa cruzada tem assumido maiores proporções. Pareceu pois ao governo pouco conveniente a intervenção do jury nos julgamentos por delictos de imprensa.

Poderia adduzir rasões, e apresentar factos para provar que a intervenção do jury, como está entre nós organisado, no julgamento d'estes crimes, é condemnada por todos os que não querem ver a impunidade proclamada nos nossos tribunaes. V. exa., a camara, e toda a gente o conhece, inutil é que eu o esteja a demonstrar.

Mas o digno par disse que foi funccionario publico, e que

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se alguma vez tivesse sido injuriado pela imprensa e recorresse aos tribunaes, ficaria indifferente ao veridictum do jury, porque acima d'elle estava a sua consciencia.

Essa theoria levava a adopção da doutrina de que os excessos de liberdade de imprensa se corrigem por essa propria liberdade.

N'esse caso inuteis eram quaesquer providencias para corrigir os abusos de liberdade de imprensa. Na propria consciencia, e na consciencia publica estava o julgamento e a condemnação d'esses abusos.

Não partilho d'essa theoria. Tambem tenho exercido funcções publicas; por diversas vezes fui na imprensa injuriado, nunca recorri, nem recorreria aos tribunaes a procurar desaggravo para essas injurias e injustas accusações, que pela imprensa me tivessem sido feitas, emquanto estivesse em vigor a lei anterior, porque sabia que o jury ou absolveria o criminoso, ou condemnaria um testa de ferro.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, peço a palavra porque desejo fazer algumas perguntas sobre a ordem d'esta discussão em que estâmos.

O Orador: - Sr. presidente, parece-me que tenho respondido, embora muito resumidamente, ás considerações feitas pelo digno par, reservando-me para pedir a palavra mais alguma vez se a isso for obrigado pela minha qualidade de relator do projecto.

O sr. Thomás Ribeiro: - Por motivo mais que justificado não me foi possivel assistir ao começo da sessão, e ao entrar na sala vi que estavam sendo discutidas na especialidade as medidas de dictadura, e que estava sendo apreciado um decreto já muito avançado na ordem chronologica d'estas medidas.

Desejava, pois, que s. exa. me dissesse o que se estava discutindo, e como se estava discutindo, isto para meu governo; porque, como v. exa. sabe, é sempre costume, quando ha discussão na especialidade, começar pelo principio, e assim successivamente se vão discutindo e votando.

Ora, aqui ha vinte e uma providencias que temos de discutir e votar; são as vinte e uma partes naturaes da discussão na especialidade, e por isso eu desejava que v. exa. me explicasse se é assim ou não que temos de discutir.

O sr. Presidente: - V. exa. ouviu e votou o requerimento feito pelo sr. Pereira Dias. Como este projecto tem um só artigo, segundo as praxes estabelecidas por esta camara, a discussão era uma só, o sr. Pereira Dias requereu que a camara dispensasse as praxes estabelecidas para haver duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade, e v. exa. e a camara approvaram o requerimento; ficou portanto definida a fórma ou modo de discutir o projecto.

Tendo-se votado a generalidade, a discussão na especialidade, segundo o meu modo de ver, é só uma, respeito a todos os decretos; no emtanto se v. exa. deseja, eu consulto a camara, não tenho duvida alguma em o fazer.

O Orador: - Sendo como v. exa. diz não se tira proveito nenhum d'esta discussão. O que me parece mais coherente, era que fossem discutidos e votados pela sua ordem, decreto por decreto, a fim de podermos exigir do governo ou da commissão quaesquer explicações que julguemos necessarias.

O digno par que acabou de fallar, o sr. Rodrigues de Carvalho, mandou para a mesa emendas, additamentos e substituições a alguns artigos do projecto no sentido de melhorar os decretos dictatoriaes.

Parecia-me, pois, bem que nós começassemos pelo principio, que é a ordem natural das cousas, e que fossemos examinando methodica e ordenadamente cada uma das medidas a que o projecto se refere.

Isto é o que eu entendo ser rasoavel. Vamos muito melhor se discutirmos na especialidade cada um dos decretos de per si.

Não julgo de utilidade nenhuma que um digno par se levante e falle sobre o exercito, outro sobre o Monte Agraço, outro sobre a defeza nacional.

Aqui tem v. exa. a rasão por que eu faço esta pergunta, que a reduzo a um pedido.

O que me parece acertado e de vantagem para a discus é que v. exa. mande ler o primeiro decreto e o ponha em discussão, e assim successivamente até chegarmos á ultima das providencias dictatoriaes.

O sr. Presidente: - Eu não posso fazer similhante cousa sem uma resolução da camara. O digno par o sr. Pereira Dias, propoz, e a camara approvou, que houvesse duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade.

O Orador: - A camara approvou, por proposta do sr. Pereira Dias, que houvesse uma discussão na generalidade e outra na especialidade; mas, como se discute a especialidade? Mas, como se discute a especialidade? Esta é a minha questão. O que se quer fazer é tumultuario.

Parece-me que o melhor é começarmos pelo principio, e discutirmos separadamente cada um dos decretos.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre este ponto.

Se a camara decidir contra mim, acceitarei o seu veredictum; mas parece-me que ha de ser difficil protestar contra a rasão em que fundo a minha idéa.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Então o digno par quer que eu consulte a camara sobre se quer que se discuta decreto por decreto?

O sr. Thomás Ribeiro: - Parece-me que deveria ser assim.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. relator da commissão.

O sr. Jeronymo Pimentel (relator): - V. exa. sabe, sr. presidente, que, conforme a praxe, e a interpretação dada ao artigo 43.° do nosso regimento, não póde haver senão uma discussão nos projectos que têem só um artigo. O digno par sr. Pereira Dias, attendendo, porém, á vastidão do assumpto, fez um requerimento para que houvesse duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade.

A camara concordou tambem com isso, para que na generalidade se discutisse a questão politica, a questão de dictadura, e para que na especialidade se discutissem as diversas providencias contidas nos differentes decretos, conforme cada um quizesse.

É por isso que eu ha pouco disse que era muito difficil a missão do relator, porque cada um dos oradores que desejasse atacar o projecto, escolhia o que lhe conviesse das complexas medidas que constituem o seu conjuncto.

Cada um póde discutir os decretos que quizer, mas a votação é só uma sobre o projecto; é este que se vota, e não as providencias decretadas, havendo a respeito das emendas, que se apresentarem, votações especiaes.

Parece-me que foi este o pensamento da commissão e da maioria da camara, approvando o requerimento do sr. Pereira Dias.

O sr. Thomás Ribeiro: - Como é que a camara ha de votar depois este acervo de providencias?

Então a votação não é a respeito de cada um dos decretos?

O sr. Presidente: - Vota-se o artigo do projecto.

O sr. Thomás Ribeiro: - N'esse caso vamos dar caracter de lei aos decretos sem ao menos os votarmos.

(Aparte do sr. Jeronymo Pimentel.)

Se nós, quando uma lei tem dez ou mais artigos, votamos artigo por artigo, como é que n'um projecto d'estes, de tamanha importancia, não havemos de votar considerando cada um dos decretos como um artigo?

Tudo isto é dictadura; a camara faz o que quer, mas que tudo isto me parece pouco curial, tambem é verdade.

O que eu julgava que v. exa. propunha á camara era a

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votação de cada um dos decretos; e não que, reunidos todos elles, nos dissesse: Aqui está este livro; agora os senhores votem.

Eu posso approvar alguns, mas não approvo todos.

Portanto, observarei que este embroglio, porque outra cousa não é o que se está fazendo, não me parece justo.

Não quero entorpecer o andamento dos trabalhos; o que desejava era que a camara dos pares procedesse o mais regularmente possivel, de fórma que depois a consciencia não ficasse mal comnosco.

Qual é o pensamento da camara sobre a questão que levantei? Pedia a v. exa. que lhe formulasse uma pergunta a este respeito: se ella queria que se discutisse e votasse na especialidade, pela ordem successiva em que estão n'este documento, cada uma das providencias decretadas em dictadura.

Se a camara não pensar de modo contrario ao meu desejo, não terei mais a fazer senão calar-me e respeitar o seu veredictum.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Apesar de ter a camara já resolvido sobre a maneira de discutir e votar o projecto, não posso eximir-me a consultal-a.

Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Thomás Ribeiro, para que a discussão seja em relação a cada um dos decretos, tenham a bondade de se levantar.

Verificou se a votação e não foi approvado.

O sr. Presidente: - Não está approvado.

O sr. Moraes Carvalho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda que se refere ao addicional de 6 por cento.

Foi a imprimir.

O sr. Coelho de Carvalho: - Tendo ouvido as respostas que o sr. presidente do conselho deu a perguntas feitas por alguns dignos pares, e julgando dignas de registo as declarações contidas nas mesmas respostas, pede a s. exa. que permitta que ellas sejam exaradas na acta como aclaração ou interpretação dos pontos principaes do decreto n.° 2 de 10 de fevereiro d'este anno.

Apresentando algumas considerações sobre a reforma do exercito e contingente de recrutas, volve a pedir ao sr. presidente do conselho que permitta que as declarações de s. exa., relativas a estes dois assumptos, sejam mencionadas na acta para os devidos effeitos.

(O discurso ao digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Começou por dizer que não discute a reorganisação do exercito, desde que os trabalhos a ella respectivos foram commettidos ao estudo de uma commissão especial, da qual fazem parte cavalheiros que já geriram a pasta da guerra, representantes das diversas armas, e até, para excluir preoccupações partidarias, individuos que se podem considerar como delegados de diversas facções politicas.

A commissão está tratando de elaborar o projecto, e por consequencia o governo entende que a esse respeito mais nada deve dizer.

Como o digno par o sr. Coelho de Carvalho mostrou desejo de que algumas declarações apresentadas pelo orador sejam exaradas na acta, vae reproduzil-as, porque nenhuma duvida tem em vel-as claramente registadas nos annaes parlamentares.

Accentuou, pois, que o governo não tencionava alterar a lei do recrutamento nos seus pontos capitaes, mas sim alteral-a para evitar abusos.

Não disse que a lei não era cumprida, mas que havia abusos, porque as leis podem cumprir-se na sua letra, havendo abusos na sua execução, os quaes podem evitar-se alterando a fórma de algumas disposições.

Foram estas as declarações que apresentou e que repete para os devidos effeitos, acrescentando que a base 2.º do artigo 1.° do decreto n.° 2 não contraría o direito constitucional que as camaras têem de fixar annualmente os contingentes.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - O governo não tem idéa de diminuir o tempo de serviço, conserva os tres annos?

O Orador: - O governo diz que a reorganisação do exercito está entregue aos cuidados de uma commissão especial, mas a base a que o orador alludiu não tira ás côrtes o direito que a constituição lhes garante de fixarem annualmente os contingentes.

(O discurso do sr. presidente do conselho será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, as poucas palavras e as modestas observações que vou ter a honra de expor á camara mais as considero continuação do discurso que proferi quando se tratou da generalidade do projecto do que um discurso novo.

N'essa occasião fui duas vezes interrompido; a primeira por causa da fatalidade da hora, e a segunda porque fui accommettido pelo cansaço e pela fadiga. - Agora é forçoso que eu me submetta á urgencia do tempo e ás circumstancias politicas e atmosphericas que se impõem e nos dominam.

Era minha intenção fazer uma demorada analyse das disposições do decreto de 29 de março que legislou ácerca do direito de reunião e de associação; mas como n'este direito se envolvem muitas questões difficeis, entre nós pouco estudadas, e que por isso são pouco conhecidas, seria louca inoportunidade pretender attrahir para ellas a attenção da camara n'este momento. - Desisto pois n'esta parte do meu intento.

Tambem desejava tratar alguns pontos de doutrina e de administração relativos ás cousas militares, especialmente desejava alludir á lei do recrutamento, ao contingente annual, e ás reformas que foram impostas, ás vezes irregularmente, a muitos officiaes do exercito e da marinha. Mas como no meu discurso anterior procurei collocar-me sempre em frente do sr. presidente do conselho, visto que era elle o primeiro responsavel pelo facto da dictadura; e como agora, tratando do direito de reunião acontecerá o mesmo, pois que o decreto de 29 de março emanou do ministerio do reino ao digno cargo de s. exa.; se a isto acrescentasse agora o exame dos actos de s. exa. como ministro da guerra, poderia parecer que eu mais procurava pretextos para aggredir pessoalmente ao sr. Serpa, do que discutir a politica do ministerio. - Quero, pois, arredar de mim essa imputação, e por isso vou tratar já, e só, do direito de reunião, fazendo, como faço, a declaração prévia de que considero o sr. Serpa como uma eminencia no campo da politica, da litteratura e da sciencia, e que o respeito tanto quanto elle é respeitavel pelo seu caracter.

O decreto de 29 de março legislou e regulamentou ácerca dos direitos de reunião e de associação. - Para bem medir a importancia d'este decreto bastará referir que o governo, no pobre e magro relatorio com que o precedeu, declara que estes dois direitos são garantia de liberdade e condição essencial do systema politico em que vivemos. - N'isto, porém, parece-me que ha um equivoco de doutrina. Estes direitos não são garantia de liberdade, são a propria liberdade posta em acção e em exercicio n'uma das suas mais importantes manifestações.

Em verdade nós, legalmente ao menos, vivemos n'um systema e regimen de liberdade e parlamentar. - D'este systema é condição essencial que haja publicidade, mas não póde haver publicidade onde não ha discussão, nem póde haver discussão onde não ha o direito de reunião e o de associação, que é o complemento d'aquella. - Quando aos ci-

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dadãos não é permittido discutir e debater os seus proprios interesses, nem emittir livremente as suas opiniões, ha a obediencia cega dos escravos, ha o silencio inquisitorial mas não ha liberdade. E a liberdade nunca offerece peri- gos senão quando é coarctada. - A liberdade é como o vapor, só estala com destruidora vehemencia quando é comprimido.

Na epocha actual, senhores, entre os publicistas e os homens de estado já se não discute ácerca dos direitos e attribuições que são essenciaes á monarchia hereditaria. - Já ninguem disputa ao Rei á sua sagrada inviolabilidade. - Já ninguem põe em duvida o direito e o poder que lhe compete de sanccionar as leis, de as promulgar, e de dar-lho execução. - Ninguem lhe disputa o commando superior das forças de terra e mar; nem o direito de agraciar concedendo honras e dignidades; nem o de conceder indultos e perdões, de declarar a guerra e fazer a paz; de fazer tratados; nem a acunhação da moeda, nem nenhum dos outros direitos que são inherentes á auctoridade real. - Sobre tudo isto ha já perfeito accordo. São problemas que estão já resolvidos no campo da doutrina e da governação.

As questões constitucionaes que, na nossa epocha, dividem os publicistas e os homens de estado são só as relativas aos direitos dos cidadãos. Os direitos politicos são o campo aberto para a disputa e para a discussão entre as escolas. - A sua origem, caracter e extensão, apreciados por individualistas e socialistas, produzem as doutrinas as mais variadas e os partidos mais distinctos. A este respeito escreveram os sabios redactores da actual constituição hespanhola no seu relatorio preambular, o seguinte:

"Entre os que proclamam o absolutismo dos direitos individuaes e os que querem submetter incondicionalmente o individuo á tutela absorvente do estado, ha antagonismo tão profundo, que em vão a rasão humana procurará destruil-o. As regras inflexiveis da lógica separam ambas as escolas como as leis eternas da natureza oppõem o mundo da vida ao reino da morte. - É preciso achar uma solução feliz que harmonise o direito do individuo com o da sociedade, aliás haverá que sacrificar ou o principio da liberdade do cidadão, ou o da auctoridade.

"Por fortuna as sociedades modernas leccionadas pela experiencia das revoluções encontraram já solução a tão espantoso problema, reconhecendo a existencia de direitos naturaes, mas não absolutos, e negando esse caracter aos direitos politicos que o estado, como instituição social e permanente, outorga, limita e modifica, segundo o desenvolvimento diverso que em cada momento historico alcançam as nações."

Se isto é, e eu affirmo que é assim fundado na auctoridade irrecusavel dos sabios redactores da constituição hespanhola; se a grande difficuldade, ou o grande problema das sociedades modernas é fixar e marcar bem os justos limites do direito que compete ao estado para submetter o individuo ás suas prescripções; como é que este governo, só por si, sem discussão alguma prévia, sem preparação alguma, e sem intervenção do parlamento, se aventurou a resolver esse problema que em toda a parte está reservado para os legisladores constitucionaes, e que fica fóra do alcance e da competencia dos legisladores ordinarios?!!

Para bem e devidamente poder ser apreciado o decreto de 29 de março seria preciso, indispensavel talvez, examinar e assentar previamente qual é a indole, o caracter e a natureza d'esses dois direitos de reunião e de associação sobre que legislou; na epocha, porém, e na estação que atravessâmos é de todo impossivel fazer um similhante exame.

Mas, como por um lado, é impossivel prescindir absolutamente d'esse exame, visto que d'elle está dependente a fixação do direito que compete ao estado para legislar ácerca d'esses direitos; e como por outro lado eu tenho a este respeito quasi a mesma opinião que o sr. Serpa, parece-me que poderei limitar-me a fazer breves indicações dos fundamentos essenciaes do meu conceito.

Ha quem considere que estes direitos, - de reunião e de associação - são direitos naturaes, pessoaes, individuaes, absolutos, inalienaveis, illimitados, e portanto illegislaveis. - Mas ha tambem quem sustente que estes direitos são só meramente politicos, contingentes, relativos, limitados, e por isso legislaveis.

O sr. presidente do conselho, como homem de governo, tem a este respeito idéas firmes, definidas e assentadas. - Com seu respeitavel nome auctorisou a doutrina de que o direito de reunião era um direito natural, pessoal, individual, que emana da natureza humana e sem o qual esta não póde desenvolver-se, connexo ao direito de petição, inseparavel d'elle, - e que, como tal, deve ser reconhecido, proclamado e garantido nas constituições dos estados para que, as côrtes com poderes ordinarios não possam nem revogal-o, nem alteral-o!!!

Assentou assim s. exa. os mesmos principios que foram proclamados pelos legisladores constituintes dos Estados Unidos da America, prohibindo que os legisladores futuros pozessem mão no direito de reunião.

Esta é a opinião, reflectida e assentada do sr. Serpa; e eu, pela minha parte, declaro que, se tivesse de optar entre esta opinião e a contraria, a adoptaria sem hesitação alguma. Mas, como entre as duas opiniões, entre as duas escolas, entre os extremos das duas opiniões, e das duas escolas, ha uma grande distancia, um largo espaço, um enorme intervallo; sou de parecer e de opinião que estes direitos, de reunião e de associação, assim como o da liberdade de imprensa e o de petição, devem ser conceituados como de caracter mixto, - de natural ou pessoal, e de politico ou contingente, - segundo o fim a que se destinam e a applicação que d'elles se quizer fazer.

Philosophicamente considerados, e sob o aspecto ideal de justiça, estes direitos são naturaes, pessoaes e inalienaveis, porque emanam da natureza do homem, e resultam da obrigação que temos de, por todos os meios, procurarmos desenvolver as nossas faculdades.

A natureza social do homem e o sentimento de fraternidade que tem gravado no coração impelle-o irresistivelmente a procurar a companhia dos outros homens, a reunir-se e a associar se com elles para, em commum, desenvolverem a sua actividade e intelligencia.

São, pois não póde haver duvida, direitos naturaes. Mas como o homem nasceu na familia e no estado, sem que para isso fosse consultado, e sem que previamente prestasse o seu consentimento; e não podendo viver fóra do estado, nem cortar absolutamente as relações necessarias que com elle contrahiu pelo facto do nascimento, da educação e da propria existencia; havendo, como ha, paizes onde pela sua constituição politica, e fórma de governo, é permittido aos cidadãos tomar parte na direcção dos negocios publicos, podendo a acção d'estes direitos estender-se a tudo aquillo que respeita ao bem do estado; é - claro, é manifesto que, assim considerados estes direitos, estando dependentes da fórma do governo, da organisação politica, e até do grau de civilisação de cada povo, devem ser considerados e conceituados como meramente politicos, contingentes, relativos, limitados e legislaveis.

E foi certamente por esta rasão que o sr. Serpa sustentou logicamente que era forçoso, necessario o indispensavel que estes direitos, de reunião e de associação, fossem reconhecidos, proclamados e garantidos na constituição do estado, não só contra as invasões dos agentes do poder, mas até contra a invasão das côrtes ordinarias, a fim (dizia s. exa.) de que não podessem ser nem revogados nem alterados!!! Nem alterados!!!

Reconhecidos estes direitos pela constituição do estado resulta, como consequencia logica, a necessidade correlativa de tambem ser reconhecido no poder publico o direito de fazer entrar na ordem e na obediencia aquellas reu-

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niões e as associações que se pozerem em rebeldia contra o estado, que pozerem em litigio a lei fundamental, que contrariarem a sua acção legal, ou que expozerem a sociedade a violentas e incessantes commoções.

Existem, pois, dois principios e ha dois direitos que estão em frente um do outro. De um lado está o principio da liberdade, do outro o da ordem legal. De um lado o direito natural, do outro o direito politico e o principio da aucto-ridade - direitos e principios que devem viver sempre juntos e em boa harmonia, mas que podem, ás vezes, collocar-se em hostilidade e em contradicção.

E como proceder n'este caso? - Como concilial-os?

A este respeito são conhecidos tres systemas, e ha tres escolas.

A radical, que professa a doutrina dos direitos absolutos e illegislaveis. A doutrinal e reaccionaria que, sempre medrosa e receiosa, cerca o exercicio dos direitos individuaes de taes precauções, de taes prevenções, que os sequestra e annulla, mutillando a vida individual. A escola constitucional e conservadora, a qual, não admittindo o absolutismo dos direitos individuaes pois de absoluta só reconhece a idéa da divindade, não appella para as medidas preventivas, mas deixando livre o seu exercicio, toma as cautelas necessarias para punir os abusos.

Não ha mais que essas tres escolas. - A radical, que não quer, nem consente, medidas preventivas nem repressivas. - A reaccionaria, que não vê senão perigos no exercicio da liberdade, e que, tomando precauções taes que confisca o direito, não deixa da liberdade senão um phantasma, um simulacro. - A constitucional que, sem recorrer a taes extremos, se contenta cem a repressão dos abusos.

E a qual d'estas escolas pertence o sr. Serpa e o seu decreto?

Onde está a consciencia e a convicção do sr. Serpa sei eu. - Está nas idéas e sentimentos que são expressados por aquellas palavras, já tantas vezes repetidas, dizendo que o direito de reunião é um direito natural, pessoal, individual, emanado da natureza humana, connexo ao direito de petição, inseparavel d'elle, e que, como tal, deve ser constitucionalmente proclamado, reconhecido e garantido, para que não possa ser, nem revogado, nem alterado pelas côrtes com poderes ordinarios!!!

Nem alterado, nem revogado!!! - Foi assim que legislou a constituição americana.

Mas o decreto de 29 de março estará redigido n'essa conformidade? Não está. - A actual posição politica do sr. Serpa leva-o a não confiar já no exercicio da liberdade e na repressão dos abusos. - O receio e o medo entibiou-lhe o animo. Os perigos possiveis empurraram-o do campo da liberdade para o da reacção. - Impelliram-o da escola repressiva para a preventiva, levada exageradamente ás ultimas consequencias.

Não o digo eu. - E s. exa. que assim o diz e confessa nobremente no seu relatorio, declarando textualmente que é preciso prevenir os abusos que do exercido do direito de reunião podem resultar!!! - Não diz que é preciso reprimir os abusos, mas sim que é preciso prevenil-os. - Reprimir é o principio da liberdade, prevenir é o principio da reacção. - E depois, com uma logica de ferro, no § 3.° do artigo 3.° deduz todas as consequencias do seu novo principio e do seu novo systema, determinando que todas os reuniões, todas, absolutamente todas possam ser prohibidas preventivamente, por motivo da ordem publica!!! - Ora como prohibir é não consentir, e não consentir é não auctorisar, é sujeitar o exercicio do direito á vontade, ao bem querer, ao capricho da auctoridade, isto, em linguagem clara e positiva, equivale a dizer que o direito de reunião fica existindo, mas que só poderá ser exercido quando a auctoridade quizer, ficando por este modo confiscado e annullado inteiramente!!! - Sim, ficando confiscado e annullado esse direito que o mesmo sr. Serpa dizia, que era natural, pessoal, e que não devia ficar dependente nem mesmo das côrtes ordinarias!!! - O tribuno dos direitos individuaes converteu-se em seu algoz, em seu vilipendiador!!!

E querem saber o que é a policia preventiva? - Ouçam a opinião insuspeita do nosso compatriota Pinheiro Ferreira.

"Da bella maxima: - É melhor prevenir que punir, nasceu a policia preventiva, um dos maiores flagellos da humanidade, e por conseguinte uma das instituições mais abominaveis aos olhos de todo o homem constitucional. - ... A policia preventiva ou tolhe ou estorva ao cidadão o uso dos seus direitos; não porque elle a isso tenha dado occasião, pois não praticou ainda o acto em questão, ou, se alguma vez já o praticou, não atacou os direitos de ninguem. - Por que rasão pois lhe atacam os seus? Porque outros individuos abusaram d'esses direitos? - Mas que jurisprudencia é essa que castiga o innocente, porque outros são culpados? E a jurisprudencia da tyrannia que é sempre cobarde porque tem consciencia do odio que merece... Mas como qualificar os nossos constitucionaes que depois de exaltarem em seus hymnos os principios da carta que juraram, pela qual dizem terem derramado o seu sangue, exposto as suas vidas e supportado mil trabalhos na emigração, nos homizios e nas masmorras, apenas chegam ao poder, tomam logo para regras de comportamento as maximas da policia preventiva? - A policia preventiva é abominavel aos olhos de todo o homem amante da ordem e da liberdade, porque ella assenta sobre o absurdo monopolio, que aquellas duas fórmas de governo se arrogam, de só ellas violarem legalmente a lei do justo. -Prohibem as leis do absolutismo a todo o cidadão atacar os direitos de outro cidadão, salvo se este voluntariamente se despojar d'elles atacando primeiro os de alguem. - E logo depois creando a policia preventiva, acrescentam: Será porém licito aos agentes do poder executivo atacar os direitos de qualquer cidadão, uma vez que diga ter receio de que este fazendo uso d'estes, prejudique o estado. Isto é o que nós chamâmos monopolio do crime. - Esta especie de policia preventiva não póde verificar-se n'um governo sinceramente constitucional, que tem por base respeitar os direitos do cidadão. - Nos principios da jurisprudencia constitucional, não se castiga um cidadão só porque a alguma auctoridade publica apraz dizer que tem justos motivos e muito fundados receios de que elle commetta um crime.

Ao governo cumpre vigiar os passos de um homem suspeito, e eis aqui em que consiste a policia preventiva, em geral mas não para o estorvar no exercicio dos seus direitos emquanto elle não tiver offendido o do terceiro (particular ou o estado), porém sim para poder acudir promtamente a atalhar o abuso apenas elle tiver começado a verificar-se.

A jurisprudencia constitucional não concede a ninguem, e menos aos homens do poder, a quem seria mais facil abusar impunemente d'essa faculdade, estorvar aos cidadãos o livre uso dos seus direitos, mas prescreve formalidades com as quaes não se estorva o livre uso dos direitos do cidadão. Eis aqui no que consiste a policia preventiva nos governos constitucionaes. - Alguns publicistas para que ella se não confundisse com a do absolutimo, têem-lhe dado o nome de policia repressiva, porque as suas medidas têem por fim reprimir o crime, quer seja atalhando-o no principio, quer seja obstando á sua repetição, castigando-se o culpado!!" Expostas estas considerações, eu pergunto a mim mesmo qual seria a legislação estrangeira, qual seria o escriptor cuja doutrina serviu de modelo ao sr. presidente do conselho para redigir o seu decreto?

Eu tenho aqui á mão duas leis modernissimas, uma de 188O e outra de 1881, publicadas na França e na Hespanha. Uma é monarchica e a outra republicana, e em nenhuma d'ellas se encontram as disposições que se encontram n'este decreto!!!

Em nenhuma d'ellas se dá á auctoridade a faculdade de

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suspender e muito menos de prohibir uma reunião só por que existem suspeitas, pelo medo, pelo susto e pela simples desconfiança de que a ordem publica póde ser perturbada! - Podem sim, segundo essas leis, ser suspendas e prohibidas as reuniões desde que se tornara illicitas e criminosas. É a policia repressiva. Mas o sr. Serpa lançou-se na policia preventiva, na policia das suspeitas, que é a policia do medo, do arbitrio e do despotismo!!

Na França, durante o segundo imperio, houve uma lei similhante a esta; mas essa lei morreu com o imperio cesarista e hoje não existe já. N'essa lei havia porém duas disposições que attenuavam muito o seu rigor. O nosso decreto nem essas duas attenuações admitte.

Segundo a lei cesarista, só o prefeito podia suspender, e só o ministro podia prohibir uma reunião. Aqui toda e qualquer auctoridade local póde suspender e prohibir! - Já é liberdade! Já é garantia!

A outra disposição que mitigava muito o rigor do principio legislado pelo Cesar era que só podiam ser prohibidas, por motivo de ordem publica, as reuniões politicas, e nenhuma outra.

As reuniões litterarias, as scientificas, as economicas, as artisticas, as agricolas, etc., etc., não podiam ser suspensas, nem prohibidas, e nem ainda mesmo as sociaes.

Aqui todas, todas, todas, sem excepção alguma, sem distincção, nem limitação!

A legislação imperial era má, a nossa é insupportavel e tyrannica.

Quando a necessidade da ordem o exigir?!! E quem mede preventivamente as necessidades da ordem publica em cada caso especial?!!

Por que regras se medem preventivamente essas necessidades?!! Quem as mede?

Até o regedor da parochia de Obidos ou da Arruda dos Vinhos fica auctorisado para as medir!!!

E das prohibições arbitrariamente feitas pelos agentes da auctoridade que_recursos ha, e para quem? - Não ha recurso algum? - É definitiva a prohibição da auctoridade local? - É reparavel qualquer abuso que a auctoridade commetta? - A prohibição deverá ser fundamentada? - Deverá ser feita por escripto? - Bastará um conciso - prohibo?

Que fica valendo, assim, um direito por tal fórma garantido? O direito de reunião fica á mercê do poder descricionario da auctoridade, e nada valle. Não é um direito, é um favor.

E o que diz a constituição do estado a este respeito? - A carta constitucional diz terminantemente no artigo 145.° que os direitos individuaes do cidadão ficam garantidos pela constituição, - e que o direito de reunião é um direito individual, cujo exercicio é livre, salva a responsabilidade pelos abusos. - Diz mais que esse direito só póde ser cohibido, ou suspenso em dois unicos casos, precisamente indicados e especificados. - No caso de invasão de inimigo e no de rebelião. - A lei constitucional é expressa, é clara, é terminante. - Não dá motivo nem occasião para duvidas, ou para interpretações sophisticas!!! - Mas o decreto actual não só auctorisa a suspensão, mas auctorisa a prohibição fóra dos casos excepcionalmente indicados na constituição. - E por isso inconstitucional!!!

Mas a carta constitucional diz mais ainda, - diz que a suspensão só póde ser temporaria, e por tempo limitado; mas o decreto estabelece-a como direito permanente. - A carta constitucional ordena que o governo, quando haja suspensão, dê conta ás côrtes, e o decreto nem isso!!! - A carta, assim, no seu artigo 145.° morreu, e foi assassinada pelos seus proprios reconstructores!!!

Eu sei que dos direitos individuaes, o de reunião e associação, são aquelles que mais têem custado a ver supportados pelos governos e que, ás vezes, estes direitos são realmente muito incommodos. Eu sei que a historia do direito de reunião é a historia das revoluções e das contra-revoluções na Europa. Sei que é ao direito de reunião que se attribue a quéda das monarchias, e das instituições, mas n'isto ha grande exageração.

Não é realmente á reunião na sala do jogo da pélla que se deve attribuir a origem, a causa, e o principio da grande revolução franceza. - Se o Rei não tivesse mandado fecha as portas da sala das sessões da assembléa; se á reunião dos deputados não tivessem sido mandados os commissarios do Rei intimal-os para que despejassem, nem Mirabeau teria tido occasião do exclamar-lhe que fossem buscar as bayonetas, nem a inviolabilidade dos deputados teria sido proclamada, nem estes teriam tido occasião de prestar juramento de que não se separariam sem darem uma constituição á França!!!

Não foram os banquetes os que derribaram a Luiz Filippe, foi a prohibição dos banquetes. - Não é o direito de reunião que derruba os governos, é a arbitrariedade dos governos, - é a dictadura dos governos, que provoca as insurreições e faz caír as instituições!!!

Independentemente da disposição prohibitiva do § 3.° do artigo 3.°, a redacção do decreto está tão pouco cuidada, e é tão pouco technica que o exercicio do direito de reunião fica inteiramente dependente do arbitrio da auctoridade.

Ora um direito cujo exercicio fica inteiramente dependo arbitrio e vontade de um terceiro não é direito, é favor.

Nos artigos 2.° e 3.° contrapõem-se ás reuniões feitas nas praças, ruas e passeios, as feitas em recintos fechados.

Mas no artigo 2.° alem de mencionar as praças, ruas e passeios, acrescenta e mais logares publicos.

Que logares publicos são esses alem das praças, ruas e passeios?!!

Na lei hespanhola de 1880 diz-se e mais logares do transito. Na lei franceza de 1881 diz-se e mais logares de circulação. - Isto assim entende-se; mas o que ahi está não se entende, e precisa de explicação.

E para que fim se contrapoz as reuniões feitas nas praças, ruas e passeios ás feitas em recintos fechados?!

Pretender-se-ha dizer que as reuniões feitas nas ruas são publicas, e que todas as outras, feitas em recintos fechados, são particulares?!!

Se assim é caíu-se n'um equivoco e n'um erro lamentavel, cujas consequencias serão desastrozas. - Entre as reuniões feitas em recintos fechados ha muitas que são publicas, e outras que são particulares, e até domesticas. - Não é possivel confundir todas as reuniões feitas em recinto fechado sob uma só disposição. Não é a circumstancia do logar ser fechado ou aberto que dá caracter á reunião. - A reunião deve ser qualificada de publica ou particular, ou por que só a ella são admittidos os individualmente convidados, como determina a lei franceza, ou pela circumstancia da casa ser, ou não ser, domicilio do promovedor da reunião, como quer a lei hespanhola. - A distincção feita nos artigos 2.° e 3.° não tem verdade moral nem juridica.

Da injustificavel confusão feita no decreto entre as reuniões publicas e as particulares resulta que, ou todas as reuniões em recinto fechado são publicas, e portanto sujeitas á fiscalisação da autoridade, comprehendendo assim todas as particulares, e até as domesticas, o que é tyrannia; - ou que todas são particulares e n'ellas não terá intervenção a auctoridade, ficando assim desarmado o poder publico para manter a tranquilidade. - Isto carece de explicação.

No mesmo artigo 3.° diz-se que as reuniões feitas em recintos fechados ficam sujeitas ás disposições contidas no decreto de 15 de julho de 1870, e tambem ás d'este mesmo decreto. - Não entendo isto.

As disposições do decreto de 15 de julho de 1870 são todas incompativeis com as d'este decreto. - Umas e outras não podem coexistir. Mas se é certo que todas as reuniões feitas em logares fechados ficam sujeitas ás disposições d'este decreto, isto é - a todas, pois que não se

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608 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

faz distincção alguma, ficarão dependentes da auctorisação previa, e equiparadas em tudo ás feitas nas praças e ruas. - Eu cuido que não é isto o que quiz o sr. Serpa. Eu acredito que o sr. Serpa não pretende illudir-nos e fazer uma redacção imperfeita e confusa para nos enganar. Mas é o que está escripto, e é forçoso que seja emendado.

No § 2.° do artigo 3.° auctorisa se a exigencia aos promovedores da reunião de um termo de responsabilidade pela manutenção da ordem, e por que se não profiram discursos sedicciosos. - Com que justiça se póde fazer esta exigencia?!! - Quem póde responsabilisar-se por que não appareçam na reunião alguns individuos que lá vão de proposito para perturbar a ordem e comprometter o responsavel?!! - Os adversarios na politica, e os proprios agentes de policia que virem esquerdamente a reunião podem ir, ou mandar, fazer a desordem. - E como tornar responsavel pela desordem aquelles que não têem os meios legaes de fazer manter e conservar a ordem? - Passam para elles as attribuições de policia?! e fica ás suas ordens a força publica?!! - Então sim. - Fóra d'isso é tyrannia, é um arbitrio. É um meio pouco leal de impedir, de estorvar o exercicio do direito de reunião. - É o confisco d'esse direito. É uma ratoeira armada á boa fé.

E porque se não profiram discursos sedicciosos?!! Como póde o signatario do termo de responsabilidade responder porque não vá á reunião um adversario politico proferir discursos sedicciosos para assim conseguir a dissolução da reunião? - Se algum orador profere palavras criminosas o presidente adverte-o. Chama-o á ordem. - Se o presidente o não faz, o agente da auctoridade lembra isso ao presidente. - Se o orador não accede á advertencia, tira se-lhe a palavra, se continúa e não ha modo de alcançar a manutenção da lei, dissolve-se a reunião. - Mas tornar responsavel o promovedor da reunião é uma injustiça, uma tyrannia, uma arbitrariedade. - É o meio de estorvar, impedir o exercicio d'isso a que se chama direito. - É melhor dizer que não ha este direito.

Diz o decreto que serão dissolvidas as reuniões em que se profiram idéas tendentes a derrubar o systema representativo?!!

Eu sei, ou devo saber, o que é um crime e o que é preciso para constituir um crime. Eu sei o que é crime frustado, o que é tentativa de crime, o que são actos preparatorios do crime, mas não sei o que é tendencia de crime, ou crime de tendencia!!! S. exa. deve explicar isto. Deve explicar esta theoria, esta doutrina. Tem obrigação de o fazer, para que nos possâmos votar com consciencia e convicção.

As idéas manifestam se pelas palavras. As idéas nunca são criminosas, as palavras sim, podem sêl-o. As palavras podem ser subversivas, e n'este caso são criminosas. Mas palavras que vão tendentes para o crime, não ha legislação alguma no mundo que as qualifique e que as incrimine. Quaes são os elementos constitutivos d'esse crime de tendencia? É preciso decerto especifical os na lei, aliás não é lei, será uma cilada, uma ratoeira, mas não uma lei seria e justa, propria de um povo civilisado e de um governo serio.

Não ha pessoa alguma que não possa ser envolvida n'esta disposição. Eu n'uma conferencia litteraria sustento que o governo monarchico antigo era preferivel ao actual, não fico envolvido na tendencia para mudar a fórma de governo? Outro diz que o systema presidencial é melhor, não fica sujeito á tendencia de querer antes um governo republicano?

Eu vejo e estudo o codigo penal, em parte alguma vejo descripto e mencionado este crime de tendencia!!! Ahi falla-se no attentado, mas na tendencia não se falla.

Póde dizer-se que isto nada importa, porque não se executa, que foi uma providencia de occasião, e que ninguem será incommodado. - Mas então nós não fazemos cousa seria. Estamos a enganar o paiz. Praticâmos um vilipendio, e au-
ctorisâmos a que nos lancem na cara a imputação de homens pouco dignos.

No já tantas vezes fallado § 3.° do artigo 3.° diz-se que a reunião será dissolvida quando se desvie, por qualquer fórma, do fim para que foi convocada.

Isto, á primeira vista, parece muito justo, mas praticamente é impossivel! - Pois como póde regulamentar-se o raciocinio de um orador?!! - Não sabemos nós quanto é difficil aqui, quanto impossivel é ao presidente chamar um orador ao assumpto, quando elle tem recursos de palavra e intelligencia, e se obstina a fallar em qualquer assumpto?!!

Quando um orador divaga chama-se ao assumpto, e se não accede retira-se-lhe a palavra. - Mas dissolver uma reunião só porque um orador divagou para materias que não têem intima connexão com o assumpto principal, isso é arbitrariedade.

E quem é o juiz da connexão, directa ou indirecta, proxima ou remota, de uma doutrina com outra? - É o commissario de policia?!!

O decreto em questão não póde considerar-se uma verdadeira lei regulamentar do direito de reunião. - É um acervo de prescripções sem nexo e sem systema, que não têem base nos principios da justiça e do direito. - É confuso e inintelligivel, e ommisso de muitas indispensaveis disposições que se encontram na legislação dos povos liberaes da Europa. - Assim, confunde absolutamente, as reuniões para fins politicos, das feitas para fins litterarios, scientiticos, economicos, artistiscos, sociaes e religiosos. Confunde tudo. - As leis estrangeiras fazem estas distincções, e de modo algum confundem as reuniões politicas com as eleitoraes e com as outras.

O decreto não distingue, ou distingue absurdamente, as reuniões publicas das particulares. - Não diz como se devem distinguir umas das outras, e todas as legislações da Europa fazem essa distincção, e é sobre ella que baseiam as suas disposições regulamentares.

Não distingue as reuniões feitas de dia das feitas de noite; tal distincção e absolutamente precisa, pois que os direitos e as faculdades da auctoridade não podem ser os mesmos n'um e n'outro caso.

Não distingue as reuniões feitas ao ar livre, das feitas em casa coberta.

Não cérca os direitos dos particulares de garantia alguma. - Não marca o tempo em que a auctoridade ha de dar ou negar a licença para a reunião. - Não lhe prescreve a obrigação de dar ou negar licença por escripto e fun-damentadamente. - Não diz que recursos ha da auctoridade contra taes abusos, e para quem se recorre. - Altera e revoga, sem dizer os motivos, grande numero do artigos do codigo penal. - Rasga e despreza as disposições das leis e até as do codigo civil.

Como deu a hora e eu não quero abusar da paciencia da camara, desisto de continuar na analyse que havia proposto fazer.

Tenho dito.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares).

O sr. Presidente: - A seguinte sessão será ámanhã, e e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 14 de julho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, Antonio José de Barros e Sá; Marquez da Praia e de Monforte; Condes, das Alcaçovas, de Alte, d'Avila, do Bomfim, de Carnide, de Gouveia, de Lagoaça; Bispo da Guarda; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Castro e Solla, de Ferreira do Alemtejo, de Moreira de Rey, de Valmór; Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Anto-

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nio J. Teixeira, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Firmino J. Lopes, Oliveira Feijão, Costa e Silva, Barros Gomes, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Calça e Pina, Coelho de Carvalho, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Rosa Araujo, José Luciano de Castro, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Sousa Avides, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Rodrigo Pequito, Hintze Ribeiro, Thomás Ribeiro.

Rectificações

Na sessão n.° 40, de 11 de julho de 1890, pag. 562, col. 2.ª, na votação nominal dos dignos pares do reino que disseram rejeito, faltou mencionar o nome do digno par visconde de Sousa Fonseca.

A pag. 564:, na declaração que fez o sr. secretario dos nomes dos dignos pares que haviam dito rejeito, foi incompetentemente inscripto, por parte da redacção do Diario, o nome do digno par visconde de Sousa Fonseca.

O redactor = Carrilho Garcia.

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