320 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
pagar aquella Somma; Comtudo paguei parte della, e fez-se reforma pelo resto, que eram 80:000 libras. Mais tarde pagou-se outra prestação, e assim se foi, pagando até que se lhe ficou devendo apenas 20:000 libras.
Aconteceu no entretanto vir esse individuo a Lisboa em companhia do agente da casa Fruhling Goschen, e por essa occasião recebi dessa casa uma communicação em que se me dizia que aquelle individuo, não obstante vir com o agente da casa Goschen, não tinha nada que ver com o negocio que o governo tratava com ella. O individuo em questão procurou-me, e eu vi nelle um homem de fino trato e maneiras affaveis; e depois de eu lhe dizer que a casa Goschen nada me tinha dito a seu respeito, disse-me elle, que tinha sido o intermediario para as negociações entre o governo portuguez e aquella casa, e que tanto por esse facto, como por serviços identicos, que antes disso havia prestado a diversos antecessores meus na pasta da fazenda, se julgava com direito a uma certa commissão, mesmo porque nenhum dos meus antecessores lhe havia pago nunca as suas commissões. Respondi-lhe que se eu encontrasse nos contratos de emprestimos concluidos alguma clausula, pela qual visse que se lhe devia alguma commissão se lhe pagaria. Mas eu examinando todos os documentos daquelle genero que havia na secretaria, não encontrei nada que se referisse a commissão alguma áqueile individuo. Disse-lhe tambem que se elle tinha sido intermediario para com a casa Goschen, essa casa, se o emprestimo se effectuasse com ella, provavelmente lhe pagaria alguma commissão; mas tambem desde logo lhe declarei que tinha resolvido não dar commissão nem corretagem a ninguem, pela minha mão, porque nada queria occultar ao parlamento nem ao meu paiz; e que todas as commissões e corretagens, que porventura houvesse de dar-se, seriam expressara ente designadas no contrato, porque sei que isto era o sufficiente para lançar sobre qualquer ministro os labéos e as suspeitas, de que infelizmente temos os, exemplos; e por isso eu devia estar prevenido pelo que injustamente tem acontecido aos meus antecessores.
O tal agente, como julgo que não tinha mais nada a fazer, retirou-sa para Londres, e mais tarde só, é que eu soube que elle se considerava com direito a haver commissão, não só do supprimento anterior, mas desse mesmo que tinha feito a casa Goschen. Escrevi-lhe então uma carta dizendo-lhe que não o tinha encarregado de cousa alguma, mas que desde o momento em que me mostrasse as provas de que se lhe devia alguma cousa, daria ordem para se lhe pagar.
O homem calou-se, não fez mais exigencias, e assim ficou a questão até ao vencimento das letras de que era portador; mas nessa occasião elle endossou as letras, e indo recebe-las na agencia, quando se lhe pediu o penhor que tinha na mão, respondeu que o havia vendido. Isto, sr. presidente, mostra bem a necessidade de acabar com esse systema, e os graves inconvenientes da divida fluctuante, porque os prestamistas, tendo em seu poder dois titulos, a letra e o penhor, se não têem probidade suficiente, podem dispor desse penhor com prejuizo para a fazenda.
Apenas eu soube de similhante procedimento, dei as providencias necessarias, e as ordens mais terminantes para Londres, a fim de que- se obstasse a que os titulos referidos podessem ter curso no mercado, e para que revertessem para a fazenda. Ordenei ao agente de Londres que fizesse constar o facto ao chanceller, e que fizesse o annuncio no stok exchange; que esses titulos ficavam completamente retirados da circulação, e não negociaveis. Em vista deste affida vit, declarou que esses titulos não eram negociaveis, e o chanceller deu tempo para que o réu respondesse marcando-lhe o praso de oito dias. No fim delles foram interrogados os corretores que tinham vendido parte desses fundos, e declararam quem os tinha vendido, quem lhos tinha comprado, e que ainda tinham em seu poder uma parte delles, mas que deviam ser absolvidos, porque tinham feito a transacção na boa fé.
O chanceller decidia que os que não estavam vendidos fossem entregues á agencia, e que os que estavam vendidos, visto ter havido boa fé, que se, deviam considerar como vendidos, reservando-se com tudo o direito ao governo de rehaver aquelles valores por uma acção judiciaria.
Effectivamente tive parte disto e apenas a tive dei immediatamente ordem para se proceder nas diligencias convenientes a este respeito, isto foi ha tres ou quatro dias, e este negocio deve ter continuado a seguir os seus tramites, os documentos existem na minha secretaria, sempre houve prejuizo para a fazenda, mas prejuizo pequeno, e que ainda assim é possivel que o não haja, se o individuo tiver por onde pague, pois que tudo é a nosso favor, primeiro do que tudo porque ninguem se póde pagar por suas mãos, e assim quando elle mesmo tivesse direito a receber não podia vender os penhores que se lhe tinham confiado, o que é contrario a todas as leis, e bem mostra o caracter indigno daquelle individuo; alem disso ha a circumstancia delle nunca ter apresentado documento algum em que mostrasse que o governo lhe era devedor dessas commissões a que allegou ter direito, era effectivamente credor de um supprimento, mas esse supprimento não fui eu que o contratei, achei-o contratado, e já o pagou o estado na minha gerencia.
Eu não conhecia aquelle individuo, só mais tarde quando veiu a Lisboa é que o fiquei conhecendo, e protesto solemnemente contra as phrases do digno par que me precedeu, mas logo que eu fallei aquelle individuo tive certas apprehensões, e mais tarde é que me informei sobre qual era o caracter delle, e as informações que tive fizeram-me perder toda a pouca vontade que eu nessa occasião já tinha de contratar com elle, e tanto que numa das occasiões mais criticas em que o estado do thesouro não era muito favoravel, me foi proposto por aquelle individuo o adiantamento de um supprimento importante, e esta participação foi-me feita pelo agente financial, dizendo-me que elle se tinha ido offerecer para fazer aquelle supprimento que era de 200:000 libras, e eu respondi que bastava ter sido s, proposta daquelle individuo para eu não querer aceitar o contrato; porque, sr. presidente, eu antevi logo que no meio daquelle negocio havia de existir entro peior, e dei por consequencia ordem muito terminante e positiva para que se não - aceitasse o contrato, e que na verdade não era para desprezar, era para tentar aceitar aquelle supprimento, porque era exactamente na occasião em que a société generale de Paris exercia maior pressão sobre o governo, mas eu ainda assim, apesar das criticas circumstancias em que nos achavamos, não quiz aceitar.
Eis-aqui está a expressão leal, sincera e verdadeira do facto tal qual se passou, e o sr. Vás Preto não tem rasão para me dirigir as injustas arguições que me dirigia.
O sr. Vaz Preto: - Disse que a correspondencia a que se referira declarava que aquelle individuo era o agente do emprestimo Goschen, e que o sr. ministro lhe telegraphara, dizendo-lhe que a sua commissão estava incluida nesse emprestimo, o que prova que o sr. ministro estava em relações com aquelle homem.
Expoz que a carta diz tambem que, quando este individuo se pagou da quantia que allegava dever-se, o chanceller levou este negocio ao maire, que não tomou delle conhecimento logo que viu a correspondencia do si. ministro.
E, segundo refere o Times, o chanceiler resolveu a questão contra o governo portugues.
Parece-lhe que aquelle individuo não se podia julgar com direito ao pagamento que exigia, se não tivesse documentos que provassem que tinha prestado serviços. A commissão a que elle diz que tinha direito são 4:000 libras do supprimento feito ao sr. Carlos Bento e 16:000 libras do contrato Goschen. E os tribunaes inglezes, em virtude desses documentos, julgaram que elle tinha direito á indemnisação que pedia, como ainda diz á carta.