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DIARIO DO GOVERNO

Discurso do Digno Par Barreto Ferra: sobre a questão do uso feito pelo Governo dos poderes extraordinarios, pronunciado na Sessão de 5 do corrente mes.

Sr. Presidente, não costumo ser muito difuso, nem extenso nos meus discursos, e agora tenho, para assim obrar, mais esta circumstancia, que é a de' considerar que a Camara estará já cansada... [Vozes: — Não. Falle, falle.) Obedecendo pois aos desejos que a Camara manifesta, passarei a fallar sobre a materia que faz objecto da presente discussão, procurando limitar quanto for possivel o meu discurso aos pontos essenciaes, sobre os quaes me proponho fazer breves observações.

Sr. Presidente, a questão que nos occupa é por certo muito grave, muito importante, e de grande transcendencia; mas na minha humilde opinião considero que ella e muito simples, e de facil comprehensão; porque entendo, Sr. Presidente, que o unico ponto de que nos devemos occupar, consiste n'uma questão que se póde formular por estas simples expressões — se o Governo no uso que fez dos poderes extraordinarios e discricionarios que lhe foram concedidos pela Carta de Lei de 6 de Fevereiro, excedeu ou não excedeu os limites que pelos mesmos poderes lhe haviam sido conferidos? — Esta é a unica questão que temos a tractar, e eu, unicamente sobre ella, é que farei algumas breves reflexões.

Sr. Presidente, e um facto sabido, e desgraçadamente notorio, assim a esta Camara, como á Nação inteira, que na noite de 4 para 5 de Fevereiro uma parte do Regimento de Cavallaria n.º 4, estacionado em Tôrres Novas, e commandada por um Official Superior que pertencia a esse Corpo, levantou o grito sedicioso da revolta, proclamando affectadamente respeito ás prerogativas da Corôa e ás Instituições do Estado, quando por meio de um procedimento tão contradictorio, como reprehensivel, se propunha atacar essas mesmas prerogativas, desconhecer a legitima authoridade da Soberana, e destruir ou, pelo menos, reformar a Carta Constitucional por meio da força bruta, e não pelos meios que na mesma Carta se acham consignados, e expressamente permittidos; entretanto este facto, Sr. Presidente, com quanto fosse grave, e digno de severo castigo, não seria com tudo de grande importancia, nem para o reprimir e castigar seria mister que as Côrtes empregassem o remedio extremo de que usaram, depositando nas mãos do Governo poderes extraordinarios e illimitados se não fosse, como era, acompanhado de circumstancias que o tornavam summamente grave, perigoso, e de fataes consequencias. (O Sr. Ministro do Reino: — Apoiado.) Com razão, por tanto, o Governo, no relatorio que apresentou a esta Camara, desenvolveu largamente quaes eram essas circumstancias, indicando e comprovando com documentos, que não poderão recusar-se, a origem e progresso daquella revolta, os elementos de que era composta, e os meios e tentativas que por differentes vezes se empregaram para levar a effeito o vasto projecto de uma vasta conspiração, cujos symptomas eram geralmente sentidos, e que nesta Camara, de uma vez foram indicados e asperamente censurados por todos os seus membros (apoiados). Não sei, portanto, porque razão um Digno Par, que se assenta do outro lado da Camara, achou demasiada prolixidade no relatorio destas circumstancias, pois julgo indispensavel necessidade que a Camara tivesse conhecimento dellas, porque só avista dessas circumstancias é que a Camara e o Publico podiam avaliar a gravidade e importancia domai, assim como apreciar a efficacia e opportunidade do remedio. E com effeito, Sr. Presidente, não nos illudamos; nem se invoque o sentimentalismo para vir apresentar este facto como insignificante, por que elle era de grande importancia, não era um facto isolado procedido do temerário arrojo de Um aventureiro atrevido, que conseguira illudir uns poucos de soldados ignorantes e incautos, era o resultado de um plano, de antemão preparado nos conciliábulos (apoiados repetidos) de uma associação tenebrosa, cujas ramificações se estendiam a todo o Reino, composta de individuos pertencentes a differentes côres politicas, discordes em opiniões e crenças; mas conformes em um unico ponto, que era—derribar a Carta Constitucional (apoiados); sem talvez saberem, nem concordarem no que lhe haviam de substituir (apoiados). Como era possivel demonstrar a verdade destes principios, por factos notórios e conhecidos, e confessados por muitos que faziam parte desta associação (apoiados), como era possivel, digo, que o Governo deixasse de tomar a resolução de pedir ás Cortes, e como podiam as Côrtes deixar de conceder ao Governo os poderes os mais amplos para usar delles conforme as circumstancias exigissem? Tal é com effeito a phrase de que se serve esta lei, que no artigo 1.º diz assim.... de usar daquelles poderes conforme as circumstancias o exigirem.

É pois debaixo deste ponto de vista, Sr. Presidente, que eu considero este negocio; e já se vê que, encarando-o deste modo, não me parece exagerado o uso que o Governo fez destes poderes, antes estou persuadido de que as medidas por elle adoptadas, durante o periodo da revolta, umas cabiam na esphera de suas attribuições, outras podem sufficientemente justificar-se pela sua necessidade e urgencia, assim como pelas amplas faculdades que lhe concediam os poderes extraordinarios

Na primeira destas cathegorias, isto e, naquellas que eu entendo que o Governo usava da sua propria authoridade, comprehendo os Decretos de.... não me recordo as datas, mas todos os membros da Camara sabem quaes são; o Decreto que mandou proceder ao adiamento das Côrtes, e o outro que mandou continuar a suspensão das garantias. — Eu entendo, Sr. Presidente, que para estas providencias não precisava o Governo de poderes extraordinarios, e que elles lhe são expressamente facultados no artigo 74 paragrapho 4.°, e no paragrapho 34 do artigo 145 da Carta Constitucional; o por consequencia, não podemos com razão, acho eu, increpar o Governo de praticar actos, que segundo a expressa disposição da Carta só dependem da justa apreciação das circumstancias e necessidades publicas de que o mesmo Governo é o juiz mais competente, e ninguem melhor do que elle póde avaliar. Entretanto, Sr. Presidente, estas medidas tem sido acremente censuradas, não porque se julgasse que o Governo não tinha authoridade para as pôr em execução, o que seria difficil provar, mas porque uma dellas serviu de motivo para que elle mandasse continuar, pelo Decreto de 15 de Junho a recepção dos impostos, que não tinham sido votados. — Ora, Sr. Presidente, ainda que não seja proprio desta occasião o exame deste Decreto, porque é publicado fóra do tempo em que o Governo estava investido dos poderes extraordinarios, e fará objecto de outra discussão, comtudo não posso deixar de fazer sobre este objecto uma breve reflexão, que vem a ser, que se nós reconhecemos ao Governo o direito de adiar as Côrtes para bem do Estado, o que é expresso na Carta, se este direito não tem outra restricção que não seja a obrigação de conservar as Côrtes abertas por tres mezes em cada anno, necessariamente nos devemos sujeitar a todas as consequencias désse direito, e uma destas consequencias é, dando-se circumstancias em que o bem do Estado exigisse que as Cortes fossem adiadas antes de votarem os impostos, que então forçosamente lhe havemos de conceder o direito de continuar a receber os antigos impostos, pois seria absurdo que, concedendo-se ao Governo o direito de adiar as Côrtes para bem do Estado, se lhe negasse a faculdade de receber os impostos sem os quaes não poderia fazer face ás despezas publicas, e por esse modo compromettem e arriscaria a segurança e tranquillidade publica. Para evitar este absurdo é que, na ultima parte do artigo da Carta, se acha expressamente consignada esta doutrina; e por consequencia não vejo razão alguma pela qual se deva censurar o Governo relativamente a uma medida que se justifica pelo raciocinio, e que esta authorisada pela disposição da Carta.

Passarei agora, Senhor Presidente, ás outras medidas que foram verdadeiramente tomadas em consequencia dos poderes extraordinarios e discricionarios, e não tomadas por virtude de authoridade propria. — Não entrarei no exame, nem na analyse grammatica], philosophica e juridica desta phrase — poderes extraordinarios e discricionarios— nem recorrerei á mesma fonte a que recorreu um Digno Par, que abriu esta discussão, o qual se serviu de discursos pronunciados pelo Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e por alguns Sr.s Deputados na outra Camara, e permitta-me S. Ex.ª que lhe diga que não sigo o seu exemplo por dous motivos; primeiro, porque talvez da leitura desses discursos se podesse tirar uma conclusão contraria á que o Digno Par quiz tirar; e em segundo logar, porque no nosso Regimento ha um artigo pelo qual é prohibido aos membros desta Camara fazerem allusões ao que se passa na outra (apoiados), sem recorrer pois a nenhuma destas fontes, declaro, que o unico diccionario a que recorri para buscar a verdadeira significação das palavras poderes discricionarios, foi o artigo da Carta de lei de G de Fevereiro deste anno, aonde, a meu vêr, se encontra a verdadeira regra de hermeneutica, segundo a qual se devem interpetrar, assim como conhecer os limites que ampliavam ou restringiam a acção do Governo. — As Côrtes confiaram ao Governo poderes discricionarios para debellar a revolta, era pois o fim, e os poderes discricionarios eram os meios; e como, segundo os principios de boa logica, quem quer o fim deve querer os meios, é forçosa consequencia que não podemos deixar do' approvar todas as medidas que o Governo julgou necessarias para conseguir o fim que desejavamos, o qual era — o debellar a revolta.

Mas, disse o Digno Par que começou esta discussão na Camara, estas medidas são iniquas, são injustas, e são anti-constitucionaes, e accrescentou ainda, creio eu, que lamentava que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus I Christo de mil oitocentos quarenta e quatro houvesse um Governo que deixasse um documento tal da sua inépcia e da sua immoralidade, como era aquelle que dizia respeito aos arrestos e deportações. Sr. Presidente, eu tambem não acho estas medidas muito suaves, muito brandas, nem muito humanas, e tambem lamento, como o Digno Par, que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos quarenta e quatro, quando já ha vinte e quatro annos que trabalhamos em nossa terra para estabelecer a liberdade, e quando temos afortuna de possuir uma Constituição na qual estão consignados os mais essenciaes principios dessa liberdade, lamento, digo, que appareçam homens que, ignorantes do verdadeiro modo de plantar a liberdade n'um paiz, o que só póde ser pelos recursos da razão e da experiencia, que façam inspirar as convicções da bondade desse systema, vão ás praças publicas proclamar a revolta, e procurem obter essas convicções com a logica das espadas, e com o raciocinio das bayonetas! (Apoiados). Nesta parte pois, alguma razão tem o Digno Par; entretanto parece-me que algumas destas medidas não incluem aquella qualidade tão saliento de atrocidade que S. Ex.ª lhe quiz attribuir. — Começarei pela prisão dos dous Sr.s Deputados.

E começo de proposito por este facto, porque o tenho na maior consideração; acho que são dignas de todo o respeito as prerogativas das duas Camaras, e desejo que sejam guardadas todas as immunidades e garantias dos seus membros, assim como que se mantenham todos os privilegios que nos são concedidos, não pelos interesses pessoaes e commodidade dos individuos, mas pelo interesse da causa publica: porém, com quanto eu respeite estas prerogativas, e deseje que se guardem, entendo que o Governo não carecia de poderes discricionarios para prender os Sr.s Deputados, porque, segundo os meus principios, que já aqui declarei, persuado-me que o Governo póde prender qualquer - membro das duas Camaras sempre que se der o caso de flagrante delicto de pena capital. Ora, Sr. Presidente, não farei eu agora (porque não quero fatigar mais a Camara) uma dissertação sobre o modo de se entender o que é flagrante delicto, porque todos que tem as mais leves noções de Direito o sabem perfeitamente; basta para o nosso proposito observar que nos crimes collectivos tem uma accepção mais lata do que nos individuaes, e por tanto no crime de rebellião, de que se tracta, em cuja pena incorrem não só os seus auctores, mas todos os que lhe dão auxilio, ajuda e favor, como e expresso na nossa legislação que ainda não foi revogada, bem que muito estimaria que o fosse neste crime, digo, tem esta frase maior amplitude, e applica-se a differentes circumstancias que todas constituem delicto: assim se o Governo tivesse provas de que algum dos membros das duas Camaras tinha correspondencia com os rebeldes, procurava remetter-lhes dinheiro, aliciava gente para engrossar aquelle partido, ou por qualquer outro modo procurava dar-Ihe ajuda' e favor, quem