SESSÃO N.° 43 DE 5 DE MAIO DE 1896 579
nal do parlamento, julgou que entre as causas que affectavam o seu funccionamento regular e perfeitamente independente era o modo da eleição.
Nos circulos pequenos, onde se gladiam as paixões, e se põem em confronto e em evidencia as influencias pessoaes; onde se esquecem os grandes interesses do paiz, para só se attender ás conveniencias que lhe são particulares, é que se exercem com mais intensidade, quer as influencias da auctoridade, quer as influencias dos poderosos.
Umas e outras, pesando na consciencia do eleitor, tiram-lhe a independencia e a sinceridade do voto; fazem com que elle, em vez de considerar o suffragio como um dever civico, o repute materia para uma mercancia torpe. Se o deixam entregue ás suas proprias inspirações abandona a urna, e a eleição é apenas uma formalidade, que as actas ficticiamente descrevem; se as influencias locaes na pugna de interesses, de ambições ou rivalidades o arrastam á eleição, elle vae só para bem merecer a paga que no dia seguinte exige em troca do voto que interesseiramente, sem sciencia, nem consciencia foi depositar na urna poluida.
D'ahi uma mutua dependencia entre o eleito e o eleitor; entre o governo e o deputado.
Na discussão da lei franceza de 1885 dizia um orador:
«As influencias individuaes, quer sejam de um preponderante, quer sejam de um agente da auctoridade, perdidas na largueza do circulo e envolvidas no mysterio salutar do segredo do voto perdem na intensidade o que perdem na responsabilidade directa de conseguir vencimento.»
As violencias, as pressões, a corrupção eleitoral são tanto maiores quanto mais circumscripto é o campo em que a lucta se debate. As influencias locaes, que sustentam e animam essas pugnas estereis para os verdadeiros interesses do paiz, diluindo-se na grandeza da circumscripção eleitoral, perdem o seu maior valor, a sua efficacia e o estimulo que as agrilhoava.
Essas influencias quando legitimas não se aniquilam com o escrutinio da lista; diminuindo-lhes a sua preponderancia isolada, que muitas vezes se impõe aos partidos em detrimento das conveniencias publicas, são forçadas assim a acceitar disciplinadas a orientação politica, que deve guiar as aggremiações partidarias, para terem força e independencia quando a rotação constitucional as chamar á governação publica.
Os partidos devem tirar da sua propria organisação os elementos de vida e de acção energica para que possam governar desafogadamente, quando a sua vez lhe chegar, sem complacencias e sem favores de ninguem.
Dizia Zanardelli, o illustrado relator da lei eleitoral italiana:
«O collegio provincial constitue, por assim dizer, um organismo vivente em que o pensamento se fórma com tanto maior relevo, quanto mais complexos são os elementos que o compõe. A circumscripção corresponde a uma entidade, á qual se não insufla vida, sómente para o fim eleitoral, mas que tem funcções a exercer em cada dia nos actos infinitos da vida civil; por isso não se corre o risco de quebrar affinidades naturaes para as crear imaginarias.»
Para os que combatem o circulo uninominal vêem n'elle uma quebra da unidade não só politica, mas até de interesses mais geraes de ordem nacional.
Para elles as pequenas circumscripções eleitoraes são a desorganisação dos partidos; a perversão completa de todos os principios da escola politica; a fraqueza dos governos e dos parlamentos. A fraqueza dos governos, dizia um orador em 1884, porque em vez de se firmarem em collectividades de idéas e convicções iguaes, baseiam-se apenas em collectividades de interesses variaveis; são fraqueza dos parlamentos, que têem, ou podem ter muitas vezes seus votos enfeudados á satisfação das exigencias locaes.
Podem nos circulos mais largos terem mais facilmente cabida os homens que se salientam no meio do seu partido, que não encontram assim obstruidas as portas do parlamento pelas ambições locaes.
Por vezes durante o regimen da eleição exclusiva por circulos uninominaes viram-se os homens mais importantes, e até chefes de partido afastados da representação nacional, para terem n'ella ingresso os que não queriam sacrificar a sua vaidade aos interesses do partido, ou não tinham força para se fazerem substituir por aquelles.
Quanto maiores forem as circumscripções eleitoraes melhor se traduzirá na eleição o principio constitucional de que os deputados são representantes da nação, e não dos circules que os elegem.
Estas e outras rasões, eloquentemente expostas no relatorio que precedeu o decreto de 28 de março, levaram o governo a restabelecer o escrutinio de lista.
Mas concordando agora com a alteração n'esta parte feita na camara dos senhores deputados, que votou a eleição por circulos uninominaes, é accusado de transigente e contradictorio, por acceitar hoje o que hontem condemnou.
Não nos parece que tenham rasão as acres accusações por tal motivo formuladas contra o governo.
Entendeu elle que em vista da experiencia, que é a melhor pedra de toque para aquilatar a conveniencia de uma reforma qualquer, era justificada a nova tentativa do alargamento das circumscripções eleitoraes.
Queria ver se elle por sua parte poderia contribuir tambem para melhorar a situação dos partidos, e dar aos parlamentos a força, o prestigio e a nitida comprehensão dos seus mais elevados deveres, de que elles tanto careciam.
Os representantes directos do paiz, eleitos por aquelle systema, entenderam que elle o não queria; que o mal não estava no modo da eleição, mas n'outras causas, que não desappareciam depressa.
Em questões d'esta ordem não devem os governos ter idéas absolutas; a transigencia não é a abdicação dos principios da dignidade politica, nem a negação das idéas de governo.
É a contemporisação com a vontade do paiz, que cumpre respeitar aos governos que só n'ella desejam inspirar-se.
O governo não faz as leis para seu uso, mas para servir o paiz.
A França que tantas vezes apontâmos como exemplo para seguir, dá-nos n'este ponto uma prova de que não devem ser absolutas e intransigentes as idéas sobre o modo da eleição dos representantes do paiz.
Sem fallar de tempos mais afastados de nós, basta que citemos o que ali se tem dado nos ultimos cincoenta annos. Em 1848 estabeleceu é escrutinio de lista, que aboliu em 1852, para o restabelecer em 1871. Quatro annos depois, pela lei de 30 de novembro de 1875, voltou ao escrutinio individual, que substituiu pelo de lista na lei de 16 de junho de 1885, e revogou pela de 13 de fevereiro de 1889.
Sem embargo das rasões que determinaram o governo a preferir o escrutinio de lista ao systema da eleição uninominal, como uma nova tentativa a fazer no intuito de contribuir para melhorar o regimen eleitoral, e d'ahi o levantamento da instituição parlamentar, não é aquelle isento de defeitos, nem sobre a eleição uninominal pesava um anathema tão fulminante que não permittisse o seu restabelecimento.
O circulo uninominal é a mais simples e a mais directa representação dos interesses locaes e individuaes; é a expressão mais concisa e mais proxima da vontade do eleitor, que escolhe para o representar o que mais sympathias lhe merece, e mais confiança lhe inspira.
A somma d'esses interesses locaes quando não ultra-