SESSÃO N.° 43 DE 5 DE MAIO DE 1896 577
tema. Os accordos e as transacções vieram muitas vezes pôr-lhes termo, o que era por certo, alem de pouco edificante, um triste symptoma de que um vicio inquinava na sua origem a fonte de onde o systema promanava.
Dá-se ainda uma coincidencia, que não será, talvez, casual; foi desde que se alargou o suffragio, o que parecia uma conquista liberal e um progresso no nosso machinismo politico, que mais vezes os governos se viram na lamentavel, necessidade de se desviarem do recto caminho que marca a constituição do estado.
Seja mera coincidencia ou seja esse facto uma resultante da nossa má orientação constitucional, dos nossos costumes e dos vicios que affectam e maculam a organisação politica da nossa sociedade; o que é certo, porém, é que cumpre, como um dos remedios a lançar mão, modificar o que a experiencia demonstrou que não produziu bons resultados.
É por isso que a opinião imparcial do paiz reclamava que se restringisse novamente o direito de votar.
Justifica-se a categoria de eleitor pelo facto de saber ler e escrever, condição que se deveria exigir a todos para se lhes conceder aquelle direito. Desde que o voto deve ser secreto, como um dos elementos da sua independencia, a condição de saber ler e escrever deveria ser essencial. A circumstancia de chefe de familia, e principalmente na extensão que se lhe dava para a inscripção no recenseamento, não era realmente, nas condições do nosso paiz, rasão que justificasse a concessão d'aquelle direito.
Voltámos á exigencia de uma quota censitica para o recenseamento dos que são desprovidos de habilitações litterarias. O pagamento de 500 réis de contribuições directas para o estado é condição para elles serem, recenseados segundo o decreto de 28 de marco de 1895, que estamos apreciando.
A muitos parecerá ainda pequena a quota exigida, porque, como dizia M. Forgeur por occasião de discutir a constituição belga «a melhor garantia a pedir aos eleitores é o pagamento de um censo que represente uma fortuna, uma posição social, a fim de que elles sejam interessados no bem estar e na prosperidade da sociedade». O restabelecimento de uma taxa censitica não só estava nas tradições da nossa legislação eleitoral, mas era reclamado pela opinião imparcial do paiz. E tanto assim era, que nem mesmo aquelles que com elle foram privados da regalia do voto, vieram reclamar contra o que poderiam julgar uma expoliação; não se verificando assim o que diz o auctor do livro Le suffrage universel, que todo o direito politico, concedido mesmo provisoriamente, parece aquelles que estão d'elles investidos, que o foi por titulo definitivo.
A maior parte das nações do velho e novo mundo exigem como condição para o eleitorado o pagamento de uma quota censitica, e entre outras podemos citar a Hespanha, a Noruega, os Paizes Baixos, a Suecia, e até nas republicas da America, a Bolivia, o Chili, S. Domingos, o Equador, o Haiti, etc.
A exigencia do censo tem ainda uma vantagem, servir de elemento para simplificar o recenseamento eleitoral, concorrendo por sua parte para evitar fraudes pelo arbitrio que tira na apreciação das condições para a inscripção dos eleitores.
Mas não bastava simplesmente restringir o suffragio, para dar ao corpo eleitoral mais independencia e mais illustração. Era mister modificar tambem o systema do recenseamento eleitoral, tornando-o menos sujeito a falsificações pela sua simplicidade, e mais livre de acção partidaria pela fórma da sua organisação.
As commissões de recenseamento politico, a quem a lei attribuia a importante funcção de reconhecer e garantir os direitos de eleitor e elegivel, tinham incorrido n'um certo descredito pelos factos que a cada passo se davam nas viciações, nas fraudes, nas injustiças, que nem sempre os tribunaes de recurso podiam corrigir.
O principio a que obedecia a organisação d'aquellas entidades, a qualidade dos eleitores, a fórma da sua eleição e da sua constituição, parecia que devia dar a todos garantias bastantes para assegurar o direito de cada um. Não acontecia, porém, assim.
A experiencia de muitos annos estava condemnando na sua organisação e no seu modo de funccionar aquellas commissões, que eram o primeiro elemento de uma politica partidaria, facciosa e por vezes violenta.
O intuito de aperfeiçoar o nosso systema representativo, principiando pela sua base fundamental, a eleição, procurando garantir a genuidade do voto e a pureza das operações eleitoraes, impunha como primeira necessidade alterar a base do recenseamento.
A nova organisação das commissões recenseadoras, já pelo modo da sua constituição, já pelas restrictas funcções que lhe são conferidas, dá mais seguras garantias de regularidade e de seriedade na inscripção no recenseamento. Constituidas por representantes da auctoridade judicial, das camaras e das commissões districtaes, são naturalmente mais independentes da acção partidaria.
Alem d'isso as suas funcções são quasi adstrictas á recepção das petições dos que requerem a sua inscripção, a vigiar a transcripção dos que estão mencionados nas respectivas matrizes, a organisar as listas que devem ser a base do recenseamento e authentical-as para as enviar ao juiz de direito. A este cumpre a parte mais importante no recenseamento eleitoral. É elle que manda publicar a lista dos apurados para o recenseamento; que aprecia o modo orno procedeu a commissão recenseadora; que julga as reclamações que se apresentarem contra as omissões ou indevida inscripção.
Esta intervenção immediata e directa do poder judicial no acto mais importante na vida politica de um paiz constitucional, talvez a alguns pareça inconveniente, por envolver em questões, que tanto interessam aos partidos, aquella magistratura, que deve estar acima de todas as suspeições. Pois é por isso mesmo; é pelas condições de imparcialidade e pelo afastamento das luctas da politica local, em que se têem mantido geralmente os membros d'aquelle poder, que se julgou acertado confiar-lhes aquella attribuição para garantia de todos.
E de mais, já a legislação anterior dava ao poder judicial o julgamento dos recursos em materia de recenseamento eleitoral.
Não foi, portanto, uma innovação que se fez, nem mesmo um afastamento do que sobre este assumpto se acha estatuido n'outros paizes.
Na Italia, por exemplo, a formação do recenseamento competia á junta municipal presidida pelo syndico ou maire, e os recursos subiam desde uma commissão composta do prefeito, do presidente do tribunal e de tres conselheiros provinciaes, até aos tribunaes superiores de justiça.
Em Hespanha, quer pela lei de 28 de outubro de 1878, quer pela de 26 de junho de 1890, que a alterou, são importantes as funcções do poder judicial na confecção e julgamento do recenseamento eleitoral.
Pelo decreto de 28 de março, que alterou a nossa legislação eleitoral, dá-se ainda uma circumstancia que põe mais a coberto de fraudes e de adulterações a organisação do recenseamento. É a simplificação dos elementos que constituem a capacidade eleitoral. Só são eleitores os que souberem ler e escrever, e que reclamem o seu direito por um modo authentico, ou os que pagarem a quota censitica estabelecida na lei. É sobre documentos que se baseia a inscripção no recenseamento; as simples informações não dão direito para isso. Fica assim fechada uma porta, por onde podia entrar a fraude, e o favoritismo politico a macular a pureza e genuidade do recenseamento.
A reforma que estamos apreciando não se limitou a mo-
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