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CAMARA DOS SIGNOS PARES.

Extracto da Sessão de 6 de Novembro de 1844.

(Presidiu o Sr. C. de Villa Real.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora e um quarto, presentes 36 D. Pares. Tambem o foram os Sr.s Ministros do Reino, Estrangeiros, e Marinha.

O Sr. SECRETARIO MACHADO leu a Acta da Sessão antecedente, que ficou approvada.

O Sr. SECRETARIO C. DE LUMIARES mencionou um Officio da Camara dos Sr.s Deputados com um projecto de lei confirmatoria das providencias legislativas constantes dos Decretos nelle referidos. — Remetteu-se á mesma Commissão especial que déra o seu parecer relativamente ao uso feito pelo Governo dos poderes extraordinarios; sendo rejeitada uma proposta do Sr. C. de Lavradio para que cada um desses Decretos passasse ao exame da respectiva Commissão.

ordem do dia.

Prosegue a discussão do parecer da Commissão especial sobre o uso feito pelo Governo dos poderes discricionarios que lhe foram concedidos para suffocar a revolta.

O Sr. V. DE FONTE ARCADA: — Sr. Presidente, a materia que se vai tractar 6 tão summamente grave, que não posso deixar de fazer algumas reflexões sobre ella; reflexões filhas da obrigação que contrahi perante a Nação quando acceitei esta espinhosa sim, mas honrosa cadeira.

Na infausta noite de 6 de Fevereiro do corrente anno, veiu o Sr. Ministro dos Negocios do Reino pedir a esta Camara poderes extraordinarios e discricionarios para obstar á revolta que rebentara em Tôrres Novas. Deu S. Ex.ª como causa da precisão que tinha destes poderes, a necessidade que havia de nomear Governadores militares com attribuições administrativas, e de pôr em pratica o Regulamento de transportes de 1811. Nunca, Sr. Presidente, se invocaram motivos tão frivolos para se obterem taes poderes, cuja concessão estava fóra dos limites, que a Carta nos prescreve! Além disso, o Sr. Ministro faltou á sinceridade que nos devia, dizendo — que por causa da lei dos transportes precisava destes poderes. Eu o vou mostrar á Camara: (leu o artigo 1.° da Lei de 26 de Novembro de 1834 sobre transportes.) Por este artigo claramente se vê que o Regulamento de transportes de 7 de Dezembro de 1811 ficou em execução nos dous casos seguintes: 1.°, quando houver guerra declarada com alguma potencia estrangeira — 2.°, quando houver rebellião em alguma Provincia do Reino. Isto é tanto assim, que em 1840, fazendo S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino parte do Ministerio a que presidia o Ministro da Guerra Conde do Bomfim, então se expediu o Decreto de 12 de Dezembro, por este assignado, em que, attendendo ás circumstancias em que se achava o paiz, se mandava tivesse execução o Regulamento de transportes de 1811: cessando aquelles motivos, foi derogado este Decreto pelo de 9 de Fevereiro de 1841. Tudo isto mostra que tal precisão não havia de poderes discricionarios por causa da lei dos transportes. S. Ex.ª de certo o sabia, porque o facto foi passado quando elle fazia parte daquelle Ministerio.

Agora, Sr. Presidente, tractarei do parecer da Commissão. — A Commissão entende, na primeira parte do seu parecer, que as prisões provisoriamente feitas sem culpa formada, e as deportações de pessoas suspeitas para o Continente do Reino e fóra delle, estavam dentro dos limites que se deram ao Governo. Mas eram necessarios estes poderes para prender sem culpa formada, e mesmo talvez para remover algumas pessoas dentro do mesmo Reino?... A Commissão, porém, julga que as remoções para presidios fóra do paiz, estão na mesma cathegoria, por ser a prisão de ordinario mais repressiva da liberdade que a deportação; mas note-se, que os cidadãos assim deportados estão presos em um presidio donde não podem sahir, e a pessoas assim presas diz-se que a prisão no paiz é mais repressiva da liberdade do que esta deportação, apesar de estarem, como disse um Digno Par, vendo a deliciosa Ilha da Madeira, cuja vista de pouco lhes serve porque estão presos: e note-se mais que tudo isto foi por um Decreto em que o Ministerio, esquecendo todos os principios de jurisprudencia, admittidos em todos os povos civilisados, foi ao mesmo tempo Legislador, Juiz e executor!

Passarei agora a considerar a demissão dos Officiaes sem ser em Conselho de Guerra; e permitta-me a Camara que eu aqui apresente e compare o que se fez agora com o que se fez em 1837, naquella revolta chamada (com muita magoa minha o digo) por antonomasia dos Marechaes. Sr. Presidente, permitta-se-me que ácerca deste objecto eu faça algumas reflexões, sobre o quando esta revolta foi intentada. Foi intentada quando existiam as Córtes Constituintes (a que eu muito me honro de ter pertencido), Côrtes que tão calumniadas tem sido, mas que virá uma época em que se lhe fará justiça. Havia ahi um grande numero de homens que queriam, sim, melhorar a Carta o que lhes era licito, visto as circumstancias que tinham dado logar áquellas Côrtes, mas que queriam conservar illesos os principios fundamentaes da mesma Carta. Foi então que se lançou mão da espada assolando-se o paiz para fazer valer principios que sem o risco de pôr em conflagração o mesmo paiz, se podiam obter pacificamente: isto mostra (apesar das boas intenções dos Marechaes) que não era só para fazer valer principios, que se empunhara a espada; mas tambem para os fazer valer por certas e determinadas pessoas.

Voltarei agora, Sr. Presidente, ao Decreto que demittiu os Officiaes cujas patentes não podiam perder sem ser em Conselho de Guerra. — Em 1837, na occasião a que alludi, tambem se propoz na Camara Constituinte uma lei similhante que passou, apesar da opposição que se lhe fez; não foi porém sanccionada, não obstante os esforços que para isso fez o Deputado pelos Açores, o Sr. Costa Cabral. Foi então que Sua Magestade que Deos guarde, submetteu á Camara as Suas observações sobre aquella lei, que eu passo a ler: (leu na Revolução de Setembro N.º 949,1. — Estas observações, Senhores, são para todos os tempos, são para todas as épocas, hão de atravessar todas as nossas desgraçadas dissenções; e serão um testemunho irrefragavel da solicitude de Sua Magestade pela felicidade dos portuguezes (apoiados). E notem-se estas expressões de Sua Magestade.» Este projecto de lei destruiria se fosse sanccionado, os principios estabelecidos na Constituição e em leis organicas em perfeito vigor, que em todos os tempos devem ser respeitados.» Mãis abaixo diz: na influencia da lei actual, como um exemplo de uma violação das garantias da Constituição, se estenderia a todas as idades. As circumstancias do momento dariam á lei o caracter de uma sentença, e não de uma lei. Sendo Eu a primeira guarda das garantias individuaes consagradas na Constituição, e nas leis organicas do Estado, as quaes são para todos os portugueses, e para todos os tempos, repugnava ao Meu Curação acceder a uma lei que me parecia que a passar, ia estabelecer um precedente de terrivel influencia.» Á vista disto que mais poderei eu dizer?...

Hontem um D. Par para mostrar a precisão que o Governo tinha de tomar similhante medida, disse — que esta medida era necessaria para tirar as Patentes áquelles Officiaes, que não podendo, comparecer, por estarem ausentes, nos Conselhos de Guerra ordinarios, ficariam impunes. — O D. Par a que me refiro esqueceu-se de que podiam ser citados por Cartas de Editos, (sussurro) e não comparecendo, ser julgados á revelia. Tambem disse, Sr. Presidente, que a medida era necessaria para não receberem soldos! Soldos, Sr. Presidente, que nenhum Official póde receber sem ter licença registada. ' O arresto dos bens de todas as pessoas implicadas na revolta, apesar do que os D. Pares tem dito, foi um verdadeiro confisco, por quanto o confisco consiste na apropriação dos bens dos cidadãos para o Fisco, hoje Fazenda Nacional, como consequencia de um acto que se diz criminoso. Embora os D. Pares tenham dito que se não confiscaram, mas que unicamente se procedeu a arresto nos bens dos implicados na revolta de Torres Novas; se podesse haver alguma duvida a este respeito, a Portaria do Sr. Ministro do Reino de 2 de Março a tiraria: (leu-a) Por ella se manda ao Governador Civil do Districto da Guarda, que averigue quaes são os individuos da Guarda Nacional daquelle Districto que se uniram aos revoltosos, que" se proceda ao arresto dos bens que lhes pertencerem para o seu producto ser applicado ás despezas extraordinarias do Estado occasionadas pela presente conjunctura.

Por este modo, Sr. Presidente, acontece que estes homens assim implicados estão soffrendo pelo mesmo crime duas penas; uma como simples revoltosos, e outra como tendo suscitado a guerra civil, como clara e eloquentemente mostrou um illustre Deputado, cujos talentos todos reconhecem. A guerra civil, Sr. Presidente, é regida pelo Direito das gentes como um distincto Publicista escreve, estabelecendo as regras que a devem reger. Lerei á Camara a opinião de dous illustres Publicistas, Beccaria e Benjamin Constant, que dizem o seguinte: (leu.) Por tudo isto se mostra que o Governo desprezou todos os principios, attendendo mais á vingança do que a justiça.

Chamarei a attenção da Camara sobre a prisão de dous illustres Deputados. As garantias dos membros do Corpo Legislativo, Sr. Presidente, não são garantias individuaes, são garantias do emprego para bem se desempenhar; sem ellas não póde haver independencia. O Ministro, porém, diz que foram presos em flagrante delicto, e vendo que a definição de flagrante, ou fragante, delicto (porque uma e outra cousa se usa), dada pelo nosso praxista Pereira e Sousa (leu) e a Reforma Judiciaria, artigo 1020.º, não podiam de modo algum qualificar o crime, que elle dizia, estavam commettendo os illustres Deputados, recorreu ao artigo 41.º do Codigo de Instrucção Penal franceza que diz assim: (leu.) Estas palavras— clameur public — querem dizer, aquelle clamor que se segue á perpetração de um crime, daquellas pessoas que o presenciaram que vos em grita vão denunciando o criminoso.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Ministro recorreu á Legislação Penal estrangeira como subsidiaria da nossa! Admira-me isto de um tão consummado jurisconsulto! As leis penaes entendem-se sómente nos casos expressos nellas, como se vê pela Ordenação do Reino L.°2.°Tit. 13.° no fim (leu): Alvará de 2 de Outubro de 1603 (leu): Assento de 8 de Agosto de 1758 (leu): se as nossas leis não admittem por direito extensão em materia penal, muito menos consentem que se vá buscar a legislação estrangeira como subsidiaria da nossa. A lei de 18 de Agosto de 1769 não permitte senão para o direito civil que se recorra ao romano, e de modo nenhum á legislação penal estrangeira. Além de que, se os illustres Deputados foram presos em flagrante, como os póde S. Ex.ª soltar? Acaso é elle o Poder Moderador, que, só póde perdoar crimes? E se os soltou por não estarem criminosos, como os póde prender? N'uma ou n'outra cousa houve abuso de poder; S. Ex.ª que escolha qual quizer.

Um Digno Par tambem disse que nos crimes commettidos por muitos, flagrante delicto tinha uma significação mais ampla; mas repare-se que flagrante, diz relação ao delicto, e não ao numero das pessoas que o commettem.

Agora tractarei dos actos que o Governo fez depois de concluirem os poderes discricionarios. Então se publicou o Decreto de 17 de Abril, que mandou estabelecer Conselhos de guerra para julgar todas as pessoas implicadas na revolta, apesar de estarem, na conformidade do artigo 145.º §. 34.° da Carta Constitucional, as garantias suspensas na fórma que o mesmo artigo e §. determinam. Ora, Sr. Presidente, o §. 34 diz

— que no caso de rebellião, ou invasão estrangeira o Governo possa suspender algumas formalidades, que garantem a liberdade individual; o Governo porém nomeou Conselhos de guerra para julgar cidadãos estranhos á sua competencia, derogando uma garantia politica que a Carta garante aos cidadãos portuguezes, os quaes não podem ser julgados senão pelos seus Juizes competentes. As garantias politicas em caso algum podem ser suspensas.

Ouvi hontem um Digno Par elogiar os Conselhos de Guerra; vou mostrar á Camara o modo por que nelles se tem procedido. — O Abbade de Jubim, e os Cidadãos Francisco José de Araujo, e Antonio Augusto Ferreira foram presos no Concelho de Gondomar em 24 de Abril, por suspeitas que teve o Administrador daquelle Concelho de que pertendiam levantar uma guerrilha; apesar de uma testemunha ter deposto a respeito do Bacharel Antonio Augusto Ferreira, que estando elle doente entrára em sua casa um sujeito que lhe dissera — que se elle fosse para cima podia subir algum posto — a que o Bacharel Ferreira dissera que não queria, porque estava farto de trabalhos. Foram estes Cidadãos julgados no Porto no dia 7 de Maio, dia em que lá chegou o Diario N.° 105, em que vinha a Portaria de 3 de Maio (leu). Esta Portaria mandava entregar aos Tribunaes ordinarios os presos politicos, apesar das reclamações que a este respeito fizeram os réos ao Presidente, mostrando que pela Portaria já o Conselho não era competente para os julgar. O Conselho porém, apesar da Portaria, continuou a julga-los, e condemnou o Abbade em um anno de prisão, e os outros dous em seis mezes, mas com a circumstancia de que tres dos vogaes votaram que não havia culpa, e um que não mereciam tanta pena; foram pois condemnados pelo voto do Auditor, e de dous vogaes; isto é, de 3 contra 4. (O Sr. Barreto Ferraz: — A palavra para uma declaração). É para notar que um dos vogaes que condemnou tinha primeiro votado que absolvia os réos, o que o Presidente enfurecido lhe estranhou de tal modo, que, retractando-se, disse — então condemno. — Isto foi publico, e existe uma reclamação de alguns proprietarios, ou negociantes do Porto (que presenciaram este facto) contra similhante irregularidade. O Conselho de Guerra pois fez obra quando já não podia fazer, á vista das palavras expressas da Portaria de 3 de Maio, pelas quaes o Governo reconhece os principios estabelecidos pela Carta Constitucional, que não admitte Juizos de Commissão. O Conselho de Justiça Militar tanto os reconheceu que, segundo é publico, representou duas vezes ao Governo que era incompetente para aquelle caso; e em quanto o Governo não decidiu, parece que não foi revista a sentença do Conselho de Guerra!

O Orador proseguiu fazendo varias observações a respeito das diligencias que (disse) o Sr. Ministro do Reino tinha praticado, para fazer acreditar que á coallisão se devia a revolta e o espirito vertiginoso que S. Ex.ª notava no paiz: affirmou que o Sr. Ministro não provava isto (não obstante o documento n.° 1 annexo ao Relatorio), e que mesmo não dava credito a similhante idéa, como confirmava o recente facto de ter sido nomeado para um commando de Marinha certo Official que deslocara outro com quem combatera em occasião que o primeiro defendia a usurpação!...

(O Sr. M. da Marinha pede a palavra.)

Passou depois a fallar (c o fez largamente) na Associação Eleitoral, que tractou de defender dos factos que o Governo lhe attribuia, os quaes ainda da que podessem fazer carga a alguns dos mem-