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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 18 de agosto de 1868

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. DUQUE DE LOULÉ

Secretarios, os dignos pares Conde da Fonte Nova

Visconde de Soares Franco

(Assistiram os srs. Ministros da Fazenda e da Guerra.)

Ás duas horas e meia da tarde, achando-se presentes 26 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia: Um officio da presidencia do conselho de ministros, participando, para conhecimento da camara, que em consequencia de ter cessado o impedimento do conselheiro Antonio Pequito Seixas de Andrade, e de por isso poder assumir as funcções do logar de ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, houve Sua Magestade El-Rei por bem exonerar d'aquelle cargo, por decreto de 15 de agosto corrente, o bispo de Vizeu, D. Antonio Alves Martins, par do reino e ministro do reino, ao qual durante o mencionado impedimento, estava commettido o mesmo cargo.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a fixação do contingente de recrutas para o exercito no corrente anno de 1868. Ás commissões de guerra e de administração publicai Um officio da presidencia da camara> dos senhores deputados, remettendo, para ser presente á camara dos dignos pares, a proposição sobre ser auctorisado o governo a despender a quantia de 100:000000 réis para a continuação das obras da fortificação de Lisboa, e principio de armamento das suas fortalezas. Á commissão de fazenda.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo, para ser presente á camara dos dignos pares, a proposição sobre ser o governo auctorisado a decretar as reducções compativeis com os serviços publicos em todos os ministerios.

O sr. Presidente: — Não sei se a camara quererá que esta proposta de lei seja submettida ao exame de uma commissão especial, como se praticou na camara dos senhores deputados?

O sr. Marquez de Ficalho: — Que negocio é?

O sr. Presidente: — E sobre a auctorisação que o governo pede para reformar o serviço publico nas differentes repartições do estado.

Como se não apresenta objecção, no fim da sessão se procederá á eleição da commissão especial, que me parece que se deve compor de cinco membros..

O sr. Visconde de Soares Franco: — Sr. presidente, ha dias que pedi a palavra para negocio urgente, logo que o sr. ministro da marinha comparecesse; s. ex.ª muito occupado com os projectos importantes na outra casa do parlamento, não tem podido vir a esta camara como tencionava, e me tinha dito; mas a presença de s. ex.ª não era indispensavel, porque só tenho de me referir a documentos officiaes que existem na secretaria. Vou portanto fazer uso da palavra que me estava reservada, sentindo muito não ver presente o digno par o sr. Vaz Preto, a quem tenho de me referir; mas como s. ex.ª é assiduo ás sessões, é de suppor que não falte, ou então poderá ver pelo Diario official o que disser.

Sr. presidente, faz hoje uma semana que eu entrava n'esta sala profundamente impressionado pela leitura que acabava de fazer do discurso do digno par, onde se encontram algumas insinuações altamente offensivas á honra, á dignidade e ao pundonor militar de individuos pertencentes á marinha, mas que não têem voz n'esta casa. Tem decorrido bastante tempo, e hoje a minha palavra será benevola e moderada, como tenho por habito e costume, limitando-me á narração official dos factos, que entrego á apreciação da camara e do meu paiz; não deixarei comtudo de exigir explicações francas, categoricas e mui terminantes.

O sr. Amaral, ministro da marinha na administração transacta tinha apromptado todos os documentos que dizem respeito á compra da corveta para os apresentar ao parlamento; s. ex.ª saíu do ministerio, e eu pedi ao seu successor, que fizesse publicar no Diario official todas as peças concernentes a este assumpto, a fim de que e publico formasse um juizo certo e seguro, porque nos governos constitucionaes a publicidade é a primeira das necessidades. S. ex.ª disse-me que era essa a sua idéa. Já se vê que eu hoje não me occuparia d'isto a não ser o discurso a que me referi; peço portanto á camara que me preste a sua attenção, porque o objecto é gravo, e eu serei o mais laconico possivel.

No mez de janeiro recebi ordem da secretaria para convocar a commissão consultiva, a fim de lhe ser presente uma proposta para a compra de uma corveta, armada com 4 peças de 115, systema Pallisser, e 4 de calibre 40, andando 12 milhas a vapor, prompta a entrar em combate, acompanhada do desenho do navio machina, e do relatorio do muito honrado e distincto official o sr. José Baptista de Andrade, sendo ouvido o director de construcções navaes; reunida a commissão com o sr. director, depois de larga discussão o sr. director das construcções disse que enviaria o seu voto por escripto, que passo a ter á camara (leu); reuniu-se novamente a commissão, e a questão foi tratada e discutida largamente na these e na hypothese; emquanto á these, a commissão estava de accordo: que não ha marinha de guerra sem possuir alguns navios couraçados, e quem duvida d'isto, veja os ultimos combates no Rio da Prata, e verá que os paraguayos já por duas vezes atacaram o abordaram navios couraçados em canoas, que seriam tomados infalivelmente se fossem navios de pau, apesar da defeza heroica que teriam feito as suas guarnições; mas que tem de combater uma raça indómita que morre, mas matando; estes navios são muito caros e só servem para com--bate, emquanto aos Alabamas, quer dizer navios de grande velocidade e armados de artilheria de grosso calibre, que o sr. director propunha, o já tinha apresentado os modelos em harmonia com o que tem dito a commissão consultiva, nós não podiamos deixar de adoptar a idéa e o pensamento, porque se tratassemos de construir deviamos procurar os typos mais modernos, comquanto estes navios sejam muito mais caros; mas não era essa a nossa missão, não era essa a questão, tratava-se unica e simplesmente de avaliar em vista dos documentos officiaes, se aquelle navio, do mesmo typo das corvetas ultimamente feitas no arsenal da marinha, e muito mais barata, preenchia as condições que se dizia possuir; tratou portanto a commissão sómente a hypothese, e servindo-se dos argumentos apresentados pelo sr. director das construcções, formulou o seguinte parecer (leu).

Pela sua leitura se vê que é condicional, isto é, afigura-se á commissão que será difficil de encontrar n'aquelle navio as condições de velocidade e solidez requerida, mas na hypothese d'estas se realisarem, julga a commissão que no effectuar a compra proposta se faz boa acquisição para a marinha portugueza.

Já vê portanto a camara como são avaliadas as questões no nosso paiz, como tudo se altera e transtorna. De que se tratou foi ou não de typos, estes é que dizia o sr. director das construcções que eram antigos, mas identicos aos das nossas corvetas novas; e portanto nós dissemos se o navio é bom, compre-se, e se o não é, rejeite-se.

Parece-me que a minha missão estava concluida, porque a commissão formulando o seu parecer e remettendo-o ao governo, nada mais teve com este assumpto, e eu daria por terminada a minha tarefa: mas tendo sido esta discussão provocada pelo digno par, o sr. Vaz Preto, e sendo convidado pelo sr. ministro da marinha a formular a sua interpellação, s. ex.ª disse que = não a tendo feito no ministerio passado, agora não a faria, porque o sr. Amaral já não estava no ministerio, e não tinha voz n'esta casa; mas eu, amigo d'aquelle cavalheiro, e fazendo justiça ao seu merito transcendente, ao seu patriotismo, e á sua pratica dos negocios publicos, devo declarar que se elle foi enganado, todos o seriam, porque poz em pratica todos os meios que o seu zêlo lhe suggeriu para que tal facto se não desse.

Em primeiro logar mandou examinar o navio por um dos officiaes mais distinctos da nossa marinha, e a machina por um dos nossos melhores machinistas; os artistas mexeram no navio como quizeram, e por onde quizeram, e pelos documentos officiaes consta que as machinas são excellentes, bem travado, que só a vapor andou 11 milhas e 4 decimos; andamento seguramente superior ás nossas corvetas do mesmo typo, que tem excellente coberta, finalmente identico aos nossos navios que nos têem prestado muito bom serviço; mas dizendo' o commandante da Estephania que a corveta nos podia prestar um optimo serviço em Africa, sendo armada como as nossas corvetas, porque podiamos poupar o despendioso armamento proposto, que importa em mais de 40:000$000 réis, mandou novamente examinar se as cavernas eram unidas, e se a corveta era propria a navegar em qualquer mar, e tendo obtido resposta satisfactoria, não ficou ainda sufficientemente esclarecido; pediu que pelo ministerio dos negocios estrangeiros se officiasse ao nosso ministro em Londres para pedir uma vistoria por parte do almirantado para se reconhecer se o navio tinha todos os requesitos que se requeriam; isto não se pôde effectuar, porque o almirantado inglez não se presta a isso. Então os fabricantes apresentaram certificados de alguns engenheiros, e de um almirante que pertencia ao almirantado transacto. Estes documentos estão na secretaria, em que se diz: «Navio de 1.º qualidade, solida construcção, apto para navegar em toda a parte». Foi só depois de todas estas informações que o sr. ministro fez o contrato, e levou tão longe o seu escrupulo, que me dizem ser feito por s. ex.ª e o ajudante do procurador geral da corôa junto aquelle ministerio, com todas as minuciosidades, segundo consta, porque eu nunca o vi.

Já se vê pois que não foi nenhum empregado do arsenal, que não era ali chamado, que lhe deram conselhos, nem s. ex.ª, que tem vontade propria e caracter energico, como sabem aquelles que' o conhecem, se deixava dirigir por quem quer que fosse; os motivos foram outros.

A camara estará de certo lembrada do que eu tenho dito por differentes vezes, que a nossa marinha de guerra marchava a passos largos e agigantados para a sua ruina e completa decadencia. Infelizmente não me enganei; as nossas provincias ultramarinas póde-se dizer que estão abandonadas pela falta de navios de guerra, unica maneira de as podermos proteger, e sustentar o direito que nos assiste ao seu dominio; e tanto isto é verdade que, quando entrou a administração em 2 de janeiro, não encontrou navio nenhum de vapor capaz de emprehender uma larga navegação; as nossas duas melhores corvetas lá foram concertar em Inglaterra por não termos dique onde podessem entrar, e depois de tantos mezes só agora está prompta a Estephania, porque a Bartholomeu Dias levará ainda muito tempo.

Felizmente o sr. director das construcções é digno de louvor pelo seu zêlo, porque, contra a opinião da mestrança do arsenal, que achava perigosa a entrada da Sagres na doca da outra banda, conseguiu debaixo de sua responsabilidade que ella ali fabricasse, e salvou-se o navio. O mesmo aconteceu com o transporte Martinho de Mello e o vapor Marianna, que está soffrendo uma reconstrucção, de sorte que o sr. Amaral fez um grande serviço á marinha, empregando toda a diligencia e esforços para pôr em estado, de servirem os nossos navios, como se acaba de ver.

Foi este o motivo por que tratou da acquisição d'esta corveta, bem como estava determinado a mandar pôr a quilha de um navio que andasse quatorze milhas, no nosso arsenal, unico logar onde se devem fazer navios de pau, melhorando aquelle estabelecimento e aperfeiçoando-o para não termos de recorrer ao mercado estrangeiro.

Em vista das explicações que acabo de dar, parece-me que tenho satisfeito e dito o sufficiente para bem se ajuizar d'este assumpto; no entanto ponho-me desde já á disposição do digno par, o sr. Vaz Preto, a fim de o auxiliar no que poder para satisfazer ao que deseja o digno par.

Agora peço a attenção da camara por um momento para ainda ler uma parte do discurso, a que alludi, do sr. Vaz Preto (leu).

Mas, sr. presidente, como é que esses empregados do arsenal haviam de ser chamados e ouvidos? E para que?

Todo o mundo sabe que quando um ministro pede a sua demissão, emquanto não é substituido continua a permanecer á testa dos negocios e a despachar o expediente; não ha sede vacante. Foi isto o que aconteceu na repartição de marinha, cuja pasta o sr. Amaral occupou até ao dia 22 de julho. Mas pergunto eu, quem apanhou os taes documentos? Onde existem? Qual foi o andamento que se deu?

Sr. presidente, eu tenho horror a tudo que se refere a boatos, porque boatos são quasi sempre espalhados pelos calumniadores, principalmente em epocha de reformas, em que os intrigantes abundam para pescar nas aguas turvas e apanhar os logares que não sabem desempenhar, ou onde nunca poderiam chegar.

Quem apresenta uma pretensão ou uma arguição deve faze-lo com franqueza e lealdade, pois do contrario mostra que é um cobarde, que tem medo de uma pitada de polvora, ou do fio de uma espada, ou que não presta para nada.

Tenho concluido.

O sr. Rebello de Carvalho: — Tenho a honra de mandar