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SESSÃO DE 23 DE JULHO DE 1869

Presidencia do exmo sr. Conde de Lavradio

Secretario,- os dignos pares Visconde de Soares Franco, Conde de Fonte Nova

(Assistia o sr. ministro do reino.)

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, communicando, para conhecimento da camara dos dignos pares, que foram approvadas por aquella camara as emendas feitas na proposição de lei, que auctorisa o governo a estabelecer o numero de prestações em que devem ser pagas as contribuições de repartição e lançamento no continente do reino e ilhas adjacentes, e que com essas emendas vae ser apresentada a Sua Magestade El-Rei para obter a sua real sancção.

O sr. Presidente: - Tenho a participar á camara que a deputação, encarregada de apresentar a Sua Magestade os autographos dos decretos das côrtes geraes, foi recebida pelo mesmo augusto senhor com a costumada benevolencia.

Agora devo tambem declarar á camara, que o sr. ministro das obras publicas acaba de participar,-me que tendo de occupar-se, neste momento, de negocios urgentes de serviço publico, não póde por isso comparecer na camara para responder á interpellação do digno par o sr. Rebello da Silva.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, como esteja presente o sr. ministro do reino desejo fazer-lhe uma pergunta. Eu li neste jornal, o Diario popular de hoje, o seguinte (leu). ."Parece que estão alguns quarentenarios atacados de moléstia epidemica no lazareto, os quaes já tinham vindo de fora. Já o sabiamos, mas não queriamos dar esta noticia para não alvoraçar o publico, mesmo porque havendo as precauções que são aconselhadas pela medicina, e que estamos convencidos que ali são cumpridas, nenhum perigo ha. Eis o motivo por que outro dia chamámos a attenção do governo sobre a necessidade de haver no lazareto um boticario permanente para poder apromptar qualquer medicamento, e um capellão para ministrar os sacramentos."

Desejava pois que o sr. ministro do reino me dissesse se effectivamente o que diz o jornal é verdade, e se a moléstia epidemica se tem desenvolvido, tendo-se já dado alguns casos de febre amarella no lazareto; tambem desejava ser informado se no lazareto ha boticario e capellão, porque dizem que não ha ali nem um nem outro, acontecendo, quando é necessario, mandar-se chamar um padre a Caparica, e ir buscar-se os remedios a uma botica, não sei aonde. Ora, sr. presidente, quem diz lazareto, diz isolamento, e assim não se póde dar o isolamento, em que é necessario que estejam as pessoas que estiverem em contacto com os doentes, das pessoas de fora, a quem podem communicar a moléstia; portanto é preciso que dentro daquelle estabelecimento haja todas as cousas e pessoas que forem indispensaveis para o prompto tratamento dos doentes que ali estiverem, porque se assim se não fizer cessa o isolamento que é condição essencial, e o lazareto não existe, e dessa communicação que houver entre as pessoas que lá vão e que de lá vem póde resultar que a epidemia se propague pelas povoações.

Este negocio é gravissimo, e merece a mais seria attencão, devendo-nos lembrar dos tristes e lamentaveis acontecimentos que presenciámos nesta capital por occasião da epidemia da febre amarella.

Desejo pois que o sr. ministro do reino me diga o que ha de verdade áquelle respeito; se os doentes que existem no lazareto estão sendo tratados por pessoas que não estão em contacto com os habitantes das vizinhanças, entre os quaes podem propagar a epidemia, e se no lazareto faltam as camas e pessoas necessarias para serem convenientemente tratados esses doentes, e se o tratamento é feito por pessoas de dentro do estabelecimento sem communicação com as de fora.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - O digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, referindo-se a um jornal, não sei qual (O sr. Visconde de Fonte Arcada:-É o Diario popular), deseja que o governo o informe sobre o que ha relativamente a moléstias contagiosas, de que lhe consta alguns casos se deram no lazareto.

Vou pois dizer ao digno par o que ha e como é que os factos se teem passado, não só para que s. exa. fique informado da verdade, mas para que a camara e o paiz descansem, porque muitas vezes se espalham boatos que não se sabe donde vem, que unicamente servem para encher papel, dando noticias de alarma sem se preverem os funestos resultados que dellas podem resultar.

Tendo saido do Rio de Janeiro um barco a vapor, veiu a noticia de que ali se davam tres a quatro casos de febre amarella por dia, e durante a viagem do mesmo vapor para esta capital adoeceram seis passageiros, dois dos quaes morreram, curando-se os quatro restantes, e afora estes não appareceu a bordo mais nenhum caso de febre amarella. Chegado o vapor a Lisboa, os passageiros entraram no lazareto, e ali estão guardados em rigorosa quarentena; e o porto do Rio de Janeiro foi declarado inficionado pela junta de saude. O vapor seguiu depois a sua viagem, e até hoje, em que recebi noticias officiaes, não me consta que se tenha dado caso algum de febre amarella. No entanto é certo que no lazareto morreu um homem que vinha tisico, e que outro está com um typho; mas este, pelo conselho dos medicos, foi para um quarto separado. Teem-se tomado todas as medidas hygienicas que se podiam adoptar, não só por parte do governo e suas auctoridades, como pela junta de saude, que se acha neste momento reunida extraordinariamente para resolver sobre a questão das quarentenas.

Apresentaram-se igualmente outras queixas, sendo uma dellas não haver ali botica. Ora o lazareto acha-se a este respeito como sempre esteve. Para servir mais de prompto ha uma botica em Caparica, e quando as circumstancias permittem vão de Belem os soccorros, pois neste ponto taes estabelecimentos são tão bem sortidos como os da capital; e para o transporte dos medicamentos, assim como para outros effeitos, os escaleres da repartição de saude estão em continua correspondencia entre a estação do respectivo posto e o lazareto.

Outra queixa reporta-se ao capellão do estabelecimento. O que houve sempre foi um ecclesiastico a quem se paga meia moeda por dia, de esmola por missa, tendo tambem o encargo de acudir aos enfermos e assistir aos actos funebres, etc. Entretanto porem, quando não ha quarantenarios, quasi se póde dizer que não é necessario capellão propriamente dito, e effectivamente passam-se mezes que assim succede, não havendo doentes nem impedidos.

Devo mais ponderar, emquanto a medicamentos, que, por conselho do guarda mór, já se mandou ali estabelecer

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tambem uma botica ambulante para acudir de momento, independentemente do recurso á botica de Caparica ou de Belem.

A vista destas explicações, e reconhecendo-se que isto não é mais do que uma questão humanitaria, o digno par deve saber, e póde estar certo, de que o governo não se descura, nem jamais deixará de prover a qualquer falta.

O sr. Marquez de Vallada: - Pedi a palavra quando o sr. ministro estava informando de que um dos doentes fora isolado no lazareto, por se ter nelle manifestado o typho, que, como v. ex. tambem sabe, é um dos symptomas com que a febre amarelia se manifesta quando apparece em qualquer ponto. Claro está que para se classificar a doença de febre amarelia algum symptoma mais do que o typho deve apparecer. Não sou medico, mas para comprehender isto todos nós podemos considerar mais ou menos habilitados, e sobretudo para fazer certas recommendações e pedir certos cuidados, diligenciando muito que se adoptem adequadas providencias.

Nestes termos, peço eu ao sr. ministro que pela sua parte e da parte dos empregados seus subalternos haja toda a solicitude para evitar, quanto possivel, a propagação e effeitos de similhante mal, que é uma das maiores calamidades.

Fallando porem especialmente em relação aos soccorros de botica, como conheço aquelles sitios, não posso deixar de dizer que a botica em Caparica fica longe, e que quanto mais perto melhor.

Numa palavra, isto não é nem póde ser de forma alguma considerada questão politica. Recommendemos pois todas as providencias, e confiemos em que o sr. ministro do reino ha de olhar para isso com a maxima attenção possivel, de modo que o cuidado seja constante e as providencias promptas.

(O orador não reviu os seus discursos na presente sessão.)

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, não me satisfez o que disse o sr. ministro do reino. S. exa. disse que ha uma botica em Caparica e algumas outras em Belem, onde estão os escolares da saude, que andam em communicação continua com o lazareto.

O que eu entendo, sr. presidente, é que tudo o que for preciso para acudir aos doentes deve estar de portas a dentro capellão, etc.

É preciso notar que a febre amarella desenvolve-se de um instante para outro, e muitas vezes as pessoas que assistem ao doente, ainda mesmo que não sejam atacadas da moléstia, levam-na comsigo no fato e propagam-na. É preciso que no lazareto haja todo o isolamento das pessoas ali empregadas com as de fora, quando não o lazareto é inutil. Deve pois haver todo o cuidado em isolar as pessoas de dentro das de fora. Isto é uma cousa de muita ponderação, e eu estimava que merecesse ao sr. ministro e ao governo a mais seria attenção. Quanto aos enterros, s. exa. alludiu que lá estava o parocho de Caparica; mas deve o sr. ministro attender que & necessario ter toda a cautela nos enterros, que mal se póde dar se for officiar o parocho de Caparica, que depois vae para o meio da população.

Pertence aos medicos recommendar as providencias necessarias para evitar- o contagio; e concluo e repito que as pessoas que tratam os doentes não devem por maneira alguma vir depois para o meio da população, porque podem levar-lhe a epidemia.

O sr. Ministro do Reino: - O digno par quer saber quaes as providencias que por cautella se adoptam no lazareto.

São as seguintes:

Quando adoece algum passageiro é logo removido para um quarto, ficando incommunicavel, e só accessivel ao medico e enfermeiros.

Não sei se o digno par já foi áquelle estabelecimento. Se foi, havia de ver que o lazareto está organisado com todas as cautelas necessarias para se não propagar qualquer moléstia. Se no lazareto não ha uma botica propriamente dita, ha comtudo ali os meios precisos para lhes acudir de prompio. Já se enviou para ahi uma botica volante ou uma caixa com os remedios mais necessarios e instantes, alem de haver do outro lado do Tejo a botica de Caparica, e deste lado a botica de Belem. Portanto, já vê o digno par que ha todas as cautellas necessarias para se tratarem os doentes. -

Agora emquanto á natureza da doença, não sei se será a febre amarella, e Deus queira que não, que bem sabemos todos quão lastimoso é tal flagello; mas posso assegurar que o governo tem tomado todas as providencias, e lançado mão de todos os recursos que humanamente são possiveis, para evitar a communicação e propagação das epidemias.

Esta é uma questão de humanidade, e só por uma paixão, que de certo o digno par não tem (O sr. Marquez de Vallada: - Apoiado.) se poderá dizer que o governo não se ha empenhado na adopção das providencias necessarias a afastar de nós esse flagello.

(O orador não reviu as notas dos seus discursos na presente sessão.)

O sr. Marquez de Vallada: - Mando para a mesa o requerimento de um empregado na tachygraphia desta camara, pedindo ser provido num logar que está vago ao quadro da respectiva repartição tachygraphica, estabelecido pelo decreto dictatorial de abril ultimo (leu).

Creio ser isto um negocio do regimento. Foram considerados supranumerarios pelo decreto dictatorial os empregados desta casa que ficaram fora do quadro, e agora traia-se de promoção pelo direito de antiguidade.

Rogo portanto a v. exa. que de a este requerimento o destino competente.

(Entrou o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, marquez de Sá da Bandeira.)

Depois de lido na mesa o requerimento foi remettido á commissão administrativa.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Peço a v. exa. que me de a palavra quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Presidente: - Como o sr. ministro das obras publicas não póde comparecer hoje nesta cammara, vamos entrar na

O sr. Rebello da Silva (sobre a ordem).- É para rogar a v. exa. a honra, de marcar para a ordem do dia de amanhã a verificação da minha interpellação, pois que o sr. ministro já se acha habilitado e só falta marcar o dia.

O sr. Presidente: - Mandei avisar o sr. ministro para saber se s. exa. podia comparecer amanhã. Se o poder, a primeira parte da ordem do dia será a interpellação do digno par o sr. Rebello da Silva.

Vae ler-se o parecer n.° 14.

Leu-se na mesa, e o respectivo projecto, que são do teor seguinte:

Parecer n.° 14

Senhores.- Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 18, tendo por objecto prorogar até 30 de junho de 1870 os prasos estabelecidos no artigo 8.° e seus && da carta de lei de 29 de julho de 1854, para a troca e giro das moedas de oiro e prata mandadas retirar da circulação pela mesma lei, e bem assim renovar pelo mesmo praso o beneficio concedido aos particulares, bancos e associações pelo artigo 2.° da lei de 24 de abril de 1856.

E a commissão, attendendo a que na actualidade das circumstancias, assim em relação á fazenda publica, como á escassez do meio circulante, é conveniente a referida prorogação: é de parecer que o mencionado projecto de lei poderá ser approvado, a fim de ser por esta camara convertido em decreto das côrtes geraes, para ser submettido á sancção real.

Sala da commissão, 16 de julho de 1869. = Conde

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D'Avila = Conde da Ponte = Felix Pereira de Magalhães = Antonio de Sousa Silva Costa Lobo = José Augusto Braamcamp = José Lourenço da Luz = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

Projecto de lei n.° 18

Artigo 1.° São prorogados até 30 de junho de 1870 os prasos estabelecidos no artigo 8.° e seus §§ da carta de lei de 29 de julho de 1854, para a troca e giro das moedas de oiro e prata mandadas retirar da circulação pela mesma lei.

Art. 2.° É tambem renovado até 30 de junho de 1870 o beneficio concedido aos particulares, bancos e associações pelo artigo 2.° da lei de 24 de abril de 1856.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de julho de 1869. = Diogo Antonio Palmeira Pinto, deputado, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado, secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado, secretario..

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, sinto que são esteja presente o sr. ministro da fazenda, porque desejava fazer algumas considerações sobre este projecto; comtudo como é provavel que esteja presente algum membro da comissão de fazenda, eu não deixarei por descargo de consciencia de dizer alguma cousa com relação a este impertinente projecto, e chamo-lhe impertinente, porque constantemente ha quinze annos vem aqui todas as sessões, concebido nos mesmos termos e com a mesma forma.

Parece-me, sr. presidente, que este estado provisorio devia acabar por uma vez. As leis não se reputam boas unicamente por serem fundadas em bons principies e em boa philosophia; para serem boas é necessario que se tornem exequiveis, que se possam executar sem inconveniente.

Todas as vezes que uma lei se não póde executar, ou que da sua applicação resultam inconvenientes, essa lei, por melhor que seja o seu fundamento, é péssima. Está neste caso a lei sobre moeda, que tem data de 29 de julho de 1854. E para mim ponto assentado que esta lei foi boa em principio, mas tornou-se má na sua execução, ou para melhor- dizer, porque se não póde executar.

Foi ella decretada para substituir as duas unidades monetarias, que nós tinhamos, por uma só; tinhamos o oiro e a prata, e esta de tal modo se achava gasta pelo uso, que em muitas das moedas desta especie se não conhecia já o valor que representavam.

Portanto era preciso remediar este inconveniente e refundir a moeda, e foi o que se teve em vista com a lei de 29 de julho de 1854. Determinou ella alem disso, e parece-me que bem, que o unico typo da moeda fosse o oiro, isto é, desamoedou a prata, que tanto se não considerou como moeda que o ministro da fazenda de então apenas pediu de 600:000$000 a 1.000:000$000 réis para a cunhagem da prata, porque esta não passava a ser senão uma moeda subsidiaria para trocos, e nada mais, e perdendo a qualidade de moeda circulante, pois que pela referida lei ninguem era obrigado, por mais avultada que fosse a quantia que o seu devedor tivesse a pagar-lhe, a receber mais de 5$000 réis em prata.

Ora, sr. presidente, a lei de 29 de julho de 1854 determinou que no praso de dois mezes fosse desamoedada a prata em Lisboa, e no de seis mezes nas provincias; mas já lá vão quinze annos e ainda se não conseguiu, desgraçadamente, retirar do giro toda a moeda de prata antiga.

Mas ha mais. Eu não vejo na proposta do sr. ministro da fazenda, nem no parecer da commissão, rasões convincentes que me levem a approvar esta lei. Escasseia aquelle meio circulante? Infelizmente não falta; ha até prata de mais na circulação; talvez passe de 8.000:000$000 réis de moeda de prata nova, quando o ministro se satisfazia com o pedido de 600:000$000 reis!

Mas que moeda é esta? É uma moeda fraquissima, e isto em muita gravidade desde que a moeda de prata se não limita aos trocos e não tem o mesmo valor intrinseco que tinha a moeda velha. As moedas novas têem, é verdade, o mesmo toque, os mesmos quilates, mas não teem o mesmo peso, e aqui vae toda a differença.

Ora, sr. presidente, o legislador não pôde, sem graves inconvenientes, dar valor a qualquer metal precioso muito acima daquelle que intrinsecamente elle tem, e por que passa no mercado. Se, por exemplo, a moeda vale intrinsecamente 100, não se lhe póde dar o valor de 200, sem graves transtornos para o commercio e para todas as transacções. Quando tal se fizesse crear-se-ia uma especie de moeda de valor nominal quasi com os defeitos da moeda papel.

E como a nova moeda de prata é fraca, e representa mais do que realmente vale, é ella, não a unica, mas uma das causas da elevação geral dos preços dos generos.

Ora o que eu queria, sr. presidente, é que se acabasse por uma vez com este estado provisorio, e se retirasse completamente da circulação a moeda antiga; e isto não acho difficuldade, porque o estado não perde nisso, antes ganha com a compra da prata.

Esta cunhagem da prata em quantidade excessiva não tem sido prejudicial para o estado, porque dahi tem tirado bastante rendimento, porque só dá pela moeda antiga o peso real que ella tem, mas dá-o em moeda mais fraca, e por consequencia ganha a differença do nominal ao real.

Qual é pois a rasão por que se não tem acabado de tirar da circulação a moeda antiga?

Se no projecto se dissesse o valor da moeda antiga que ainda póde existir espalhada no paiz, e que as circumstancias do thesouro não permitte que se faça a conversão immediatamente, ainda podia haver um motivo que o justificasse; mas nem o relatorio do governo, nem o parecer da illustre commissão dizem cousa alguma a este respeito, e portanto não posso approvar o projecto, porque se o approvasse hoje teria de approva-lo para o anno, em que é de suppor virá concebido nos mesmos termos.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, estão dados para ordem do dia dois projectos importantissimos, um sobre a extincção da moeda antiga, e o outro sobre a contribuição predial da bagatella de mais de 1.600:000$000 réis.

Já apresentou algumas duvidas sobre o primeiro o digno par, o sr. Fernandes Thomás, que me pareceram bem fundadas. Eu tambem tenho outras que me parece não serem de pouco peso, attentos os verdadeiros principios de economia politica que se lhe podem applicar. Quero fallar dos soberanos, moeda ingleza que gira em Portugal, e da moeda insulana.

Emquanto aos soberanos parece-me que ninguem ignora que com o giro a moeda vae constantemente perdendo o seu peso, e a perda que se soffre com isso fica em Portugal, porque em Inglaterra não se recebem senão a peso.

Emquanto á moeda insulana é de grande conveniencia que seja equiparada á do continente. Isto porem tem o inconveniente que apresento e que tambem já foi reconhecido pelo digno par, o sr. conde d'Avila, e vem a ser que, se forem equiparadas estas duas moedas, e os habitantes das ilhas forem obrigados a pagar a somma indicada no projecto n.° 15.°, pagarão mais 50 por cento do que já pagam pela moeda insulana.

Por consequencia a grande conveniencia está em harmonisar os dois projectos que estão dados para ordem do dia, acabando primeiro com a moeda insulana.

Estimo muito ter visto o sr. presidente do conselho fazer signal de assentimento a esta minha reflexão.

Vê-se pois que estes dois projectos são importantes. Já um delles foi combatido pelo digno par, o sr. Fernandes Thomás. Parece-me por consequencia que não podem ser discutidos sem estar presente o sr. ministro da fazenda (apoiados).

Quem ha de responder aos argumentos apresentados pelo digno par a que venho de me referir, e ás considerações

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que pretendo desenvolver em larga escala a respeito deste objecto?

Alem disso, onde fica a dignidade da camara?

É preciso que esta casa do parlamento tome o logar que lhe compete. Appello para a consciencia de todos os meus collegas, e peço-lhes me digam se é possivel discutirmos estes dois projectos sem a presença do sr. ministro da fazenda, quando ambos os projectos são da sua iniciativa? Parece-me que não.

Nestes termos pois proponho o adiamento delles até estar presente o sr. ministro da fazenda.

Mando para a mesa a minha proposta, que é concebida nestes termos:

"Proponho o adiamento destes dois projectos até estar presente o sr. ministro da fazenda. = Ferrer".

(O orador não reviu as notas dos discursos na presente sessão).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Sá da Bandeira):- Não me parece necessario o adiamento deste projecto até se achar presente o sr. ministro da fazenda; em primeiro logar, porque elle não soffreu alteração alguma na commissão de fazenda; e em segundo, porque é um projecto igual ao que foi votado o anno passado; é um imposto ordinario que tem passado de uns para outros annos, e que tem sido votado quaesquer que tenham sido as administrações que têem estado á frente dos negocios publicos, desde certa epocha. Parece me portanto que a camara faria bem em approvar este parecer, e rejeitar o adiamento apresentado pelo digno par, o sr. Ferrer.

Agora em relação ao que disse o digno par sobre a inconveniencia da moeda insulana, farei algumas brevissimas considerações

Ha duas moedas insulanas differentes: a moeda dos Açores e a da Madeira.- Ora, esta differença de moedas, que existe em algumas das nossas ilhas, já ha muito que devia ter acabado; porque a fallar a verdade é uma perfeita anomalia uma certa moeda ter um valor numa ilha, ter outro valor noutra ilha e ainda differente valor no continente. Eu tenho feito toda a diligencia para que se acabe, para sempre, com esta desigualdade de valores, mas ainda não pude conseguir cousa alguma, apesar de reconhecer que não é cousa muito difficil de verificar. Póde-se fazer como em Cabo Verde. Nesta provincia havia uma moeda fraca que valia menos 6 por cento do que a moeda do reino, e o governo, para acabar com ella, ordenou que os direitos das alfandegas só fossem recebidos em moeda forte ou do reino; que o pagamento aos funccionarios publicos daquella localidade fosse pago em igual moeda e que tambem na referida moeda se cobrassem as contribuições. Em relação aos contratos anteriores deliberou-se que na verificação de qualquer pagamento se fizesse o respectivo desconto, em relação de uma para outra moeda. Apresentou-se alguma repugnancia da parte daquelles povos, como sempre acontece quando se pretende introduzir qualquer innovação, mas essa repugnancia desappareceu em pouco tempo.

Em Moçambique tambem a moeda era mais fraca: por exemplo, um cruzado, 400 réis, correspondiam a l$000 réis; e havia uma outra anomalia maior; um duro hespanhol tinha um certo valor em Moçambique, tinha outro em Lourenço Marques e ainda outro em Quilimane. Hoje a moeda ali é a mesma do reino.

Estas anomalias devem pois acabar em toda a parte mesmo para facilidade e utilidade das transacções commerciaes.

O sr. Conde d'Avila: - Como membro da commissão de fazenda deu algumas explicações, opinando que se podia proseguir na discussão do projecto, que podia ser approvado, no entanto que não estão promptos os trabalhos do congresso monetario que regulará universalmente sobre o assumpto.

(Os discursos do digno par, nesta sessão, serão publicados quando as notas tachygraphicas se devolverem corrigidas.)

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, apenas direi duas palavras.

Nas breves considerações que ha pouco fiz perante a camara apenas me referia ás moedas de prata, e não me referia ás moedas de oiro porque as moedas antigas de oiro que hoje correm são apenas as peças, e parece-me que não haveria inconveniente em legislar que continuassem a circular do mesmo modo. Ellas porem vão desapparecendo, porque pela fundição dellas é que se tem cunhado as novas moedas de oiro. Se se fizesse uma lei neste sentido, parece-me que nada prejudicaria, porque uma lei vigora emquanto outra a não deroga; e se em tempo futuro fosse necessario por qualquer medida monetaria acabar com o curso das antigas moedas de oiro, nenhuma dificuldade haveria então em derogar essa lei. Emquanto ás moedas de prata do antigo cunho, parece-me que ellas não abundam tanto que se não podessem substituir com facilidade; e se as substituissemos pelas modernas, escusariamos de estar todos os annos a votar esta lei. Effectivamente, o que é verdade é que desde que se publicou a lei de 29 de julho de 1854 a circulação principal tem sido quasi exclusivamente de moedas de oiro estrangeiras. E sr. presidente, leis com relação ao meio circulante não se fazem sem muito exame previo, sem muita attenção e sem se calcularem bem os seus resultados. Com effeito, o dinheiro em oiro que hoje quasi exclusivamente corre entre nós são os soberanos, dinheiro estrangeiro, e não é dado aos legisladores, nem a ninguem, o prever nem a sua accumulação nem a sua falta ou escassez na circulação, porque isso só depende dos cambios e das operações commerciaes, e estado dos mercados. No entanto, não obstante ter eu dito a primeira vez que fallei que rejeitava o projecto de lei, não tenho duvida de dizer agora que ainda desta vez o approvarei em vista das explicações que o sr. conde d'Avila acaba de dar perante a camara. Estimarei comtudo que se apresente uma lei definitiva sobre este objecto, que evite que nós para o anno tenhamos outra vez de prorogar os prasos estabelecidos pela lei de 29 de julho de 1854.

O sr. Ferrer (sobre a ordem): - Sr. presidente, tive a honra de mandar ha pouco para a mesa uma proposta de adiamento até ser presente o sr. ministro da fazenda.

A camara admittiu-o á discussão, mas os dignos pares que teem usado da palavra, em vez de se occuparem delle, têem fallado sobre a materia, e eu, de proposito, deixei correr a discussão deste modo, porque dessa propria discussão tiro argumento em favor do adiamento.

Sr. presidente, as considerações apresentadas pelos srs. Fernandes Thomás, e conde d'Avila, são importantes, umas com relação ao que está feito, e outras com relação ao que se ha de fazer; e parece-me de alta importancia que o sr. ministro da fazenda ouça essas considerações, para lhe poder responder ou toma-las na devida conta.

Sinto ir de encontro á opinião do sr. presidente do conselho, mas isto assim não póde ser; não podemos discutir este projecto sem a presença do sr. ministro da fazenda, porquanto o que disseram os srs. Fernandes Thomás, e conde d'Avila deve ser ouvido por s. exa. o sr. ministro, como já demonstrei. Pois havemos de votar dois projectos desta natureza na ausensia ao sr. ministro da fazenda? Se o sr. conde de Samodães não pede vir hoje a esta camara, o melhor será adiarem-se estes negocios, e não se proceder tratando-se delles na sua ausencia. Fallo francamente, pelo muito que prezo a dignidade da camara. Parece-me pois que discutir projectos desta natureza, um dos quaes trata, nada menos, que da contribuição predial de todo o reino, sem a presença do sr. ministro da fazenda, é não tratar a questão com aquella seriedade que comporta. Portanto, peço a v. exa. chame a discussão para a proposta do adiamento, e sobre ella se tome uma deliberação.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Ferrer propoz o adiamento do projecto, e foi admittido pela camara, entrando em discussão com a materia; mas para satisfazer ao

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pedido de s. exa. vou consultar a camara sobre o adiamento.

O sr. Ministro do Reino: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Ministro do Reino: - Diz o digno par que quando se tratam questões de fazenda deve estar presente o respectivo ministro. Esta é a praxe, assim como quando se trata de qualquer outro assumpto da publica administração deve estar presente o ministro da repartição a que esse assumpto pertencer; e o digno par fazendo a proposta que fez, não só está no seu direito, mas segue as praxes.

Em these a questão é como a apresentou o digno par; mas, na hypothese de que se trata, podia deixar de se proceder assim. O sr. ministro da fazenda está occupado na outra camara com a discussão do projecto das hypothecas, que tambem é da competencia da sua repartição, e tratando-se aqui do projecto relativo ao giro da moeda, projecto que tem vindo a esta camara desde 1854, e trata de um objecto simples e sabido, parece-me que numa camara onde ha uma commissão de fazenda composta de cavalheiros tão versados na materia, e muito mais habilitados a tratar della do que qualquer dos membros do gabinete, parece-me, repito, que podia ser dispensada a presença do sr. ministro da fazenda, tanto mais estando elle, como disse, occupado na outra camara com á discussão de um projecto da sua competencia.

Em verdade ha tambem mais a considerar que esta materia não tem já que explicar, pois é bem sabida, e muito estudada, por quanto muitas vezes se tem tratado della em parlamento nos annos anteriores. A unica cousa que poderia apresentar novidade era o caso que apresentou o sr. conde d'Avila sobre os trabalhos que se fazem no congresso que se reuniu em Paris para a uniformidade geral de uma moeda que deve correr na Europa. Disse s. exa. que esta seria a ultima prorogação que se apresentaria no nosso paiz, e eu tambem assim o creio, e me persuado que o ministerio que estiver daqui a um anno, em logar de apresentar este projecto, apresentará o da identificação da moeda, projecto que estimarei venha quanto antes, porque todos sabem a grande conveniencia que resulta das uniformidades, e que já está provada, por exemplo na uniformidade dos pesos e medidas.

Emquanto á presença do meu collega da fazenda nesta casa, de que mostrou desejos o sr. Ferrer, eu, pelas noticias que ha pouco tive, digo que s. exa., que estava empenhado na outra camara em discussão tambem importante, póde agora comparecer aqui, porque essa discussão findou, e eu fui chamado á camara dos senhores deputados, onde vae entrar em discussão um assumpto que respeita á minha repartição. Chegando o meu collega, já não haverá duvidas para continuar a discussão do projecto de que se trata.

O sr. Ferrer :- Como o argumento que se tem apresentado contra o adiamento que propuz apenas se funda em ser este projecto a repetição dos que já se tem votado nos annos anteriores, vou mandar para a mesa um additamento ao projecto que já foi aceito pelo sr. presidente do conselho, e que diz respeito ao artigo 1.°, e é o seguinte:

"No fim do artigo 1.° acrescente-se =e que sejam retiradas da circulação a moeda fraca insulana, substituindo-a, pela moeda corrente no reino =."-

Ora eis aqui por que o argumento que se tem apresentado contra o meu additamento não póde ter logar. A lei já não é a mesma, porque ha um par do reino que usa do seu direito para propor um additamento, e que me parece não ser deslocado, porque o sr. presidente do conselho o approvou. Sendo assim, já não se trata de approvar o que se tem approvado nos annos anteriores, mas tambem se não segue que, por ter já passado mais vezes este projecto de lei nos mesmos termos, não esteja comtudo sujeito ã poder ser alterado ou modificado conforme as necessidades publicas o reclamarem, porque o que hoje é bom pôde, por força de circumstancias, ser alterado amanhã, por se ter reconhecido que já não é conveniente. Por isso repito, sr. presidente, não se segue que, porque este projecto tem sido approvado nos outros annos, tenha de o ser tambem hoje, e não se lhe possam fazer alterações, modificações, additamentos, etc. Sustento portanto o meu adiamento. O sr. Presidente: - Antes de tudo peço licença para observar ao digno par, o sr. Ferrer, que s. exa. propoz o adiamento da questão; esse adiamento foi admittido á discussão, e é isso que se está tratando; mas agora é s. exa. que vem já propor um additamento ao artigo 1.° do projecto de lei, quando devia ter fallado sobre o seu adiamemento, porque era sobre elle que s. exa. tinha a palavra. Portanto permitta-me o digno par lhe observe que não e agora a occasião opportuna de se tratar do additamento, o sim unicamente do adiamento, e não havendo quem peça a palavra sobre elle, se a camara o rejeitar, será então que s. exa. poderá sustentar o seu additamento. Por emquanto parece-me inopportuno.

O sr. Ferrer:- O que eu devia ter tratado era o adiamento; mas como se tinha argumentado que este projecto era similhante aos votados sobre a materia nos mais annos, e vi continuar a questão, foi por isso que apresentei o additamento. No entanto v. exa. tem rasão, e se o meu adiamento for votado, tratarei então do additamento em occasião competente; mas se o adiamento for rejeitado, continuarei desde logo sustentando o additamento.

O sr. Conde d'Avila: -..........................

O sr. Ferrer: - Se me dá licença, digo. Posso apresentar uma proposta de additamento sobre um artigo qualquer num projecto que tem mais de um artigo, quando se discute a generalidade, mas ha de ser tratado quando se for discutir na especialidade.

Não ha no nosso regimento regra nenhuma prohibitiva de que, quando se discute um projecto na generalidade, se apresente um additamento, uma emenda ou uma substituição para ser discutida na especialidade. Foi o que fiz. Como eu tinha direito de a apresentar agora, apresentei-a, porque me servia isso de argumento contra o que se tem dito nesta casa em opposição ao adiamento.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, visto ter chegado o sr. ministro da fazenda, retiro a minha proposta de adiamento.

O sr. Presidente: - Nem ha motivo para continuar a discussão della.

A camara annuiu a retirar-se a proposta de adiamento,

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães):- Se v. exa. me dá licença, sr. presidente, direi que não pude assistir ao principio da discussão, porque se estava discutindo na camara dos senhores deputados um projecto importante do ministerio da fazenda, e não pude sair senão agora que acabou a discussão.

Dou esta satisfação a v. exa. e á camara para justificar a minha ausencia, que foi por motivo de serviço publico.

O sr. Presidente:- Vae ler-se outra vez o projecto.

(Leu-se.)

O sr. Conde d'Avila:- Expoz ser mais conveniente que o additamento do sr. Ferrer fosse remettido á commissão de fazenda para o estudar, e formular um projecto de lei, porque alem da conveniencia que ha de não prejudicar o andamento do projecto, não sabe se na conjunctura actual é conveniente alterar o valor da moeda que circula nas ilhas adjacentes.

O sr. Presidente: - Como a proposta de adiamento caducou com a entrada nesta casa do sr. ministro da fazenda, está em discussão o projecto de lei n.° 18, na sua generalidade.

Vozes:- Votos, votos.

O sr. Presidente:- Nenhum digno par pede a palavra, vou pôr á votação a generalidade do projecto.

Posta á votação, foi approvada.

O sr. secretario leu o artigo 1.°, e em seguida o additamento do sr. Ferrer.

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O sr. Presidente: - 0 additamento do sr. Ferrer ainda não foi admittido á discussão, e vou consultar a camara a este respeito.

Consultada a camara, foi admittido o additamento á discussão.

O sr. Ministro da Fazenda:- Sr. presidente, o sr. conde d'Avila preveniu-me em grande parte sobre o que eu tencionava dizer ácerca do additamento apresentado pelo digno par, o sr. Ferrer. Este additamento, ainda que concebido em poucas palavras, envolve uma questão gravissima, qual é a retirada da moeda fraca que corre nos dois archipelagos dos Açores e na Madeira, e por isso não se devia tornar dependente o projecto actualmente em discussão, que contem materia simplicissima, da resolução da questão suscitada pelo sr. Ferrer. O projecto não tem outro fim senão prolongar o estado actual das cousas, como se tem feito ha muitos annos; e tão urgente se torna a approvação desta lei, quanto nós estamos já fora da legalidade, porque o praso designado pela lei anterior, para a troca e giro das moedas antigas retiradas da circulação pela lei de 1854, acabou em 30, de junho ultimo, e aquellas moedas correm e são admittidas nas estações publicas sem auctorisação legal. E pois uma medida provisoria, como disse o sr. conde d'Avila, a que está em discussão, e não tem senão por fim prolongar o estado actual até 30 de junho do anno que vem.

Esta questão da retirada da moeda fraca que corre nos Açores e Madeira é uma questão de alta gravidade, e eu tenho-a estudado, como devia, a fim de a poder tratar e apresentar ao corpo legislativo uma solução a seu respeito; é variadissimo o cambio por que corre a moeda, não só entre os dois archipelagos da Madeira e Açores, mas mesmo entre as diversas ilhas dos Açores, provindo daqui grande prejuizo não só para os particulares mas mesmo para a fazenda publica.

Actualmente no districto de Angra corre uma moeda cerceada, que em geral são patacas brazileiras, a qual é admittida nos contratos das repartições publicas por um valor superior áquelle por que igual moeda é admittida nos outros districtos açorianos. Daqui resulta que o cambio pelo qual esta moeda é trocada no reino é diverso, conforme se fazem as transacções sobre o districto de Angra ou sobre os outros dois daquelle archipelago. Actualmente este cambio no districto de Angra é de 35 por cento, ao passo que no de Ponta Delgada e Horta apenas chega a 25, e com referencia ao archipelago da Madeira o cambio é apenas de 8 ou 10 por cento, e portanto a moeda é mais fraca numas ilhas do que noutras, e sempre fraca com relação á moeda do continente. Ora, para nós retirarmos repentinamente esta moeda, era necessario adoptar outras medidas que effectivamente não vem nesse additamento do digno par, pois seria preciso habilitar o governo com moeda para substituir aquella que for retirada, e resultaria portanto que o parlamento havia de dar ao governo uma auctorisação para se cunhar moeda de prata que não existe, porque o limite que foi auctorisado está extincto e não podemos cunhar mais moeda de prata, porque o padrão da nossa moeda é o oiro, e nós não podemos cunhar mais moeda sem nova auctorisação. Mas este additamento do digno par abrange questões muito graves que não são como esta, porem que dizem respeito á forma de pagamento de contratos anteriores e outras medidas que é necessario adoptar para se poder estabelecer este systema, e que não podem deixar de fazer parte de um projecto de lei que seja muito desenvolvido e contenha todas as hypotheses para ser admittido pelo povo.

Sem entrar nesta questão que não é nova, tem sido tratada no parlamento por muitas vezes, e até em 1863 foi tratada na outra camara, mas nunca se chegou a tomar uma resolução definitiva, agora digo a v. exa. e á camara que tenho até uma proposta de lei organisada para resolver está questão, com todo o desenvolvimento e prevenindo tanto quanto póde ser diversas hypotheses que se possam apresentar para se resolver esta questão; mas eu julguei que não era actualmente a occasião mais propria de nos occuparmos deste assumpto.

É necessario que encaremos esta questão não só pelo lado economico e financeiro, mas tambem pelo lado das conveniencias publicas e da ordem publica. Quando nós nos vemos forçados pelas necessidades do thesouro a augmentar os impostos, e quando esse augmento não póde deixar de recair tambem, como já recaiu, por leis votadas e por outras que estão em projecto e em discussão, sobre os povos dos dois archipelagos, não me parece que fosse esta a occasião melhor para fazer ao mesmo tempo uma revolução economica na moeda, que podia, junto com os aggravamentos dos impostos, perturbar a ordem publica, e principalmente depois de certos factos que me vieram pôr de sobreaviso relativamente á resolução deste assumpto. Julgo comtudo que se devia ir tratando desse assumpto, para que aquelles archipelagos gosem de todas as prerogativas e vantagens que estão inherentes ás outras partes do reino; porem se esta questão tem de ser resolvida pelo parlamento, como hão de sê-lo muitas outras que jogam com ella, como é a da moeda de cobre e bronze que convem retirar da circulação, porque em paiz nenhum se encontra moeda de cobre como entre nós, comtudo ella deve ser tratada com toda a placidez, e quando não vá affectar outras questões urgentes como é o lançamento dos impostos.

Não me opponho portanto á idéa apresentada pelo digno par, o sr. Ferrer; porem julgo que neste projecto não tem logar o seu additamento, e que para ser admittido precisa ser muito mais desenvolvido do que effectivamente se encontra nas poucas palavras em que foi formulado. Eu estimarei muito que s. exa. queira tomar a iniciativa sobre este assumpto, porque eu estou habilitado a entrar na discussão, e tenho até um projecto completo a esse respeito; e se não usei ainda da minha iniciativa sobre elle, foi pelo motivo que acabei de expor. Mas, se acaso a camara quizer entrar nessa questão, não terei duvida em apresentar as minhas idéas e os estudos a que mandei proceder na casa da moeda sobre o valor intrinseco das differentes moedas que circulam nas ilhas, sobre as proprias qualidades, etc.; porque é necessario que encaremos a questão pelo lado fiscal, e que vejamos se a retirada da moeda nos produz diminuição, encargo ou receita.

Todas estas questões estão estudadas, e eu estou habilitado para dizer qual o valor intrinseco da moeda que corre nas ilhas, e se acaso a sua retirada da circulação e a sua substituição pela do continente póde trazer encargo para o thesouro. O que porem me parece é que não é agora a occasião opportuna, para o fazer desde já; isto porem não quer dizer que o não seja muito breve.

Eu tenciono apresentar um projecto de lei sobre este importantissimo assumpto, o qual será apreciado como merecer pelo parlamento.

Parece-me que não tenho mais nada a dizer.

O sr, Ferrer: - Para mostrar que não faço opposição acintosa ao actual gabinete, declaro que estou plenamente de accordo com o requerimento apresentado pelo digno par o sr. conde d'Avila, para que a minha proposta vá a uma commissão; mas, visto esta minha docilidade, a camara permittirá tambem que eu faça uma pequena observação.

A doutrina consignada na minha proposta de additamenta foi aceita pelo sr. ministro da fazenda, e é mesmo partilhada por s. exa., segundo a sua declaração. Ora, sendo assim, e sendo igualmente esta questão não só santa e justa? mas tambem urgente, estranho bastante que o sr. ministro não houvesse trazido já esse projecto ao parlamento. Mas como s. exa. o tem prompto, e eu calculo que ha de ser muito longa a sua vida nas cadeiras do governo, espero que elle nos apresentará esse projecto dentro de pouco tempo, e por isso concordo em que a minha proposta vá á commissão para ali ser tomada na consideração que merecer

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O sr. Fernandes Thomás:- Eu não quero renovar a discussão, repetindo as considerações que já fiz a respeito do assumpto de que nos occupâmos; approvo a idéa de ser remettida á commissão de fazenda a proposta apresentada pelo digno par o sr. Ferrer, porque, julgo esse alvitre muito curial, mas o que desejo1 é fazer uma pequena pergunta ao sr. ministro da fazenda. Desejava que s. exa. me dissesse emquanto calcula, pouco mais ou menos, a somma de moeda de prata antiga, cerceada e gasta, que se acha na circulação, e se essa somma é tal que não possa ser immediatamente, ou em curto praso, trocada na casa da moeda por moeda de oiro ou de prata nova.

Era só isto que eu desejava que o sr. ministro da fazenda me dissesse como esclarecimento para a discussão, e no caso de s. exa. estar habilitado para o dizer.

O sr. Vaz Preto: - Pediu a palavra sobre a ordem para expor um negocio, urgente.

(Os discursos do digno par, proferidos nesta sessão, serão publicados na integra quando devolver revistas as respectivas notas.)

O sr. Presidente: - Se é sobre o assumpto que estamos discutindo tem v. exa. a palavra, mas se não é, creio que a camara não ha de querer interromper a discussão deste projecto de que se occupa.

O sr. Vaz Preto: - Sustentou a rasão por que pedira a palavra, declarando ser urgente o que tinha a expor á camara.

O sr. Presidente: - Eu já disse ao digno par que não lhe posso dar a palavra para outro assumpto que não seja aquelle que discutimos. No entretanto dou-lhe a palavra, mas se s. exa. se occupar de outro objecto, ver-me-hei em a necessidade de lha retirar.

O sr. Vaz Preto: - Reforçou os seus precedentes argumentos, para demonstrar o direito que tinha a conceder-se-lhe a palavra na altura em que ia a discussão.

O sr. Rebello da Silva: - O nosso regimento dispõe que, quando se pede a palavra sobre a ordem, em qualquer estado em que se ache a discussão, deve immediatamente ser dada a quem a pede. Nem v. exa. nem a camara sabem a rasão por que o digno par o sr. Vaz Preto pede a palavra; póde ser que seja para tratar de assumpto que se refira ao objecto de que nos occupamos e póde ser que s. exa. queira tratar de negocio muito differente. Sem o digno par tomar a palavra, nada podemos saber.

O sr. Presidente: - Em todos os parlamentos da Europa quando se dá um caso similhante a este, o membro da camara, interessado em obter a palavra sobre a ordem, communica primeiro á presidencia qual o assumpto de que pretende occupar-se. Como vejo porem que se teem manifestado alguns desejos de que se de a palavra sobre a ordem ao digno par o sr. Vaz Preto, para tirar de sobre mim qualquer responsabilidade, vou consultar a camara sobre se entende que nesta occasião devo dar a palavra sobre a ordem a s. exa.

A camara resolveu affirmativamente.

O sr. Vaz Preto: - Disse que o que o tinha obrigado a* pedir a palavra para um negocio urgente fora ter lido em um jornal estrangeiro os maiores insultos que se podem imaginar contra o nosso paiz, contra o governo e contra muitos dos homens mais importantes, e tudo isto devido ao procedimento do governo, que obriga o paiz a passar lá fora por estas humilhações.

O jornal a que se refere é L'Union des Actionnaires, no qual vem uma historia dos emprestimos e supprimentos feitos pelo sr. ministro da fazenda, que é assignada por um inglez, ao qual não póde deixar de se applicar um epitheto mui energico pelas expressões de que se serve. Disse este inglez que tinha sido encarregado pelo sr. Carlos Bento de lhe arranjar alguns supprimentos para o pagamento de letras mediante uma commissão; que s. exa. saiu do ministerio, e não lhe satisfez essa commissão; que depois o actual sr. ministro o encarregou de arranjar o contrato com a casa Goschen, offerecendo-lhe a commissão de 1 por cento sobre o capital, e que, não se tendo ratificado o contrato, elle pediu a commissão, e o sr. ministro disse-lhe que a casa é que lhe devia pagar, e a casa respondeu-lhe que era s. exa., e que o resultado foi que, tendo elle titulos de 3 por cento em seu poder, vendeu-os, cobrou 20:000 libras, e mandou entregar o resto á nossa agencia financial. Lastima que se dessem estes factos, e sente muito que no jornal alludido se chame aos portuguezes negros que tratam sempre de se esconderem quando os atacam, porque estas expressões são unicamente proprias de tal homem... miseravel e infame.
Aguarda os explicações do sr. ministro da fazenda, e por ora abstem-se de classificar o governo que dá logar a estes insultos ao paiz.

O sr. Ministro da Fazenda:- Parece-me, sr. presidente, que o digno par devia reservar para depois das minhas explicações as arguições severas que acabou de me dirigir, porque nunca vi que se condemne ninguem sem ouvir primeiro a sua defeza; e o digno par, que se collocou na posição de juiz, deve ser imparcial, e ouvir primeiro a defeza que deve ser apresentada pelo réu.

Sr. presidente, começarei repellindo completamente as arguições severas que o digno par acaba de me fazer, e com toda a serenidade de espirito, e com a consciencia socegada, que tenho a este respeito, vou responder com toda a placidez.

Sr. presidente, eu não tenho idéa do artigo nem do jornal que o digno par tem na mão, o que não admira, porque não tenho os jornaes estrangeiros; nem era possivel ainda que os tivesse, que podesse ler quantos jornaes se publicam em todo o mundo, pois que isso não cabia nas minhas forças, nem o tempo o permittia. Portanto, ouvi pela primeira vez o que se encontra nesse jornal, e pelo que s. exa. disse attingi perfeitamente o objecto.

Sr. presidente, esse individuo que, pelo que vejo, escreveu nesse jornal, é um corretor da praça de Londres; homem de pouco credito (O sr. Rebello da Silva:-Apoiado.); ha muitos annos desacreditado ali por praticar actos menos decorosos; é homem de má nota, como vulgarmente se diz (O sr. Rebello da Silva: - Apoiado), e com quem ninguem quer ter relações algumas (O sr. Rebello da Silva:- Apoiado).

Ora, sr. presidente, as relações do governo com esse individuo datam de muito tempo. Na sua qualidade de corretor fez varios supprimentos ao governo, e figurou sempre em varios contratos que se fizeram, de supprimentos ou adiantamentos.

Se nós formos ver os differentes actos do ministerio da fazenda, desde alguns annos a esta parte, encontramos sempre figurando ali esse nome, com pouca vantagem para nós.

Quando eu entrei para o ministerio em 27 de dezembro do anno passado, achei esse nome figurando na lista dos credores ao governo, e credor por uma somma bastantemente avultada. Foi até o primeiro credor a quem tive de pagar, porque as letras de que elle era portador, resultantes de contratos que havia feito anteriormente, eram venciveis no dia 2 de janeiro deste anno, por consequencia, apenas quatro dias depois daquelle em que entrei para o governo. Não tinha eu nessa occasião, nem proxima nem remota, conhecimento de similhante individuo, o que não admira porque estava fora do governo e destes negocios, e por isso não conhecia essa pleiade de nomes que hoje desgraçadamente conheço. Nessa occasião pois mandei perguntar para Londres se acaso aquellas letras, que eram avultadas, eram ou não reformaveis. Responderam-me que o eram, em parte; mas que, pelo menos, era necessario mandar pagar 20:000 libras.

Já v. exa. e a camara vêem que, com o pequeno espaço de tempo que tinha diante de mim, e com a escassez de meios em que se encontrava o thesouro, o que de todos é conhecido, achei-me em grandes difficuldades para mandar

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pagar aquella Somma; Comtudo paguei parte della, e fez-se reforma pelo resto, que eram 80:000 libras. Mais tarde pagou-se outra prestação, e assim se foi, pagando até que se lhe ficou devendo apenas 20:000 libras.

Aconteceu no entretanto vir esse individuo a Lisboa em companhia do agente da casa Fruhling Goschen, e por essa occasião recebi dessa casa uma communicação em que se me dizia que aquelle individuo, não obstante vir com o agente da casa Goschen, não tinha nada que ver com o negocio que o governo tratava com ella. O individuo em questão procurou-me, e eu vi nelle um homem de fino trato e maneiras affaveis; e depois de eu lhe dizer que a casa Goschen nada me tinha dito a seu respeito, disse-me elle, que tinha sido o intermediario para as negociações entre o governo portuguez e aquella casa, e que tanto por esse facto, como por serviços identicos, que antes disso havia prestado a diversos antecessores meus na pasta da fazenda, se julgava com direito a uma certa commissão, mesmo porque nenhum dos meus antecessores lhe havia pago nunca as suas commissões. Respondi-lhe que se eu encontrasse nos contratos de emprestimos concluidos alguma clausula, pela qual visse que se lhe devia alguma commissão se lhe pagaria. Mas eu examinando todos os documentos daquelle genero que havia na secretaria, não encontrei nada que se referisse a commissão alguma áqueile individuo. Disse-lhe tambem que se elle tinha sido intermediario para com a casa Goschen, essa casa, se o emprestimo se effectuasse com ella, provavelmente lhe pagaria alguma commissão; mas tambem desde logo lhe declarei que tinha resolvido não dar commissão nem corretagem a ninguem, pela minha mão, porque nada queria occultar ao parlamento nem ao meu paiz; e que todas as commissões e corretagens, que porventura houvesse de dar-se, seriam expressara ente designadas no contrato, porque sei que isto era o sufficiente para lançar sobre qualquer ministro os labéos e as suspeitas, de que infelizmente temos os, exemplos; e por isso eu devia estar prevenido pelo que injustamente tem acontecido aos meus antecessores.

O tal agente, como julgo que não tinha mais nada a fazer, retirou-sa para Londres, e mais tarde só, é que eu soube que elle se considerava com direito a haver commissão, não só do supprimento anterior, mas desse mesmo que tinha feito a casa Goschen. Escrevi-lhe então uma carta dizendo-lhe que não o tinha encarregado de cousa alguma, mas que desde o momento em que me mostrasse as provas de que se lhe devia alguma cousa, daria ordem para se lhe pagar.

O homem calou-se, não fez mais exigencias, e assim ficou a questão até ao vencimento das letras de que era portador; mas nessa occasião elle endossou as letras, e indo recebe-las na agencia, quando se lhe pediu o penhor que tinha na mão, respondeu que o havia vendido. Isto, sr. presidente, mostra bem a necessidade de acabar com esse systema, e os graves inconvenientes da divida fluctuante, porque os prestamistas, tendo em seu poder dois titulos, a letra e o penhor, se não têem probidade suficiente, podem dispor desse penhor com prejuizo para a fazenda.

Apenas eu soube de similhante procedimento, dei as providencias necessarias, e as ordens mais terminantes para Londres, a fim de que- se obstasse a que os titulos referidos podessem ter curso no mercado, e para que revertessem para a fazenda. Ordenei ao agente de Londres que fizesse constar o facto ao chanceller, e que fizesse o annuncio no stok exchange; que esses titulos ficavam completamente retirados da circulação, e não negociaveis. Em vista deste affida vit, declarou que esses titulos não eram negociaveis, e o chanceller deu tempo para que o réu respondesse marcando-lhe o praso de oito dias. No fim delles foram interrogados os corretores que tinham vendido parte desses fundos, e declararam quem os tinha vendido, quem lhos tinha comprado, e que ainda tinham em seu poder uma parte delles, mas que deviam ser absolvidos, porque tinham feito a transacção na boa fé.

O chanceller decidia que os que não estavam vendidos fossem entregues á agencia, e que os que estavam vendidos, visto ter havido boa fé, que se, deviam considerar como vendidos, reservando-se com tudo o direito ao governo de rehaver aquelles valores por uma acção judiciaria.

Effectivamente tive parte disto e apenas a tive dei immediatamente ordem para se proceder nas diligencias convenientes a este respeito, isto foi ha tres ou quatro dias, e este negocio deve ter continuado a seguir os seus tramites, os documentos existem na minha secretaria, sempre houve prejuizo para a fazenda, mas prejuizo pequeno, e que ainda assim é possivel que o não haja, se o individuo tiver por onde pague, pois que tudo é a nosso favor, primeiro do que tudo porque ninguem se póde pagar por suas mãos, e assim quando elle mesmo tivesse direito a receber não podia vender os penhores que se lhe tinham confiado, o que é contrario a todas as leis, e bem mostra o caracter indigno daquelle individuo; alem disso ha a circumstancia delle nunca ter apresentado documento algum em que mostrasse que o governo lhe era devedor dessas commissões a que allegou ter direito, era effectivamente credor de um supprimento, mas esse supprimento não fui eu que o contratei, achei-o contratado, e já o pagou o estado na minha gerencia.

Eu não conhecia aquelle individuo, só mais tarde quando veiu a Lisboa é que o fiquei conhecendo, e protesto solemnemente contra as phrases do digno par que me precedeu, mas logo que eu fallei aquelle individuo tive certas apprehensões, e mais tarde é que me informei sobre qual era o caracter delle, e as informações que tive fizeram-me perder toda a pouca vontade que eu nessa occasião já tinha de contratar com elle, e tanto que numa das occasiões mais criticas em que o estado do thesouro não era muito favoravel, me foi proposto por aquelle individuo o adiantamento de um supprimento importante, e esta participação foi-me feita pelo agente financial, dizendo-me que elle se tinha ido offerecer para fazer aquelle supprimento que era de 200:000 libras, e eu respondi que bastava ter sido s, proposta daquelle individuo para eu não querer aceitar o contrato; porque, sr. presidente, eu antevi logo que no meio daquelle negocio havia de existir entro peior, e dei por consequencia ordem muito terminante e positiva para que se não - aceitasse o contrato, e que na verdade não era para desprezar, era para tentar aceitar aquelle supprimento, porque era exactamente na occasião em que a société generale de Paris exercia maior pressão sobre o governo, mas eu ainda assim, apesar das criticas circumstancias em que nos achavamos, não quiz aceitar.

Eis-aqui está a expressão leal, sincera e verdadeira do facto tal qual se passou, e o sr. Vás Preto não tem rasão para me dirigir as injustas arguições que me dirigia.

O sr. Vaz Preto: - Disse que a correspondencia a que se referira declarava que aquelle individuo era o agente do emprestimo Goschen, e que o sr. ministro lhe telegraphara, dizendo-lhe que a sua commissão estava incluida nesse emprestimo, o que prova que o sr. ministro estava em relações com aquelle homem.

Expoz que a carta diz tambem que, quando este individuo se pagou da quantia que allegava dever-se, o chanceller levou este negocio ao maire, que não tomou delle conhecimento logo que viu a correspondencia do si. ministro.

E, segundo refere o Times, o chanceiler resolveu a questão contra o governo portugues.

Parece-lhe que aquelle individuo não se podia julgar com direito ao pagamento que exigia, se não tivesse documentos que provassem que tinha prestado serviços. A commissão a que elle diz que tinha direito são 4:000 libras do supprimento feito ao sr. Carlos Bento e 16:000 libras do contrato Goschen. E os tribunaes inglezes, em virtude desses documentos, julgaram que elle tinha direito á indemnisação que pedia, como ainda diz á carta.

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Em conclusão, requer, para que a camara possa ser convenientemente esclarecida, que lhe sejam mandados todos os documentos relativos a este assumpto.

O sr. Ministro, da Fazenda:- Sr. presidente, o digno par terminou exactamente por onde devia começar.

Effectivamente, eu não sei nada do que diz esse papel; regulo-me pelos documentos officiaes, que tenho na secretaria da repartição a meu cargo, e portanto, se o digno par quer mandar para a mesa um requerimento em forma a pedir esses documentos, está no seu direito; mas, se o não quizer fazer, eu mando tirar copia de todos esses documentos; todavia, digo desde já a s. exa. que não poderá isto ser com muita brevidade, como s. ex. naturalmente deseja, porque o processo é volumoso;

O sr. Vaz Preto: - Então é desnecessario.

O sr. Ministro da Fazenda: - Leva oito dias a copiar; comtudo eu mandarei o processo original (apoiados). Já se vê com a condição de voltar para a secretaria da fazenda porque esses documentos pertencem áquella repartição (apoiados),

Repito pois, sr. presidente, que mandarei o processo original, visto que a copia levaria uns poucos de dias; e por elle o digno par verá o que se passou, e quaes foram os fundamentos que houve para se tomar áquella resolução.

O sr. Rebello da Silva:- Sr. presidente, o digno par, o sr. Vaz Preto, terminou por onde eu queria começar pedindo que viessem as provas, porque a questão que acaba de correr na camara é grave e muito grave. Este homem, de quem ouvi a triste biographia feita pelo sr. ministro da fazenda, diz num dos periodos da sua carta o seguinte (leu).

E espanta-me na realidade. Diz elle mais (leu).

Aqui está o que elle tambem assevera: que = tinha na sua mão 30:000 libras, e que mandara uma conta corrente ao agente financial, dizendo que vendera o penhor no valor de 20:000 libras pela falta de credito que lhe merecia v. exa. como ministro da fazenda e Portugal como devedor =. Isto é grave, e tão grave, que eu escrupuliso a entrar no debate sem ver os documentos. Eu já sabia que nesta immensa colonia de corretores de emprestimos se havia de praticar um acto desta natureza, porque isso era facil de prever. Mas na verdade acho o que aqui se diz de uma moralisação tão difficil que não posso, nem como representante do paiz nem como amigo do sr. conde de Samodães, deixar de examinar o processo com toda a attenção. Estou certo e certissimo de que neste negocio é provavel que haja uma grande calumnia; desejo que a haja, faço votos para que assim succeda. Mas um homem de quem o sr. ministro fez o retrato tendo-lhe passado pelas mãos 316:000 libras, fazendo-o seu agente para tratar do emprestimo Goschen, dando-lhe uma commissão de 1 por cento sobre o emprestimo e outro 1 por cento sobre o pagamento do mesmo, tudo isto são factos graves, os quaes não quero moralisar. O que eu peço é que o sr. ministro mande o processo com brevidade, e s. exa. deve ser p primeiro a reconhecer a necessidade da tal brevidade. E necessario que se supprima essa colonia de agentes de emprestimos. É doloroso para um paiz, que até hoje tem cumprido religiosamente com os seus compromissos; é doloroso, digo, que um homem destes, cuja biographia nos fez o sr. ministro, tenha a ousadia de cuspir nas faces de Portugal e de lhe dirigir as injurias mais atrozes (apoiados). Agora perguntarei ao sr. ministro, porque me parece que s. exa. soltou a seguinte phrase; disse s. exa. que = devia estar prevenido das proezas deste individuo pelos factos que praticou no tempo dos seus antecessores =, não sei se foi isto o que s. exa. disse?

O sr. Ministro da Fazenda: - Disse isso em outro sentido.

O Orador: - Então não era porque elle praticara já acto algum destes durante o tempo dos antecessores de s. exa. Este homem guardou infelizmente as primicias da sua habilidade para o sr. conde de Samodães.

Sr. presidente, em resumo, e não posso deixar de resumir, peco ao sr. ministro da fazenda que envie, sem demora, a esta camara os documentos que nos prometteu facilitar, a fim de se poder esclarecer este negocio, documentos que eu hei de examinar com toda a rapidez e escrupulo para que possa formar bem o meu juizo.

Não tenho mais nada a dizer.

(O orador não viu as notas deste discurso.)

O Sr. Presidente:- A mesa ha de officiar ao sr. ministro da fazenda sobre o pedido dos dignos pares.

O sr. Ministro da Fazenda:- Eu declaro a v. exa. e á camara que hei de amanhã mandar para aqui o processo todo. É uma cousa simplicissima, porque está todo colleccionado, e não tendo que se tirar copias, remette-se com muita facilidade.

Agora tenho a declarar em referencia ao que disse o sr, Rebello da Silva, de eu m& ter servido do tal agente...

O sr. Rebello da Silva: - Nesta carta é que se diz. Eu não o affirmei.

O Orador: - Peço perdão. A historia do emprestimo com a casa Fruhling & Goschen é conhecida de todos, e admira que haja duvidas a este respeito. Pois quem foi que introduziu aqui a casa Fruhling & Goschen? Foi o sr. Townsend, que veiu aqui tratar da questão do caminho de ferro de sueste. Não se ignora que o sr. Townsend era o presidente do comité dos interessados naquella questão, e v. exa. deve conhece-lo. Foi elle exactamente que inculcou a casa Fruhling & Goschen, como sendo a mais competente e a mais capaz para fazer este emprestimo; por consequencia não tinha precisão de recorrer a um homem com quem não tinha relações. As unicas pessoas com quem fallei sobre este negocio foram os srs. Townsend & Bernex, e já se vê que o que se diz nesse papel é uma calumnia.

O sr. Conde d'Avila: - Expoz que, em vista das explicações do sr. ministro da fazenda, entendia desnecessario continuar esta discussão. Pedia ao sr. ministro da fazenda que não se limitasse unicamente a mandar os documentos pedidos, mas que examinasse tambem áquella carta, e mandasse desde já responder, no mesmo jornal, á serie de falsas asserções nella conteudas.

O sr. Presidente: - Antes de continuar a ordem do dia, peço licença para dar uma explicação que julgo indispensavel.

Alguns dignos pares arguiram-me de não ter cumprido religiosamente o nosso regimento. Avalie a camara se eu o cumpri ou não.

O digno par, o sr. Vaz Preto, pediu a palavra, dizendo que a pedia sobre a ordem para um negocio urgente. Ora vejamos o que diz o regimento:

" Artigo 60.° Em qualquer estado da discussão é licito pedir a palavra sobre a ordem, e o seu uso será regulado pela maneira seguinte:

"Art. 61.° A palavra sobre a ordem póde ter logar, ou para advertir que a discussão caminha fora dos termos convenientes e estabelecidos no regimento, requerendo ao presidente que os faça observar, ou para fazer alguma moção de ordem, segundo as regras prescriptas nos artigos 56.°, 57.° e 58.° do regimento, ou para fazer leitura de pareceres de commissões."

A camara resolverá se cumpri ou deixei de cumprir o regimento.

Por conseguinte, sem consultar a camara não podia dar a palavra que me era pedida. Da-la-ia sobre a ordem se se referisse á materia que se estava discutindo; mas não era a esta materia a que ella se referia. Portanto a camara resolverá se eu observei ou deixei de observar o regimento. Se deixei de o observar, não sou digno de continuar a estar neste logar; se o observei, a camara fará a justiça que considero me é devida (apoiados geraes).

Continua a ordem do dia.

O sr. secretario leu o artigo 1.° do projecto.

Página 322

322 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam este artigo, salvo o additamento proposto pelo digno par o sr. Ferrer, e que é mandado á commissão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Conde d'Avila: - Sem prejuizo do andamento deste projecto.

O sr. secretario leu o artigo 2.°

Não tendo ninguem pedido a palavra, foi posto á votação e approvado, bem como o artigo 3.°

O sr. Presidente:- Está a dar a hora. Creio que a camara não quererá ir agora discutir o parecer sobre o projecto de lei n.° 20? (Apoiados.) Será pois dado para a ordem do dia de amanhã, e tambem a interpellação do digno par o sr. Rebello da Silva.

Está fechada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão
de 23 de julho de 1869

Os exmos srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, das Alcáçovas, d'Avila, de Cabral, de Fonte Nova, de Peniche, de Samodães; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Algés, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Monforte, de Soares Franco; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Larcher, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Ferrer.

Rectificação

No discurso do digno par visconde de Fonte Arcada na sessão de 19 do corrente, pag. 276, col. 2.a, lin. 24.a, em logar de = discussão = leia-se = sesseão legislativa =.

1:205 - IMPRENSA NACIONAL -1869

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