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N.º 43

SESSÃO DE 15 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Sousa Avides

SUMMARIO

Leitura e approvação da acto. - Correspondencia. - O digno par o sr. conde d'Avila agradece á camara, em nome do digno par o sr. Margiochi os comprimentos de pezames que esta lhe enviára. Manda para a mesa diversos pareceres.

Ordem do dia. - Tem a palavra o digno par o sr. Camara Leme, que manda para a mesa uma moção de ordem, a qual elle justifica, fallando ainda sobre a quentão militar e a das incompatibilidades. É lida e admittida a moção do digno par.- Falia sobre o clero e a quentão militar o digno par o sr. bispo do Guarda, que manda para a mesa a sua inócuo de ordem. É lida e admittida.- O digno par o sr. Vaz Preto dá umas curtas explicações ácerca das referencias do sr. Camara Leme - O digno par o sr. Luiz de Lencastre requer seja a camara consultada para se prorogar a sessão até ser votado o bill na especialidade. A camara resolve affirmativamente. - O digno par o sr. José Luciano de Castro toma a palavra e falla especialmente sobre a lei da imprensa: e em seguida apresenta quatro propostas, que fundamenta. São lidas e admittidas - Responde o sr. presidente do conselho.- Desiste da palavra o sr. Firmino João Lopes. - Usa da palavra sobre a questão militar o digno par o sr. conde do Bomfim. - O digno par o sr. Bernardo de Serpa manda para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes sobre o requerimento do sr. Augusto Ferreira Novaes. - O digno par o sr. Bandeira Coelho faz varias considerações sobre os decretos dictatoriaes. - Responde-lhe o sr. presidente do conselho de ministros. - Os dignos pares os srs. José Luciano de Castro, bispo da Guarda e Rodrigues de Carvalho requerem a retirada, das suas propostas. É concedida - O digno par o sr. Camara Leme retira a sua moção, e requer votação nominal para o seu additamento. Não é approvado esse requerimento. - O digno par o sr. Coelho de Carvalho requer a retirada da sua moção, o que é concedido. - É lida e approvada uma proposta do sr. Oliveira Monteiro, e rejeitado o additamento do sr. Camara Leme, que requer se consigne na acta o numero dos dignos pares que approvaram o additamento. O mesmo digno par manda para a mesa uma proposta, para a qual requer urgencia. É lida e fica para segunda, leitura. - É levantada a sessão.

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 19 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do digno par o sr. Carlos Maria Eugenio de Almeida, participando que, por faliecimento de sua mãe, deixará de assistir a algumas sessões.

Mandou-se, desanojar.

(Estava presente o sr. presidente do concelho de ministros. Entrou durante a sessão o sr. ministro da instrucção publica e de bellas artes.}

O sr. Conde d'Avila, (primeiro secretario): - O digno par o sr. Margiochi encarregou-me de agradecer á camara os comprimentos de pezames que, em nome d'ella, fui encarregado de apresentar a s. exa. pelo fallecimento de sua exma. sogra.

O digno par mandou para a mesa os seguintes pareceres:

Da commissão de guerra, approvando o projecto de lei n.° 17, que fixa em 13:700 recrutas o contingente militar para 1890.

Da mesma commissão, approvando o projecto de lei n.° 16, que fixa o effectivo do exercito em pé de paz no anno de 1890-1891 em 30:000 praças.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão, na especialidade, do parecer n.° 48 relativo ao bill de indemnidade

O sr. Presidente: - Como ninguem pede a palavra, vamos entrar na ordem do dia.

Tem a palavra o digno par o sr. Camara Leme.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: -Sr. presidente, vou mandar para a mesa a minha moção de ordem, sem esperança de que ella seja mais feliz do que aquella que tive a honra de apresentar á consideração da camara, quando se discutiu a generalidade do projecto, e que foi rejeitada.

A minha moção é a seguinte:

"O governo dará conta ás camaras do uso que fizer das auctorisações concedidas nos decretos dictatoriaes que não comprehenderem estas prescripções."

Sr. presidente, serei muito breve e resumido nas minhas reflexões; mas ha pontos em que não posso deixar de tocar mais desenvolvidamente, porque a isso me obriga o meu melindre offendido.

Á moção que mandei para a mesa quando se discutia a generalidade do projecto do bill, succedeu o que eu esperava.

Esta moção, que apresentei por coherencia de principios, foi taxada injusta e imprudentemente de maliciosa.

O que?! Maliciosa a minha moção?!

Protesto contra essa maneira de a apreciar.

Pois sendo a mesma que apresentei em 1887, quando se discutia a dictadura do sr. José Luciano de Castro, e que foi votada pela minoria de então, hoje maioria, podia ser rejeitada e considerada agora pela maioria como uma insidia politica?

Creio que não se podia tirar similhante inferencia da minha moção?

No discurso que proferi, combatendo a dictadura do actual governo, sustentei vehemente a minha moção, que não tinha resaibos politicos.

Agora os dignos pares, querendo explicar o seu voto, caíram n'uma grande contradicção. S. exas., em 1887, não julgaram insidiosa a minha moção contra a dictadura do sr. José Luciano, e hoje dizem que ella é uma trica politica contra o actual presidente do conselho!

Os dignos pares com as suas explicações fizeram-me lembrar um certo tabellião que se enganou na redacção de uma escriptura, e no fim d'ella escreveu: "onde digo digo; digo que não digo". (Riso )

(Interrupção que não se ouviu.)

Eu não me referi a s. exa. mas aos dignos pares que votaram contra a minha proposta.

Sr. presidente, não comprehendo como a maioria d'esta camara podesse ficar indignada, se é este o termo proprio, com a minha moção, que era de principios, para a não votar.

A camara votava o projecto do bill relevando o governo

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da responsabilidade em que incorreu, violando em circumstancias normaes a lei fundamental do estado, e em seguida votava a minha moção, que como disse, era de principios. Por esta fórma ficava tudo acabado. Mas não aconteceu assim.

Permitta-me, pois, ar camara que eu tire as consequencias da sua votação. É para isso que serve o discutir-se.

A minha moção, sr. presidente, foi rejeitada por 35 votos contra 25. Os dignos pares que votaram contra ella declarara, ipso facto, que não se devia respeitar a constituição do estado!

Quando v. exa. do alto da sua cadeira participava o resultado da votação, eu olhava para um lado da sala e via os bustos do marechal Saldanha, o vencedor de Almoster, do duque de Loulé e de Fontes Pereira de Mello, parecia-me vel-os vacillarem nos seus pedestaes; olhava para o outro lado da sala, e via os bustos do duque da Terceira, o vencedor de Asseiceira, do duque de Palmella, o diplomata illustre que em Londres tão assignalados serviços fez á causa liberal, todos estes bustos parecia-me velos estremecerem e precipitarem-se dos seus pedestaes; e, casualmente olhando para aquella porta, vi o medalhão, onde está o retrato de D. Pedro IV, o Rei Soldado, que implantou a carta constitucional, parecia desengastar-se da parede, por ver que a sua obra era tão mal tratada.

Sr. presidente, permitta-me v. exa. e a camara que eu proteste energicamente contra a apreciação que os dignos pares fizeram da minha moção, chamando-a insidiosa: lógica é que ella é. O procedimento de s. exas. é que não merece esta classificação.

Thiers disse no parlamento francez que os governos só eram fortes, quando eram lógicos. Eu tambem pergunto pela lógica dos dignos pares quando se procedeu á votação da minha moção.

A que ha pouco mandei para a mesa e que, como v. exa. viu, é para que o governo de conta á camara do uso que fez das auctorisações que tomou em decretos dictatoriaes, auctorisações amplissimas, como eu não tenho idéa de ter visto ainda discutir no parlamento, provavelmente terá a, mesma sorte que teve a outra minha moção.

Nunca votei nenhuma auctorisação, nunca dei o meu voto a nenhuma dictadura, e desafio quem quer que seja a apontar uma unica vez que eu approvasse com o meu voto uma infracção da constituição ou quaesquer auctorisações dictatoriaes.

Nem a do sr. Fontes de 1887 eu a votava, e sabe v. exa. porque não vim aqui corabatel-a? É porque n'essa occasião estava doente de cama.

E, se alguma vantagem pude tirar da minha doença, foi não passar pelo dissabor de vir aqui combater essa organisação feita em dictadura, organisação que eu combateria, porque era baseada sobre a remissão a dinheiro e bastava isso para lhe não poder dar o meu apoio. Sei que aquelle nobre caracter e aquelle eminente homem d'estado adoptara este principio que elle proprio tinha combatido na outra casa do parlamento, e adoptára-o por circumstancias economicas e vantagens pelas quaes nós andâmos em discussão ha dois ou tres annos. O resultado foi ficarmos sem soldados e sem dinheiro, porque o thesouro ficou privado talvez de mais de 400:000$000 réis annuaes, e disso tiveram culpa todos os partidos.

Foi aqui que eu combati a remissão a dinheiro dos refractarios, e sabe v. exa. o que aconteceu? Diminuiram a taxa de 480$000 a 180$000 réis, isto tudo por conveniencias de campanario e tricas eleitoraes. Foi um syndicato parlamentar.

Está aqui ao pé de mira um digno par que foi ministro da fazenda, e s. exa. poderá dar testemunho de que é verdadeira esta minha asserção.

A taxa actual da lei do recrutamento não dá nada, e estou persuadido de que se o sr. ministro da guerra mandar examinar quanto ella tem rendido, não encontra 30:000$000

Mas dizia eu que até ao meu illustre amigo de saudosa memoria teria de vir combater a sua dictadura a respeito da organisação do exercito, porque havia um ponto sobre o qual eu não podia transigir, que era a remissão a dinheiro, condemnada em todos os paizes.

O que eu combatia não era a organisação em si, era o seu principio fundamental. A lei do recrutamento.

Já n'uma das legislaturas passadas, disse referindo-me a um illustre general que tinha combatido ardentemente aquella idéa no parlamento francez, que a remissão a dinheiro equivalia á compra de um documento de cobardia.

Passemos adiante: eu toco em todos estes pontos, mas sigo o meu caminho, sempre receioso de encontrar no trajecto alguns amigos particulares, que tenho muitos (Apoiados), para provar á camara e aos dignos pares que me accusam de fazer uma trica parlamentar, que apresentando a minha moção na generalidade, só fui coherente e lógico com os meus principios.

Não foi só porém a dictadura do sr. Fontes que eu combati, porque tenho feito o mesmo a todas as dictaduras, e até a auctorisação concedida ao sr. marquez de Sá da Bandeira em 1863, apesar de ser praxe naquella epocha os governos darem conta ás camaras do uso que faziam das auctorisações que lhes eram concedidas.

O marquez de Sá da Bandeira queria de certo, como o actual sr. presidente do conselho, dotar o paiz com uma organisação militar, em harmonia com os bons principies; mas sabe v. exa. o que aconteceu?

O valente general, que era uma grande illustração, desejava apresentar uma organisação em poucos dias, e para isso consultou diversas auctoridades no assumpto, sendo eu tambem ouvido, apesar da minha insignificancia.

A organisação fez-se, e foi publicada á ultima hora, com o inconveniente de todas, uma grande confusão; tinha até paragraphos sem artigo!

Eu era empregado no ministerio da guerra, sub-chefe de uma repartição, e era tambem deputado; n'esta qualidade tinha de ir para a camara analysar esta organisação como era o meu dever.

Sabe v. exa. o que eu fiz?

Primeiro que tudo fui ter com o ministro da guerra pedir a minha, demissão.

Entrei na secretaria fardado, e elle disse-me:

- Então por cá hoje?

- Venho pedir a v. exa. um favor, qual é o de me exonerar de sub-chefe da terceira repartição.

- Pois ainda outro dia o elogiei numa portaria e já hoje o hei de demittir?

- É porque como deputado tenho de analysar a organição feita por v. exa., e entendo que é proprio da minha delicadeza da minha parte exonerar-me primeiro do meu logar.

Respondeu-me que, se eu commettesse algum erro de officio, então me demittiria.

A organisação tinha produzido uma certa impressão lá fóra, resultados que são sempre maus para a disciplina.

No dia seguinte fui para a camara, e Hz uma proposta que espero os dignos pares não reputarão insidiosa, porque eu tinha procedido com a maior lealdade, pedindo a minha demissão.

A proposta era a seguinte: que a organisação fosse remettida com urgencia á commissão de guerra para ella dar o seu parecer.

A camara votou a urgencia da proposta; no entretanto entrava na sala o sr. marquez de Sá da Bandeira.

Lembro-me muito bem d'estes factos, e até mesmo vou contar um episodio que se deu com o sr. Barros e Sá.

Entrou o sr. marquez de Sá da Bandeira, sentou-se na sua cadeira, e logo que começou a ler o seu relatorio, dando conta á camara do uso que tinha feito da auctorisação con-

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cedida, chamou para junto de si o sr. Barros e Sá, para este digno par lhe dizer os apartes que podesse haver durante a leitura.

D'ahi a pouco o sr. marquez de Sá da Bandeira manda-me chamar.

Não fiquei muito contente, comquanto elle me tratasse sempre com muita bondade, e, da fórma por que eu lhe havia feito a minha apreciação, não podia ter maguado s. exa.; eu sei respeitar os ministros da guerra, sei quaes são as conveniencias que se devem guardar e quaes os principios da disciplina.

Dirigindo-me para junto d'elle, disse-me:

- Deixe-se estar aqui para me dizer os apartes

- Então v. exa. não tem já aqui o sr. Barros e Sá?

- Sim, mas é que elle ouve tanto como eu. Deixe-se v. exa. estar aqui. (Riso.)

Ali me conservei a ouvir ler o relatorio e depois disse-me o sr. marquez que ia para o paço pedir a sua demissão; que já estava cansado.

N'aquella occasião ainda ninguem sabia qual a resolução que o ministro da guerra ia tomar, só mais tarde é que se soube que tinha ido ao paço pedir a sua demissão. E foi atraz d'elle o sr. Braamcamp.

Aqui tem v. exa. o que aconteceu.

Isto é para provar á camara que sou lógico e não emprego insidas. Sou leal e correcto.

Sinto que não esteja presente o meu amigo o sr. Vaz Preto, porque desejava appellar para o seu cavalheirismo; mas hei de fazel-o logo, porque tenho esperança de que s. exa. ha de comparecer na sessão.

Sr. presidente, vou especialmente tratar e mui summariamente da chamada dictadura da defeza.

E a esse respeito hei de recordar-me das declarações que fez o sr. ministro da guerra na sessão de hontem, em resposta ás perguntas do sr. Vaz Preto. S. exa. referiu-se ao que principalmente se discutia á fixação do contingente e á lei do recrutamento.

A dictadura que diz respeito á questão da defeza é grande, e se eu fosse tratar de cada um d'esses pontos, necessariamente teria de occupar a attenção da camara por muitas sessões.

Já declarei outro dia á camara, e repito agora que n'esta questão estou, por assim dizer, manietado.

Um digno par que aqui fallou, disse que eu me achava um pouco embaraçado, porque, pertencendo á commissão superior de guerra, e sendo par do reino, não podia tratar do as [...] senão com uma certa reserva.

E é verdade.

Creia a camara que, a respeito dos trabalhos a commissão, não digo uma palavra, não só no seio do pai emento, mas nem particularmente a amigo nenhum meu.

O que, porem, é publico, póde ser analysado.

Por exemplo, o decreto n.° 2, que foi o ponto principal da discussão, e por onde ella começou, entre o meu amigo o sr. Coelho de Carvalho e o sr. presidente do conselho, tambem meu amigo, mas mais antigo, refere-se ao contingente e diz o seguinte:

"Artigo 1.° É o governo auctorisado a proceder á reorganisação do exercito, em harmonia com as seguintes bases:

"2.ª Augmentar o contingente annual, reduzindo pelo modo mais conveniente o tempo effectivo de serviço nas fileiras."

Ora, o que é esta auctorisação, sr. presidente?

Esta auctorisação não é outra cousa senão rasgar a carta constitucional, porque é á camara dos senhores deputados que pertence fixar annualmente o contingente dos recrutas. O sr. presidente do conselho disse, e disse muito bem, que um dos pontos de partida de toda a organisação é o contingente, porque de contrario é improductivo tudo quanto vamos fazer; é do contingente que resulta a força do exercito em tempo de paz e em tempo de guerra com as primeiras e segundas reservas.

Logo, quando o contingente não seja uma verdade, tudo isto não passa de um castello de cartas, e v. exa. sabe que não se póde construir um edificio sem a materia prima. Este é que é o dilemma em que se collocou o sr. presidente do conselho para sustentar os actuaes quadros, que não combato e julgo muito convenientes.

É preciso obter soldados para esses quadros e para preencher o contingente em tempo de paz, porque se não ha soldados, os quadros são inuteis; mas isto custa dinheiro, e o meu illustre amigo disse um destes dias, em resposta ao digno par o sr. Manuel Vaz, sobre uma proposta que este digno par tinha mandado para a mesa, que tencionava gastar pouco.

Oxalá! Não duvido do digno presidente do conselho, que é um economista muito illustre, póde ser que faça um milagre; mas imagine a camara que 10:000 homens no exercito custara pelo menos 500:000$000 réis por anno!

Ora, disse outro dia aqui o sr. ministro dos negocios estrangeiros, em resposta ao digno par o sr. José Paulino, na primeira parte do seu discurso, que era preciso tornar productiva a grande verba que se gastava com o exercito, ou mesmo gastar mais alguma cousa. Tambem tenho esses principios; parece-me que se deve gastar mais e desperdiçar menos.

Já referi aqui ao sr. presidente do conselho, quando se tratou da discussão do orçamento rectificado, que via n'elle uma verba superior a 300:000$000 réis que eu julgava ser devida ás reformas exageradas e ás promoções que d'ellas tinham resultado, reformas exageradas e algumas injustas.

Se eu estivesse presente quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros affirmou que não tinha havido injustiças relativas, pediria licença a v. exa. para lhe dizer que estava illudido.

No meu discurso lá citei o caso de tres membros d'esta casa não terem sido apresentados á junta; apesar d'esta ser a verdade, ninguem n'essa occasião me respondeu que o principio altamente economico seria fazer o que estava estabelecido noutra epocha no ministerio da guerra, a saber: mandar á junta os officiaes antes de os reformar, mas não depois.

Com estes desperdicios e que me não conformo.

A nota que o illustre ministro teve a bondade de me mandar em relação á brigada de instrucção, muito desejaria que podesse ser ampliada, porque para mim o verdadeiro principio é de soldados.

Não accuso o illustre ministro pelo que vou dizer, mas acho extraordinario, que, segundo a nota por mim pedida, se tenha gasto com a brigada de instrucção, apenas a verba de 3:000$000 réis..

Perguntarei á consciencia dos dignos pares, que são militares, se só para transportes chegava aquella verba, mas o que posso desde já affiançar, é que em pólvora se tem gasto tres vezes mais.

(Entra na sala o digno par o sr. Vaz Preto.)

Chega o meu illustre amigo o sr. Vaz Preto, para cujo testemunho ha pouco appellava, porque alguem suppozera que pelo facto de ter relações particulares e politicas com s. exa., lhe havia communicado quaes eram os trabalhos da commissão superior de guerra.

Appello para o cavalheirismo de s. exa. para que declare o que ha de positivo a este respeito.

O que eu desejo e anceio é que todas as economias que se possam fazer com o exercito, se appliquem na organisação das reservas, no que estou de perfeito accordo com o sr. Coelho de Carvalho; o mais é gastar dinheiro sem vantagem.

S. exa. referiu-se hontem a um outro ponto importante, de que, apesar de todas as auctorisações, não se diz uma unica palavra, é a administração militar, e é exactamente

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ahi que se poderiam tirar as melhores vantagens e a verba mais importante para a reorganisação das reservas.

Vou apresentar á camara um exemplo para ella ver que da administração militar podem advir grandes economias applicaveis com grande proveito ás reservas.

Era ministro da guerra o sr. general Couceiro, caracter distincto, probo, em que não deslisava a menor sombra de suspeita, mas que, sendo illudido, assignara uma portaria, em que, com o pretexto de que o prego dos cereaes tinha subido, indemnisava os fornecedores de forragens para o exercito, com mais tantos réis por cada ração.

Já n'essa occasião os syndicatos andavam affrontando o paiz, porque os fornecedores constituiram-se em syndicato.

Comprehende-se a importancia d'esta indemnisação, embora fossem 7, 8 ou 10 réis por cada ração, sendo as rações 8:000 ou 10:000 por dia!

Pedi na camara que me fosse eaviada a portaria, veiu, e aununciei a interpellação, mas o negocio era de tal ordem que até me quizeram subornar.

No emtanto, levei a interpelação avante, para mostrar á camara que da administração militar podiam resultar grandes economias.

Não sei se estou enfadando a camara, mas desejo fundamentar bem a minha opinião e elucidar a camara e o sr. ministro da guerra, que tem muito que fazer, a respeito da necessidade de se attender a este assumpto.

Vozes: - Falle, fale.

O Orador: - Sabem o que succedeu?

Realisou-se a interpellação, o &r. Barrou e Sá até tomou parte n'ella; o sr. marquez de Sá levantou-se para responder, disse duas palavras e sentou-se.

Ora eu provára que, ainda mesmo que o governo quizesse pagar aos fornecedores pelo mesmo preço do mercado, os fornecedores recebiam a mais 35 ou 36 réis em cada ração!

Pois, sentando-se o sr. marque de Sá, levantou-se um deputado e apresentou a seguinte moção:

"A camara, satisfeita com as explicações do governo, pasta á ordem do dia!"

Ora o governo não tinha explicado nada, nem o podia fazer.

O facto de a camara approvar esta moção fez uma tal impressão, que o meu particular amigo sr. Thomás de Carvalho declarou logo que passava para a opposição.

No dia seguinte, porém, o sr. marques de Sá, que era um caracter seriissimo, mandou-me chamar e disse-me:

- Parece-me que aqui anda cousa, portanto vou mandar fazer uma nova arrematação.

- Mas v. exa. agora não podo fazer isso, respondi eu.

- Não importa.

Assim o disse, assim o fez. Sabem o que aconteceu?

A arrematação fez-se por um preço inferior áquelle por que estava!

Assim, a minha interpellação poupou ao estado mais de 300 e tantos contos.

Já v. exa. vê que, n'uma auctorisação tão ampla, em que se trata da lei do recrutamento, de artilhar as fortalezas de Lisboa, de adquirir couraçados que importam em mais de 4000:000$000 réis, de blindar a torre do Bugio que, segundo a opinião auctorisada de uma commissão nomeada para estudar este assumpto, quando muito póde servir de monumento historico e para ter um pharol, já vê v. exa. dizia eu, que tanto a questão do contingente como a da administração militar e outras, são todas questões muito importantes.

Aquella commissão, sr. presidente, foi da opinião que era inutilirem gastar-se 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis n'aquella fortaleza e que era muito mais fluctuante que aquelle ponto fosse defendido por uma bateria fluctuante.

Ainda hontem o illustre presidente do conselho declarou sinceramente que não concordava em que se inserisse na acta declaração alguma que não fosse no sentido das bases d'esta questão e que o governo não podia fazer nenhuam alteração no orçamento. N'este proposito, sr. presidente, tambem de passagem direi que a nova lei do recrutamento se consubstancia n'um principio altamente vantajoso para o exercito, que é serviço obrigatorio. Pois como v. exa. sabe, o serviço obrigatorio confunde a nação com o exercito, ao qual dá um caracter de nacionalidade; e n'este ponto a lei do sr. José Luciano de Castro é muito acceitavel.

Das portas que a lei tem, sr. presidente, é que tenho medo. Se s. exa., o sr. ministro da guerra as quizer fechar, entendo que faz muito bem porque temo que se abram de par em par quando se tratar de eleições e que por ellas saiam muitos recenseados.

A auctorisação que a camara vae dar é amplissima e por isso é que me parece justificavel a moção que acabo de mandar para a mesa, e que talvez o sr. ministro acceite, dando depois o governo conta á camara do uso que fizer de tão grande auctorisação.

Não quero entrar era mais largas considerações pois que, não desejo protelar o debate e tenho ainda de me referir a um ponto importante ao qual a camara sabe que ligo a maxima importancia. E a um additamento que está na mesa, e que era o parecer da minoria de uma commissão de que foi relator o sr. Hintze Ribeiro. O additamento é do governo e eu por lealdade devo dizer á camara, que na redacção apenas substitui a palavra funcção por emprego ou encargo.

Os srs. ministros declararam aqui na camara que não renegavam esses principios, e que os deixavam á apreciação do parlamento. Mas isto não é bastante, porque, comquanto julgue sinceros as declarações dos srs. ministros, sabemos todos como as cousas se fazem, e como se dirigem as maiorias.

Tenho medo das altas influencias politicas, que não deixem s. exas. levar avante estas idéas. Isto é que eu receio.

Supponho, e tenho esperança de que o nobre presidente do conselho de ministros vá declarar que acceita a minha moção, porque de nenhum outro modo se explica, que s. exa. tendo sido convidado ha quinze dias para comparecer na commissão, ainda lá não fosse. Creia o nobre presidente do conselho, que presta um grande serviço, acceitando o meu additamento.

Mas, sr. presidente, julgai á v. exa. que esta opinião é só do sr. presidente do conselho de ministros e do sr. Hintze Ribeiro, a respeito das incompatibilidades politicas e parlamentares?

É tambem opinião do sr. Franco Castello Branco e do sr. Arroyo; é por consequencia n'uma questão ministerial.

O sr. Franco Castello Branco, todos sabemos, começou logo a ser muito elogiado pelos seus discursos na outra camara. S. exa. disse por esta occasião que era muito a favor das incompatibilidades politicas e era-o pela rasão de que ninguem se lembrou d'elle, emquanto delegado, mas começando, logo que veiu para a camara, a ter varios convites para director de differentes companhias ou emprezas.

Aqui tem v. exa. uma opinião auctorisadissima.

O sr. Arroyo. então, foi muito alem. S. exa. dirigiu se ao or. José Luciano de Castro de um modo desabrido.

Vou ler á camara o que s. exa. dizia no parlamento, acompanhado de muitos apoiados de alguns srs. deputados que hoje são ministros, como por exemplo o sr. Julio de Vilhena.

Pedi a palavra n'este artigo, dizia s. exa. que diz apenas "fica revogada a legislação em contrario" para expor o mais nitidamente que eu poder quaes os motivos de moralidade politica, pelos quaes devia ficar "revogado" o ministerio.

" Poucas vezes se farão dentro d'esta casa accusações tão graves, tão severas e tão fundamentaes como as que compozeram o discurso do sr. José Castello Branco. (Apoia-

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dos.) E o que respondeu o governo? O que respondeu a maioria? Nada absolutamente. Calaram-se, não porque não quizessem, mas porque não poderam responder! (Apoiados.) Pois levantem se! Se pode:;; defender o sr. Luciano de Castro d'esta posição insustentavel de ministro do reino e governador do banco hypothecario, desta dualidade que o inhibia de tomar parte em nenhum acto governativo proveniente d'este projecto, levantem-se e defendam-o! Mas não! Calam-se! Não têem força nem lingua para responder!

"Digam, uma vez ao menos, a esses homens, que só ficam para cuidar dos seus interesses e dos interesses do seu partido; digam a esses homens que essa situação é inteiramente opposta a todas as regras da moralidade politica.

"Digam a esses homens que a dignidade do parlamento exige que elles sejam escorraçados d'ali, como improprios para o exercicio das augustas funcções de ministros da corôa!

"Acredite a camara que o que eu digo neste momento é a expressão do que sinto no mais fundo do coração.

"Eu, que professo o verdadeiro culto da honradez, eu, que não devo o que sou senão á minha pequena intelligencia e ao meu trabalho, tenho direito de dizer, de cabeça erguida, como qualquer dos meus amigos politicos, têem direito de dizer aos srs. ministros: saí! porque a moralidade politica assim o exige! (Muito bem, muito bem.)"

Estas eram as opiniões do sr. Arroyo e do sr. Franco Castello Branco a respeito das incompatibilidade politicas.

Pois então não sabem todos, desgraçadamente, o que os syndicatos têem produzido entre nós? Não conhecem todos a sua historia deploravel?

Ahi temos a torre de Belem tendo por detraz o gazometro da nova companhia do gaz, como uma prova do que são os syndicatos.

Ultimamente, até lhe levantaram tambem ao lado uns montões de carvão de pedra, para que o pó do carvão vá cobrir de lucto aquelle monumento unico da Europa.

O traçado do caminho de ferro de Cascaes, tambem é outro syndicato com que ficou prejudicada a defeza do paiz, para se satisfazer aos interesses da companhia dos caminhos de ferro de norte e leste; e tanto foi prejudicada a defeza do paiz que no contrato estabeleceu-se que uma das estações desse caminho de ferro fosse era frente do forte de Caxias.

Para obstar a este inconveniente seria preciso fazer um ramal que possa dar communicação a esta obra de fortificação.

Com respeito ao caminho de ferro de Lourenço Marques tambem houve outro syndicato, que deu em resultado ter o governo de gastar 700:000$000 réis para se completar o caminho de ferro, e ainda não sei quaes são as indemnisações que foram exigidas pela Inglaterra e pela America do Norte.

Se se tivesse feito o que eu aqui disse, o resultado seria outro.

Disse, e repito, que o governo nunca deveria ter dado aquelle caminho de ferro a qualquer companhia ingleza, para se livrar de complicações diplomaticas como aquellas que tem collocado o paiz em graves difficuldades.

Ainda com relação a syndicatos, direi que o digno par sr. Pereira Dias, a proposito de uma pergunta que nest,i camara tinha sido feita ao governo sobre a acquisição de navios de guerra para a nossa marinha, fez ver que no dia immediato a essa pergunta, um deputado da maioria requererá pelo ministerio da marinha os pareceres da maioria e minoria da sub-commissão encarregada de dar parecer sobre a acquisição d'estes navios, acrescentando que pedia esses pareceres para varrer a sua testada, visto que se dizia que neste negocio se faziam conjecturas pouco lisonjeiras.

É por tudo isto que julgo conveniente e de urgencia que a camara approve o meu additamento.

N'outro dia, a proposito de condemnar que os homens politicos fizessem parte das companhias industriaes e commerciaes, citei a opinião de Rousscau, citei Victor Hugo, Beaumarchais e mais alguns. Podia citar muitos" outros. Não o faço para não cansar a camara.

Mas ha um documento que ultimamente encontrei e que vou ler. Acho-o muito curioso e significativo.

Esse documento é um alvará do tempo de D. João IV. Já então havia receio dos syndicatos.

Peco a attenção dos dignos pares:

"Eu, El-Rei, faço saber aos que esta minha lei virem que: porque tem mostrado a experiencia por muitas vezes, os grandes inconvenientes que se seguem de uma mesma pessoa servir dois officios, pois é sem duvida que raras vezes succedo. serem tão compativeis, que se possa acudir a differentes occupações, como convem a meu serviço, e melhor e mais breve aviamento das partes; e porque tambem convem muito que; repartindo-se o galardão por mais pessoas, ruja com que premiar os benemeritos, tendo entendido que por falta de noticia se consultara e provêem pessoas que tem dois officios em grande damno de melhor governo do bem commum, pelas rasões referidas. Hei por bem de resolver que, quando se me consultarem as propriedades, ou serventias dos officios, se faça expressa menção, se algum dos propostos tem outro para que, segundo o exercicio dos officios, qualidade e merecimento dos nomeados, possa resolver o que mais convier a meu serviço, e que, succedendo daqui por diante fazer mercê de algum officio de propriedade ou serventia a pessoa que tiver outro, sem d'isso se fazer expressa menção, farei mercê d'elle a quem o denunciar, sendo capaz; e para isso se executar e cumprir inteiramente, como n'esta minha lei é declarado, se registará rios livros do desembargo do paço e nos das casas da Supplicação e Relação do Porto." (Alvará de 23 de outubro de 1644).

Aqui tem v. exa. como no tempo da restauração já se prohibiam expressamente, por um decreto, as accumulações dos empregos.

Eu podia trazer aqui maior numero de documentos. Se os trouxesse todos, formariam um livro, como já disse no meu decurso sobre a generalidade d'este projecto; porem, isto fica para outra occasião, se eu tiver o infortunio do meu additamento não ser approvado.

As dictaduras foram aqui fulminadas de uma maneira pungente e fina, peio meu illustre amigo o sr. Costa Lobo. S. exa. mandou para a mesa uma moção, com a qual decerto não quiz justificar um absurdo, mas exageral-o pelo systema que aconselha Lafontaine na fabula intitulada O infiel depositario.

O digno par que é muito erudito e muito illustrado, por certo conhece a fabula, que termina assim:

r.Ja,i vu, dit il, im chou plus grand qu'une maibon.
Et mói, dit l'autre, un pot ausai grand qu'une église.
Le premier se moquant, l'autre reprit: Tout doux.
On le fit pour cuire voz choux."

"L'homme au pot fut plaisant: l'homme au fer fut habile.
Quand l'absurde est outré, l'on lui fait trop d'honeur
De vouloir par raison couibattre son erreur;
Enchévir est plus court, sans s'échauffer la bile."

S. exa. para exagerar o absurdo da sua proposta, que tendia a estabelecer dois poderes legislativos, não fez mais do que repetir a fabula de Lafontaine.

O sr. Costa Lobo: - V. exa. dá-me licença?

O Orador: Com todo o gosto.

O sr. Costa Lobo: - S. exa. expressa perfeitamente o pensamento da minha proposta, mas eu devo dizer que adoptei um precedente que é muito usado em todos os parlamentos, qual é o de apresentar um absurdo para imprimir no espirito da camara a verdade das affirmações do orador.

O Orador: - Perfeitamente de accordo.

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O sr. Costa Lobo:: - Estas propostas apresentam-se no correr da discussão, e são retiradas pelos seus apresentantes quando a mesma discussão termina.

O Orador: - Bem sei que s. exa. retirou a sua proposta.

O sr. Costa Lobo: - Esta explicação é mais para a camara e para o publico, do que para s. exa.

O Orador: - O digno par foi mais adiante, porque, tendo eu dito que nós estavamos a representar uma comedia de Beaumarchais, o digno par replicou-me dizendo que o que nós estavamos a representar era o drama Ruy Blas, de Victor Hugo.

O digno par, muito a proposito, fez uma observação extremamente espirituosa, que não reproduzo porque não poderia empregar a graça que s. exa. imprime ás suas palavras.

Quer a camara que eu diga qual é o meu receio?

Receio que n'esta camara se represente, não o Ruy Blas de Victor Hugo, não o Barbeiro de Sevilha de Beaumarchais, mas a opera comica.

Sentiria muito profundamente que a camara exhibisse esse espectaculo, mas, não me surprehenderá que isso aconteça.

Não ha por ora o libretto, nem o enredo, nem a partitura, mas podemos remediar-nos com a prata da casa.

Sem a menor sombra de offensa e apenas como figura de rhetorica, direi que para esta nova composição temos altas competencias.

Já os philosophos antigos Heraclito e Democrito diziam: que a vida se levava a rir e a chorar.

É melhor rir e permitta-me a camara uma imagem sem intuito offensivo.

Receio que o genero baixe de nivel até á opera cómica de Offenbach. E ninguem melhor para compor uma similhante, do que dois dos illustres ministros.

Que em boa paz lhes dizia:

Via ali um poeta distincto da lusa Athenas, o qual empunhando a lyra com que no Trovador deliciou outr'ora as nayades do Mondego, podia compor sem difficuldade o libreto, para o qual o illustre ministro das bellas artes, ex-director dos orpheons coimbrãos, e distincto musico, podia compor a partitura.

Para a sua barcarola tinha um excellente tema: Em logar da carta adorada a carta esfarrapada.

Mas como provavelmente seriam pateadas as representações pelo paiz, receiava que, em logar de rir, não tenhamos que chorar, representando as tragedias tétricas de Shakespeare.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)

Leu-se na mesa a moção do digno par, e foi admittida á discussão.

O sr. Bispo da Guarda: - Sr. presidente, em observancia da nossa lei regulamentar, leio a minha moção, que depois mandarei para a mesa.

(Leu.)

Sr. presidente, quando da ultima vez fallei n'esta casa, chamando a attenção dos poderes publicos e do paiz, para a situação desgraçada do clero, pedi, entre outras cousas, ao sr. presidente do conselho e ministro da guerra e do reino, que procurasse, quanto possivel e em harmonia com as exigencias do serviço publico, que os parochos fossem dispensados de tomar parte nas operações do recrutamento e nos serviços eleitoraes, que são, não sómente onerosos para os parochos, mas tambem muitos d'elles incompativeis com as funcções religiosas que lhes incumbem: e acrescentei, que me parecia que as bases ou principios em que assentava a lei do recrutamento não eram justas, nem equitativas, mas que reservava as considerações que tinha a fazer sobre este assumpto para quando se tratasse de modificar e alterar a lei do recrutamento.

Ora, s, exa.; dignando-se responder-me disse que por um dos decretos dictatoriaes era o governo auctorisado a introduzir na lei do recrutamento as modificações que entendesse convenientes, e que, sendo elle approvado pelo parlamento, procederia a essas modificações extra-parlamentarmente.

É pois esta a occasião opportuna, e eu a aproveito para fazer as minhas observações.

Eu disse que a lei do recrutamento não assentava era principios justos e equitativos; e, como não faço, nem devo fazer, affirmações que não prove, vou demonstrar o que affirmo.

A minha opinião está consubstanciada na minha moção de additamento.

Ninguem dirá que todos os mancebos recenseados prestam iguaes serviços ao paiz ou comportam iguaes sacrificios com o serviço militar, e que são inteiramente iguaes ás condições dos que entram nas fileiras e fazem serviço de tres annos, e passam á primeira reserva, e as d'aquelles que não entram em serviço effectivo e que, quando muito, ficam pertencendo á segunda reserva; os sacrificios não são os mesmos, nem é igualmente pesado para todos o imposto de sangue, como devia ser. Parece-me isto incontestavel; pelo menos no meu espirito não se offerece duvida a tal respeito. Ha uma inteira desigualdade entre os mancebos que vão servir nas fileiras e os que não vão servir, embora haja a taxa militar e esta se cobre. E para obstar a estes inconvenientes é que apresento a minha proposta e faço, para a fundamentar e esclarecer, estas considerações.

Assim o parlamento fixa annualmente a força publica, fixa o contingente militar e o preço em dinheiro do imposto de sangue ou do serviço militar de cada recruta do contingente annual, e a importancia total d'este imposto distribue-se e reparte-se igualmente por todos os recenseados.

Exemplo: sendo a força publica de 45:000 homens, o contingente annual de 15:000 homens, o preço do serviço militar de 100$000 réis e o recenseamento de 50:000 mancebos;, teremos 1.500:000$000 réis (producto de 100$000 réis multiplicado por 15:000 recrutas) a dividir por 50:000 recenseados, o que dá a cada mancebo recenseado 30$000 réis, importancia com que cada um tem de contribuir.

Esta quantia entrará n'um cofre especial, mas como a nação precisa principalmente de homens e não sómente de dinheiro, para os obter tem primeiramente os voluntarios, depois os pobres que não podem pagar o preço do serviço militar, e por ultimo os sorteados na conformidade da lei actual; mas os que assentam praça a fazer serviço effectivo recebem por uma ou mais vezes 70$000 réis, differença entre o preço de serviço militar (100$000 reis) e 30$000 que cabe a cada um.

E ainda em caso de necessidade publica deveria ser chamada ao serviço a segunda reserva, ou, não o podendo ser por falta da instrucção necessaria, ser a primeira reserva indemnisada equitativamente pelos mancebos que constituem a segunda reserva.

Creio que a taxa militar foi estabelecida para se occorrer a despezas militares, e tambem para estabelecer uma tal ou qual proporção entre os sacrificios que fazem os que entrara no serviço das fileiras e os que não entram; mas comprehende se perfeitamente que, sendo a taxa de 2$500 réis ou 3$000 réis annuaes, não se consegue a proporção desejada; por outro lado, se se adoptar a minha proposta, a taxa militar poderá ser um addicional á quota com que ha de contribuir cada mancebo recenseado, tornando-se assim de facil cobrança e mais rendosa, pois que é paga por todos, ainda os sorteados e que assentam praça.

Segundo a minha proposta, não haverá isenções do serviço senão quando se derem conjunctamente no mesmo mancebo as duas circumstancias de pobreza e invalidez, pois entendo que todos os cidadãos devera pagar, como

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pagam outros, o imposto de sangue, e talvez mais os inválidos, que mais precisam do protecção e defeza.

Parece-me que esta minha proposta assim entendida não difficulta em cousa alguma os serviços militares, e que, pelo contrario, os facilita e estabelece o recrutamento em bases equitativas e justas, de maneira que o imposto de sangue e repartido igualmente por todos os mancebos recenseados sem alterar nem prejudicar as outras operações do recrutamento, e que contribuirá ainda para diminuir a repugnancia maior ou menor que ainda ha para o serviço militar.

E justificada brevemente a minha moção de additamento, eu devo dizer que tencionava fallar sobre a generalidade do bill, o que não fiz para não alongar o debate que já ia longo, e tambem sobre a especialidade, e que por isso, quando ha pouco pedi a palavra, não foi certamente para responder ao digno par e esclarecido general sr. Camara Leme; todavia aproveitarei a occasião para explicar o meu voto, pois que rejeitei a moção de s. exa.

Mas antes d'isso devo declarar, para que fique consignada nos annaes parlamentares, e porque o julgo conveniente para a administração da minha diocese, a minha posição politica n'esta casa.

Sr. presidente, vim da Guarda principalmente para chamar a attenção dos poderes publicos para a situação desgraçada em que se encontra a classe ecclesiastica, e logo que os dignos pares approvem, como espero do seu espirito de justiça, o projecto da aposentação dos parochos, que já foi votado na outra camara e apresentado nesta, eu regressarei á minha diocese sem muita vontade de voltar aqui, onde a minha presença não é de proveito algum; mas, antes de o fazer, e tendo fallado de assumptos ecclesiasticos, não julgo inconveniente, por não ser incompativel, dizer a minha opinião sobre outros assumptos que estão em discussão.

O assumpto que se discute, p projecto do bill, é uma questão politica principalmente considerada na sua generalidade. Eu tenho ouvido dizer aqui e fóra d'aqui, que esta camara não é politica; mas não concordo com esta opinião. Esta camara é por sua natureza politica, e tanto ou mais politica do que a dos senhores deputados, e tem mesmo attribuições que a outra não tem, como são as que lhe confere exclusivamente o artigo 41.° da carta constitucional; mas se é politica, não deve ser exageradamente partidaria e menos ainda facciosa, mas sim moderada e moderadora, como inculca a sua indole e exigem todas as rasões de conveniencia publica.

E eu, que por direito proprio tenho assento n'ella, sou tão moderado, que nem sequer tenho politica. Não pertenço actualmente a partido nenhum, e direi porque.

Não tenho o que os francezes chamara tête politique, cabeça politica, e, direi mais, nem coeur politique, coração politico. Dizem que o coração é a sede dos sentimentos affectuosos; supponhamos que assim é, sem mais investigações physiologicas, que não são precisas. Ora só se póde amar verdadeiramente o que é digno e honesto, e parece-me, e ouço dizer frequentemente, que a politica não gosa de boa reputação e, não sei mesmo se tem más notas no registo da policia; e v. exa. e a camara sabem o que isto quer dizer, quando se trata de uma dama, poio eu considero a politica do sexo feminino, e peço licença ao digno par o sr. Cairos e Sá para lhe attribuir um sexo.

Depois eu não me julgo capaz, ou assas forte, para observar a chamada disciplina partidaria, porque desejo guardar a independencia do meu espirito e não posso nem quero collocar-me em situação que me obrigue a dizer que tudo o que fazem os do meu partido é bom, é optimo, e que o que fazem os adversarios é mau, é péssimo, a viver numa atmosphera de incoherencias e contradicções, a seguir a orientação politica actual, que quasi sómente se inspira em interesses partidarios e cujas aspirações se resumem, as de uns em ficar, e as dos outros em subir ao poder e em pouco mais, e era colher e recolher impostos e distribuil-os e repartil-os, senão esbanjal-os, pelos partidarios, e cujas operações de fazenda eu chamo de endosmose e exosmose...

N'estas idéas e convicções fui aqui confirmado pelo que ouvi ao digno par o br. Pereira Dias, que não está presente, mas a quem não duvido referir-me, pois não tenho a dizer cousas que lhe sejam desagradaveis, mas antes muito honrosas.

S. exa. todas as vezes que usou da palavra e se constituiu chefe de si mesmo, desprendendo-se de preoccupações partidarias, disse verdades muito sensatas e que eu applaudi, como quando fallou de certas incompatibilidades moraes, da verba de 40:000$000 réis incluida no orçamento rectificado e destinada á beneficencia publica e dos graves males de que eram symptomas as frequentes dictaduras.

E a respeito da verba destinada á beneficencia, eu peço licença ao sr. conselheiro José Luciano de Castro para dizer que, no logar de s. exa., não faria similhante promessa, nem verbal, nem escripta, e ao sr. presidente do conselho, que na sua posição a não cumpriria, e responderia ao individuo que pediu o subsidio e antes d'elle fazer as despezas para que era destinado, que lh'o não dava.

Eu, sr. presidente, desejo que os governos do meu paiz governem por si e se não deixem governar, que elles mesmos se dirijam e não sejam dirijidos por ninguem.

Se porventura o governo entendia que para acudir a uma calamidade publica, precisava despender qualquer quantia, fizesse-o, exercendo a beneficencia por si, sem se associar a ninguem.

Tenham os governos cuidado com as companhias, ou sejam sociedades ou sejam pessoas com quem se convive, pois ha um dictado que diz: "Dize-me com quem andas, dir-te-hei as manhas que tens".

Não me retiro a individualidades em especial. (Apoiados.)

Disse que actualmente não pertencia a partido nenhum, e disse actualmente, porque talvez amanhã, n'um futuro mais ou menos proximo, pertença a algum partido, e esse partido será o ecclesiastico ou catholico, e cujo programma se poderá resumir em tres palavras: justiça, legalidade e liberdade.

Em assumptos ecclesiasticos, a que principalmente se proporá, pretenderá que se faça inteira justiça, principalmente a justiça relativa; os meios de a obter serão os legaes, pois o padre não póde ser desordeiro e arruaceiro, e na mesma lei tem os meios legitimes de a modificar, se não convier; e n'esta cruzada se alistarão os que quizerem, sendo certo que, se o clero se quizer unir, em vez de se desunir apoiando os diversos partidos, alguma cousa poderá conseguir.

O partido catholico promoverá os interesses religiosos e procurará que se faça inteira justiça á classe ecclesiastica, o que, é minha opinião, não conseguirá emquanto, como as outras classes da sociedade, se não impozer aos governos pelos meios legaes, e principalmente por uma representarão numerosa e respeitavel nas duas casas do parlamento. Não aspirará a alternar-se no poder como na Belgica, mas a exercer influencia poderosa e benefica nos negocios publicos, como na Allemanha. E quanto a outros assumptos que não são religiosos, este partido, inspirando-se nos verdadeiros interesses da patria, estará sempre ao lado dos governos que apresentarem propostas e medidas proveitosas ao paiz.

Tenho sido rogado para iniciar a organisação d'este partido; mas tenho hesitado em o fazer, porque, sendo o ultimo dos bispos portuguezes, não me abalançava só a empreza tão grande e de tanta responsabilidade, porque, occupando-me até agora da visita da diocese não queria que se podesse dizer que andava fazendo politica, e porque no meio das grandes divisões dos partidos que tem havido, a

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creação de mais ura, em vez de ser tomada a serio, poderia ser motivo de riso.

Mas não pertencendo eu a nenhum partido, declaro que apoio o actual governo, porque considero os srs. ministros honestos e homens de bera, e não digo bons homens, porque não julgo isso grande elogio, e imo digo que sejam infalliveis e impeccaveis, riem creio que elles o pretendam ser, porque entendo que nas circumstancias actuaes nenhum outro governo lhes póde succeder com vantagem para o paiz, que não póde mudar de ministros e camaras todos os semestres, como os inquilinos mudam de casas, e porque este governo começa a fazer justiça e algum beneficio á classe ecclesiastica, não a mim pessoalmente, que nada quero, nem peço, nem pretendo, porque nada preciso.

E parece-me ter explicado o motivo por que, rejeitando a moção do digno par, o sr. Camara Leme, não fui contradictorio.

O sr. camara Leme: - Eu não me referi a ninguem.

O Orador: - Eu votei como entendi, mas precisava explicar-me.

Não pertencendo, sr. presidente, a partido nenhum, nem estando nesta camara em 1887, não posso ser taxado de contradictorio por se ter approvado então uma moção igual á que foi rejeitada agora. Mas eu peço licença ao digno par para dizer que não comprehendo bem a sua moção, se ella não tem intenção politica, pois não comprehendo que se apresente uma moção concebida n'estes termos a "camara resolve que se deve observar a constituição do estado"; pois que, quando se trata de deveres, cumprem-te e nada se resolve, nem é necessario resolver.

Tambem me não pareceu coherente approvar a moção e generalidade do bill, e é por isso que o digno par e os seus partidarios approvaram a moção e rejeitaram o bill, e eu approvei este e regeitei aquella.

É tambem coherente que, apoiando eu o governo, e não podendo elle conservar-se n'aquellas cadeiras sem ser absolvido da responsabilidade em que incorreu por assumir funcções legislativas, eu o absolva d'ella, desejando que seja a primeira e ultima vez.

E a respeito de dictaduras e para me não occupar de um assumpto já gasto, tão sómente direi que ellas se podem dividir em naturaes, filhas da necessidade, e neste caso estão os decretos dictatoriaes que se referem á modificação da lei eleitoral da parte electiva dos pares e á defeza nacional, e nem se diga que não eram necessarias, porque nada se tem feito, pois não é isto exacto, e quanto mais tarde fosse o governo auctorisado, mais tarde se fariam as obras de defeza julgadas necessarias; nem a artilheria, cruzadores e canhoneiras se encontram ahi á venda como qualquer mercadoria, e em dictaduras artificiaes, que podem justificar a conveniencia das suas disposições e os habitos parlamentares, e neste caso estão os outros decretos, cuja doutrina é geralmente acceita, e que tarde seriam leis do paiz, se á camara fossem apresentadas as competentes propostas, para serem discutidas e approvadas.

Sr. presidente, foi para fallar sobre a parte pratica ou administrativa da dictadura que eu principalmente pedi a palavra. O meu desejo é que ella seja o mais proveitosa possivel para o paiz, e n'este intuito desejava fazer algumas considerações sobre assumptos dependentes dos differentes ministerios; mas, receiando abusar da paciencia da camara, que de mais a mais está em sessão prorogada, eu procurarei ser breve.

Já fallei do recrutamento, que foi o assumpto da minha moção; tratarei agora da defeza do paiz.

Eu não entendo nada das cousas da guerra, mas não tenho duvida em dizer a minha opinião a respeito da defeza nacional.

Entendo que o nosso paiz não é, nem póde ser um paiz militar, que não póde fazer a guerra offensiva, nem defender-se efficazmente das aggressões das nações fortes e poderosas.

E não pude, porque julgo impossivel defendermos vantajosamente a nossa costa maritima, para não fallar da extensissima fronteira interior, desde Caminha até Villa Kcal de Santo Antonio, Porto Santo, Madeira, Açores, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Diu, Damão, Goa, Timor e Macau.

O digno par, o sr. visconde de Moreira de Rey, que não está presente, disse-nos aqui que nos deviamos preparar para uma defeza efficaz, fazendo para isso os maiores sacrificios, ainda o dos nossos bens e das nossas vidas, se não tossem sufficientes o augmento dos impostos, uma contribuição de guerra, os nossos rendimentos e ainda os capitaes.

Não concordo. Eu comprehendo que o commandante de um navio de guerra, sendo aggredido e julgando-se perdido, mande arrear os botes, ponha a salvo a tripulação, feche as escotilhas, incendeie os paioes e que tudo se afunde no abysmo, arrastando, muitas vezes para elle o inimigo; póde ser um acto de valor.

Comprehendo que o commandante de uma praça ou fortaleza, atacado por todos os lados e julgando impossivel a resistencia á mingua de soldados e munições, ordene a quem quizer que abandone a praça ou fortaleza e faça tudo explosir em estilhaços; póde ser um acto de heroismo.

Comprehendo ainda que Silva Porto, n'um momento de loucura ou de desespero, se envolva na bandeira portugueza e morra no meio de uma explosão e catastrophe terrivel. Não approvo, mas tambem não condemno este acto, porque estive na Africa e sei quantas dores e desalentos muitas vezes torturam a alma de quem vive e serve a patria n'aquellas regiões; mas lastimo este acto, como mu, tos outros praticados por homens que occupavam logares distinctos na sociedade e que tão desastradamente influem nas outras classes sociaes.

Parece-me isto um symptoma de decadencia. No tempo dos nossos heroes e das nossas glorias não succedia assim.

Os nossos grandes homens, Duarte Pacheco, D. João de Castro, Affonso de Albuquerque, D. Francisco de Almeida, soffriam serenos os revezes da sorte e as desconsiderações dos homens.

Depois dos desastres de Ceuta e Alcacer Quibir os portuguezes, desde o principe até ao humilde cidadão, passavam uma vida de torturas e apodreciam nos carceres de Marrocos, mas não desertavam da vida, não se matavam.

Ainda hoje não podemos ler sem grande com moção e sem lagrimas, o triste episodio de Sepulveda, realisação da terrivel ameaça de Adamastor, que perto do cabo da Boa Esperança morre de dor e de vergonha, mas não se suicida. Não deverá isto attribuir-se ao vasio dos espiritos, á falta de idéas e principalmente de crença? Parece-me mesmo que para o individuo que nada espera no futuro e que sómente soffre no presente, o suicidio tem alguma cousa de logico!

Mas, se eu comprehendo os actos de valor que referi, não posso approvar a ruina, aniquilamento de uma cidade u menos ainda de uma nação.

Seria um acto de loucura, seria um crime de que ninguem quereria a responsabilidade.

Por isso eu entendo que é impossivel a defeza, quando é uma nação poderosa, como a Inglaterra e a Allemanha, que aggride.

Por isso eu quero que o governo seja prudente e moderado nos meios de defeza que adoptar, e para que está auctorisado.

Quero que se obtenham os melhores resultados e vantagens dos grandes sacrificios que fazemos com o exercito, que tenhamos uma marinha de guerra numerosa e forte, não para fazer a guerra defensiva, mas para o serviço das nossas colonias e para manter os direitos da nossa soberania.

Quero que o porto de Lisboa, e já não digo o mesmo das fortificações da cidade, que são morosas e despendio-

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sas, seja convenientemente defendido com vasos de guerra, torpedos, artilheria... para evitar qualquer surpreza, para obstar a que os almirantes e os galeões da Franca venham sem resistencia e sem protesto aprisionar no Tejo os nossos navios.

Quero todos estes meios de defeza para se evitar qualquer golpe de mão, e para se empregarem como protesto, quando esmagados pelo numero e pela força, entregando-nos então com honra á discrição; pois nem a pobreza é vileza, nem a pequenez é deshonra.

Estes melhoramentos importam grandes sacrificios para a nação, e eu desejava, para os attenuar, que o sr. ministro da guerra tomasse em consideração o que vou dizer. Peraphraseando as palavras de um principe ha pouco fallecido, cujo caracter predominante era a bondade, e a quem eu devi particulares benevolencias, direi tambem o portuguez nasci e portuguez desejo morrer".

Mas para isso é necessario que todos nós o queiramos ser efficazmente, não só de palavras, mas de obras. Eu bem sei que pela solidariedade dos povos e das nações não podemos viver isolados, mas temos de ser estrangeiros, e assim não podemos deixar de ser americanos, inglezes, francezes, italianos e hespanhoes, mas sejamol-o o menos possivel.

E a respeito de allianças com as outras nações, façamol-as, mas confiemos mais em nós do que n'ellas, e não esqueçamos as lições da historia.

Somos americanos, porque não temos pão para um terço da população, e importámos annualmente trigo da America na importancia de 6.000:000$000 réis. Eu entendo que uma nação é tanto mais independente, quanto menos precisa das outras.

Para isso promovamos e aperfeiçoemos a cultura dos nossos campos, buscando n'elles meios de subsistencia. Consumamos tambem os productos d'ellas, os nossos milhos e centeios. Por differentes vezes se tem reclamado em côrtes contra a pratica obnoxia de alimentar o nosso soldado com trigo, e contra o grande inconveniente para o paiz destas tendencias para o afidalgar e aristocratisar.

O soldado do norte do paiz está habituado a pão de milho e centeio, e quando lhe dão trigo troca-o por aquelle, e, terminado o serviço militar, ha de voltar aos antigos habitos.

Para que, então, dar-lhe trigo, não já portuguez, mas ainda americano e não sei se tambem da Hungria, resultando de ahi acharem-se cheios de milho e centeio os celleiros dos lavradores do norte do paiz, não podendo vender os seus cereaes, nem pagar os impostos para o estado e para as corporações locaes?

Sejamos o menos possivel inglezes, francezes, italianos e hespanhoes, importando e consumindo os productos estrangeiros, pannos, machinismos, vinhos, azeites, na menor porção possivel.

E a respeito de pannos direi o seguinte. Os productores de lãs e fabricantes de pannos frequentemente pedem aos governos protecção e consumo para os seus productos, e grande beneficio receberiam se se gastassem os seus pannos no exercito, na marinha, nas guardas fiscaes, nas guardas municipaes, etc.

Poderá dizer-se que os pannos portuguezes não são bons; mas a este respeito eu vou contar dois factos, de que tenho conhecimento.

Um grande fabricante de pannos veiu a Lisboa, e, querendo mandar fazer um vestido, entrou n'uma loja e comprou panno, que lhe disseram ser inglez, por um preço elevado; regressando á sua terra, mostrou o panno ao seu guarda-livros ou empregado, encarecendo a qualidade. .Respondeu-lhe o empregado, este panno é da sua fabrica e é muito mais barato.

Uma pessoa, que eu conheço, obteve na Covilhã uma peça de panno, e não chegando para a obra que queria, procurou em Lisboa similhante, mas não o póde encontrar dizendo-se lhe que era muito bom e inglez!

Ora isto prova duas cousas, que os nossos pannos são bons e que nós não temos juizo.

Passo agora a outro assumpto, para o qual chamo a attenção dos srs. ministros do reino e da instrucção publica, pois a ambos respeita.

Eu votei a generalidade do bill de indemnidade, e portanto a creação do ministerio da instrucção publica e provavelmente approvarei a sua organisação; mas é preciso que d'ella provenham verdadeiras vantagens, que compensem os sacrificios que importam estas creações.

Para isso é preciso que, entre outras cousas, se aproveite o tempo, que tem sido muito desperdiçado.

Sr. presidente, eu applaudo a providencia tomada de centralisar no ministerio da instrução pulil.ca todos os serviços da instrucção elementar e complementar.

Sei perfeitamente quaes foram os resultados da descentralisação e o que tem dado a instrucção primaria a cargo das corporações locaes

Em toda a parte a politica, que eu chamo philloxera vas-tratrix de novo genero, tem influido desastrosamente neste ramo de serviço, e principalmente nas terras pequenas, onde as paixões politicas são mais ardentes e a sua influencia mais damninha. Oxalá que assim não fôra.

Mas é tambem necessario que e aproveite o tempo, e que se não desperdice com feriado desnecessarios e prejudiciaes, e no nosso paiz ha uma pui uca deploravel a este respeito.

O actual anno lectivo quasi que foi perdido para o ensino por causa dos muitos feriados extraordinarios.

O anno lectivo começou tarde por causa dos exames da segunda epocha, depois houve os muitos feriados pela morte do Senhor D. Luiz, pela acclamação do Senhor D. Carlos, por motive da influenza, feriados pela outorga e juramento da carta, annos de El-Rei e da familia real, ferias do natal, do carnaval e da paschoa.

Isto não póde continuar aspira, porque é muito prejudicial ao ensino.

Entendo que, quando o operario e agricultar trabalham, deve tambem trabalhar o elemento official. (Apoiados.)

Não mando para a mesa nenhuma proposta neste sentido, mas recommendo este assumpto aos, srs. ministros, e é minha opinião que se deve reduzir o numero dos feriados de gala, bastando um por anno, no anniversario natalicio de El-Rei ou no anniversario da outorga ou juramento da carta, parecendo-me mais rasoavel que seja n'este ultimo dia, pois que os direitos da dynastia se fundam na lei fundamental do paiz.

Desejava ainda fazer algumas observações sobre diversos assumptos pertencentes aos ministerios das obras publicas, fazenda e ultramar; mas como receio abusar da paciencia da camara, e não estão presentes os srs. ministros, vou terminar, pedindo ao governo que se inspire nos verdadeiros interesses da patria, que respeite e faça respeitar as leis e as instruções, para que se perdermos tudo, não percâmos a honra.

(O orador foi muito comprimentado )

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção

Proponho que ao artigo 2.° do decreto n.° 2, de 10 de fevereiro de 1890, se acrescente: - devendo para isso fixar-se annualmente com o contingente militar o preço em dinheiro do imposto de sangue de cada praça e de todo o contingente, cuja importancia será dividida e satisfeita igualmente por todos os mancebos recenseados, exceptuando sómente os que reunirem as duas condições, de pobreza e invalidez.

Foi admittida.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, accedendo ao con-

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vite do digno par sr. Camara Leme, declaro que nem este digno par me fez confidencias sobre assumptos militares, não fallou commigo sobre a reorganisação do exercito, nem mesmo eu tive a indiscrição de fazer a s. exa. perguntas a este respeito.

Todas as perguntas que eu dirigi ao governo sobre assumptos militares, foram suggeridas não só pelo que se dizia e corria no publico, mas pela polemica que a este respeito tem havido nos jornaes.

As considerações que ultimamente fiz foram-me suggeridas pelos artigos da Gazeta de Portugal, artigos que tratavam deste assumpto desenvolvidamente, e dos quaes se inferia que as bases sobre as quaes a commissão estava fazendo o seu trabalho eram differentes d'aquellas a que se refere o decreto n.° 2, e que o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, dizem, ter-lhe enviado.

Eu desejo que fique bem consignado, que as minhas considerações sobre o assumpto foram motivadas pelo indefinido e o illimitado das bases do decreto n.° 2, e pela polemica de jornaes ministeriaes com o Diario de noticias.

A discussão d'esses jornaes deixa transparecer que o pensamento da commissão é alterar a organisação de 1884.

Ora, se esse é o pensamento da commissão, e se das bases do decreto n.° 2 se deduz o contrario; se se deduz que o pensamento do governo é partir da organisação de 1884, que póde ser aperfeiçoada, deve ser-me permittido que eu inste com o sr. presidente do conselho para que declare a sua opinião, digo a opinião do governo sobre o assumpto, opinião,, que a camara tem direito a saber.

Renovo, pois, a minha insistencia para com o sr. ministro da guerra, a fim de s. exa. declarar se deu bases definidas á commissão, e quaes foram essas bases, e bem assim se as affirmações da Gazeta de Portugal ácerca da reducção dos regimentos de infanteria, de caçadores e de cavallaria é definitiva e verdadeira, e se essa reducção, que ataca a organisação de 1884, é acceita pelo governo.

Por mais instancias que tenho feito com o governo, representado pelo sr. ministro da guerra, para que diga qual o seu pensamento sobre assumpto tão delicado, não foi ainda possivel obter resposta.

O sr. Serpa guarda reserva sobre um ponto em que não tem direito a guardal-a, pois a carta, nossa lei fundamental dá ás côrtes o direito de exigir dos ministros explicações sobre assumptos desta ordem, e aos ministros impõe-lhe o dever de serem solicitos em prestar ao parlamento todos os esclarecimentos.

Parece que o sr. Serpa aprendeu com o sr. Hintze Ribeiro, que entende que deve haver todas as reservas nas questões internacionaes. Como é cómodo o systema, o sr. presidente do conselho adoptou-o, e applica-o ás cousas militares.

Até aqui as reservas pareciam convenientes, e só acceitaveis para as questões externas e diplomaticas, para as pendencias com outras nações, mas agora o sr. presidente do conselho applica-as aos negocios internos, de fórma que não ha meio de lhe arrancar uma explicação que satisfaça.

Deixo, pois, o sr. ministro n'aquelle enleio de alma leda e cego, de que falla o poeta, e que a fortuna não deixa durar muito.

Visto que o sr. ministro da guerra não se digna dar explicações á camara sobre assumptos militares, e eu ter a palavra, insistirei com 8. exa. sobre outro assumpto de não menos importancia.

O sr. Camara Leme mandou para a mesa o parecer da minoria da commissão de incompatibilidades, assignado pelos srs. Serpa e Hintze Ribeiro, relator, como additamento ao decreto do governo sobre o mesmo assumpto, e declarou que o sr. presidente do conselho, apesar de convidado, nunca se dignou comparecer na commissão para ali dar explicações.

Eu desejava pois saber se o sr. presidente do conselho no poder tem ainda as mesmas opiniões, e se está resolvido a mantel-as e fazel-as partilhar pelas suas maiorias?

Eu creio que s. exa. pelo facto de estar assignado no projecto, o defenderá e fará votar.

Noblesse oblige.

A estas considerações acresce uma outra de valor incontestavel e vem a ser que em questões d'esta ordem, em toda a parte onde ha systema representativo, os governos têem opiniões definidas, e são elles, os primeiros a usar da sua iniciativa para as resolver.

Quererão os srs. ministros signatarios do projecto da minoria da commissão de incompatibilidades deixar correr á revelia o projecto apresentado pelo sr. Camara Leme e assistirem ao triste espectaculo da sua maioria votar em sentido opposto?

Lembrem-se que um facto d'esta ordem é immoral, repugnante e que compromette o decoro e dignidade de s. exas.

Não me parece que sobre um assumpto tão grave, o governo deva abster-se de intervir, declarando franca e aberta a discussão.

A abstenção significa a indicação feita á maioria para que rejeite o additamento.

Este precedente é altamente immoral.

Tenham ao menos a coragem das suas novas opiniões, digam que a atmosphera que se respira no governo é outra, que preferem os seus interesses e conveniencias á coherencia e ao dever. Isto ao menos tem o merecimento da franqueza, e ficámos sabendo que para o actual governo é indifferente que os abusos continuem como até agora. Não conte o sr. Camara Leme com este governo para fazer triumphar os seus principios de moralidade, mas creia que a opinião publica sensata do paiz lhe ha de fazer justiça.

Não desanime s. exa., e espere que n'um futuro mais ou menos remoto, a sua doutrina ha de ser acceita e expressa em lei clara e positiva.

E ai do paiz, e ai de nós se o não for!

O sr. Luiz de Lencastre: - Requeiro a v. exa. se digne fazer-me a graça de consultar a camara, sobre se quer que se prorogue a sessão, até ser votado o projecto em discussão.

Foi approvado este requerimento.

O sr. José Luciano de Castro: - Disse que, tencionando responder a algumas observações do discurso do sr. Lopo Vaz, quando se tratasse da especialidade do bill, G não vendo ainda hoje s. exa. presente, talvez por motivo de doença, se achava numa situação violenta, por ter de referir-se a alguns pontos dos decretos emanados do ministerio da justiça na ausencia de s. exa. Não, porque deixe de reputar os srs. ministros presentes muito habilitados a dar-lhe respostas que porventura o satisfaçam, mas a verdade é que, s. exas. não levarão a mal que, em assumptos technicos especiaes do ministerio da justiça, o orador preferisse replicar directamente ao respectivo ministro.

Ha porém uma rectificação que, por ser de facto e não de doutrina, os deveres de cortezia parlamentar não exigem que seja feita na presença do sr. ministro.

O sr. Lopo Vaz, alludindo á já celebre questão da Arruda, affirmou que no codigo administrativo se havia propositadamente inserido a disposição, que auctorisava o governo de então a mudar a séde dos concelhos, para resolver o caso de Sobral de Monte Agraço.

Primeiramente o orador declarou que, se houvesse previsto que se viria a levantar aquella questão, o tal artigo nem seria exarado; e depois o motivo d'aquella disposição foi levantar-se no districto de Vizeu a questão do concelho de Fragoas, que foi resolvida por uma proposta de lei que passou nesta camara, e o governo querer armar-se com auctorisações legaes, para resolver dissenções analogas que poderiam vir a levantar-se no futuro.

Demais, a esse tempo ainda não existia a tal questão da Arruda, nem no ministerio do reino apparecêra a menor

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reclamação áquelle respeito, nem qualquer outro documento que chamasse a attenção do governo.

O orador acrescentou que isto era uma materia mais d direito administrativo, mais de administração publica, mais attinente ao governo do que aos parlamentos, e que elle era incapaz de introduzir n'um codigo, um artigo, só para resolver uma questão particular.

O orador tinha ainda varias reflexões a fazer sobre que disse o sr. Lopo Vaz, mas a ausencia de s. exa. tirava-lhe o animo para se referir ao discurso de s. exa.

Uma só observação porém. O sr. Lopo Vaz confessou que, á custa de um grande sacrificio é que publicara os decretos repressivos sobre a liberdade de imprensa e os direitos de reunião e associação.

Se o sentiu, esse sacrificio foi largamente compensado do desagrado da opinião publica e do risco da impopularidade pela adhesão de uma outra força mais valiosa e pelo conseguimento de uma outra popularidade mais apetecivel. As iras da opinião publica acalmam depressa e esquecem, quando se não transformam em applausos e ovações.

O aggravo para Portugal esqueceu-se facilmente, e os vestigios das fulminações jornalisticas tambem se esvairam.

O orador disse em seguida que um dos precedentes attribuido á sua responsabilidade pelo sr. Lopo Vaz fôra, ter o orador votado a reforma da lei eleitoral, publicada pelo bispo de Vizeu em 1869. Esta affirmação carece de veracidade.

O que o orador votou foi o bill de indemnidade respectivo a essa dictadura em geral, tendo tido, porem, o cuidado de aclarar o seu voto, dizendo que era precisamente aquella reforma a menos defensivel e a mais deploravel, por infringir a competencia da camara dos senhores deputados e estabelecer um precedente que não havia de esquecer, quando conviesse.

Em seguida o orador passou a responder a uma outra affirmação do sr. Lopo Vaz, que consistira em attribuir ao codigo administrativo de 188G a dissolução de todas as camaras municipaes do paiz, emquanto que pela recente dictadura só a camara de Lisboa havia sido dissolvida.

O codigo de 1886, porém, tinha sido uma remodelação de todas as corporações administrativas, pautada tão estrictamente por uma reforma identica, feita pelo codigo de 1878, de Antonio Rodrigues Sampaio, que alguns artigos eram textualmente iguaes. Havia a unica differença da representação das minorias, que foi decretada em 1886.

Mas não houve alteração alguma no modo de ser das corporações, até se pôr em vigor em 1887 a nova legislação; depois, o que se determinou, foi que as futuras eleições se fizessem em harmonia com a nova lei.

Quanto ao direito de reunião e associação, o discurso erudito do sr. Barros e Sá deixara o assumpto por tal forma esgotado que o orador nada podia acrescentar. Todavia ao decreto da liberdade de imprensa ia referir-se, não para o impugnar, mas para ver se conseguia do governo ou do sr. relator da commissão algumas explicações a respeito de um ponto grave, que é uma verdadeira novidade em direito.

É o artigo 7.°, § 2.°, que diz: "A offensa quer seja feita por meio de publicação, quer por outro qualquer meio, a algum dos poderes politicos definitivamente constituidos, ou a qualquer auctoridade ou empregado publico, ou a qualquer membro do exercito ou da armada ou corpo collectivo exerça auctoridade publica, ou funcções publicas ou faça parte da força publica, ou a qualquer membro das camaras legislativas, relativa ao exercicio das suas funcções ou a proposito desse exercicio, será punida com prisão correccional até seis mezes, salvo se pena maior lhe estiver estabelecida na legislação em vigor á data d'este decreto".

Esta redacção tão generica tem levantado protestos, e já os dignos pares os srs. Thomás Ribeiro e Rodrigues de Carvalho, manifestaram o desejo de saber a extensão do sentido do termo offensa.

O sr. ministro da justiça disse que a offensa não comprehendia mais do que a diffamação e a injuria. O orador acha que deve abranger mais, porque ha ainda outros meios para dirigir uma offensa de não menor gravidade; por exemplo em relação a El-Rei e á familia real, o orador quer que a offensa possa existir em meras reticencias, que podem ser muito significativas, em caricaturas, etc.

Para todos os funccionarios publicos é que não deve ser incriminada senão a offensa por injuria e diffamação.

Portanto o orador acceitaria o artigo como está, tão generico, para a familia real; para o funccionario a palavra offensa seria ampla de mais, porque com relação a este não quereria que fosse crime senão a injuria e a diffamação.

É o que se faz em todas as nações.

O orador apesar de ter sido um dos homens mais aggredidos pela imprensa periodica, reconhece que o interesse publico exige que não se limite á imprensa a faculdade d'ella poder apreciar em toda a largueza os actos dos homens publicos, dos ministros.

Quem não tem tempera bastante forte para resistir ás aggressões dos periodicos, não póde sentar-se nas cadeiras de ministro. Dizia Thiers no parlamento francez, "quero a liberdade de imprensa para com o funccionario publico, infamam-no? Injuriam-n'o? Insultam-no? Deixem infamal-o, injurial-o, insultal-o". É a opinião do orador.

Deve ficar garantida a liberdade de analisar com toda a expansão os actos do ministros. Não ha nenhum homem publico que se não possa queixar das accusações injustas da imprensa, todavia ainda nenhum ficou aniquilado perante a opinião. Será rarissimo o caso em que isso aconteça. E comtudo a imprensa tem produzido grandes bens.

Para toda a especie de funccionarios que representem uma fracção do poder, a imprensa deve ser liberrima.

Para o Rei, para a familia real não: o Rei é inviolavel não por favor, mas por interesse publico, o Rei não póde defender-se, não póde perseguir quem o injuria, nos tribunaes, como qualquer funccionario.

O defeito do artigo citado é abranger na sua generalidade o Rei a familia real, os ministros, o governador civil e a auctoridade de qualquer ordem.

Os cidadãos, esses é que não carecem de ver a sua vida particular discutida na imprensa, não têem protecção nem favor da lei. Pois a vida do cidadão deve ser vedada, murada, como dizem os francezes.

Mas a camara verá o resultado nullo destas disposições draconianas, severas e violentas, que tanto têem indignado o parlamento e a opinião. Hão de aproveitar tanto ás instituições como a legislação anterior.

Se os governos quizessem usar das faculdades que tinham na repressão da imprensa, não havia ahi editor que não tivesse ído á cadeia.

Já no governo progresista o sr. ministro da justiça chegou a fazer enviar aos delegados circulares suscitando a observancia das leis da imprensa; o resultado não se viu.

É o que a brandura dos nossos costumes ha de fazer desta nova lei da jmprensa, correcta e augmentada. É triste, mas é assim.

Quantos jornalistas entraram já na cadeia, depois do decreto repressivo?

Só consta que um academio de Coimbra esteja preso por um artigo publicado n'um jornal.

O orador já pedira uma relação dos processos instaurados contra jornalistas e outra dos jornaes apprehendidos. Até agora parece que só foram quatro.

Os jornaes continuam a ser igualmente aggressivos, os abusos não cessam.

Era melhor haver menos leis, mas quando se alterassem, posse com a certeza de que haviam de ser cumpridas integralmente.

O orador apresentaria uma emenda, mas, com o receio

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de crear difficuldades, abstem-se d'isso; em todo o caso desejava que a commissão, emquanto á extensão do termo offensa, declarasse que, relativamente a Rei e á familia real, a offensa podia ser constituida não só pela injuria e diffamação, mas por qualquer outro meio de offender no sentido lato; e que, exceptuando este caso, ficavam em viger as explicações do sr. Lopo Vaz. O orador pede isto com o fim de prevenir muitas contestações nos tribunaes, muitas duvidas na jurisprudencia e na imprensa.

A penalidade é que elle acha violentissima.

Por exemplo para o caso de accumulação de crime, manda o § 3.° do artigo 8.° que o jornal seja supprimido definitivamente, pena imposta tambem para o caso de te haverem já effectuado duas condemnações n'um periodo não superior a dezoito mezes.

Para tudo isto basta que tenha havido uma ligeira provocação, uma phrase innocente ou um incitamento qualquer, tudo é crime, tudo isso póde levar á suppressão do jornal. E quer seja o mesmo jornal com editores differentes, quer o mesmo editor em jornaes diversos: o jornal é sempre supprimido, porque a lei foi cautelosa até ahi(§ 4.°).

Naturalmente a commissão não acceita modificações, por isso o orador não tem o trabalho de mandar para a meta propostas nesse sentido; mas isto é barbaro. Para a accumulação basta, segundo o § 3.° do artigo 8.°, que as taes phrases criminosas venham em tres artigos, apprehendem-se os tres numeros, instauram-se os tres processos que depois se reunem, e para o jornal ser supprimido não é preciso mais nada.

Mas ha ainda outra crueldade, outro vexame. Até agora no processo correccional, se o réu entendesse que o facto imputado não era crime, antes de se sentar no banco dos réus, aggravava para a relação, e podia evitar aquelle desgosto.

Segundo este decreto, todo o individuo que for accusado vae fatalmente ao banco dos réus. O juiz póde commetter uma injustiça, ou qualquer individuo póde lembrar-se de requerer a policia, mas o julgamento realisa-se fatalmente. E depois só no banco dos réus é que o indigitado póde allegar as suas rasões.

Isto é penoso para muitas pessoas, para quem o sentar-se no banco é uma nódoa tal para o seu nome, que preferiam pagar a multa mais exagerada.

O que o orador quer, pondo de lado a politica, e que se trate de estudar um meio de supprimir estas disposições crudelissimas, que permittem que qualquer cidadão possa ser incommodado com um processo, sem poder provar que o facto imputado não é crime, antes de comparecer em audiencia como réu.

A camara devia considerar sobre este assumpto, e fazei-as modificações que o seu caracter de conservadora reclama, porque realmente esta casa do parlamento é uma segunda instancia parlamentar, Noutras epochas a camara dos dignos pares examinava detidamente os projectos vindos da camara dos senhores deputados, e raios eram os que passavam sem alterações. Isto não era um. capricho, era querer approvar conscienciosamente.

O orador manda em seguida para a mesa as seguintes propostas, acompanhando-as de varias reflexões:

"1.ª Proponho que ao artigo 32.° do decreto n.° 3 se acrescente no fim as palavras: e do conservador do registo predial."

"2.ª Decreto n.° 4, artigo 1.° Proponho que se acrescente ás palavras juiz de direito de 5.ª classe, as seguintes: comprehendendo os juizes dos tribunaes administrativos. "

O orador entende que, sendo estes juizes considerados para todos os mais effeitos de 3.ª classe, não o sejam tambem no ordenado; não ha rasão alguma para esta desigualdade. Nem aquelles juizes teem deixado de merecer do governo a sua consideração, porque têem servido excellentemente, apesar de o codigo não ter sido reformado pelo actual governo.

"3.ª Decreto u.° 6, artigo 1.º Proponho que os juizes dos tribunaes administrativos sejam equiparados para todos os effeitos aos juizes de 3.ª classe."

"4.ª Proponho a suppressão do artigo 2.° do decreto n.° 2."

O orador ía terminar, roas precisava ainda de esclarecimentos do sr. presidente do conselho sobre o augmento de contingente decretado e o contingente annual, votado pelo parlamento, porque os que já ouvira, não os comprehendeu bem. E emquanto á lei do recrutamento, o orador desejava saber se o actual governo pensava em manter ou alterar, ou mesmo supprimir a taxa militar que havia sido estabelecida, fixa por motivos que não vera agora a proposito, mas ácerca da qual havia a intenção de a fazer proporcional.

O orador tem muito amor a esta lei do recrutamento, porque trabalhou muito n'ella com vontade de acertar, attendendo quanto possivel aos interesses das industrias e aos do estado. Não fez obra original, mas serviu se de muitos leis existentes no ministerio da guerra, e de uma lei que mudava em discussão no parlamento francez. Não está arrependido do que fez, e ainda hoje crê que o melhor meio de se obter uma avultada receita para o ministerio da guerra é a taxa militar.

Não que a taxa fixa seja a mais util, de certo a taxa proporcional ao rendimento é mais regular, mas é com certeza muito mais difficil.

Não se chegou com tudo a por em execução, porque dependia de um regulamento de uma confecção laboriosa, que já Cotava preparado, quando o ministerio progressista se retirou.

O orador disse que se achava extremamente penhorado pelas phrases que o sr. Coelho de Carvalho lhe havia dirigido a proposito desta lei.

O governo talvez ainda não tenha idéas assentes a este respeito, o que não deve surprehender a camara, porque a todas as perguntas feitas ácerca da reorganisação do exercito a resposta dos srs. ministros é que o assumpto está pendente de uma commissão e portanto que nada podem dizer á camara.

O orador pergunta quaes são as idéas do governo a respeito da reorganisação do exercito, se já as tem definitivas e assentes, quaes as bases principaes d'esse trabalho; tanto mais que ha quem affirme que o sr. ministro da guerra deu á commissão vinte e nove bases para a reforma do exercito; só no parlamento é que se não conhecem estas bases. Isto é triste!

Para que ha de o governo abdicar n'uma commissão todo o trabalho de reforma, para que ha de o governo limitar-se á cooperação das commissões sem consultar a opinião publica, nem o parlamento? Oxalá o sr. ministro da guerra não succumba debaixo do peso de tão grande responsabilidade.

O sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa pelo digno par.

Leram-se na mesa e foram admittidas.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa,): - Disse que, por incommodo de saude, o sr. ministro da justiça não comparecia á sessão; mas como o digno par a quem respondia, tinha tocado, apesar da ausencia do s r. ministro, alguns pontos importantes da pasta da justiça, o orador ia referir-se tambem a elles.

Em primeiro logar, acceita a rectificação ácerca da questão da Arruda, até porque, não só já estava convencido disso, mas ainda de que o digno par, se previsse os dissabores que lhe haviam de sobrevir, não tinha inserido no seu codigo aquella disposição.

O digno par dissera tambem, a proposito da declaração

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feita pelo sr. ministro da justiça, de lhe haver cubado a! subscrever os decretos que lhe roubavam a popularidade, que o sacrificio não teria sido tão grande que valesse bem prescindir da popularidade da imprensa e da opinião para a conseguir em outra parte.

O governo não foi buscar popularidade a parte alguma. Se o digno par quiz exprimir que o governo a foi procurar no paço ou em alguma outra estancia elevada, é profundamente injusto, porque os ministros poderiam ter errado, mas podem assegurar-lhe que procederam como a sua consciencia lhes indicou que era mais util ao paiz.

O digno par achou que os direitos de reunião e associação estavam fora do alcance do legislador. O orador discorda d'essa opinião. Não ha liberdades de qualquer ordem por mais justas que sejam, que não possam e até não devam ser reguladas por uma lei. (Apoiados.) E para exemplo é frisante o direito, que é a base do systema representativo. o direito de votar.

Quantas modificações não tem soffrido a lei eleitoral entre nós até á actual amplitude do suffragio, que é sem em bargo, um direito tão essencial, tão independente da acção do legislador, que parece innegislavel?

Pois emquanto áquelles direitos, o governo entendeu que os devia regular de modo mais consentaneo aos interesses da collectividade.

O digno par, ácerca da materia do decreto sobre liberdade de imprensa, opinou que a palavra offensa, com a interpretação do sr. ministro da justiça, interpretação restricta á injuria e á diffamação, era inutil, porque não comprehendia todos os meios de offender, e especialmente para com o Rei ou a familia real devia abranger tambem as offensas por caricaturas, por meras reticencias, etc.

Nem o orador é d'esse parecer, nem julga que e sr. ministro da justiça o seja tambem.

As offensas por aquelles meios tanto podem ferir o Rei como qualquer individuo .

O sr. José Luciano de Castro: - Pedindo licença, notou que a lei dá a qualquer individuo, auctoridade ou funccionario o direito de se julgar injuriado e de recorrer aos tribunaes; mas o Rei é que o não póde fazer.

O Orador: - Replicou que tambem o ministerio publico póde reputar a phrase injuriosa para o Rei e proceder em seguida. (Apoiados.)

E emquanto ao resto, a verdade é que os jornaes mais insolentes modificaram e moderaram consideravelmente a sua, linguagem. (Apoiados.)

Acerca da taxa militar, é impossivel discutir-se, porque nada ha resolvido, emquanto esta questão não percorrer os tramites competentes.

O digno par o sr. camara Leme mandou para a mesa uma proposta, dizendo que o governo dará conta ás côrtes do uso das auctorisações concedidas. Ora isso é claro, mas é escusado exaral-o nas leis; por ahi não fica mais nem menos licitada essa obrigação que o governo já tem e já conhece!

Ha ainda propostas, additamentos e emendas sobre os decretos dictatoriaes. O governo não rejeita in limine nada d'isto. Mas se entender que algumas modificações são precisas, na proxima sessão legislativa, depois de seis mezes de experiencia, o governo não occultará nem negará á camara as emendas que julgar convenientes.

Actualmente, com o atrazo dos trabalhos, com a estreiteza do tempo, o governo não acha proveitoso abrir larga discussão sobre cada um dos decretos, depois de terem vindo da outra camara.

(O discurso de s. exa. publicar-se-ha na integra logo que s. exa. haja registo os notas respectivas )

O sr. Firmino João Lopes: - Quando pedi a palavra sobre a ordem ignorava que o digno par pr. conde do Bomfim a tivesse pedido sobre a materia; se o soubesse não a teria pedido, e por isso desisto de fallar.

O sr. Conde do Bomfim: - Sr. presidente, eu agradeço ao digno par e meu collega o sr. Firmino João Lopes o ter desistido da palavra em meu favor, e, aproveitando-me d'ella, por muito pouco tempo occuparei a attenção da camara.

Sr. presidente, eu não voto a moção do digno par o sr. Camara Leme, porque tendo eu apresentado uma cujo sentido era o mesmo, retirei-a, porque as declarações do governo, de que dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que estas lhe concedem, a prejudicou por inutil, e por isso eu não tive duvida em votar a generalidade das auctorisações.

E effectivamente, porque no estado em que o paiz se encontra julgo de uma grande necessidade o cuidar-se seriamente da defeza nacional, ficando resalvado ao parlamento o sou direito de apreciação, nenhum inconveniente encontro em conceder as precisas auctorisações.

Emquanto á parte a que s. exa. se referiu, que diz respeito ao augmento do contingente, PU entendo que a base que o governo apresenta é justificavel.

Hoje todos sabem que existe uma formula empirica para a resolução do problema relativo aos contingentes, F = D. Isto é que a questão hoje se reduz em obter a maxima força militar para os diversos paizes com o tempo absolutamente necessario para a instrucção, na effectividade do serviço, tendo em conta a differença de idades, limites para pegar em anuas e a despeza.

Portanto, o que o governo pretende é no menor espaço de tempo alcançar os maiores resultados possiveis e com pouco despendio, e assim carece de augmentar os contingentes.

E tem ainda a attender ao coefficiente de correcção.

As alterações no recrutamento são tambem acceitaveis, pois que embora já exista o serviço obrigatorio, ninguem desconhece, quanto é necessario modificar a lei actual para que os vicios se possam corrigir.

Nem uma nem outra cousa e inconstitucional, porque embora o governo preceitue por lei estas alterações, não se segue que as curtos as não apreciem, podendo, conformar-se, ou não com os preceitos que o projecto estabeleça.

Tenho, portanto, justificado as rasões por que voto estas medidas. E creia a camara, que a minha opinião sobre estes assumptos militares, é de harmonia com as declarações governamentaes isento de considerações politicas e votando-as não posso deixar de ser imparcial, pois o que eu pretendo sómente é ajudar a resolver este problema da defeza do paiz. E tendo-se em attenção a organização que existe, a de 1884, seguindo os preceitos mais doutrinarios e as opiniões dos homens que têem gerido a pasta da guerra, e as conveniencias publicas, que reclamam uma defeza efficaz para o continente e ultramar, pareceu-me, portanto, se póde conseguir.

Levantar a instituição militar á sua altura é o meu ardente desejo, e permitta-me a camara que o diga mais uma vez, tem sido o desejo de todos os ministros da guerra, que têem entendido sempre que o exercito e uma familia unica, aonde não ha distincções partidarias.

E prestando a homenagem devida a todos, eu chamo a attenção do sr. conde de S. Januario, que foi um dos ministros da guerra que mais se tem esforçado pelas Loucas militares e que bastante completou o melhorou a organisação de 1884 seguindo o programma que tinha traçado desde que a acceitou.

E s. exa. nunca soube senão compenetrar SP dos interesses da classe militar, e sabia sempre resistir ás pressões que por desgraça se lhe pretendessem exigir.

E eu posso attestal-o com a nomeação do logar que exerço; bem ou mal, lá estarão as informações officiaes para o comprovar; mas o que é certo é que s. exa. sem rogos, sem supplicas, sem attender a interesses politicos, ou a considerações menos rectos, improprias da hombridade do sou rigido caracter, foi s. exa. que a fez, e, sr. presidente, é bom dizel-o alto para callar mesquinhas referen-

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cias, que podiam prejudicar mais ao ministro que ao nomeado, feitas n'um local do Diario popular e certamente devidas a outra penna, que não á de um collega nosso que tem logar n'esta casa, que com o seu usual cavalheirismo me disse que nem eram suas, nem as faria nunca e por isso é bom resalvar.

O actual ministro da guerra sr. Antonio de Serpa tambem segue os mesmos principios, pois que já tem declarado bem alto que nem para commissões, nem para qualquer assumpto militar, se guiará por considerações politicas, e assim estou convencido de que s. exa. ha de olhar para este assumpto com a attenção que elle merece.

O sr. Fontes já dizia que o exercito era do paiz e não de nenhum partido.

E é por isso que eu recommendo sempre aos ministros que olhem com sincero desprendimento politico todas as questões militares, que se prendem tão continuamente com a nossa independencia.

Assim, sr. presidente, a reorganisação militar, que se impõe ao governo, que a discutiu em dictadura, é preciso que seja moldada em amplas bases, e as que o governo decretou, certamente contêem a organisação de que o paiz carece.

Ampliem-se os quadros, remodelem se as armas aperfeiçoando-as, completem-se com mais esquadrões os regimentos de cavallaria, elevem-se as baterias de artilheria em proporção mais adequada, e activem-se as reservas e os trabalhos de montanha e concentração. Mas não descuremos os interesses de defeza, nem os dos nossos dominios ultramarinos, enfranquecendo o numero de unidades tácticas que possuimos.

Não se comprimam, pois, as bases e o pensamento de defeza e attenda se ás condições especiaes.

O sr. Bernardo de Serpa: - Sr. presidente, mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes ácerca do requerimento do sr. Augusto Ferreira Novaes, que pede para tomar assento nesta casa como successor de seu pae.

Foi a imprimir.

O sr. Bandeira Coelho: - Sr. presidente, pedi a palavra para fazer uma simples declaração, e pouco mais direi porque a hora está muito adiantada.

Tenho votado contra tudo, e voto ainda contra todos os decretos da dictadura, incluindo os dois de proveniencia progressista, que o actual governo foi buscar ás propostas que ficaram pendentes da legislatura anterior.

Um d'elles é o que se refere á lei que regula a eleição da parte electiva desta camara, e que o governo extractou da respectiva proposta, porém modificou n'uma disposição importantissima, não acceitando os circulos de um só par, e conservando as circumscripções eleitoraes de dois ou mais pares em cada districto, restringindo assim as garantias para a opposição.

O outro diz respeito aos ordenados e vencimentos dos juizes, e para o qual o governo tambem aproveitou o projecto do sr. Beirão, modificando-o porem de fórma que não só a alguns juizes se augmentou o ordenado proposto, mas a todos se concedeu ainda metade dos emolumentos, ao passo que o projecto propunha só um terço.

E assim foi que os dois decretos a que acabo de me referir, tendo a bua origem em duas propostas do governo progressista, serviram ao actual governo para, modificando-as, tirar garantias, e augmentar despezas.

Agora, quanto aos decretos chamados da defeza nacional, e a que eu chamarei de despeza nacional, acaba de me ser distribuido o parecer da commissão de fazenda sobre o addicional de 6 por cento, que é necessario para fazer face, segundo diz o mesmo parecer, ás importantes despezas extraordinarias, que são as que resultam d'estes decretos dictatoriaes.

Eu vou fazer uma pergunta ao sr. ministro da guerra, que é a seguinte:

Entre estes decretos ha dois que são de simples auctorisações para despezas, que é o n.° 1 e n.° 4; ha tres que são auctorisações amplas para reformas de serviços, e que são os que dizem respeito á reorganisação do exercito, á reorganisação das guardas municipaes, e á reforma dos serviços de marinha j e ha dois que tratam de crear a receita para as despezas decretadas. Eu entendo que para a construcção de obras de fortificação do porto de Lisboa, para o seu artilhamento, para a acquisição de torpedos, e para adquirir cruzadores, canhoneiras e docas fluctuantes, que é do que tratam os decretos n.os 1 e 4, não era preciso a dictadura.

Todos os annos se votam verbas no orçamento extraordinario dos ministerios da guerra e da marinha para os fins designados, com mais ou menos largueza, e ainda ha poucos dias se votou aqui a lei de meios, especificando-se verbas extraordinarias para obras de fortificação do porto de Lisboa, para artilhamento das obras, para torpedos e para construcção de navios da armada.

Portanto, se se queria dar mais desenvolvimento a estes trabalhos e á acquisição dos meios de defeza, bastava, julgo eu, pedir a somma precisa para o actual anno economico, no orçamento extraordinario. Nada direi agora sobre a despeza a que vão dar logar os decretos sobre a reorganisação do exercito, guardas municipaes, e serviço da marinha, pois, para os rejeitar bastava a sua forma de auctorisações, que exigem confiança politica, que eu não tenho.

O que eu quero fazer notar é o seguinte. Os dois decretos, destinados a arranjar receita para occorrer a todas estas despezas, são o da creação das obrigações do 20$000 réis e o da creação de fundo permanente da defeza nacional.

Ora o primeiro, depois de dizer que o ministro da fazenda fará crear tantas obrigações de 20$000 réis quantas forem necessarias para applicar-se exclusivamente o respectivo producto ás despezas determinadas pelos decretos n.os 1 a 4, que são os que dizem respeito ás fortificações e acquisições de meios de defeza. estabelece no artigo 4.° que o governo fará inserir no orçamento annual, note-se bem, no orçamento annual do estado, as sommas necessarias para occorrer aos encargos dos titulos emittidos. Mas como já está votada a lei de meios, que substitue o orçamento geral do estado, eu peço ao sr. presidente do conselho de ministros que me diga se, votando-se este decreto, s. exa. ainda n'esta sessão nos apresenta uma proposta determinando estas sommas necessarias, de que trata este artigo 4.°, ou se se reserva para sómente nos dar couta d'ellas no orçamento rectificado.

Vamos agora ao decreto que se refere ao fundo permanente de defeza nacional, ou despeza nacional. Este, depois de dizer quaes são as verbas que constituem esse fundo, como aquella que está destinada para quarteis, donde agora é desviada, estabelece tambem o seguinte no seu artigo 6.°: - Compete ao poder legislativo determinar annualmente a applicacão que deve ser dada ao fundo de que trata este decreto, tendo em consideração os encargos resultantes dos decretos n.os 1 e 4 d'esta data.

Por consequencia constituido, como já está, este fundo permanente, por aquellas verbas que foram tiradas doutros ministerios, e que são verdadeiras, eu pergunto qual é a applicação que se lhe dá no actual anno economico.

Compete ao poder legislativo, diz este artigo, determinar annualmente, a applicação que deve ser dada a este fundo.

O poder legislativo precisa, para fazer essa applicação, de ter em consideração os encargos resultantes das obras de fortificação e acquisição de material de guerra no actual anno economico.

Já ha fundo. Já ha despezas. E estamos no principio do anno economico.

Pergunto, portanto, qual é a despeza, quaes são os en-

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cargos resultantes d'essa despeza no anno economico que agora principia, e se o governo cumpre ou não o preceituado neste artigo 6.° do decreto n.° 7, trazendo á camara nesta sessão a proposta para applicação do fundo já creado da defeza nacional, no anno economico para o qual estamos a legislar, visto que só ao poder legislativo compete aquella applicação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Respondeu que, como o governo deve todos os annos apresentar no orçamento as despezas, a camara vota-as, depois já fica o governo auctorisado a proceder a ellas.

Mas o orador não conta ter de fazer emprestimos para isso.

O orador fez ainda algumas considerações a este respeito.

(O discurso do digno par será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. reveja as respectivas notas.)

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção.

Vae-se votar o projecto.

O sr. José Luciano de Castro: - Disse que em vista das declarações que fez o sr. presidente do conselho, de que não acceitava por estar muito adiantada a sessão legislativa e por outros motivos, as emendas que o orador apresentou, pedia se consultasse a camara sobre se permittia que as retirasse.

A camara approvou este pedido.

O sr. Bispo da Guarda: - Requeiro tambem que me seja permittido retirar a minha proposta.

Assim se resolveu.

O sr. Rodrigues de Carvalho: - Declarou-me o sr. presidente do conselho que, se não rejeitava absolutamente as emendas que tive hontem a honra de mandar para a mesa, lhe parecia, comtudo, necessario deixar correr algum tempo a rim de ver se convinha introduzirem-se algumas modificações. Como esta declaração me faz antever que as minhas propostas de emendas serão rejeitadas, peço licença para as retirar e da mesma fórma a moção que mandei para a mesa.

A camara annuiu ao pedido.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire a minha moção, e requeiro votação nominal sobre a minha proposta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que consentem que o sr. D. Luiz da Camara Leme retire a sua moção, tenham a bondade de se levantar.

(Depois de verificar a votação.)

Está approvado.

O digno par D. Luiz da Camara Leme, requereu votação nominal sobre o seu additamento.

Os dignos pares que entendem que este additamento seja votado nominalmente, tenham a bondade de se levantar.

(Depois de verificar a votação.)

Está rejeitado.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - A camara não quer votação nominal sobre a minha proposta?!

Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par Coelho de Carvalho.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Peço a palavra para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Presidente: - V. exa. está inscripto.

O sr. Coelho de Carvalho: - Peço a v. exa. que

consulte a camara sobre se ella permitte que eu retire a minha moção.

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara. Na mesa não se ouve o que o orador está dizendo.

O sr. Coelho de Carvalho: - Estava pedindo a v. exa. que se dignasse consultar a camara sobre se consentia que eu retirasse a minha moção.

Desde que o sr. presidente do conselho consentiu que fossem exaradas na acta que hoje foi lida, as declarações que hontem apresentou com respeito á reforma da lei do recrutamento e ao augmento dos contingentes de recrutas, julgo desnecessaria qualquer votação sobre a minha proposta, e por isto peço a v. exa. que submetia o meu pedido á consideração da camara.

Consultada a camara consentiu que o digno par retirasse a sua proposta.

O sr. Presidente: - Estão sobre a mesa um additamento do sr. Camara Leme, uma proposta do sr. Oliveira Monteiro e uma substituição do sr. Thomás Ribeiro, mas primeiro vae ler-se e votar-se a especialidade do projecto.

Foram lidos na mesa e seguidamente approvados os artigos do projecto e seus respectivos paragraphos.

O sr. Presidente: - Está portanto prejudicada a substituição do sr. Thomás Ribeiro, e vae agora votar-se o additamento do sr. Camara Leme.

Foi lido na mesa e rejeitado.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Peço a v. exa. que mande contar o numero de dignos pares que approvaram o meu additamento.

O sr. Presidente: - Approvaram-no dezesete dignos pares.

Leu-se na mesa a proposta ao digno par sr. Oliveira Monteiro, e foi rejeitada.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Sr. presidente, eu esperava que a camara rejeitasse o meu additamento; o que, porém, me surprehendeu foi que recusasse para elle a votação nominal.

Especialmente depois das declarações categoricas do sr. presidente do conselho e de não ter s. exa. depois de quinze dias de convidado, comparecido ainda na commissão, a questão que aqui levantei não está morta, mas fica ainda em pé.

Em vista de tudo isto, vou mandar para a mesa uma nova proposta, para a qual requeiro urgencia, não para ser discutida hoje, mas amanhã. Peço a v. exa. que a faça ler na mesa, dispensando-me a mim de a ler, porque a minha vista não mo permitte agora.

O sr. Presidente: - Faço uma reflexão ao digno par.

S. exa. pede que a camara seja consultada sobre se considera urgente a sua proposta. Ora se a camara a considerasse urgente tinha de se passar immediatamente á sua discussão, o que, por outro lado, não podia ser porque a sessão estava prorogada só até se votar o artigo do projecto.

Parecia-me pois melhor, se o digno par concordar, não propor agora a urgencia, lendo-se agora a proposta e ficando para segunda leitura ámanhã.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Concordo.

Q sr. Presidente: - Vae ser lida.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Considerando que no trato dos negocios publicos, pelos agentes responsaveis do poder executivo, seja isoladamente, seja nas suas relações com as assembléas legislativas, é requesito impreterivel, que não possa levantar-se a minima suspeição ou parcialidade, e que os actos governativos e as deliberações parlamentares, immaculados de toda a desfavoravel imputação, apparecam revestidos de auctoridade moral, sem cuja sancção as resoluções dos poderes publicos ficam enfraquecidas perante a opinião;

Considerando que, em todos os negocios relativos a emprezas ou companhias, que tenham dependencias do go-

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verno e do parlamento é absolutamente necessario, que os hajam de lhe conceder vantagens e estipular segurança para o estado não tenham os seus interesses ligados com os das companhias e emprezas, cujas pretensões têem de examinar e decidir perante o direito ou a equidade, sem a menor sombra de affeição ou desfavor

Considerando que, o governo no relatorio que precede o decreto dictatorial n.° 3, de 29 de março ultimo, reconhece estes principios, cujas salutares consequencias não podem ser adiadas;

Considerando que este importante assumpto está affecto a uma nova commissão especial, para dar com urgencia o seu parecer:

A camara convida a mesma commissão a apresentar com a brevidade possivel o resultado dos seus trabalhos, e confia que o governo os fará discutir e votar antes de se encerrar a actual sessão legislativa.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 15 de julho de 1890. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: - Fica sobre a mesa para ter segunda leitura ámanhã.

A seguinte sessão terá logar ámanha, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 15 de julho de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquezes, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Alte, d'Avila, do Bomfim, de Carnide, de S. Januario, de Lagoaça; Bispo da Guarda; Viscondes, da Azarujinha, de Castro e Sola, de Ferreira do Alemtejo, de Paço d'Arcos, de Valmor, de Moreira de Rey; Barão de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Moraes Carvalho. Antonio José Teixeira, Botelho de Faria, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo. Cau da Costa, Augusto Cunha, Neve; Carneiro, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Barros Gomes, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Calça e Pina, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Rosa Araujo, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage. Luiz de Lencastre, Camara Leme, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Placido de Abreu, Rodrigo Pequito.

O redactor = F. Alves Pereira.

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