578 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
dificar tão sensivelmente a base do systema eleitoral, restringindo o numero dos votantes e alterando o processo do recenseamento. Foi mais alem, e entrou na organisação da camara dos deputados.
Principiou por diminuir o numero dos deputados, reduzindo-o de 170 a 120.
Essa reducção não era aconselhada pela economia, como foi o argumento principal que adduziu a reforma dictatorial operada peio decreto de 18 de março de 1869, é porque aquelle numero estava fóra de toda a proporção com a população do reino e do termo de comparação com as nações que gosam das instituições liberaes, como ainda acrescentava aquelle decreto.
Effectivamente emquanto a Italia elege um deputado por 57:000 habitantes, a Bélgica por 40:000, a Allemanha por 100:000, tendo o excedente a 50:000 o direito de eleger um deputado; a Hespanha um por 45:000, a Suecia um por 30:000, a Franca, pela ultima lei de 13 de fevereiro de 1889, elege um deputado por cada circumscripção de 100:000, e mais outro se ella exceder aquelle numero; os Paizes Baixos 1 por 45:000; os Estados Unidos 1 por 30:000; Portugal, segundo o recenseamento de 1890, dava 1 deputado por 35:780 habitantes, cifra redonda.
Peia reducção agora operada cada deputado representa approximadamente 45:100 habitantes.
Simplificados os elementos da capacidade eleitora], melhor garantido o processo para a sua verificação, e reduzido o numero dos deputados, seguia-se naturalmente tratar do modo da eleição.
Ou voltar ao systema do escrutinio de lista, com ou sem representação das minorias, ou adoptar a eleição por circulos uninominaes, ou ainda o systema mixto, que como ensaio se adoptou em 1884.
O governo, no seu louvavel intuito de levantar o prestigio parlamentar, garantindo a genuidade da eleição, libertando-a das influencias locaes, para a inspirarem os legitimos interesses dos partidos, que um novo systema reorganisaria e disciplinaria, entendeu dever decretar o do escrutinio de lista.
Contra elle se insurgiram na imprensa os, partidos opposicionistas, que quizeram ver no restabelecimento d'aquelle systema uma retrogradação no caminho das conquistas liberaes.
Esqueceram-se da nossa historia politica, que por largos annos acceitou aquelle regimen eleitoral, ao qual estavam vinculadas as responsabilidades do partido constitucional mais avançado, e cujas tradições invoca como titulo da sua fidalguia liberal o que hoje se apregoa herdeiro das suas glorias.
Repudiaram as opiniões bem manifestas de um dos seus actuaes estadistas e oradores mais distinctos, e pozeram de parte os exemplos de nações onde vigora o regimen democratico.
Já em 1822, quando o systema constitucional estava em toda a sua pureza, e os seus fautores, cheios de crenças vivas na regeneração da patria pelo novo regimen, não podiam ser accusados de se deixarem influenciar por interesses mesquinhos da politica partidaria, a lei de 11 de julho estabelecia grandes circumscripções para a eleição de deputados, cujo numero para cada divisão ia de tres a nove.
Até 1859, em que se decretaram os circulos uninominaes, as diversas reformas eleitoraes mantiveram o escrutinio de lista, que serviu tanto ao partido mais avançado, que decretou a reforma de 8 de outubro de 1830, referendada por Passos Manuel, como ao mais conservador que promulgou o decreto de 5 de março de 1842, referendado por Costa Cabral, e que estabelecia até circulos de 29 deputados, abrangendo tres districtos.
Passou por variadas transformações o nosso systema eleitoral; a eleição directa substituiu a indirecta; estabeleceram-se as commissões recenseadoras já com representação das minorias; decretaram-se outras providencias para garantir a liberdade da urna, e salvaguardar a pureza da eleição; mas o escrutinio de lista continuou a vigorar ainda por muitos annos, até que a lei de 23 de novembro de 1859 apresentou pela primeira vez os circulos unipessoaes.
Mas essa tradição politica tinha boas rasões a justifical-a e bons exemplos com que se podesse abonar o restabelecimento d'aquelle systema.
Não era, portanto, motivo para apodar a reforma de intuitos menos liberaes, tendo por mira excluir da representação nacional os que não commungassem na politica governamental.
Contra essa accusação, fundada na adopção do escrutinio de lista, protesta Gambetta com as suas idéas bem avançadas e com o seu discurso pronunciado na camara franceza, em 18 de março de 1881; protesta Girardin, que em 1850 combatia a representação local, influenciada pelos interesses e caprichos do circulo, muitas vezes oppostos aos interesses geraes do paiz; protesta a França democratica nas suas diversas leis e ainda na de 16 de junho de 1885; protestaram os operarios republicanos progressistas da 17.ª circumscripção, que representaram em março de 1885 ás camaras, pedindo o restabelecimento do escrutinio de lista, porque era para todos os operarios francezes um verdadeiro acto de libertação politica. «Sem duvida, acrescentavam elles, em direito, a liberdade eleitoral dos que trabalham é completa, como é a de todos os seus concidadãos: de facto, o exercicio d'ella é singularmente cerceado pela estreiteza das circumscripções actuaes, que comprimem os operarios sob a influencia dos omnipotentes. Mas ainda uma rasão superior faz com que os operarios desejem o escrutinio de lista; desejam-no, porque vêem n'elle um instrumento de pacificação social».
Contra essa accusação podem ainda protestar dois dos mais distinctos membros d'esta camara, como estadistas e oradores, que sustentaram, em nome dos principios liberaes e das conveniencias da organisação partidaria, o systema do escrutinio de lista. Um d'elles dizia n'um jornal da sua direcção politica:
«As nossas liberdades estão largamente distribuidas e profundamente arreigadas.
«Necessidade urgente é cuidar da manutenção d'essas liberdades, de que só um verdadeiro governo, um governo que governe, póde ser fiador e guarda. Governar é ter força de auctoridade, força que só a opinião publica lhe póde outorgar, manifestada no voto dos seus genuinos representantes. Governar é ter a plenitude das responsabilidades, e, para isso, é preciso ter a plenitude das faculdades.
«Governar é saber que, quando o parlamento lhe dá o seu voto, esse voto é uma affirmação solemne de confiança, um veridictum de justiça, e não uma condescendencia de compadrio, que nos corredores se lastima, ou um pagamento de obsequios, que se esconde como um segredo, mas punge como um remorso.
«O actual parlamentarismo, nos paizes onde rege o systema dos circulos uninominaes, está sendo estudado como doença, a que é preciso achar remedio.»
Mas o governo, restaurando no decreto de 28 de março do anno passado o escrutinio de lista, não teve sómente, como instigadores, a tradição do paiz, os exemplos de estrangeiros e a opinião auctorisada de nacionaes.
Tinha boas rasões que, só por si, ou apreciadas absolutamente, ou com relação ás condições do paiz, o justificavam cabalmente da sua resolução.
Desejando a regeneração politica do paiz, e, com ella, a sua regeneração economica e financeira, e vendo que para isso era mister modificar a organisação constitucio-