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592 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dos, pois, os dois pontos, ácerca dos quaes apresentarei algumas modestas considerações para tirar duvidas e esclarecer o meu espirito, que está cercado de trevas, entrarei no debate começando pelo ponto constitucional.

V. exa. e a camara sabem perfeitamente que o nosso codigo fundamental tem artigos constitucionaes e artigos não constitucionaes, isto é, artigos que podem ser revogados, alterados e modificados por côrtes ordinarias e artigos que não podem ser revogados, modificados, nem alterados senão pela forma que prescreve a carta constitucional e por côrtes com poderes especiaes.

Os artigos que indicam o modo e forma como deve ser modificada a carta, são os artigos 140.°, 141.°, 142.°, 143.° O artigo 144.°, porém, explica e define o que seja constitucional, para não haver a mais leve duvida ou hesitação sobre os artigos declarados constitucionaes.

Eis o que diz o artigo 144.°:

" É só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos, e aos direitos politicos, e individuaes do cidadão. Tudo o que não é constitucional póde ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinarias."

O artigo 75.° da carta, é o que trata das attribuições, dos direitos e dos limites do poder executivo; é um artigo constitucional, segundo a doutrina do artigo 144.°, que acabei de ler á camara.

Este artigo foi modificado no § 8.° pelo artigo 10.° do acto addicional á carta, o qual diz assim:

" Todo o tratado, concordata e convenção que o governo celebrar com qualquer potencia estrangeira, será antes de ratificado approvado pelas côrtes em sessão secreta.

§ unico. Ficam deste modo reformados, e ampliados os §§ 8.° e 14.° do artigo 75.° da carta constitucional."

A doutrina, agora em vigor, já não é a do § 8.° do artigo 75.°, mas sim a modificada pelo artigo 10.° do acto addicional, que é um artigo constitucional.

Portanto o governo, se ratificar o tratado com a China antes de ser approvado pelo parlamento, commetterá uma violação da lei, infringindo um artigo constitucional, e a camara será cumplice sé conceder a auctorisação pedida.

N´este artigo 10.°, que acabei de citar, ha uma uma parte que não é constitucional; é a que se refere á approvação em sessão secreta. Sendo assim, nesta parte, podia ser modificado, como de facto foi modificado pela lei de 2 de maio de 1882.

Hoje, pois, a doutrina corrente, estabelecida no nosso codigo fundamental, é que nenhum tratado, concordata ou. convenção, poderá ser ratificada sem ser primeiro approvada pelo parlamento, quer em sessão publica, quer em sessão secreta.

Fica, pois, o governo sabendo bem o valor e alcance que tem a auctorisação que pede; e fica igualmente a maioria desta camara sabendo tambem que, se votar a auctorisação, é co-réu do governo na violação da constituição.

O artigo 10.° do acto addicional é constitucional, e sendo constitucional a camara tem o direito exclusivo de exercer a attribuição privativa que o artigo lhe confere, mas o que ella não tem é o direito de delegar essa attribuição; não póde alienar o que lhe não pertence.

Uma camara ordinaria não póde alterar, modificar e emendar este artigo nem delegar poderes que lhe foram conferidos, com a condição de serem insubstituiveis. A camara não tem mais do que o exercicio d´aquella attribuição.

A camara, votando ao governo a auctorisação que aqui se pede, torna-se cumplice da violação que se faz a um artigo da carta.

N´este caso, nós, a minoria, não podemos ver nem assistir á desauctorisação do parlamento sem lavrarmos um protesto energico contra similhantes abusos e attentados. Não podemos deixar de estranhar, e de censurar acremente que
o governo leve as suas maiorias e o poder moderador a violarem a constituição do estado!

Este projecto é um attentado de tal ordem que não ha exemplo algum similhante, não ha precedente nos annaes parlamentares.

E ainda um ataque inaudito á intelligencia, hombridade e bom senso das maiorias parlamentares, é um insulto que o governo faz ás suas maiorias, porque faz d´ellas uma chancella subserviente e capaz de votar todas as auctorisações que se lhe pedirem, embora sejam offensivas da constituição e da sua dignidade.

Sr. presidente, parece-me que fica bem demonstrado que esta auctorisação não póde ser dada por esta camara por isso mesmo que é uma auctorisação que provem de um artigo constitucional, e uma camara ordinaria não tem poderes para alteral-o, modifical-o ou emendal-o.

Vote a camara como quizer, subscreva ás imposições do governo mas fique certa que vota uma violação da constituição.

O nosso collega o sr. Moreira de Rey julgou tão attentatorio aos principios e indole do systema constitucional e parlamentar o procedimento do governo que formulou aquella celebre e espirituosissima moção, que v. exa. sr. presidente não quiz submetter á apreciação da camara.

Aquella moção é um eloquentissimo protesto porque ella pelo ridiculo fulmina o governo, e as suas maiorias. Ai do systema parlamentar, desde que os poderes publicos não tem escrupulo em violar descaradamente a constituição do estado!

Desde que a constituição está sendo letra morta, não se admirem se algum dia o paiz tirar as conclusões fataes desse fatalissimo systema.

Aqui tem, pois, v. exa. e a camara o que significa em bom portuguez a moção do sr. Moreira de Rey; significa uma censura acre, pungente e espirituosa á relaxação dos costumes, habitos parlamentares e despotismo do governo.

Este ponto parece-me que está demonstrado até á evidencia.

Passo ao segundo ponto e espero que o sr. ministro terá a bondade de me dar explicações claras e categoricas, porque as que deu hontem á camara foram muito deficientes, e não suppriram a falta de esclarecimentos e a carencia de documentos.

Sr. presidente, afigura-se-me que q protocollo, cuja approvação se nos pede, em logar de ser util ao paiz é prejudicial.

Sr. presidente, este projecto, como v. exa. e a camara vêem, é destituido completamente de documentos. E a nós que pertence approvar os tratados, que não podem ser ratificados sem a nossa approvação, e apesar d´isso, somos nós que não temos os documentos! E a nós que o sr. ministro declara que os não manda! E curioso!

Pediram-se esses documentos, e o .sr. ministro declarou que os não mandava a esta camara, porque eram confidenciaes!

Documentos confidenciaes para o parlamento, que é a entidade a quem pertence exclusivamente o direito, de approvla os tratados! Como havemos nós de approvar o protocrolo, se não conhecemos os documentos?

Sr. presidente, deixaremos nós, poder legislativo, invadir a esphera das nossas attribuições pelo poder, executivo? Consentiremos nós em ser despojados, ignominiosamente dos nossos direitos? Esta recusa do governo, não será uma offensa á camara? Se a maioria tem confiança no governo, e quer e póde votar o que não conhece e não sabe o que seja, o que ella não póde é tornar-se despotica a ponto de cercear os direitos sacratissimos d´esta camara, e, portanto, o direito que a minoria tem de querer elucidar-se e conhecer todos os documentos que serviram de base a qualquer negociação que tenha de examinar, de discutir, e approvar.