SESSÃO N.° 43 DE 5 DE MAIO DE 1896 599
Para levantar o prestigio parlamentar, o sr. ministro do reino mandou fabricar no ministerio do reino, pelos seus empregados de confiança, uma lei que não trouxesse ao parlamento se não quem s. exa. quizesse; mas, a breve trecho, mudou de opinião, e voltou ao systema antigo.
Porque? Pergunto eu, sr. presidente!
Que manifestação houve da parte do paiz para que o governo mudasse completamente de idéas e principios?
Pois o paiz não se conserva na mesma indifferença!
O paiz tinha pedido o escrutinio de lista? Não.
O paiz pediu agora circulos uninominaes? Tambem não. O paiz continua a dormir.
Eu ouvi dizer na outra casa do parlamento que o governo fizera o decreto dictatorial, que estabeleceu o escrutinio de lista, para não vir á camara senão quem os ministros quizessem; e que, sentindo agora que estava moribundo, tratou de fazer uma lei que lhe aproveitasse na opposição.
Parece incrivel!
Eu não me atreveria a dizer isto, mas uma vez que já está dito, confessarei que se me parece incrivel que se faça, mais incrivel parece ainda que se tolere.
Cousas d'estas só podem acontecer n'um paiz que em logar de ter sangue nas veias tem capilé.
Repito, parece incrivel que haja um governo d'esta ordem, que faz e desfaz leis ao sabor dos seus interesses e conveniencias pessoaes e partidarias; e mais incrivel parece ainda que haja um paiz que o tolere. Bem se diz que os paizes teem os governos que merecem.
Com muita rasão escreveu o sr. Jeronymo Pimentel:
«A indisciplinados partidos militantes, ou antes ainda, a sua anarchia doutrinaria, a sua falta de cohesão, a contradicção dos seus processos, a falsa comprehensão dos seus deveres, o afastamento dos ideaes, que deviam ser a norma do seu proceder, concorriam por sua parte para o descredito dos partidos, e, portanto, da politica.»
É certo. Quem mais que o governo tem concorrido para o descredito dos partidos?
Este governo, pelos seus actos arbitrarios, poz fóra da legalidade um grande partido militante, e é preciso que se diga, que eu, comquanto não concorde pessoalmente com o facto d'esse partido se ter afastado d'esta casa do parlamento, entendo, comtudo, que se deve fazer justiça, e é preciso que se faça ao seu procedimento.
Eu sei de boa fonte, de fonte limpa, que se não fóra a lealdade monarchica do partido progressista, a lealdade do chefe d'esse partido para com a corôa, as cousas teriam corrido de outra maneira, e o sr. João Franco sabe isto muito bem.
O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Eu não sei nada.
O Orador: - Eu posso contar a s. exa. o que tem succedido; mas não o quero dizer aqui em voz alta.
Se não fosse a provada lealdade d'esse illustre homem de estado, que tem direito a todas as considerações; que é chefe de um numeroso partido; v. exa. ainda o não é, mas é natural que o venha a ser...
(Apoiados do sr. ministro do reino.)
S. exa. até já d'isso está convencido!
O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Os meus apoiados referiam-se ás qualidades do sr. José Luciano de Castro, e a mais nada.
O Orador: - O sr. José Luciano dispõe de grande influencia, da influencia de um partido, que elle manda como chefe, e se não fosse a sua lealdade, as cousas teriam corrido de outra maneira.
De quem era a culpa?
Do governo, que pelas suas faltas fomentava a anarchia e a indisciplina dos partidos.
A este respeito não ha a menor duvida.
Não quero fatigar a camara, senão contaria a historia politica de todo este governo, a serie de contradicções em que elle tem incorrido desde a sua formação, em todas as suas idéas, em todas as suas obras, em todos os seus processos, recordaria entre outros factos, a resposta que me deu um dos seus ministros, quando eu perguntava a rasão por que dissolveu a camara dos senhores deputados, que fôra eleita pelo governo do sr. José Dias Ferreira.
O sr. ministro do reino respondeu-me por essa occasião: que prestigio poderiam ter as camaras eleitas pelos governos? Como haviam de votar contra elles, que as elegeram? Como haviam de ser juizes em causa propria?
Mas o governo do sr. Dias Ferreira, que tinha eleito uma camara, não caíu perante ella?!
Logo, n'essa occasião, não estava abatido o prestigio do parlamento, logo, os seus membros possuiam bastante imparcialidade e independencia de acção.
E o governo passou, e elles ficaram, e d'essa camara saíu o ministerio presidido pelo sr. Hintze Ribeiro.
Eu perguntei aqui a rasão porque fora dissolvida essa camara, perante a qual este governo fez quanto quiz, achando-a sempre disposta a approvar-lhe tudo, absolutamente tudo.
A sessão parlamentar tinha corrido serena e mansa como não ha memoria de outra, a ponto que o proprio chefe do partido progressista dizia ao nobre presidente du conselho: «Eu não saberia governar melhor».
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pois elle disse isso?
O Orador: - Disse, sim, senhor.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Fez muito mal.
O Orador: - E logo em cima d'isto, o que fez o sr. João Franco para lhe agradecer? Dissolveu a camara dos deputados, dissolução que foi um erro gravissimo e que nada absolutamente nada aconselhava.
Tambem ao sr. ministro da guerra, Pimentel Pinto, perguntei qual a rasão por que o governo dissolvera a camara? E o sr. Pimentel Pinto respondeu-me em nome dos seus collegas: «O governo entendeu que devia consultar a urna, consultar o paiz, a fim de ver se tinha n'elle a popularidade precisa para governar».
Quando quizeram dissolver a camara, a opinião publica valia para alguma cousa, o paiz era independente, o suffragio era ligitimo.
Mas de ahi a pouco tempo o nobre ministro do reino entendeu em sua alta sabedoria e recreação reformar a camara dos deputados e supprimir a parte electiva, da camara dos pares.
Já o paiz então não prestava para nada, os eleitores não eram independentes, o suffragio não era espontaneo, as eleições faziam-se, dissera s. exa., no ministerio do reino!
Com muita rasão escreveu o sr. Jeronymo Pimentel: «A anarchia doutrinaria, a falta de cohesão, a contradicção dos processos...» S. exa. tem carradas de rasão.
Eu não quero fatigar a attenção da camara nem tão pouco me quero fatigar a mim, porque a discussão é perfeitamente esteril, perfeitamente inutil.
Nós já sabemos pouco mais ou menos o que se nos responderá por parte do governo, sabemol-o pelos extractos das sessões parlamentares da outra camara: «O governo não apresenta nenhuma alteração fundamental ao decreto da dictadura; o systema de recenseamento é o mesmo, o censo é o mesmo, o numero de deputados tambem o mesmo, apenas houve mudança emquanto aos circulos, que eram plurinominaes e agora são uninominaes».
Que importa lá que haja um deputado por 33:000 habitantes, ou por 44:000 ou por 42:000? É perfeitamente secundario.
Haver ou não haver circulos uninominaes é que é a questão, a grande questão eleitoral!
O governo precisou do escrutinio de lista para trazer á camara quem muito bem quizesse, e apregoou que não ha-