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598 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

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Numeros Circulos Concelhos

Palacio das côrtes, em 2 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião deputado secretario.

O sr. Conde de Lagoaça: - Mal pareceria que não se levantasse alguem para discutir, o projecto da reforma eleitoral. Não é que valha muito a pena fazel-o, porque com este projecto vae acontecer o mesmo que tem succedido com todos os outros.

O proprio governo com certeza não faz grande empenho, não digo na approvação do projecto, mas nas idéas n'elle expendidas, porquanto o governo diz e pratica hoje uma cousa, para ámanhã dizer e praticar outra cousa.

Por consequencia, se o governo tem tido toda a força, que naturalmente lhe dá quem lh'a póde dar, para fazer e desfazer o que lhe apraz, que vantagem temos nós em estar aqui a cansar-nos, discutindo as medidas apresentadas pelo governo?

Já houve quem chamasse á politica portugueza crochet de Peneloppe; desfazem uns o que outros fizeram. O governo, porém, refinou o systema, e ahi está elle proprio desfazendo o que fez na vespera.

Eu vi nos registos parlamentares a discussão que sobre este assumpto houve na outra casa do parlamento; li o extracto do discurso do nobre ministro do reino, que fallou muito bem, como é seu costume; mas francamente, não fui capaz de comprehender quaes as rasões que levaram o governo a modificar o pensamento do seu decreto dictatorial.

O relatorio, da nossa commissão, que está realmente muito bem feito, e que é mesmo um trabalho notavel em que o illustre relator, o sr. Jeronymo Pimentel, revela os conhecimentos especiaes que possue n'estes assumptos, não póde deixar de ser contradictorio, porque realmente não é facil defender ao mesmo tempo o escrutinio de lista e os circulos uninominaes.

No proprio relatorio encontrava eu palavras bastantes para condemnar o procedimento do governo.

Diz o illustre relator o sr. Jeronymo Pimentel:

«A indisciplina dos partidos militantes, ou antes ainda, a sua anarchia doutrinaria, a sua falta de cohesão, a contradicção dos seus processos, a falsa comprehensão dos seus deveres, o afastamento dos ideaes, que deviam ser a norma do seu proceder, etc.»

Parece que tudo isto foi um talhar de carapuças para enfiar nas cabeças dos srs. ministros;

Ora repare a camara: «a anarchia doutrinaria, a falta de cohesão, a contradicção dos processos, etc.»

Querem-n'o mais claro?

Parece mesmo o retrato do sr. João Franco e de todos os srs. ministros!

Felicito mais uma vez o meu illustre amigo o sr. Jeronymo Pimentel. Felicito-o e agradeço-lhe, porque eu não podia encontrar palavras que melhor do que estas expressassem o meu pensamento.

«Anarchia doutrinaria, falta de cohesão, contradicção de processos...» É isto mesmo!

O que aqui se diz é a copia fiel dos expedientes politicos seguidos pelo actual ministerio.

O que este governo tem feito e tem dito é realmente extraordinario, e eu não sei o que mais me espanta, se o que elle tem dito, se o que elle tem feito!

Mas o que é mais extraordinario ainda é que haja um paiz que assista a tudo isto com a impassibilidade e indifferença que o nosso manifesta! Com esta indifferença de que tanto tem fallado o governo, especialmente o sr. ministro do reino.

O governo poz em execução um certo numero de medidas mais ou menos violentas. A opposição reuniu-se em comicios appellando para o paiz. E o paiz, como sempre, continuou a deixar-se ficar indifferente.

E porque é que ficou inffifferente?

Ficou indifferente porque ligou tanta importancia aos protestos do partido progressista como aos actos do governo.

Ora isto, sr. presidente, accusa um estado de depressão moral, um abatimento de tal ordem que, forçoso só é dizel-o, chega a fazer vergonha.

Se as cousas continuarem por este caminho, creia v. exa. que se ha de chegar a um ponto em que, sem se saber porque, o povo, accordando de repente, talvez queira compensar o tempo que dormiu, e ir mais longe.

Todos nós ouvimos o grande discurso aqui pronunciado pelo nobre ministro do reino, quando se tratou da reforma d'esta camara.

S. exa., fazendo a historia dos actos da dictadura do governo, disse que ella tinha tido por principal objectivo levantar o prestigio parlamentar e o paiz do abatimento em que se encontravam, pois que na camara dos pares o elemento electivo votava com subserviencia a favor do governo, e as eleições se faziam sem eleitores.

Ora, para levantar esse prestigio o que fez o governo?

Fez isto! (Apontando para o projecto em discussão.)

Não ha palavras no diccionario parlamentar para classificar este facto.

O governo, que usou dos poderes mais discricionarios até ao presente empregados em Portugal, o governo, que tinha em si mesmo forças bastantes para prestar grandes serviços ao paiz, pois que era composto de homens de provada competencia, e farei menção especial do proprio sr. ministro do reino, de quem todos chegámos a esperar alguma cousa util e proveitosa, o governo o que fez, o que tem feito, o que está fazendo?!

Podia ter feito tudo, pelas circumstancias especiaes em que se encontrou, e não fez nada. Não salvou o paiz. Pelo contrario, abateu-o ainda mais!

O que ficou de toda a obra do governo?

O decreto do ponto nas secretarias; o decreto dos passaportes!...

Bagatellas!

O que fez especialmente o sr. ministro do reino, um homem novo e energico?

Nada, o que é um duplo crime, digo-o com magua.