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N.º 43

SESSÃO DE 5 DE MAIO DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O digno par conde de Bertiandos apresenta um parecer relativo á concessão de pensões a viuvas de empregados d'esta camara; uma representação dos habitantes da freguezia de Famalicão, pedindo para não ser desannexada do concelho das Caldas da Rainha; e pede que sejam galardoados os serviços prestados na campanha de Africa pelo tenente Krusse Gomes. Responde-lhe o sr. ministro do reino. - O digno par Jeronymo Pimentel apresenta varios pareceres, e um projecto de lei sobre a concessão do convento dos Remedios, em Braga, ás irmãs missionarias de Maria e á camara municipal da mesma cidade. - O digno par conde de Thomar refere-se aos serviços prestados em Africa pelo tenente Sanches de Miranda, apresenta sobre este assumpto uma proposta e occupa-se dos negocios da India. Responde-lhe o sr. ministro do reino. - O digno par conde de Lagoaça propõe que apenas sejam discutidos os projectos de lei, cuja urgencia o governo declare. O sr. ministro do reino concorda com esta proposta, e a camara approva-a. - O digno par visconde de Chancelleiros pergunta a rasão por que a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste não tem construido o ramal da Merceana a Dois Portos, e por que o sr. ministro das obras publicas não apresentou ainda ao parlamento como prometteu, o novo contrato com a companhia das aguas.

Ordem do dia: projecto n.° 82 (parecer n.° 66), auctorisando a camara municipal de Guimarães a levantar, por emprestimo, a quantia de 31 contos de réis. É approvado, depois de leves explicações trocadas entre o digno par conde de Lagoaça e o sr. ministro do reino sobre a urgencia d'este projecto. - Projecto n.° 64 (parecer n.° 68), auctorisando o governo a declarar sem effeito a concessão que, do extincto convento das freiras de S. Domingos, fizera á camara municipal de Elvas, e a concedel-o á santa casa da misericordia da mesma cidade. É approvado, depois do sr. ministro do reino ter concordado com a urgencia d'este projecto. - Projecto n.° 87 (parecer n.° 76), modificando a ultima reforma eleitoral. Usam da palavra os dignos pares conde de Lagoaça e visconde de Chancelleiros, respondendo-lhes o sr. ministro do reino. - Lêem-se na mesa diversas proposições de lei remettidas pela presidencia da camara dos senhores deputados. - O digno par Moraes Carvalho apresenta o parecer da commissão de legislação sobre a incompatibilidade parlamentar dos dignos pares conde de Ficalho, Augusto Cesar Barjona de Freitas e Julio Marques de Vilhena.- O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia a continuação da discussão do projecto sobre a reforma eleitoral, e mais os projectos de lei a que dizem respeito os pareceres n.ºs 69, 70, 71, 72, 73 e 74.

Abertura da sessão ás duas horas e meia, da tarde, estando presentes 21 dignos, pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiu á sessão o sr. ministro do reino.)

Mencionou-se o seguinte expediente:

Um officio da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim reformar a organisação do ensino primario. Para a commissão de instrucção.

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, mando para a mesa um parecer da commissão de petições que examinou, como devia, tres requerimentos de viuvas de: antigos empregados d'esta camara, que pedem para ser contempladas com algum subsidio.

Mando tambem para a mesa, e chamo a attenção do sr. ministro do reino, uma representação dos habitantes da freguezia de Famalicão, os quaes dizem que ficaram surprehendidos com a votação da outra casa do parlamento relativa á annexação d'esta freguezia ao concelho de Alcobaça, e pedem que a sua freguezia continue annexa ao concelho das Caldas da Rainha.

Declara esta representação que é este o desejo da maior parte dos habitantes d'aquella freguezia.

Parece que a resolução da camara dos deputados foi devida á apresentação de outra representação em sentido contrario a esta que me foi confiada; mas cumpre-me dizer que esta é, conforme me consta, assignada por numero de cidadãos muito superior aos que assignaram a outra, o que facilmente poderá ser verificado.

Espero que a commissão competente examinará devidamente o assumpto, e que esta camara fará justiça ao povo de Famalicão.

E já que estou com a palavra, chamo a attenção da camara e do governo para um assumpto, que me parece ser importantissimo.

Desejaria ver presente o sr. ministro da guerra; mas o governo está representado pelo sr. ministro do reino, e está muito bem representado; de mais a mais a altura era que vae a sessão legislativa não me permitte adiar o que tenho a dizer.

Sei que o sr. conde de Thomar fallou hontem com relação a algumas faltas que houve relativamente aos premios e galardões que foram dados aos nossos bravos expedicionarios.

Eu não estava presente n'essa occasião, por isso não ouvi o que respondeu o sr. ministro da guerra; mas consta-me que s. exa. dissera que se estudaria ainda o assumpto, e essas injustiças seriam reparadas.

Venho hoje tambem lembrar ao governo outra injustiça com relação ao sr. tenente Krusse Gomes.

No Diario de noticias, em o resumo que fez do discurso que o sr. coronel Galhardo proferiu na sessão solemne que se effectuou no theatro de S. Carlos, li que o bravo commandante recommendára á consideração do illustre commissario régio, alem de outros que mencionou, os tenentes Couceiro e Krusse Gomes.

Esta approximação pareceu-me muito honrosa, pois são conhecidos os altos serviços do sr. Couceiro e o modo como foram considerados. Impressionou-me ainda este periodo:

«Krusse Gomes esteve um mez enterrado em lodo em Manhissa para abrir um caminho.»

E, todavia, o tenente Krusse Gomes recebeu apenas o habito da Torre Espada!

Fez-me grande impressão este facto, e conheço alguem que tambem se impressionou com tão grande esquecimento, devido certamente não a qualquer malevolencia, que não a podia haver, mas a algum lapso, e que pediu ao sr. coronel Galhardo informações a tal respeito.

Este distincto militar prompta e cavalheirosamente as deu, consentindo que da sua carta se fizesse o uso que se julgasse conveniente.

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Peço licença a v. exa. e á camara para a ler, pois que n'este documento se mostra á evidencia quanto valeram os serviços do notavel official a que me estou referindo:

«3 de maio de 1890. - Exmo. sr. e meu prezado amigo. - É com a maior satisfação que me apresso a responder á carta de v. exa., em que me pede informações ácerca do tenente do meu regimento José Augusto Krusse Gomos, porque foi este um dos officiaes que melhores serviços prestaram na campanha de Africa, fazendo parte do corpo expedicionario que tive a honra de commandar.

«Foi elle o primeiro official da expedição que eu mandei para o interior escoltando, com uma secção da sua companhia, um comboio de viveres que enviei para Marracuene, serviço em que se houve com a maxima energia e descernimento, providenciando por fórma a desfazer todas as difficuldades que encontrou, devidas umas á natureza do solo e do clima, e outras á incapacidade dos elementos, do comboio, conseguindo levai o ao seu destino no praso que lhe havia sido determinado.

«Alguns dias depois, em 22 de abril, e tendo ficado de guarnição em Marracuene, foi, com a sua secção, encorporado na columna de operações, denominada do Incomati, enviada de Lourenço Marques para occupar Incanine e Mapungo, com o fim de fazer terminar a revolta da Magaia, serviços estes em que se tornou notavel pelo seu incansavel zêlo e actividade, sendo por isso louvado no relatorio do comnandante da columna e por mim recommendado ao exmo. commissario regio no officio de remessa d'aquelle relatorio, documentos estes que foram publicados no Boletim official da provincia de Moçambique, n.° 27, de 6 de julho de 189o.

«Tendo ficado, depois da retirada da columna do Incomati, commandando o posto do Incanine, e encarregado de o mandar para local mais apropriado, serviço em que trabalhou com a sua habitual actividade, foi mandado aggregar á columna que, em 20 de junho, subiu o Incomati, sob o cominando do capitao Freire de Andrade, a fim de estabelecer os postos de Manhissa e Xinavane, sendo então encarregado de dirigir a construcção de um dique de 700 metros de extensão, sobre o grande pantano de Machaomo, para estabelecer communicações entre os postos de Manhissa e Stokolo, trabalho este em que gastou quasi dois mezes, mettido em agua ou lodo, o que muito aggravou o seu já precario estado de saude, devido ás febres adquiridas no insalubre posto do Incanine.

«Em 3 e 8 de setembro fez parte das columnas que invadiram o Cossine, e assistiu ao combate de Magul no segundo d'aquelles dias, onde se portou com denodo, fazendo fogo como um simples soldado, sem deixar de attender á direcção das praças que lhe estavam confiadas, e, antes pelo contrario, mostrando-lhes praticamente, por aquella fórma, a alça que deviam empregar.

«Depois d'este combate, que teve logar sob um sol ardente e uma temperatura superior a 40°, retirou, com a columna, muito doente para Xinavane, sob os effeitos de insolação, e mais tarde para Lourenço Marques, sendo depois repatriado a bordo do transporte Africa, onde esteve em perigo de vida, chegando a Lisboa quasi moribundo, e conservando-se ainda bastante doente.

«Eis, a largos traços, o que, em vista dos relatorios officiaes e das informações particulares, se me offerece dizer a v. exa. sobre os serviços do valoroso tenente Krusse Gomes, que, eu penso, só por lapso teria sido esquecido (como alguns outros) na distribuição das recompensas.

«Desculpe v. exa. a demora na resposta, que teve de ser um pouco longa? e disponha sempre do de [...] exa, etc. = Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo.

Peço a attenção da camara, e do sr. ministro do reino especialmente, para ca seguinte phrase do coronel Galhardo:

«... que, eu penso, só por lapso teria sido esquecido.»

Eu julgo importantissimo o que diz o sr. coronel Galhardo n'este honrosissimo documento, que hei de publicar no Diario das sessões quando me forem á mão as notas tachygraphicas.

Espero que o governo fará tudo que julgar de justiça, para que seja condignamente galardoado tão valente e brioso militar que, segundo a opinião do seu commandante, «foi um dos officiaes que melhores serviços prestaram na campanha de Africa».

Peço ao sr. ministro do reino o favor de communicar ao seu collega da guerra estas minhas considerações, que devem merecer a attenção de s. exa.

O sr. Presidente: - O parecer mandado para a mesa pelo sr. conde de Bertiandos, vae a imprimir; e a representação vae ser enviada ás commissões de administração e de legislação.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Pediu a palavra simplesmente para declarar ao sr. conde de Bertiandos, que chamará a attenção do sr. ministro da guerra sobre as considerações apresentadas pelo digno par, e ainda sobre a carta que s. exa. leu á camara e que será publicada no Diario das sessões, porque, se não fizesse essa publicação, teria que pedir a s. exa. que lha confiasse a fim de a mostrar ao sr. ministro da guerra.

Diz que as recompensas concedidas aos differentes officiaes que tomaram parte nas campanhas de Africa, foram dadas, se bem se recorda, pois já passou algum tempo, segundo o relatorio do commissario regio na provincia de Moçambique. É possivel que houvesse esquecimento, e para remediar essa falta é que o governo tem que estudar e examinar quaesquer informações que lhe sejam dadas. Mas póde o digno par ficar certo de que o sr. ministro da guerra ha de proceder com justiça.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa os seguintes pareceres:

Das commissões de legislação, commercio e industria sobre o projecto de lei que tem por fim impedir que alguem use indevidamente do emblema da benemerita Sociedade da Cruz Vermelha.

Da commissão de legislação sobre o projecto de lei que approva a tabella dos emolumentos e salarios judiciaes.

Da mesma commissão sobre o projecto de lei que tem por fim confirmar as alterações decretadas na divisão judicial.

Da commissão de administração publica sobre o projecto de lei que tem por fim confirmar, sem prejuizo da auctorisação conferida ao governo pelo artigo 451.° do codigo administrativo, os decretos de 12 de julho, 14 de agosto, 7 e 26 de setembro, 18 e 21 de novembro de 1895, pelos quaes foram alteradas as circumscripções administrativas do continente do reino e ilhas adjacentes, salvas algumas modificações.

Da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que tem por fim modificar o direito actual da parafina purificada de 65 réis para 2 réis em kilogramma.

Aproveito a occasião de estar com a palavra, para mandam para a mesa o seguinte projecto de lei:

«Artigo 1.° É concedida, ás irmãs missionarias de Maria:

«1.° A igreja do convento de Nossa Senhora da Piedade ou dos Remedios, na cidade de Braga, com todos os seus

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accessorios e pertenças, imagens, oratorios, paramentos, alfaias, vasos sagrados e objectos do culto;

«2.° A parte d'aquelle convento para o largo dos Remedios, que fica junto á igreja, e uma faxa de terreno da cerca do mesmo convento, confinante com a rua de S. Lazaro.

«Art. 2.° É concedida á camara municipal de Braga a parte restante da cerca e convento dos Remedios, para alargamento da rua das Aguas e alinhamento da rua de S. Marcos, podendo alienar o terreno que sobrar para applicar o seu producto exclusivamente á realisação d'aquella obra.

«Art. 3.° Estas concessões só se tornarão effectivas por morte da ultima freira, e caducarão, entrando a fazenda nacional na posse dos bens concedidos, quando se lhes de destino differente do indicado n'esta lei.

«Art. 4.° As irmãs missionarias de Maria fica a obrigação de estabelecer, na parte do convento que lhes é cedida, uma casa propria do seu instituto onde se preparem irmãs para as missões portuguezas no ultramar, e de conservar e reparar a igreja, mantendo n'ella o culto sagrado e respeitando os direitos das irmandades e confrarias ali erectas.

«Art. 5.° A camara municipal de Braga procederá ao alargamento da rua das Aguas, dentro do praso de dois annos, depois de tomar posse da parte do convento que lhe é concedido.

«Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

«Sala das sessões da camara dos pares, 4 de maio de 1896. = Jeronymo da Cunha Pimentel.»

Peço a urgencia para este projecto.

O sr. Presidente: - Os pareceres vão a imprimir.

Vou consultar a camara sobre a urgencia do projecto.

Consultada a camara, foi approvada a urgencia, e remettido o projecto á commissão de fazenda.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, já hontem ou ante-hontem fallei aqui com relação á recompensa dada pelo governo ao sr. tenente Sanches de Miranda, e para que este processo possa seguir o seu curso regular, mando para a mesa a seguinte proposta, que v. exa. se dignará enviar á commissão de guerra, a fim d'ella a tomar na devida consideração:

«Que o tenente Sanches de Miranda seja equiparado aos officiaes, aos quaes se deu a commenda da Torre e Espada e a pensão de 500$000 réis.

«Sala das sessões, 5 de maio de 1896. = O par do reino, Conde de Thomar.»

Sr. presidente, aproveito a occasião de estar com a palavra, sentindo que não se ache presente o sr. ministro da marinha, para pedir algumas explicações sobre os ultimos acontecimentos na India. Li em alguns jornaes que um importante proprietario d'aquella localidade fôra morto e espostejado em virtude da suspeita de ter trahido um segredo dos salteadores, que estão sendo perseguidos pelas nossas tropas.

Não é positivamente sobre este facto que desejo chamar a attenção do nobre ministro. Queria que s. exa. desse explicações com relação a um outro assumpto; mas desde já declaro que não venho aqui fazer questão politica nem opposição sobre esse ponto, porque elle é de interesse geral, e será bom que a camara seja bem informada.

Como v. exa. e a camara sabem, partiu ultimamente para a India o sr. Neves Ferreira, a fim de negociar uma convenção de extradição com o governo da India ingleza, convenção esta que se impõe hoje mais do que nunca, e é mesmo conveniente que seja feita o mais rapidamente possivel em vista das circumstancias extraordinarias em que ali nos encontramos. Mas, dá-se, porém, um facto notavel.

Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso vae recolher ao reino logo que ali chegue a expedição que ha dias partiu, e como o sr. Neves ferreira é quem deve substituir o Senhor Infante no governo da India, pois não é isto um mysterio para ninguem, e como s. exa. é pessoa da confiança do governo, que n'elle ha de delegar todos os poderes, é claro que s. exa. não poderá accumular as funcções de plenipotenciario com residencia na India ingleza, e o logar de governador em Goa.

Por estas rasões pergunto: Quem é que substitue o sr. Neves Ferreira nas negociações com o governador geral da India ingleza, a fim de levar por diante a convenção de extradição?

É claro que s. exa., desde que tenha de assumir o governo da India, não póde tratar d'este assumpto, que é não só importante, mas urgente n'este momento.

Eu desejava que por parte do governo me fossem dadas explicações para que soubessemos o que temos a esperar com relação a este negocio, porque todos os dias se apresentam acontecimentos imprevistos n'aquelle ponto do territorio portuguez.

O sr. Presidente: - V. exa. requereu a urgencia da proposta que mandou para a mesa?

O sr. Conde de Thomar: - Sim, senhor.

Consultada a camara, approvou a urgencia da proposta, que foi lida na mesa.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Responde ao digno par conde de Thomar que nenhuma resolução se tomou em conselho de ministros ácerca do ponto a que s. exa. se referiu, porque, sendo esse um facto que ha de vir a dar-se, é n'essa occasião que o governo tem de deliberar sobre as providencias relativas ao tratado de extradicção.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Bertiandos: - Agradeço ao sr. ministro do reino o favor da sua resposta. O documento que eu li, está ás ordens do governo; se s. exa. o deseja, entregar-lh'o-hei. Em todo o caso elle ha de vir inserto no Diario das nossas sessões, porque o julgo muito digno de ser bem conhecido.

Renovo os meus agradecimentos e espero de s. exa. a fineza de se não esquecer de fallar com o sr. ministro da guerra a similhante respeito.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não percebo o governo; mas isso já não me admira o defeito é meu, com toda a certeza. N'esta questão das recompensas, vem um ministro e diz n'um dia que é uma questão liquidada; vem n'outro dia o sr. ministro do reino e declara que ainda ha de fallar sobre o assumpto com o sr. ministro da guerra. Então, está ou não está liquidada a questão? Em que ficâmos?

Eu hontem insurgi-me contra a maneira porque estava correndo a discussão n'esta camara. Não se achava presente o sr. ministro do reino e por isso venho hoje insistir sobre este ponto.

S. exa. comprehende que o prestigio do parlamento não se levanta com estas votações, sem discussão, de canastradas de projectos, que mais ou menos representam, interesses particularissimos e pessoaes. Isto não levanta o prestigio; pelo contrario, abate-o. Se podermos evitar que tal facto se de, se o governo pela sua iniciativa concorrer para esse fim, prestaremos um serviço a nós mesmos e ao paiz. Pareceu-me que tanto v. exa. como o sr. presidente do conselho estavam hontem cheios de boa vontade n'este sentido.

Por isso mando para a mesa a seguinte proposta, que escrevi muito á pressa:

«Proponho que não entre em discussão nenhum projecto de lei sem que o governo declare previamente a sua urgencia.

«Sala das sessões, 5 de maio de 1896. = Conde de Lagoaça.»

A redacção é talvez pouco explicita; mas resalve-se a redacção. Eu quero dizer, ao governo que declare quaes os projectos de que precisa para governar.

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N'este ponto não estou fazendo politica. O governo diz quaes são aquelles de que tem maior ou menor urgencia, por tratarem questões de ordem e administração publica; e nós discutiremos só esses. Acho isto justo e rasoavel. Se o governo, se o sr. João Franco poderem influir no animo dos seus amigos para que tal se faça, prestará um serviço ao paiz.

Lida na mesa, foi admittida á discussão a proposta do sr. conde de Lagoaça.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Está perfeita e inteiramente de accordo com o pensamento expresso pelo digno par sr. conde de Lagoaça.

Effectivamente,- indo adiantada a sessão legislativa seria de vantagem que a camara se occupasse de preferencia em discutir os projectos que se relacionem com os negocios da administração publica.

Por sua parte concorda em que o governo indique á presidencia quaes os projectos de que carece e cuja discussão julga urgente.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Acabou de ouvir dizer ao sr. ministro do reino que, na altura em que vae a sessão legislativa, é conveniente discutir apenas os projectos, que o governo julgar indispensaveis.

Não mede bem essa altura, porque póde ser maior ou menor, segundo as circumstancias. Quando hoje entrou na camara, estava convencido de que as côrtes seriam prorogadas até ao dia 15. Vê agora que a altura diminuiu, e isso o obriga a fallar.

Tinha promettido dizer, para desafogo da sua consciencia, algumas palavras que fizessem ver qual a posição em que estava diante do governo.

Não desiste d'este proposito, ha de realisal-o, ainda que resumidamente, pela estreiteza do tempo.

Mas por agora pediu a palavra para que o sr. ministro das obras publicas tenha conhecimento de que deseja conversar com s. exa. sobre dois assumptos.

Refere-se o primeiro á construcção do ramal de caminho de ferro entre a Merceana e Dois Portos.

A companhia de norte e leste está obrigada, por contrato com o governo, a fazer esse ramal. Acceitou o encargo pela transferencia do contrato que tinha sido celebrado entre o sr. Henrique Burnay e o governo.

Está ali, a seu lado, quem conhece perfeitamente esta questão. É o seu velho e estimado amigo o sr. Antonio de Serpa, que muitas vezes lhe ouvira dizer, a elle orador, que não insistia pelo cumprimento do contrato," em vista das condições em que se encontrava o concelho de Alemquer.

Hoje, porém, que essas condições são mais lisonjeiras, de fórma que a exploração do ramal promette um rendimento certo, quer chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para o assumpto, isto é, pedir que se cumpra um contrato, o que não é pedir um favor, nem fallar pro domo. sua.

Está presente o sr. conde de Thomar, a quem n'uma das sessões anteriores ouviu lembrar ao sr. ministro das obras publicas a promessa, que este illustre ministro fizera, de apresentar ao parlamento a modificação do contrato celebrado entre o governo e a companhia das aguas em 29 de outubro de 1888.

É este o segundo assumpto de que deseja occupar-se.

Quando foi ministro das obras publicas no gabinete Dias Ferreira, encontrou esta questão, bem como o parecer que o fiscal do governo sobre ella havia dado. Levou-a a conselho de ministros, e deu conhecimento á companhia do parecer do fiscal.

Pouco depois saía do ministerio, e nada mais soube da questão.

Mas ha um facto que não póde passar desapercebido, e é que sendo a companhia das aguas constituida com capitaes exclusivamente portuguezes, e havendo pedido compensações pelos grandes encargos que tomou para effectuar a canalisação do rio Alviella, tem sido completamente ludibriada.

No orçamento apresentado ás côrtes pelo ministro da fazenda sr. Fuschini, appareceu designada por um cifrão, a verba para compensação d'esses encargos.

Como o orador então protestasse, insistisse, foi depois fixada a verba de 150 contos de réis.

Entende que é muito bom zelar os interesses da nação, mas não quer economias a troco de injustiças.

Pede ao sr. ministro do reino que lembre ao seu collega das obras publicas o compromisso que tomou perante o parlamento relativamente á modificação do. contrato de 1888 com a companhia das aguas.

Espera que o sr. Campos Henriques venha dizer á camara alguma cousa sobre o assumpto, que é importante e grave.

Não faz mais do que o seu dever insistindo pelo cumprimento de uma promessa formal. Ainda que estivesse só, cumpriria o seu dever, como tem feito sempre, como fez quando combateu as duas mais funestas leis que têem saído d'esta camara, o imposto do sêllo e a contribuição industrial. Esteve então só. Havia opposição, chamou-a a terreno mais de uma vez, e ninguem acudiu em defeza das suas idéas.

As opposições têem o dever de discutir e muitas vezes inutilisar a marcha do governo.

A proposito, dará uma explicação. Disse ha dias que considerava uma infracção do dever politico a não comparencia da opposição n'esta camara. Não quiz censurar pessoalmente nenhum dos seus collegas. Referiu-se á collectividade e, fazendo essa apreciação, definiu o seu modo de pensar; crê estar no seu direito.

Tambem elle, orador, deixou de assistir a algumas sessões por motivos de caracter particular, mas como é uma só pessoa, e não uma collectividade, não fez certamente falta ao governo nem á camara.

Perguntará ainda o que ha a respeito da questão do alcool. No relatorio do sr. ministro da fazenda, que leu ainda ha pouco, viu que s. exa. declinava a responsabilidade da solução para o parlamento. Julga que ha na outra camara um projecto sobre o assumpto.

Esta questão é gravissima, encarada sob qualquer da seus aspectos, economico, agricola e financeiro, que correspondem a outras tantas ordens de interesses.

O facto de não ser resolvida importa um grande prejuizo para cada um d'esses interesses.

Abstem-se por. agora de fazer mais largas considerações, visto que já deixou indicados os dois assumptos para que especialmente pediu a palavra.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Pediu a palavra para declarar ao digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, que com o maior, prazer avisará o seu collega das obras publicas dos desejos que s. exa. acaba de manifestar.

Permitta-lhe tambem a camara que diga que só se referiu ao adiantado da sessão, não era seu intuito, nem o é do governo, querer de qualquer fórma limitar o tempo de duração da sessão legislativa, nem de modo algum indicar o modo como os diversos assumptos devem ser tratados. Todavia, o facto é que já passou o periodo da sessão normal, estamos no quinto mez de trabalhos parlamentares, o que não quer dizer que não haja ainda o numero de sessões precisas para tratar dos assumptos indispensaveis á boa administração do paiz.

Em relação a uma promessa feita pelo sr. ministro das obras publicas, quer apenas dizer ao digno par o sr. visconde de Chancelleiros, que aliás está d'isso convencido, faz-lhe essa justiça, que o governo é completamente incapaz de faltar a qualquer compromisso que tome.

No emtanto, desde que se trata de um contrato, quer

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dizer, da conciliação de duas vontades e de dois interesses, não basta que o governo queira, é preciso entrar em accordo com a outra parte contratante, para que o pacto se firme e possa ser apresentado ao parlamento.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Quando o digno par, sr. conde de Lagoaça, mandou a sua proposta para a mesa, declarou salva a redacção. Vou, portanto, consultar a camara sobre a proposta, mas nas condições em que o sr. ministro do reino declarou que a acceitava.

Consultada a camara, é approvada a proposta.

ORDEM DO DIA

Projecto de lei n.° 82 (parecer n.° 66), auctorisando a camara municipal de Guimarães a levantar, por emprestimo, a quantia de 31 contos de reis. - Projecto de lei n.° 64 (parecer n.° 68), auctorisando o governo a declarar sem effeito a concessão feita à camara municipal da cidade de Eivas, pela carta de lei de 28 de julho de 1882, do extincto convento das freiras de S. Domingos, e a concedel-o á santa casa da misericordia da mesma cidade, para n'elle construir um hospital. - Projecto de lei n.° 87 (parecer n.° 76), modificando a ultima reforma eleitoral

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa o projecto n.° 82, a que diz respeito o parecer n.° 66.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 66

Senhores: - A camara municipal de Guimarães pediu para ser auctorisada a contrahir um emprestimo da quantia de 31 contos de réis, destinado a diminuir os encargos de um outro emprestimo anterior, e a realisar melhoramentos na sua viação municipal.

Em 20 de janeiro de 1892 foi aquella municipalidade auctorisada a levantar um emprestimo de 11 contos de réis, cujo encargo annual importa para ella em 1:900$000 réis, porque, attentas as circumstancias do mercado monetario d'aquella epocha, o juro foi superior a 5 por cento.

Em 31 de dezembro de 1894 restava-lhe ainda pagar d'esse emprestimo a quantia de 7:700$000 réis.

Uma parte d'aquelle que agora pretende contrahir é destinada á amortisação d'este, resultando d'ahi para o municipio a vantagem da diminuição do juro.

É portanto apenas a substituição de uma operação financeira com redacção de encargos.

Segundo o orçamento do ultimo anno, a receita d'aquelle municipio era de 64:491$595 réis, com uma percentagem de 44 por cento, e os encargos do emprestimo a que estava sujeito subiam á cifra annual de 13:379$510 réis.

Uma parte d'este encargo, destinado a fazer face ao emprestimo de 1892, será agora applicada a este novo emprestimo.

Em virtude das circumstancias financeiras do municipio de Guimarães, parece á vossa commissão que ellas podem comportar o onus proveniente da nova operação, que este projecto tem por fim auctorisar.

Faz parte da vossa commissão quem conhece a topographia d'aquelle concelho, e o estado da sua viação municipal, e que por isso a póde informar de sciencia propria da utilidade da construcção da estrada indicada, e da conclusão de outras que sem embargo da sua importancia, e das reclamações dos povos que com ellas interessam, não têem sido concluidas por falta de recursos.

Da simples descripção da estrada districtal n.° 19, incluida na tabella das estradas reaes e districtaes, approvada por decreto de 21 de fevereiro de 1889, se reconhece a importancia da estrada indicada de Silvares á ponte de Serves.

Apesar de não estar junta ao parecer que veiu da camara dos senhores deputados a representação da camara municipal de Guimarães, que devia ter solicitado a auctorisação para o emprestimo que pretende contrahir, e de onde melhor podiam constar as rasões justificativas do seu pedido, a vossa commissão procurou preencher a falta d'esses elementos com ás informações que vos fornece n'este seu parecer.

Não cabendo na alçada do poder executivo, segundo o disposto no artigo 442.° do decreto de 2 de março de 1895, a auctorisação d'este emprestimo, por excederem os seus encargos provaveis, juntos aos de outros emprestimos anteriores, a quinta parte da receita ordinaria d'aquelle municipio, só ao poder legislativo compete essa auctorisação.

Julga a vossa commissão que melhor caminho seria, ou pelo menos mais regular, que esse pedido viesse ao parlamento por iniciativa ministerial, como por muitas vezes se tem feito, porque no ministerio do reino se conhecem mais cabalmente as condições financeiras dos municipios, para poderem supportar os encargos resultantes do recurso ao credito.

Mas, como o governo está de accordo, é a vossa commissão de administração publica de parecer que approveis este projecto enviado pela camara dos senhores deputados, a fim de poder ser offerecido á regia sancção.

Sala das sessões da commissão de administração publica, 30 de abril de 1896. = A. A. de Moraes Carvalho = Frederico Arouca = Conde do Restello = Augusto Ferreira Novaes = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

A vossa commissão de fazenda nada tem que oppor á approvação d'este projecto de lei.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 30 de abril de 1896. - A. de Serpa Pimentel = José Antonio Gomes Lages = A. A. de Moraes Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel.

Projecto de lei n.° 82

Artigo 1.° É auctorisada a camara de Guimarães a levantar, por emprestimo, a quantia de 31 contos de réis destinados exclusivamente:

1.° Á amortisação do emprestimo de 1892;

2.° Á construcção da estrada de Silvares á ponte de Serves e á conclusão de outras.

§ 1.° O juro do emprestimo não poderá ser superior a 5 por cento e a sua amortisação será feita em periodo não excedente a trinta annos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 14 de abril de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = José Eduardo Simões Baião, deputado secretario = Abilio de Madureira Beca, deputado vice-secretario.

O sr. Conde de Lagoaça: - Desejo simplesmente perguntar a v. exa., sr. presidente, se o governo indicou á mesa que desejava que fosse discutido este parecer, antes da reforma eleitoral. Como v. exa. sabe, a camara acaba de approvar uma proposta na qual se diz que não se discutirá nenhum projecto, sem o governo declarar previamente se o assumpto é ou não urgente.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Não tem duvida nenhuma em declarar que julga conveniente a discussão d'este projecto. E o digno par tambem assim julgará desde o momento em que veja que o emprestimo, a que o projecto se refere, é para amortisar emprestimos anteriores com abatimento de juros. Não vê, portanto, vantagem nenhuma em demorar a discussão do projecto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Para mostrar que não quero fazer politica n'este assumpto, nem levantar obstaculos, concordo com a declaração do nobre ministro do reino, mas peço que se cumpra sempre a norma de proceder traçada na minha proposta. Desde que o nobre mi-

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nistro diz que se deve discutir este projecto, por ser justo é conveniente, discuta-se, comtanto que se tenha sempre em vista a minha proposta.

Não havendo mais ninguem inscripto, foi approvado o projecto.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto n.° 64, a que diz respeito o parecer n.° 68.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 68

Senhores: - Pela lei de 28 de julho de 1882 foi concedido á camara municipal de Elvas o edificio do extincto convento das freiras de S. Domingos, da mesma cidade.

Aquella municipalidade, não podendo satisfazer o fim para que essa concessão lhe foi feita, e reconhecendo a conveniencia da mudança do hospital da santa casa da misericordia para o local em que existem as ruinas d'aquelle extincto convento, representou á camara dos senhores deputados desistindo da concessão, e pedindo que ella fosse traspassada para aquella santa casa da misericordia.

Esta, por sua vez, tambem se dirigiu á outra casa do parlamento, allegando as más condições de hygiene e de capacidade do seu hospital, e pedindo que declarada sem effeito a concessão d'aquelle edificio arruinado, feita pela lei de 1882, por nova lei fosse auctorisada não só a concessão solicitada, mas a venda do edificio do actual hospital, para applicar o seu producto á reconstrucção de um novo hospital.

Como se vê, não se trata de uma concessão nova de um edificio que ainda está na posse da fazenda nacional, mas da passagem de um edificio em ruinas, da posse da camara municipal, para a de uma instituição de piedade e de beneficencia.

Alem d'isso esta mudança é ainda justificada pelo fim a que se destina. É para substituir um estabelecimento hospitalar velho, acanhado, em pessimas condições hygienicas, collocado no centro da cidade por um novo, e que deverá satisfazer ás modernas prescripções para estabelecimentos d'esta ordem.

Por estes fundamentos, a vossa commissão de administração publica, tendo ouvido a illustre commissão de fazenda, é de parecer que deis a vossa approvação a este projecto de lei, para ser apresentado á regia sancção.

Sala das sessões da commissão de administração, 1 de maio de 1896. = A. A. de Moraes Carvalho = Conde do Restello = Augusto Ferreira Novaes = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator. = Tem voto do digno par Frederico Arouca

Parecer n.° 60-A

Senhores: - A commissão de fazenda, ouvida sobre este projecto na parte que lhe diz respeito, nada oppõe á sua approvação.

Sala das sessões, 1 de maio de 1896. = Gomes Lages = Frederico Arouca = A. A. de Moraes Carvalho = Arthur Hintze Ribeiro = Jeronymo da Cunha Pimentel.

Projecto de lei n.° 64

Artigo 1.° Fica o governo auctorisado a declarar sem effeito a concessão feita á camara municipal da cidade de Elvas, pela carta de lei de 28 de julho de 1882, do extincto convento das freiras de S. Domingos da mesma cidade.

Art. 2.° Fica o governo auctorisado a conceder o mesmo edificio do convento de S. Domingos á santa casa da misericordia da cidade de Elvas, para n'elle construir o seu hospital.

Art. 3.° Fica auctorisada a santa casa da misericordia da cidade de Elvas a vender em hasta publica, com as, solemnidades legaes, o edificio do actual hospital e a applicar o producto da venda ás obras de installação do novo hospital no extincto convento das freiras de S. Domingos.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 22 de abril de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Motta Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Bião, deputado secretario.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Pediu a palavra para declarar que pela propria letra do projecto se vê que não se trata de um assumpto indispensavel á administração geral do paiz, trata-se comtudo de assumpto de grande vantagem para uma corporação de beneficencia, como é a misericordia de Elvas.

A construcção de um hospital interessa principalmente ás classes desvalidas, circumstancia altamente recommendavel.

Parece-me, pois, que a camara, approvando este projecto, praticava não só uma boa acção, como tambem um acto de boa administração.

Ninguem mais pedindo a palavra, foi approvado o projecto.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto n.° 87, sobre o qual incidiu o parecer n.° 76.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 76

Senhores: - A vossa commissão, tendo examinado e discutido attentamente a reforma eleitoral decretada em 28 de março do anno passado, e modificada pela camara dos senhores deputados no projecto que nos foi presente, vem dar-vos n'este parecer o resultado do seu estudo.

Não discute agora o processo politico que se seguiu na decretação de tão importante reforma. O parlamento já se manifestou e a vossa commissão acata, como lhe cumpre, as suas resoluções.

Sendo a eleição a base do systema politico por que se regem os povos livres; sendo a organisação do parlamento a mais importante das funcções do machinismo constitucional, é sempre grave, é sempre da maior ponderação toda a reforma que venha alterar o systema eleitoral existente e modificar o modo de ser da representação nacional.

Na vida politica de uma nação em que vigora o systema constitucional é aquelle o assumpto que mais paixões agita e que mais preoccupa o espirito publico.

E assim deve ser; porque o contrario era um triste symptoma de falta de energia viril; uma enervação da vida politica; uma descrença nos homens e nos principios.

E, comtudo, forçoso é confessal-o, fez-se uma alteração profunda no nosso regimen eleitoral, sem que a discussão previa preparasse a opinião para a receber, e sem que passasse pelos tramites que a constituição politica demarca, e o paiz não se agitou; continuou na sua vida economica, sem que o perturbasse a mudança radical que se operava nas suas instituições.

Os protestos da politica partidaria perderam-se nos echos da indifferença publica; é que a paixão não se manifesta ou não dura quando se pretende alimental-a á custa de artificios.

A nação sentia que os seus parlamentos enfermavam de um mal de origem, que naturalmente se ia reflectir no systema representativo.

Os processos da nossa politica nem inspiravam paixões elevadas, nem accendiam enthusiasmos; íam saturando de descrença e de indifferentismo o espirito nacional.

A indisciplina dos partidos militantes, ou antes ainda, a sua anarchia doutrinaria, a sua falta de cohesão, a contradicção dos seus processos, a falsa comprehensão dos seus deveres, o afastamento dos ideaes, que deviam ser a norma do seu proceder, concorriam por sua parte para o descredito dos partidos e, portanto, da politica.

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D'ahi resultava que o paiz, cansado d'essa politica, se apresentava ostensivamente indifferente, sceptico, descrente dos partidos e dos homens, acceitando resignadamente todos os desvios do caminho constitucional.

Em vez de ver o aperfeiçoamento das instituições, o cumprimento rigoroso da lei, o culto sincero do direito que o podia e devia tonificar no seu enfraquecimento moral, inspirar-lhe a confiança nos partidos e arreigal-o no respeito ás instituições, via que o parlamento, que é d'ellas a base fundamental, não tinha as convicções austeras, a critica elevada, a superior comprehensão do seu direito e do seu dever.

É porque esses parlamentos, viciados na sua origem, não representavam harmonicamente as forcas do paiz; entre estas e aquelles não havia essa cohesão forte e expontanea de opiniões e vontades que devia constituir o vinculo de união entre os. representantes e os representados.

Toda a vida politica de um povo deve alimentar-se e nutrir-se da sua força parlamentar; engrandecer-se pela expressão verdadeira e elevada da soberania nacional.

Nos parlamentos devem fielmente espelhar-se as opiniões, os interesses e as forças do paiz. Como até agora eram constituidos, digâmo-l'o francamente, eram apenas como espelho quebrado que não podia reproduzir com inteira verdade nenhuma feição do paiz representado, ou como o kaleidoscopio de que fallou uma vez notavel chanceller germanico.

Não está no nosso animo censurar ninguem, malsinar os partidos ou accusar os parlamentos, por onde nós todos passâmos.

É preciso dizer a verdade toda com franqueza e desassombro, sem embaimentos nem tibiezas.

Este mal vinha de longe, e não era só peculiar do nosso paiz. Estão d'elle enfermando outras nações, que vão arrastando uma existencia difficil, trabalhada pelos embates de uma politica instavel.

Referindo-se aos vicios, que affectam os parlamentos na actualidade, e á conveniencia de lhes introduzir reformas que levantariam o seu prestigio, o principe de Kropotkine chega a ser de uma cruel severidade no seu interessante livro, modernamente publicado, Paroles d'un révolté.

Diz elle: «Os parlamentos não se prestam, todavia, ás exigencias n'este momento impostas pela sua indispensavel reforma. Seria necessario, como no tempo da convenção, vibrar-lhe ao pescoço a espada da revolução? Será preciso recorrer á força bruta, para arrancar aos representantes do povo a mais pequena das suas reformas?

Fallava-se da podridão parlamentar do tempo de Luiz Filippe. Que diriam hoje esses criticos de então?

Os parlamentos inspiram profundo desgosto e descrença aos que mais de perto os conhecem.»

Não era só n'este extremo occidental da Europa que se levantavam queixumes contra a organisação dos parlamentos, inoculada de um virus deleterio, que corrompia e viciava a pureza de todas as instituições.

Diz-se que tão generalisada doença deriva do estado enfermiço dos partidos na raça latina, que decrepitos se estorcem na sua impotencia, sem enthusiasmo de escola, sem vigor de idéa e sem firmeza e elevação de crenças.

Mas a America, onde a virilidade dos povos nascida do cruzamento das raças, e do effeito sensivel do clima, devia influir poderosamente na força e convicções dos partidos, e na genuidade das instituições, nem por isso se manifesta indemne do mal-estar geral.

As sociedades modernas tem hoje um outro pensar; não sentem vibrar na alma a corda afinada pelas elevadas aspirações dos tempos heroicos, nem collocam acima do seu egoismo os ideaes que outr'ora constituiam a sua orientação.

O sopro do progresso material varreu-lhes do espirito a idolatria pelos principios mais ou menos abstractos, que hoje as preoccupam menos que as questões positivas, que interessam directa e praticamente á sua vida economica.

Este modo de ser das sociedades tem influido, mas perniciosamente, no proceder dos parlamentos. Ou estes tem ido mais alem do que ellas exigiam, antepondo a politica dos negocios aos negocios da verdadeira politica economica, ou preferindo a esta as questões doutrinarias da politica partidaria.

A questão economica que hoje sobreleva a todas, por vezes tem sido sacrificada ás questões meramente politicas, no meio dos baixios e recifes por onde a levam as correntes contrarias que se levantam nos mares encapelados das theorias inconsistentes e perigosas.

Os problemas politicos tiveram o seu tempo, occupando a attenção das sociedades, nos principios do ultimo seculo, e ainda até ao meado do actual, porque então era mister conquistar as liberdades como a primeira aspiração de bem estar do povo; reivindicação indispensavel das suas regalias. Depois entendeu o povo que mais lhe interessavam os progressos materiaes e a solução dos problemas economicos que diziam respeito ao melhoramento das condições da sua vida social, que os programmas de reformas politicas, que só convinham aos intuitos da politica, partidaria.

Importa-se pouco com a côr ou estofo das bandeiras, que extremam os partidos, quando d'ahi lhe não venha directamente uma vantagem para o seu bem estar.

No momento actual, se não temos liberdade de sobra, temos, como disse Victor Cousin, liberdades sufficientes: do que carecemos, como acrescentava aquelle philosopho, é de ordem.

Mas entenda-se bem, ordem na sua comprehensão racional; ordem compativel com a maxima liberdade. A ordem importa a justa concordancia e equilibrio entre os direitos individuaes e sociaes, e as obrigações que lhe são correlativas.

O paiz quer essa ordem; deseja que as questões economicas e sociaes, as que representam os seus interesses reaes, immediatos e palpaveis, sejam tratadas de preferencia ás questões exclusivas de politica partidaria; quer que os seus parlamentos sejam verdadeiramente a sua representação.

Se não póde desejar uns corpos legislativos inventados pelo grande imperador, que votavam sem discutir; não póde ver com bons olhos que um obstruccionismo faccioso impeça o regular andamento dos trabalhos parlamentares.

O paiz, digâmol-o claramente, nem é bem regenerador, nem é bem progressista, as duas grandes aggremiações partidarias que se debatem na politica portugueza.

Os partidos têem-se isolado d'elle um pouco, consequencia da sua historia e da sua organisação politica.

Os seus parlamentos eram apenas a sua representação legal, mas ficticia; não correspondiam aos elementos que o constituiam. A politica pela politica não o interessava já, quando elle via que as conquistas do progresso e as exigencias d'essa politica um tanto egoista e accommodaticia, importavam imposições e sacrificios incomportaveis com as suas circumstancias economicas e financeiras.

Os vicios politicos de que se achava affectada a nossa sociedade, resultantes de causas e erros que de longe vinham, reflectiam-se na representação nacional.

As luctas que por vezes se levantavam no campo eleitoral não significavam a manifestação de um esforço para vingar a realisação de uma idéa.

Eram ordinariamente um desafogo de odios partidarios, um embate de pequenos interesses politicos, uma questão de ambições, um pleito de supremacia local. Não as inspirava nem alentava um pensamento grandioso, o justo desejo de fazer vingar um principio que constituia o lemma da bandeira que hasteava a aggremiação partidaria por que pugnava o eleitor.

Como não havia interesses de ordem superior a pleitear,

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como não era a espontaneidade que o impulcionava á lucta, no cumprimento de um dever civico, mas apenas uma complacencia ou um interesse individual, quantas vezes a urna se não tornou um bazar de consciencias, e o suffragio uma mercancia de torpissima corrupção!

É por isso que o paiz não se agitou diante da nova reforma, que tão profundamente vinha alterar o seu systema eleitoral. Não só não se agitou, nem com a reforma nem com o processo por que foi decretada, mas até acolheu, se não com enthusiasmos incompativeis com o seu temperamento e com o estado do seu espirito, ao menos como uma esperança que punha na tentativa que o governo emprehendia no louvavel intuito de levantar o prestigio do parlamento.

Vejâmos em rapido escorço os meios com que, pela reforma eleitoral se pretendeu alcançar aquelle fim.

As mais importantes alterações que accusa aquella reforma são: modificação na base do recenseamento eleitoral, constituição da entidade encarregada do recenseamento e processo para se effectuar, organisação da camara electiva, limitando o numero dos deputados, augmentando as incompatibilidades, acabando com a representação das minorias e a eleição por accumulação.

É a eleição a base fundamental do systema representativo. É o suffragio o unico meio do cidadão se fazer representar e de influir na administração do paiz. O direito de eleger é, portanto, o mais importante dos direitos politicos.

A quem deve ser concedido? A todos os cidadãos, porque todos têem iguaes direitos a interferir na representação nacional, e iguaes interesses na boa administração publica, ou só áquelles que tenham a necessaria capacidade para escolher com discernimento e com independencia os seus representantes?

Divergem as escolas e diversificam os systemas; um e outro têem adeptos e defensores; um e outro estão adoptados em diversos paizes.

É consequencia do primeiro systema, o suffragio universal não na sua concepção abstracta, que é irrealisavel, e que em nenhuma nação se adoptou, mas o voto na sua maior largueza, sem limites derivados das condições de fortuna, de illustração ou de independencia social.

O outro systema exige essas condições e restringe, portanto, o direito de votar aos que possuem a capacidade precisa, avaliada pelos requisitos que a lei prescreve.

Olhada a questão no campo da theoria, parece que o primeiro systema, fundado nos principios da democracia mais radical, corresponde melhor á natureza do systema representativo; é mais consentaneo com o principio da igualdade, mais harmonico com a idéa da soberania nacional.

A vossa commissão pensa diversamente.

Se todo o cidadão tivesse a illustração precisa e a independencia necessaria que lhe d'esse a nitida comprehensão dos seus elevados direitos e dos seus deveres civicos, seria para acceitar a doutrina do grande poeta de França, Victor Hugo, que dizia, depois da proclamação ali da monarchia constitucional, que a base do systema eleitoral se devia reduzir á simples formula: todo o cidadão é eleitor, todo o eleitor é elegivel.

Na apreciação dos direitos politicos, e especialmente dos direitos eleitoraes, não são os poetas os melhores guias, nem as theorias abstractas a melhor solução.

A politica, como todos as sciencias sociologicas, deve ser essencialmente positiva e experimental.

Os que querem o suffragio universal, sem attender ás condições do povo a que se pretende applical-o, consideram-n'o falsamente como um direito natural; assim o reputava J. J. Rousseau, que nas suas illusões humanitarias lançou as bases d'aquella doutrina.

«A igualdade, diz E. Regnaut; é a base fundamental do edificio social; a soberania do povo não é outra cousa.»

Pois bem, o voto universal não representa essa igualdade, porque ella deve dar-se entre os que estão nas mesmas condições; conceder iguaes direitos aos que estão em circumstancias diversas, é ferir esse principio, é estabelecer uma injustiça.

A igualdade absoluta entre todos os homens é uma theoria que só póde admittir-se nas concepções religiosas. A igualdade civil mesmo é cousa differente da igualdade politica.

Conferir igualmente a todos os cidadãos, quaesquer que sejam as condições da sua intelligencia, da sua fortuna e da sua independencia, o mesmo direito politico é estabelecer a soberania do numero, que é a soberania da força.

O suffragio deve ser sincero e independente; deve ser apanagio exclusivo da consciencia.

E como póde ser sincero e consciencioso nos que n8ò tiverem pela illustração e pela dignidade a noção clara dos direitos da patria e dos deveres de cidadãos?

Como póde ser independente, n'aquelle a quem escasseiam completamente os meios e está naturalmente mais sujeito ás influencias dos poderosos?

Que interesse póde ter na boa escolha dos representantes do paiz e na sua boa administração, quem não concorre directamente para as despezas publicas?

N'esta questão da concessão do direito de votar, questão da maxima importancia, porque é n'ella que assenta a base do systema eleitoral, é mister attender ás condições historicas e ás circumstancias especiaes do paiz. Nem alargar o suffragio de modo a abranger uma massa inconsciente, sem illustração nem independencia, nem restringil-o a ponto de que seja apenas privilegio de poucos, constituindo, por assim dizer, uma oligarchia politica.

A extensão do voto quasi nunca corresponde a uma conquista de liberdade. O suffragio universal em França tanto serviu a republica em 1848, como o imperio que lhe succedeu; tanto convinha aos realistas da extrema direita da camara de 1816, que o defenderam com o maior calor, como antes tinha merecido os applausos dos exaltados que o introduziram na constituição de 1793:

A Inglaterra depois de 1832 alargou o suffragio; veiu d'ahi um acrescimo na corrupção eleitoral, o que fez dizer a Erskine May; «quanto maior foi o numero de votos creados, maior foi o numero de votos comprados». Em 1867 ainda mais estendeu o direito de votar; novo campo se abriu á corrupção eleitoral, a que a lei de 18 de julho de 1872 quiz dar um correctivo nas precauções que tomou para salvaguardar o segredo do voto é a sinceridade da eleição.

Nos Estados Unidos da America apesar das condições excepcionaes d'aquelle grande povo, o suffragio universal dá-nos tristes exemplos da corrupção e depressão eleitoral. «Os representantes da auctoridade, escreve C. Jannet, interferem violentamente nas eleições... A mesma pressão administrativa é constantemente empregada nas eleições do estado pelos governadores e funccionarios municipaes.»

Entre nós a lei de 18 de maio de 1878, concedendo o voto aos chefes de familia e aos cidadãos que souberem ler e escrever, quasi que estabeleceu o suffragio universal.

Os resultados d'esta alteração tão importante no nosso systema eleitoral, não vieram abonar as excellencias d'aquella reforma.

Os parlamentos que se seguiram, eleitos pelo novo systema, não se elevaram no seu prestigio, nem representaram melhor as justas aspirações do paiz.

Pelo contrario, desde então a indisciplina parece que assentou os seus arraiaes no seio da chamada representação nacional, e os conflictos e o obstruccionismo parlamentar augmentaram por um modo nada lisonjeiro para o sys-

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tema. Os accordos e as transacções vieram muitas vezes pôr-lhes termo, o que era por certo, alem de pouco edificante, um triste symptoma de que um vicio inquinava na sua origem a fonte de onde o systema promanava.

Dá-se ainda uma coincidencia, que não será, talvez, casual; foi desde que se alargou o suffragio, o que parecia uma conquista liberal e um progresso no nosso machinismo politico, que mais vezes os governos se viram na lamentavel, necessidade de se desviarem do recto caminho que marca a constituição do estado.

Seja mera coincidencia ou seja esse facto uma resultante da nossa má orientação constitucional, dos nossos costumes e dos vicios que affectam e maculam a organisação politica da nossa sociedade; o que é certo, porém, é que cumpre, como um dos remedios a lançar mão, modificar o que a experiencia demonstrou que não produziu bons resultados.

É por isso que a opinião imparcial do paiz reclamava que se restringisse novamente o direito de votar.

Justifica-se a categoria de eleitor pelo facto de saber ler e escrever, condição que se deveria exigir a todos para se lhes conceder aquelle direito. Desde que o voto deve ser secreto, como um dos elementos da sua independencia, a condição de saber ler e escrever deveria ser essencial. A circumstancia de chefe de familia, e principalmente na extensão que se lhe dava para a inscripção no recenseamento, não era realmente, nas condições do nosso paiz, rasão que justificasse a concessão d'aquelle direito.

Voltámos á exigencia de uma quota censitica para o recenseamento dos que são desprovidos de habilitações litterarias. O pagamento de 500 réis de contribuições directas para o estado é condição para elles serem, recenseados segundo o decreto de 28 de marco de 1895, que estamos apreciando.

A muitos parecerá ainda pequena a quota exigida, porque, como dizia M. Forgeur por occasião de discutir a constituição belga «a melhor garantia a pedir aos eleitores é o pagamento de um censo que represente uma fortuna, uma posição social, a fim de que elles sejam interessados no bem estar e na prosperidade da sociedade». O restabelecimento de uma taxa censitica não só estava nas tradições da nossa legislação eleitoral, mas era reclamado pela opinião imparcial do paiz. E tanto assim era, que nem mesmo aquelles que com elle foram privados da regalia do voto, vieram reclamar contra o que poderiam julgar uma expoliação; não se verificando assim o que diz o auctor do livro Le suffrage universel, que todo o direito politico, concedido mesmo provisoriamente, parece aquelles que estão d'elles investidos, que o foi por titulo definitivo.

A maior parte das nações do velho e novo mundo exigem como condição para o eleitorado o pagamento de uma quota censitica, e entre outras podemos citar a Hespanha, a Noruega, os Paizes Baixos, a Suecia, e até nas republicas da America, a Bolivia, o Chili, S. Domingos, o Equador, o Haiti, etc.

A exigencia do censo tem ainda uma vantagem, servir de elemento para simplificar o recenseamento eleitoral, concorrendo por sua parte para evitar fraudes pelo arbitrio que tira na apreciação das condições para a inscripção dos eleitores.

Mas não bastava simplesmente restringir o suffragio, para dar ao corpo eleitoral mais independencia e mais illustração. Era mister modificar tambem o systema do recenseamento eleitoral, tornando-o menos sujeito a falsificações pela sua simplicidade, e mais livre de acção partidaria pela fórma da sua organisação.

As commissões de recenseamento politico, a quem a lei attribuia a importante funcção de reconhecer e garantir os direitos de eleitor e elegivel, tinham incorrido n'um certo descredito pelos factos que a cada passo se davam nas viciações, nas fraudes, nas injustiças, que nem sempre os tribunaes de recurso podiam corrigir.

O principio a que obedecia a organisação d'aquellas entidades, a qualidade dos eleitores, a fórma da sua eleição e da sua constituição, parecia que devia dar a todos garantias bastantes para assegurar o direito de cada um. Não acontecia, porém, assim.

A experiencia de muitos annos estava condemnando na sua organisação e no seu modo de funccionar aquellas commissões, que eram o primeiro elemento de uma politica partidaria, facciosa e por vezes violenta.

O intuito de aperfeiçoar o nosso systema representativo, principiando pela sua base fundamental, a eleição, procurando garantir a genuidade do voto e a pureza das operações eleitoraes, impunha como primeira necessidade alterar a base do recenseamento.

A nova organisação das commissões recenseadoras, já pelo modo da sua constituição, já pelas restrictas funcções que lhe são conferidas, dá mais seguras garantias de regularidade e de seriedade na inscripção no recenseamento. Constituidas por representantes da auctoridade judicial, das camaras e das commissões districtaes, são naturalmente mais independentes da acção partidaria.

Alem d'isso as suas funcções são quasi adstrictas á recepção das petições dos que requerem a sua inscripção, a vigiar a transcripção dos que estão mencionados nas respectivas matrizes, a organisar as listas que devem ser a base do recenseamento e authentical-as para as enviar ao juiz de direito. A este cumpre a parte mais importante no recenseamento eleitoral. É elle que manda publicar a lista dos apurados para o recenseamento; que aprecia o modo orno procedeu a commissão recenseadora; que julga as reclamações que se apresentarem contra as omissões ou indevida inscripção.

Esta intervenção immediata e directa do poder judicial no acto mais importante na vida politica de um paiz constitucional, talvez a alguns pareça inconveniente, por envolver em questões, que tanto interessam aos partidos, aquella magistratura, que deve estar acima de todas as suspeições. Pois é por isso mesmo; é pelas condições de imparcialidade e pelo afastamento das luctas da politica local, em que se têem mantido geralmente os membros d'aquelle poder, que se julgou acertado confiar-lhes aquella attribuição para garantia de todos.

E de mais, já a legislação anterior dava ao poder judicial o julgamento dos recursos em materia de recenseamento eleitoral.

Não foi, portanto, uma innovação que se fez, nem mesmo um afastamento do que sobre este assumpto se acha estatuido n'outros paizes.

Na Italia, por exemplo, a formação do recenseamento competia á junta municipal presidida pelo syndico ou maire, e os recursos subiam desde uma commissão composta do prefeito, do presidente do tribunal e de tres conselheiros provinciaes, até aos tribunaes superiores de justiça.

Em Hespanha, quer pela lei de 28 de outubro de 1878, quer pela de 26 de junho de 1890, que a alterou, são importantes as funcções do poder judicial na confecção e julgamento do recenseamento eleitoral.

Pelo decreto de 28 de março, que alterou a nossa legislação eleitoral, dá-se ainda uma circumstancia que põe mais a coberto de fraudes e de adulterações a organisação do recenseamento. É a simplificação dos elementos que constituem a capacidade eleitoral. Só são eleitores os que souberem ler e escrever, e que reclamem o seu direito por um modo authentico, ou os que pagarem a quota censitica estabelecida na lei. É sobre documentos que se baseia a inscripção no recenseamento; as simples informações não dão direito para isso. Fica assim fechada uma porta, por onde podia entrar a fraude, e o favoritismo politico a macular a pureza e genuidade do recenseamento.

A reforma que estamos apreciando não se limitou a mo-

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dificar tão sensivelmente a base do systema eleitoral, restringindo o numero dos votantes e alterando o processo do recenseamento. Foi mais alem, e entrou na organisação da camara dos deputados.

Principiou por diminuir o numero dos deputados, reduzindo-o de 170 a 120.

Essa reducção não era aconselhada pela economia, como foi o argumento principal que adduziu a reforma dictatorial operada peio decreto de 18 de março de 1869, é porque aquelle numero estava fóra de toda a proporção com a população do reino e do termo de comparação com as nações que gosam das instituições liberaes, como ainda acrescentava aquelle decreto.

Effectivamente emquanto a Italia elege um deputado por 57:000 habitantes, a Bélgica por 40:000, a Allemanha por 100:000, tendo o excedente a 50:000 o direito de eleger um deputado; a Hespanha um por 45:000, a Suecia um por 30:000, a Franca, pela ultima lei de 13 de fevereiro de 1889, elege um deputado por cada circumscripção de 100:000, e mais outro se ella exceder aquelle numero; os Paizes Baixos 1 por 45:000; os Estados Unidos 1 por 30:000; Portugal, segundo o recenseamento de 1890, dava 1 deputado por 35:780 habitantes, cifra redonda.

Peia reducção agora operada cada deputado representa approximadamente 45:100 habitantes.

Simplificados os elementos da capacidade eleitora], melhor garantido o processo para a sua verificação, e reduzido o numero dos deputados, seguia-se naturalmente tratar do modo da eleição.

Ou voltar ao systema do escrutinio de lista, com ou sem representação das minorias, ou adoptar a eleição por circulos uninominaes, ou ainda o systema mixto, que como ensaio se adoptou em 1884.

O governo, no seu louvavel intuito de levantar o prestigio parlamentar, garantindo a genuidade da eleição, libertando-a das influencias locaes, para a inspirarem os legitimos interesses dos partidos, que um novo systema reorganisaria e disciplinaria, entendeu dever decretar o do escrutinio de lista.

Contra elle se insurgiram na imprensa os, partidos opposicionistas, que quizeram ver no restabelecimento d'aquelle systema uma retrogradação no caminho das conquistas liberaes.

Esqueceram-se da nossa historia politica, que por largos annos acceitou aquelle regimen eleitoral, ao qual estavam vinculadas as responsabilidades do partido constitucional mais avançado, e cujas tradições invoca como titulo da sua fidalguia liberal o que hoje se apregoa herdeiro das suas glorias.

Repudiaram as opiniões bem manifestas de um dos seus actuaes estadistas e oradores mais distinctos, e pozeram de parte os exemplos de nações onde vigora o regimen democratico.

Já em 1822, quando o systema constitucional estava em toda a sua pureza, e os seus fautores, cheios de crenças vivas na regeneração da patria pelo novo regimen, não podiam ser accusados de se deixarem influenciar por interesses mesquinhos da politica partidaria, a lei de 11 de julho estabelecia grandes circumscripções para a eleição de deputados, cujo numero para cada divisão ia de tres a nove.

Até 1859, em que se decretaram os circulos uninominaes, as diversas reformas eleitoraes mantiveram o escrutinio de lista, que serviu tanto ao partido mais avançado, que decretou a reforma de 8 de outubro de 1830, referendada por Passos Manuel, como ao mais conservador que promulgou o decreto de 5 de março de 1842, referendado por Costa Cabral, e que estabelecia até circulos de 29 deputados, abrangendo tres districtos.

Passou por variadas transformações o nosso systema eleitoral; a eleição directa substituiu a indirecta; estabeleceram-se as commissões recenseadoras já com representação das minorias; decretaram-se outras providencias para garantir a liberdade da urna, e salvaguardar a pureza da eleição; mas o escrutinio de lista continuou a vigorar ainda por muitos annos, até que a lei de 23 de novembro de 1859 apresentou pela primeira vez os circulos unipessoaes.

Mas essa tradição politica tinha boas rasões a justifical-a e bons exemplos com que se podesse abonar o restabelecimento d'aquelle systema.

Não era, portanto, motivo para apodar a reforma de intuitos menos liberaes, tendo por mira excluir da representação nacional os que não commungassem na politica governamental.

Contra essa accusação, fundada na adopção do escrutinio de lista, protesta Gambetta com as suas idéas bem avançadas e com o seu discurso pronunciado na camara franceza, em 18 de março de 1881; protesta Girardin, que em 1850 combatia a representação local, influenciada pelos interesses e caprichos do circulo, muitas vezes oppostos aos interesses geraes do paiz; protesta a França democratica nas suas diversas leis e ainda na de 16 de junho de 1885; protestaram os operarios republicanos progressistas da 17.ª circumscripção, que representaram em março de 1885 ás camaras, pedindo o restabelecimento do escrutinio de lista, porque era para todos os operarios francezes um verdadeiro acto de libertação politica. «Sem duvida, acrescentavam elles, em direito, a liberdade eleitoral dos que trabalham é completa, como é a de todos os seus concidadãos: de facto, o exercicio d'ella é singularmente cerceado pela estreiteza das circumscripções actuaes, que comprimem os operarios sob a influencia dos omnipotentes. Mas ainda uma rasão superior faz com que os operarios desejem o escrutinio de lista; desejam-no, porque vêem n'elle um instrumento de pacificação social».

Contra essa accusação podem ainda protestar dois dos mais distinctos membros d'esta camara, como estadistas e oradores, que sustentaram, em nome dos principios liberaes e das conveniencias da organisação partidaria, o systema do escrutinio de lista. Um d'elles dizia n'um jornal da sua direcção politica:

«As nossas liberdades estão largamente distribuidas e profundamente arreigadas.

«Necessidade urgente é cuidar da manutenção d'essas liberdades, de que só um verdadeiro governo, um governo que governe, póde ser fiador e guarda. Governar é ter força de auctoridade, força que só a opinião publica lhe póde outorgar, manifestada no voto dos seus genuinos representantes. Governar é ter a plenitude das responsabilidades, e, para isso, é preciso ter a plenitude das faculdades.

«Governar é saber que, quando o parlamento lhe dá o seu voto, esse voto é uma affirmação solemne de confiança, um veridictum de justiça, e não uma condescendencia de compadrio, que nos corredores se lastima, ou um pagamento de obsequios, que se esconde como um segredo, mas punge como um remorso.

«O actual parlamentarismo, nos paizes onde rege o systema dos circulos uninominaes, está sendo estudado como doença, a que é preciso achar remedio.»

Mas o governo, restaurando no decreto de 28 de março do anno passado o escrutinio de lista, não teve sómente, como instigadores, a tradição do paiz, os exemplos de estrangeiros e a opinião auctorisada de nacionaes.

Tinha boas rasões que, só por si, ou apreciadas absolutamente, ou com relação ás condições do paiz, o justificavam cabalmente da sua resolução.

Desejando a regeneração politica do paiz, e, com ella, a sua regeneração economica e financeira, e vendo que para isso era mister modificar a organisação constitucio-

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nal do parlamento, julgou que entre as causas que affectavam o seu funccionamento regular e perfeitamente independente era o modo da eleição.

Nos circulos pequenos, onde se gladiam as paixões, e se põem em confronto e em evidencia as influencias pessoaes; onde se esquecem os grandes interesses do paiz, para só se attender ás conveniencias que lhe são particulares, é que se exercem com mais intensidade, quer as influencias da auctoridade, quer as influencias dos poderosos.

Umas e outras, pesando na consciencia do eleitor, tiram-lhe a independencia e a sinceridade do voto; fazem com que elle, em vez de considerar o suffragio como um dever civico, o repute materia para uma mercancia torpe. Se o deixam entregue ás suas proprias inspirações abandona a urna, e a eleição é apenas uma formalidade, que as actas ficticiamente descrevem; se as influencias locaes na pugna de interesses, de ambições ou rivalidades o arrastam á eleição, elle vae só para bem merecer a paga que no dia seguinte exige em troca do voto que interesseiramente, sem sciencia, nem consciencia foi depositar na urna poluida.

D'ahi uma mutua dependencia entre o eleito e o eleitor; entre o governo e o deputado.

Na discussão da lei franceza de 1885 dizia um orador:

«As influencias individuaes, quer sejam de um preponderante, quer sejam de um agente da auctoridade, perdidas na largueza do circulo e envolvidas no mysterio salutar do segredo do voto perdem na intensidade o que perdem na responsabilidade directa de conseguir vencimento.»

As violencias, as pressões, a corrupção eleitoral são tanto maiores quanto mais circumscripto é o campo em que a lucta se debate. As influencias locaes, que sustentam e animam essas pugnas estereis para os verdadeiros interesses do paiz, diluindo-se na grandeza da circumscripção eleitoral, perdem o seu maior valor, a sua efficacia e o estimulo que as agrilhoava.

Essas influencias quando legitimas não se aniquilam com o escrutinio da lista; diminuindo-lhes a sua preponderancia isolada, que muitas vezes se impõe aos partidos em detrimento das conveniencias publicas, são forçadas assim a acceitar disciplinadas a orientação politica, que deve guiar as aggremiações partidarias, para terem força e independencia quando a rotação constitucional as chamar á governação publica.

Os partidos devem tirar da sua propria organisação os elementos de vida e de acção energica para que possam governar desafogadamente, quando a sua vez lhe chegar, sem complacencias e sem favores de ninguem.

Dizia Zanardelli, o illustrado relator da lei eleitoral italiana:

«O collegio provincial constitue, por assim dizer, um organismo vivente em que o pensamento se fórma com tanto maior relevo, quanto mais complexos são os elementos que o compõe. A circumscripção corresponde a uma entidade, á qual se não insufla vida, sómente para o fim eleitoral, mas que tem funcções a exercer em cada dia nos actos infinitos da vida civil; por isso não se corre o risco de quebrar affinidades naturaes para as crear imaginarias.»

Para os que combatem o circulo uninominal vêem n'elle uma quebra da unidade não só politica, mas até de interesses mais geraes de ordem nacional.

Para elles as pequenas circumscripções eleitoraes são a desorganisação dos partidos; a perversão completa de todos os principios da escola politica; a fraqueza dos governos e dos parlamentos. A fraqueza dos governos, dizia um orador em 1884, porque em vez de se firmarem em collectividades de idéas e convicções iguaes, baseiam-se apenas em collectividades de interesses variaveis; são fraqueza dos parlamentos, que têem, ou podem ter muitas vezes seus votos enfeudados á satisfação das exigencias locaes.

Podem nos circulos mais largos terem mais facilmente cabida os homens que se salientam no meio do seu partido, que não encontram assim obstruidas as portas do parlamento pelas ambições locaes.

Por vezes durante o regimen da eleição exclusiva por circulos uninominaes viram-se os homens mais importantes, e até chefes de partido afastados da representação nacional, para terem n'ella ingresso os que não queriam sacrificar a sua vaidade aos interesses do partido, ou não tinham força para se fazerem substituir por aquelles.

Quanto maiores forem as circumscripções eleitoraes melhor se traduzirá na eleição o principio constitucional de que os deputados são representantes da nação, e não dos circules que os elegem.

Estas e outras rasões, eloquentemente expostas no relatorio que precedeu o decreto de 28 de março, levaram o governo a restabelecer o escrutinio de lista.

Mas concordando agora com a alteração n'esta parte feita na camara dos senhores deputados, que votou a eleição por circulos uninominaes, é accusado de transigente e contradictorio, por acceitar hoje o que hontem condemnou.

Não nos parece que tenham rasão as acres accusações por tal motivo formuladas contra o governo.

Entendeu elle que em vista da experiencia, que é a melhor pedra de toque para aquilatar a conveniencia de uma reforma qualquer, era justificada a nova tentativa do alargamento das circumscripções eleitoraes.

Queria ver se elle por sua parte poderia contribuir tambem para melhorar a situação dos partidos, e dar aos parlamentos a força, o prestigio e a nitida comprehensão dos seus mais elevados deveres, de que elles tanto careciam.

Os representantes directos do paiz, eleitos por aquelle systema, entenderam que elle o não queria; que o mal não estava no modo da eleição, mas n'outras causas, que não desappareciam depressa.

Em questões d'esta ordem não devem os governos ter idéas absolutas; a transigencia não é a abdicação dos principios da dignidade politica, nem a negação das idéas de governo.

É a contemporisação com a vontade do paiz, que cumpre respeitar aos governos que só n'ella desejam inspirar-se.

O governo não faz as leis para seu uso, mas para servir o paiz.

A França que tantas vezes apontâmos como exemplo para seguir, dá-nos n'este ponto uma prova de que não devem ser absolutas e intransigentes as idéas sobre o modo da eleição dos representantes do paiz.

Sem fallar de tempos mais afastados de nós, basta que citemos o que ali se tem dado nos ultimos cincoenta annos. Em 1848 estabeleceu é escrutinio de lista, que aboliu em 1852, para o restabelecer em 1871. Quatro annos depois, pela lei de 30 de novembro de 1875, voltou ao escrutinio individual, que substituiu pelo de lista na lei de 16 de junho de 1885, e revogou pela de 13 de fevereiro de 1889.

Sem embargo das rasões que determinaram o governo a preferir o escrutinio de lista ao systema da eleição uninominal, como uma nova tentativa a fazer no intuito de contribuir para melhorar o regimen eleitoral, e d'ahi o levantamento da instituição parlamentar, não é aquelle isento de defeitos, nem sobre a eleição uninominal pesava um anathema tão fulminante que não permittisse o seu restabelecimento.

O circulo uninominal é a mais simples e a mais directa representação dos interesses locaes e individuaes; é a expressão mais concisa e mais proxima da vontade do eleitor, que escolhe para o representar o que mais sympathias lhe merece, e mais confiança lhe inspira.

A somma d'esses interesses locaes quando não ultra-

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passem os limites das suas justas aspirações, póde constituir o interesse nacional, que deve ser a resultante, a accumulação das forças, dos elementos e dos interesses de cada collectividade.

Nem o governo, nem esta commissão condemna, nem podia condemnar as influencias locaes que tem por base o prestigio, a honradez de caracter, a generosidade de animo, os longos e desinteressados serviços prestados á sua terra e ao seu paiz.

Condemnâmos sómente aquellas que, levantadas no pedestal mesquinho do seu egoismo, e inspiradas apenas pela vaidade ou por pequenas ambições, não vêem senão o horisonte estreito que se descortina do cimo do seu campanario.

O horisonte mais largo do paiz esconde-se então por detraz do individualismo, cerrado por veleidades de um predominio ephemero, ou que é peior, aberto apenas para o interesse e engrandecimento pessoal.

Quando essas influencias, ligadas pelo vinculo de convicções partidarias, sáem fóra dos limites apertados do seu circulo, para alastrarem as raizes que alimentam e fecundam as grandes aggremiações politicas, são o seu primeiro e o mais solido fundamento.

As circumscripções eleitoraes mais largas demandam, para o aperfeiçoamento do regimen parlamentar, uma perfeita organisação partidaria, e uma educação politica que entre nós não existe ainda.

A experiencia veiu mostrar que era ainda cedo, e o governo, vendo que um partido importante se afastou da urna, e da vida parlamentar, tomando como pretexto o alargamento dos circulos, julgou mais conveniente annuir á vontade soberana dos representantes da nação, e voltar aos circulos unipessoaes.

Avisadamente procedeu, segundo o pensar d'esta commissão. Obedeceu ao que julgou ser a vontade do paiz ao desejo de que todos os partidos constitucionaes se mantivessem no caminho recto que conduz á governação publica.

Esta modificação operada no decreto de 28 de marco de 1895, não importou alteração nem na base do recenseamento politico, nem no numero dos deputados.

A reforma eleitoral de 1884 havia como ensaio introduzido o principia da representação das minorias, adoptando-o nos circulos plurinominaes, que estabeleceu nos circulos das capitães de districto. Era n'estes que com rasão se suppunha mais illustração e independencia no eleitor, e mais disciplina partidaria, condições a que attende aquelle principio.

A representação proporcional, a representação de todas as idéas e de todos os partidos que pela sua importancia numerica tenham direito a manifestar-se na assembléa nacional, é uma justa aspiração da philosophia politica, e um principio incontestavel no campo da sciencia do direito constitucional.

Desde ha muito que elle se debate na arena da discussão, procurando-se traduzil-o n'uma realidade em diversas nações.

De longe vem a idéa. e já S. Just na convenção franceza lançou d'ella os primeiros lineamentos. Andrae evangelisou-a na Dinamarca, que a adoptou em 1855.

Aos esforços de Thomás Have, secundado por Stuart Mill e lord Cairns se deveu na Inglaterra a promulgação da lei de 30 de julho de 1867, que estabeleceu a representação das minorias por meio da lista incompleta n'um numero muito limitado de circulos.

Na Italia, na Hespanha, em alguns estados da America tambem se ensaiou aquelle principio.

A tentativa em Portugal não foi coroada de feliz exito. O resultado não correspondeu ao elevado pensamento dos legisladores de 1884.

Como se fizeram as eleições nos circulos plurinominaes é um facto tão conhecido de todos, que é melhor calal-o n'este documento sujeito á vossa apreciação.

Acabou com a representação das minorias a reforma eleitoral decretada pelo governo; não a restabeleceu a outra casa do parlamento para os dois unicos circulos plurinominaes que conservou, Lisboa e Porto, e hão será esta commissão que vos aconselhe a restauração d'aquelle principio que, proposto em 1870 pelo ministerio Sá Vizeu, e adoptado restrictamente em 1884, não deixou de si as mais lisonjeiras recordações.

Da mesma fórma se procedeu para com as eleições por accumulação.

Se a triste experiencia condemnava entre nós a representação das minorias, tambem não justificava a eleição por accumulação de votos.

Debatida tinha sido no parlamento e na imprensa a questão do alargamento das incompatibilidades.

De longe já ella vinha.

No tempo de El-Rei D. João III, fizeram-na chegar ás côrtes os povos, que pediram se declarassem inelegiveis alguns officiaes de justiça e de fazenda.

Aquelle monarcha, para quem a historia nem sempre tem sido justa no apreciação do seu caracter, respondeu-lhes como um principe que tinha em muito a liberdade plena do povo na escolha dos seus representantes.

Disse-lhes que era sempre bom que os povos tivessem larga liberdade para eleger os seus procuradores, mas que tivessem igualmente tento, e só dessem seus votos a pessoa que merecesse a sua confiança.

De feito, parece á primeira vista que coarctar a liberdade na escolha dos representantes da nação, privar o eleitor de outorgar o seu mandato aquelle que merece a sua confiança, é querer impor uma tutela ao exercicio dos direitos politicos, e esmagar a livre manifestação da vontade nacional.

Decretar a inelegibilidade de um cidadão pelo facto d'elle exercer uma funcção publica; tornal-a incompativel com a funcção parlamentar, parecerá aos olhos de muitos que é lançar uma suspeição sobre o caracter do funccionario, negando-lhe a independencia do seu voto e a isenção nas suas resoluções.

N'um paiz onde não são de mais as grandes capacidades, nem sobra a boa vontade para o trabalho e para o estudo das questões, seria menos conveniente aos interesses publicos, e prejudiciai ao brilho do parlamento, vedar o ingresso ali aos que o podiam illustrar pela sua sciencia e conhecimento dos negocios publicos.

Mal irá a uma nação em que seja necessario cercar de precauções e cautelas a funcção parlamentar, impondo aos seus homens publicos incompatibilidades, que parecerão um triste symptoma de decadencia nacional.

Mas as cousas são o mesmo em toda a parte, e era mister entre nós que aos olhos da opinião publica o representante do paiz no exercicio da sua alta missão, fosse como a mulher de Cesar, que ninguem podesse suspeitar sequer da sua mais completa independencia, a mais integra isenção.

Já os romanos, esse povo que tanta admiração nos causa quando ao estudar a sua legislação e costumes encontrâmos principios que a philosophia e civilisação moderna tem sanccionado, diziam na lei 14 do codigo Adsessoribus: Negue enim facile credendum est, etiam duabus necessariis rebus unum sufficere.»

Na nossa legislação antiga e moderna encontrámos estabelecido o principio das incompatibilidades, e já o nosso padre Vieira, n'um notavel discurso, condemnava a accumulação de funcções.

Na moderna legislação de differentes nações se acha prescripto o principio das incompatibilidades e n'uma grande largueza.

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Para não nos dilatarmos em muitas citações, basta que apontemos a legislação da Italia e da Hespanha.

Ali, n'aquella primeira nação, a lei de 13 de maio de 1877 estatue em extensa escala as incompatibilidades parlamentares.

Pelo artigo 1.° d'essa lei não podem ser eleitos deputados os funccionarios e empregados que tiverem vencimento fixado no orçamento do estado, ou nos orçamentos do fundo para o cultos dos economatos geraes dos beneficios vagos, da lista civil, do grão-mestrado da ordem mauriciana, e das escolas de qualquer grau subsidiadas pelo estado. A lei de 22 de fevereiro de 1882 tornou extensiva a ineligibilidade aos ecclesiasticos com cura de almas, e aos membros dos cabidos.

Não são muitas as entidades que escapam ás apertadas malhas d'aquella rede de ineligibilidade.

Alem dos ministros, presidente e vogaes do conselho d'estado, do tribunal de cassação, e dos tribunaes de appellação, officiaes generaes, vogaes do conselho superior de instrucção publica, e professores ordinarios das reaes universidades, poucos mais funccionarios logram o direito da eligibilidade.

São para este considerados funccionarios e empregados do estado os que estão investidos nas funcções ou encargos temporarios de logares que oneram o orçamento do estado, ou os outros orçamentos mencionados.

Igualmente são ineligiveis os directores, administradores ou representantes de sociedades ou emprezas industriaes e commerciaes subsidiadas pelo estado, assim como os seus advogados e procuradores.

Os funccionarios e empregados que a ineligibilidade não abrange, estão sujeitos a restricção de numero, não podendo fazer parte da camara mais que 40, havendo sorteio no caso de excesso n'aquelle numero.

Durante o tempo de exercicio do mandato e até seis mezes depois, nenhum deputado poderá ser nomeado para logar retribuido, excepto para missão no estrangeiro.

Muito de proposito citámos as disposições da lei italiana, porque, como se vê, foram, em grande parte, fonte d'esta reforma eleitoral.

Na Hespanha as leis de 7 de março de 1880, 31 de julho de 1887, e 26 de junho de 1890, estabelecem tambem uma larga area de incompatibilidades e ineligibilidades que abrange o funccionalismo.

Como na Italia, e agora entre nós, não poderão entrar na camara dos deputados mais de 40 empregados publicos.

Se citâmos apenas a legislação d'estas duas nações, não é porque não encontremos na de outras expressamente estabelecido e largamente decretado o principio das incompatibilidades parlamentares.

Na Inglaterra são muitas; na França, quer na legislação antiga, como na moderna, ellas estão bem definidas. As leis de 2 de agosto e 30 de novembro de 1875, de 20 de novembro de 1883, 29 de dezembro de 1884, e outras, as prescrevem terminantemente; no Brazil na sua constituição de 1891; na Belgica na sua constituição de 1831, no seu codigo eleitoral de 1872, e em todas as nações mais ou menos largamente estão estabelecidas.

A nossa legislação, como é sabido, tambem não se esquecêra de as decretar.

Por vezes, e principalmente n'esta camara, se levantaram vozes, e se apresentaram pareceres a favor do seu alargamento. N'um d'estes se dizia: «Os poderes publicos, mais em evidencia agora, que nos dias de esperanças venturosas ou de promessas douradas, devem olhar por si, e retemperar-se, a quererem ganhar e manter a auctoridade que lhes é precisa. Entre as medidas urgentes e que devem ser salutares, póde e deve contar-se uma lei de incompatibilidades. Não vae n'ella todo o remedio preciso e urgente, bem sabemos, e talvez que uma reforma eleitoral, onde a lei que vamos propor podia caber, em parte ao menos, reforma que vise á possivel genuidade da representação nacional, nas condições em que é reclamada o precisa, que não permitta a sophismação do systema liberal, e, por desventura, alguma vez, a contradição das necessidades do paiz, esteja em breve urgentemente recommendada.»

O actual governo ouviu este parecer de 1892 e attendeu ás indicações que ali se faziam; inspirou-se nas reclamações do paiz, e no exemplo das nações cultas, e decretou largamente as incompatibilidades parlamentares.

Não mirou a interesses de partido; o seu decreto afastou do parlamento muitos dos seus amigos.

A obra iniciada no decreto n.° 3 de 29 de março de 1890, referendado por alguns d'estes ministros, completou-se com o decreto de 28 de marco de 1896.

Dissemos nós que a representação proporcional seria, à mais justa das aspirações do systema representativo; seria a sua expressão mais genuina e mais racional. Na impossibilidade, porém, de o conseguir cumpre aos que sinceramente desejam o seu aperfeiçoamento relativo, envidar esforços para que, pelo menos, as principaes classes tenham, no parlamento uma representação, tanto quanto possivel, proporcional.

Não podia n'ella predominar uma classe apenas, que não obstante a sua illustração, os seus serviços ao paiz, e a sua abnegação, ainda ha bem pouco provada em crise angustiosa, não constituia, só por si, o elemento mais potente das forças vivas do paiz.

Attribuiram-lhe culpas que oneravam a sua responsabilidade no estado pouco lisonjeiro das cousas publicas.

Era preciso que desapparecesse esse motivo de censuras, limitando a sua entrada na representação nacional.

Foi o que teve em vista a reforma eleitoral, não permittindo que podessem ser eleitos á camara dos deputados mais de quarenta empregados publicos, á similhança da Italia e da Hespanha, e concedendo vinte para as profissões liberaes, para medicos e advogados, reservou metade do numero dos representantes da nação para as classes que são a sua força mais vital, e constituem a sua grande maioria.

Algumas outras alterações importes se introduziram na reforma eleitoral.

Entre essas indicaremos a que tornou extensiva ao julgamento de todos os processos eleitoraes a disposição da lei de 1884 para os processos de eleições contestadas.

Não foi uma creação nova a do tribunal de verificação de poderes, foi apenas o alargamento das suas attribuições ao julgamento de todos os processos eleitoraes.

Não foi nova, nem sem exemplo n'outras nações para os processos em que havia reclamações que faziam suspeitar da sua legalidade.

A Hespanha estabeleceu-o com a denominação de tribunal do actos geraes, e a Inglaterra ia o tinha creado em 1868.

O que foi novo, e bem recebido pela opinião, foi o entregar-lhe, o julgamento de todas as eleições.

Este tribunal não só pela qualidade dos juizes, mas pela sua organisação, que lhe tira o caracter de permanencia, está acima de todas as suspeições.

A junta preparatoria, ou a camara dos deputados que anteriormente a 1884 julgavam todas as eleições, eram assembléas onde sempre, mais ou menos, influia a politica partidaria. Não tinham, portanto, a presumpção de imparcialidade e rectidão, que deve ser o apanagio de todos os tribunaes.

Alem d'isso a demora nas discussões, por vezes apaixonadas, roubava tempo e procrastinava a constituição d'aquella camara.

Modificado assim o regimen eleitoral, julgou o governo que tinha por sua parte contribuido para melhorar as condições da nossa vida politica.

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Não se alteram rapidamente as circunstancias em que se encontra um paiz, que por largo espaço deixou correr ao abandono a sua educação politica, adulterando com praticas nocivas a pureza das instituições, e acceitando, sem reparo muitas vezes, a inversão dos principios, a preterição das formulas e a corrupção dos costumes politicos.

Lavrava fundo esse mal no seio da sociedade portugueza; e se esta reforma tinha por intuito, segundo o louvavel pensamento do governo, atacar esse mal, ainda é cedo para que se conheçam os seus salutares effeitos.

É necessario pouco a pouco e com outras providencias, sómente inspiradas na idéa da justiça e de bem servir o paiz, ir transformando o meio em que vivemos; luctar para vencer os embaraços que impedem a reivindicação do direito e a consolidação do verdadeiro systema constitucional.

O governo fez o que se lhe antolhou melhor; mas como o seu unico fim era aperfeiçoar o systema, não duvidou acceitar o que a camara electiva indicou como carecendo de modificação.

A mais importante das alterações feitas n'aquella camara ao decreto de 28 de março, foi aquella a que já nos referimos; a substituição da eleição por escrutinio de lista pela eleição por circulos de um só deputado, á excepção de Lisboa e Porto.

No que respeita á capacidade eleitoral e numero de deputados, mantiveram-se as disposições primitivas.

Com relação á inelegibilidade absoluta ou relativa esclareceram-se alguns dos casos, tornando-se mais precisas as disposições com relação aos empregados administrativos e aos dos corpos administrativos.

No que toca a incompatibilidades apenas d'ellas se exceptuaram os officiaes superiores do exercito.

Pela exposição que fizemos da legislação italiana e hespanhola sobre este assumpto, vê-se que por ella pautou o governo a designação dos que ficavam abrangidos sob o dominio das incompatibilidades.

A natureza das funcções que elles exercem, explica cabalmente o motivo d'aquella inclusão.

De somenos importancia foram as outras modificações feitas á reforma, quer pela commissão especial da outra camara no seu parecer, quer pela propria camara durante a discussão.

Estas limitaram-se apenas a impor ao escrivão do processo do recenseamento a obrigação de passar recibo dos documentos que qualquer cidadão lhe entregue, attinentes ao recenseamento eleitoral; a eliminar o § unico do artigo 137.° do projecto da commissão e o § 5.° do artigo 59.°, acrescentando ao § 4.° deste artigo, depois das palavras «força armada» estas «com excepção dos militares recenseados», e a mudar a séde do circulo 55 da Figueira de Castello Rodrigo para Villa Nova de Foscoa.

Pelo que respeita á divisão dos circulos eleitoraes attendeu a commissão da outra casa do parlamento ás indicações que lhe foram fornecidas, ás condições topographicas do paiz, ás affinidades e ás tradições, mantendo sempre a unidade administrativa.

Pelo conhecimento que a vossa commissão tem de todos esses elementos, parece-lhe que avisadamente andou aquella commissão, de accordo com o governo, na divisão eleitoral.

Não podia esta obedecer a um completo rigor na igualdade do territorio e da população, porque impossivel era traçar com um compasso no mappa a uniformidade na superficie, e collocar á vontade em cada circulo o mesmo numero de fogos, de habitantes ou de eleitores.

É já tempo de pormos termo ao exame que detidamente fizemos das disposições d'este projecto de lei.

É convicção nossa, que com esta reforma eleitoral se prestou um importantissimo serviço ao regimen constitucional.

É por isso que, analisando a nossa tarefa, vos aconselhâmos a que approveis este projecto de lei, para ser apresentado á consideração do chefe do estado.

Sala das sessões da commissão especial, 2 de maio de 1896. = A. de Serpa Pimentel = A. A. de Moraes Carvalho = José Baptista de Andrade = Francisco Joaquim da Costa e Silva = José Maria dos Santos = A. Emilio C. de Sá Brandão = Jeronymo da Cunha Pimentel, relator.

Projecto de lei n.° 87

CAPITULO I

Dos eleitores

Artigo 1.° São eleitores de cargos politicos e administrativos todos os cidadãos portuguezes, maiores de vinte e um annos e domiciliados em territorio nacional, em quem concorra alguma das seguintes circumstancias:

1.° Ser collectados em quantia não inferior a 500 réis de uma ou mais contribuições directas do estado;

2.° Saber ler e escrever.

Art. 2.° Não podem ser eleitores:

1.° Os interdictos, por sentença, da administração de sua pessoa ou de seus bens, e os fallidos não rehabilitados;

2.° Os indiciados por despacho de pronuncia com transito em julgado e os incapazes de eleger para funcções publicas, por effeito de sentença penal condemnatoria;

3.° Os condemnados por vadios ou por delicto equiparado, durante os cinco annos immediatos á condemnação;

4.° Os indigentes ou que não tiverem meios de vida conhecidos; e os que se entregarem á mendicidade, ou que para a sua subsistencia receberem algum subsidio da beneficencia publica ou particular;

5.° Os creados de galão branco da casa real, e os creados de servir, considerando-se como taes os individuos obrigados a serviço domestico na fórma definida pelo codigo civil;

6.° As praças de pret do exercito e da armada, e os assalariados dos estabelecimentos fabris do estado.

CAPITULO II

Dos deputados

Art. 3.° Todos os que têem capacidade para ser eleitores são habeis para ser eleitos deputados, sem condição de domicilio ou residencia.

Art. 4.° São absolutamente inelegiveis para o logar de deputado:

1.° Os estrangeiros naturalisados;

2.° Os membros da camara dos pares;

3.° Os que, nos termos do artigo 7.° do primeiro acto addicional á carta constitucional, não forem habilitados com um curso de instrucção superior, secundaria, especial ou profissional, ou que não tiverem de renda liquida animal 400$000 réis, provenientes de bens de raiz, capitães, commercio, industria ou emprego inamovivel;

4.° Os que servirem logares nos conselhos administrativos, gerentes ou fiscaes de emprezas ou sociedades constituidas por contrato ou concessão especial do estado, ou que d'este hajam privilegio, não conferido por lei generica, subsidio ou garantia de rendimento, salvo os que, pôr delegação do governo, representarem n'ellas os interesses do estado;

5.° Os que forem concessionarios, arrematantes ou empreiteiros de obras publicas;

6.° Os empregados da casa real em effectivo serviço;

7.° Os auditores administrativos, os secretarios geraes e mais empregados das secretarias dos governos civis, os funccionarios de policia e os empregados das administrações dos concelhos ou bairros;

8.° Os empregados das repartições de fazenda, dos dis-

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trictos e dos concelhos ou bairros, e os empregados do quadro do serviço interno das alfandegas;

9.° Os empregados das provincias ultramarinas, os do corpo diplomatico ou consular em serviço no estrangeiro, e os dos serviços das camaras legislativas.

Art. 5.° São respectivamente inelegiveis e não podem ser votados para deputados nas divisões territoriaes a que respeitar o exercido das suas funcções:

1.° Os magistrados administrativos, judiciaes e do ministerio publico;

2.° As auctoridades militares;

3.° Os empregados dos corpos administrativos;

4.° Os empregados fiscaes e de justiça;

5.° Os empregados dos serviços technicos dependentes do ministerio das obras publicas.

§ 1.° A inelegibilidade prevista n'este artigo subsiste ainda durante sessenta dias, depois que, por qualquer motivo, o funccionario deixou de servir o cargo na sua circumscripção.

§ 2.° A mesma inelegibilidade abrange os substitutos e interinos, que exerçam o cargo em todo ou em parte do tempo decorrido desde a publicação do diploma, que designar o dia da eleição, até á conclusão das operações eleitoraes.

§ 3.° A inelegibilidade prevista n'este artigo não affecta os funccionarios cuja jurisdicção abrange todo o continente do reino e ilhas adjacentes ou tambem as provincias ultramarinas.

Art. 6.° São inelegiveis pelos circulos das provincias ultramarinas os cidadãos designados nos artigos 8.° e 9.°

Art. 7.° O exercicio do cargo de deputado é incompativel:

1.° Com o exercicio do logar de juiz de direito de l.ª instancia;

2.° Com a effectividade ou qualquer commissão de serviço dos officiaes do exercito ou da armada, excepto os officiaes generaes e os officiaes superiores;

3.° Com o exercicio do logar de secretario geral, director ou administrador geral, ou director de serviços de qualquer ministerio;

4.° Com o exercicio do logar de chefe de repartição de contabilidade dos ministerios ou de chefe de repartição ou secção, independentes das direcções, nos mesmos ministerios;

5.° Com os logares de governador civil e de administrador de concelho ou bairro;

6.° Com os logares de procurador regio perante as relações, seus ajudantes, delegados e sub-delegados e com o logar de juiz municipal.

§ 1.° Os magistrados, officiaes e empregados a que se referem as incompatibilidades dos n.ºs 1.°, 2.°, 3.° e 4.°, pelo facto de prestarem juramento como deputados, deixara de exercer os seus cargos durante a legislatura, não percebendo, no mesmo periodo, ordenado, soldo de patente, ou vencimento algum relativo ao cargo incompativel, contando-se-lhes como tempo de serviço para todos os effeitos, excepto o de tirocinios para promoção aos officiaes do exercito e da armada, o tempo da legislatura e o mais que decorrer até serem collocados na effectividade de serviço ou nas commissões legaes respectivas.

§ 2.° Os funccionarios mencionados nos n.ºs 5.° e 6.°, logo que prestem juramento como deputados, deixam vago o cargo que estavam exercendo.

§ 3.° O presidente da camara, logo que prestem juramento os deputados a que se refere o presente artigo, participará o facto aos ministerios competentes, e os chefes das repartições de contabilidade serão responsaveis por qualquer abono que auctorisem em favor dos mesmos deputados e que lhes não seja devido em virtude das disposições d'este artigo.

Art. 8.° Os magistrados e funccionarios do estado, tanto civis como militares ou ecclesiasticos, os empregados dos corpos administrativos e os de corporações ou estabelecimentos administrativos subsidiados peio estado, eleitos para o logar de deputado, não poderão funccionar na camara em numero superior a quarenta; os ministros d'estado não serão comprehendidos n'este numero, durante a legislatura para que forem eleitos, ainda mesmo depois de exonerados, e não lhes são n'essa legislatura applicaveis as disposições do artigo 7.°

§ unico. Não são comprehendidos na disposição d'este artigo os funccionarios aposentados, jubilados ou reformados.

Art. 9.° Os medicos e advogados eleitos para o logar de deputado não poderão funccionar na camara em numero superior a vinte, no qual se não comprehendem os que forem ministros d'estado ao tempo da eleição, por todo o periodo da legislatura, ainda mesmo depois de exonerados.

§ unico. Os medicos e advogados, que com a sua pró fissão exerçam simultaneamente funcção ou emprego mencionado no artigo antecedente, serão computados no numero fixado pelo presente artigo.

Art. 10.° Para os effeitos dos artigos 7.°, 8.° e 9.°, os governadores civis dos districtos, depois da proclamação dos deputados na assembléa de apuramento, participarão ao governo os empregos ou profissões dos mesmos deputados, instruindo as participações relativas aos medicos e advogados com as certidões que poderem obter e por onde se mostre que nos ultimos dois annos foram collectados em contribuição industrial pelo exercicio d'estas profissões.

§ unico. As informações mencionadas n'este artigo, conjunctamente com outras que o governo possuir, serão por este communicadas á camara dos deputados.

Art. 11.° Julgados definitivamente todos os processos eleitoraes do continente do reino e das ilhas adjacentes, e independentemente das eleições supplementares a que por virtude do julgamento haja de proceder-se, a mesa provisoria da camara organisará uma relação de todos os deputados na situação prevista pelo artigo 8.°, e outra de todos os mencionados no artigo 9.°, publicando-as na folha official, e, dentro de tres dias desde a publicação, poderão os deputados reclamar contra qualquer indevida inscripção ou omissão nas mesmas listas ou contra a elegibilidade de algum dos deputados eleitos n'ellas comprehendidos, sendo as reclamações decididas pela junta preparatoria em igual praso.

§ 1.° Quando os deputados a que respeitam as mesmas listas excederem o numero respectivamente fixado nos artigos 8.° e 9.°, a mesa, em sessão publica da junta preparatoria, procederá a sorteio dos deputados de cada lista para designação dos que até o numero legal poderão funccionar, e serão annulladas pela junta ou pela camara, depois de constituida, as eleições dos deputados não sorteados, excedentes ao mesmo numero, excepto se forem empregados e dentro de oito dias desde a data do sorteio renunciarem o seu emprego.

§ 2.° Tomará assento na camara o funccionario civil, militar ou ecclesiastico, o medico ou advogado, que for eleito em eleição supplementar, quando não esteja preenchido o numero respectivamente fixado pelos artigos 8.° e 9.°, aliás será pela camara annullada a sua eleição, salvo o disposto na parte final do paragrapho antecedente.

Art. 12.° Perde o logar de deputado:

1.° O que acceitar do governo titulo, graça ou condecoração que lhe não pertença por lei;

2.° O que tomar assento na camara dos pares;

3.° O que perder a qualidade de cidadão portuguez;

4.° O que por sentença com transito em julgado incorrer em interdicção ou incapacidade prevista no n° 1.° e na ultima parte do n.° 2.° do artigo 2.°;

5.° O que acceitar emprego, commissão, serviço ou situação que o torne absolutamente inelegivel para o logar de deputado;

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6.° O que acceitar logar mencionado nos n.ºs 3.°, 4,° e 5.° do § 1.° do artigo 13.°;

7.° O que não comparecer a tomar assento na camara na primeira sessão da respectiva legislatura;

8.° O que abandonar o logar, nos termos do artigo 104.°

§ 1.° Todos os deputados que perderem os seus logares em virtude da disposição do n.° 1.° sómente poderio ser reeleitos passados seis mezes.

§ 2.° Sómente á camara dos deputados compete declarar a perda de logar, em que incorrer algum dos seus membros, fundando-se, salvo nos casos dos n.ºs 7.° e 8.°, em documente authentico comprovativo do facto que a motivar.

Art. 13.° Nenhum deputado, depois de proclamado na assembléa de apuramento, póde ser nomeado pelo governo, durante o tempo da legislatura e ainda durante seis mezes depois que esta findar, para cargo, posto retribuido ou commissão subsidiada, a que não tenha direito por lei, regulamento, escala, antiguidade ou concurso.

§ 1.° Exceptuam-se: 1.°, os cargos de ministro d'estado e de conselheiro d'estado. cuja acceitação não importa a perda do logar de deputado, e cujo exercicio não é incompativel com este logar; 2.°, as commissões auctorisadas pela camara, sem prejuizo do logar de deputado, nos casos previstos no artigo 33.° da carta constitucional; 3.°, o cargo de governador civil; 4.°, as transferencias ou nomeações de funccionarios para logares de igual categoria ou que não tenham maior vencimento; 5.°, as nomeações de funccionarios para logares que por elles possam ser exercidos em commissão, segundo a lei organica dos quadros a que pertencem.

§ 2.° Nenhum deputado, depois de proclamado na assembléa de apuramento e durante todo o tempo declarado n'este artigo, póde acceitar logar nos conselhos administrativos, gerentes ou fiscaes de emprezas ou sociedades designadas no n.° 4.° do artigo 4.°, nem acceitar concessões, arrematações ou empreitadas de obras publicas; e o que infringir este preceito incorrerá na pena de suspensão de direitos politicos até tres annos, e tornará nullos de direito todos os actos em que individual ou collectivamente tomar parte no serviço das mesmas emprezas, sociedades, concessões, arrematações ou empreitadas.

CAPITULO III

Do recenseamento eleitoral

Art. 14.° O direito de votar é verificado em cada concelho ou bairro pelo recenseamento eleitoral, no qual se apurará tambem a elegibilidade absoluta para cargos administrativos.

Art. 15.° O recenseamento eleitoral é organisado de tres em tres annos, sendo nos outros sujeito apenas a revisão.

Art. 16.° A idade para a inscripção no recenseamento eleitoral deverá completar-se até o dia 30 de junho do anno em que o recenseamento for organisado ou revisto.

Art. 17.° Os eleitores deverão ser recenseados no concelho ou bairro onde residirem a maior parte do anno; os empregados publicos n'aquelle onde exercerem as suas funcções na epocha do recenseamento, e os militares n'aquelle em que na mesma epocha estiver o seu quartel de habitação.

§ 1.° O eleitor que, em concelho ou bairro differente d'aquelle onde estiver residindo, for collectado em alguma das contribuições do estado, predial ou industrial, poderá ser inscripto no recenseamento d'esse concelho ou bairro, se assim o requerer ás commissões de recenseamento de um e de outro, instruindo o seu requerimento com documento comprovativo da collecta que tiver pago.

§ 2.° Em Lisboa e Porto poderão ser recenseados no bairro da sua residencia, quando n'outro exerçam as suas funcções, os empregados publicos que assim o requeiram perante as commissões de recenseamento dos dois bairros.

Art. 18.° As operações de recenseamento serão iniciadas em cada concelho ou bairro por uma commissão composta de tres vogaes, sendo um nomeado pela commissão districtal de entre os cidadãos domiciliados no concelho ou bairro, elegiveis para cargos administrativos; outro escolhido pela camara municipal de entre os seus membros effectivos ou substitutos; e o terceiro, que será o presidente, officiosamente nomeado pelo juiz de direito da comarca a que pertencer o concelho, devendo a nomeação ser feita para as commissões dos bairros de Lisboa e Porto pelos presidentes das relações, e para os outros concelhos das comarcas de Lisboa e Porto pelos juizes das respectivas varas eiveis, recaindo sempre a nomeação em cidadão domiciliado no concelho ou bairro, elegivel para cargos administrativos.

§ 1.° Pela mesma fórma serão nomeados os substitutos que na falta ou impedimento do respectivo vogal effectivo serão chamados a fazer as suas vezes.

§ 2.° As nomeações serão feitas annualmente e logo communicadas aos nomeados e ao administrador do concelho ou bairro.

§ 3.° Quando no mesmo cidadão recair a nomeação por parte de mais de uma entidade, a nomeação do presidente da relação ou do juiz de direito, preferirá a qualquer outra, e a da commissão districtal preferirá á da camara municipal. O administrador do concelho ou bairro participará immediatamente a occorrencia á corporação, cuja nomeação ficar prejudicada, e que logo deverá proceder a nova escolha.

§ 4.° A falta de nomeação pela commissão districtal será supprida pelo governador civil, a de nomeação pela camara será supprida pela commissão districtal, e a do juiz de direito pelo presidente da relação, a quem o governador civil, segundo a participação do administrador do concelho, communicará a falta.

§ 5.° As nomeações illegalmente feitas pelo juiz de direito, pela commissão districtal ou pela camara municipal, serão annulladas pelo presidente da relação, precedendo reclamação da auctoridade administrativa, apresentada dentro de tres dias depois de findo o praso para as nomeações, sendo ouvido o magistrado ou corporação, cuja nomeação é impugnada, e que procederá a nova nomeação logo que lhe for communicada a annullação.

§ 6.° Na falta ou impedimento simultaneo de algum vogal da commissão e do seu substituto, será chamado pelo presidente, ou, na falta d'este, pelo vogal nomeado pela commissão districtal, o vogal do anno immediatamente anterior, nomeado pelo respectivo magistrado ou corporação, preferindo o colectivo ao substituto.

§ 7.° O cargo de vogal da commissão é gratuito e obrigatorio.

Art. 19.° O secretario da camara municipal será o da commissão do recenseamento eleitoral do concelho, e o secretario da administração do bairro será o da commissão do mesmo bairro, sendo um e outro coadjuvados em todo o expediente da commissão pelos empregados da secretaria da camara ou da respectiva administração, que a commissão requisitar, e vencendo os secretarios e seus auxiliares a gratificação que a camara lhes arbitrar, sobre proposta da commissão, dentro da verba orçada para esse fim.

§ unico. São despezas obrigatorias da camara municipal todas as que se fizerem com o expediente do recenseamento eleitoral e das eleições, comprehendendo urnas, cofres e mais objectos indispensaveis.

Art. 20.° As commissões de recenseamento funccionam nos paços do concelho ou nas casas da administração dos bairros, devendo a camara fornecer-lhes outras casas quando nos alludidos edificios não possam reunir-se.

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Art. 21.° As commissões de recenseamento installam-se, independentemente de convocação, no dia designado por lei, e reunem-se diariamente ás horas que designarem no dia da sua installação, as quaes serão immediatamente publicadas, bem como o local das reuniões, por meio de annuncios.

§ unico. De todas as sessões da commissão se lavrará acta em livro authenticado com termo de abertura assignado pelo presidente, e com termo de encerramento lavrado pelo secretario, que numerará e rubricará todas as folhas.

Art. 22.° Sómente serio validas as deliberações da commissão tomadas por dois votos conformes.

Art. 23.° O administrador do concelho ou bairro assiste ás sessões da commissão e sobre os assumptos sujeitos a deliberação d'ella poderá emittir parecer.

Art. 24.° A commissão não poderá inscrever ou eliminar o nome de nenhum eleitor nem alterar as circumstancias que a elle respeitem senão por deliberação fundada em documento ou em informação escripta que requisitar de quaesquer estações officiaes.

§ 1.° As exclusões com fundamento nas disposições dos n.ºs 3.°, 4.°, 5.° e 6.° do artigo 2.° poderão ter por base os esclarecimentos que as auctoridades, funccionarios ou quaesquer pessoas prestem á commissão e que serão sempre exarados nas actas.

§ 2.° A commissão deverá convocar os parochos e regedores para prestarem informações, que serão reduzidas a termo lavrado pelo secretario e por elle assignado.

Art. 25.° A organisação do recenseamento terá exclusivamente por base os seguintes documentos, que até o decimo dia anterior á data da installação da commissão devem ser enviados ao seu secretario:

1.° Relações por freguezias, organisadas pelo escrivão de fazenda do concelho ou bairro, contendo os nomes de todos os contribuintes que no lançamento immediatamente anterior foram collectados pelo estado em quantia não inferior a 500 réis de contribuição predial, industrial, de renda de casas, sumptuaria ou decima de juros, sommando-se para este effeito as collectas das mesmas contribuições;

2.° Documentos apresentados pelos interessados provando que, pelo lançamento immediatamente anterior effectuado n'outro concelho ou bairro, perfizeram a quota censitica das contribuições designadas no numero antecedente ou que, tendo sido tributados no anno immediatamente anterior em imposto mineiro ou de rendimento, attingiram igual quota, sommando-se para este effeito a importancia de todas as mencionadas contribuições;

3.° Requerimentos dos interessados pedindo a propria inscripção no recenseamento, pelo fundamento de saber ler e escrever, quando sejam por elles escriptos e assignados, e reconhecidos por tabellião nos termos prescriptos no § unico do artigo 2:436.° do codigo civil, bastando, porém, a authenticação pelos chefes dos serviços de que dependam os requerentes, quando estes sejam serventuarios do estado ou dos corpos administrativos;

4.° Uma relação de todos os individuos que no anno anterior incorreram nas incapacidades previstas nos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 2.°, organisada, segundo o ultimo domicilio que constar, pelos encarregados do registo criminal junto dos tribunaes de l.ª e 2.ª instancia;

5.° Requerimentos de transferencia de domicilio, em conformidade do disposto nos §§ 1.° e 2.° do artigo 17.°

§ 1.° A contribuição predial sobre foros, censos ou pensões será levada em conta áquelle por conta de quem for paga.

§ 2.° O imposto de rendimento sobre titulos, sómente será levado em conta quando estiverem averbados ha mais de um anno, ininterruptamente, a favor do seu possuidor.

§ 3.° Ao marido se levarão em conta os impostos correspondentes aos bens da mulher, posto que entre elles não haja communhão de bens, e ao pae os impostos correspondentes aos bens do filho, quando por documento authentico se provar que lhe pertence o usofructo d'elles.

§ 4.° A contribuição directa paga por uma sociedade, companhia ou empreza, será attendida para o recenseamento dos socios ou accionistas, em proporção do interesse que cada um provar, por documento authentico, ter na mesma sociedade, companhia ou empreza. A mesma disposição se observará achando-se o casal indiviso, por viverem em commum os membros da mesma familia.

§ 5.° O secretario da commissão, por editaes affixados com quinze dias de antecedencia, tornará publico o praso em que são recebidos os documentos e requerimentos a que se referem os n.ºs 2.° e 3.°, e passará recibo de todas as petições e documentos que lhe forem entregues pelos interessados.

§ 6.° Todos os documentos a que se refere este artigo serão pelo secretario da commissão classificados e reunidos por freguezias para servirem de base ás operações do recenseamento.

Art. 26.° A commissão, examinando todos os documentos a que se referem os artigos antecedentes, deliberará, ouvido o parocho e regedor respectivo, nos termos do § 2.° do artigo 24.°, sobre a inscripção dos eleitores e sobre a sua elegibilidade para cargos administrativos, e, segundo as resoluções tomadas, o secretario, sob sua responsabilidade, organisará por freguezias listas em triplicado de todos os eleitores inscriptos, por elle datadas e assignadas, e rubricadas pelos membros da commissão, podendo tambem rubrical-as o administrador do concelho ou bairro.

§ 1.° Quando algum dos contribuintes comprehendidos nas relações do escrivão de fazenda não deva ser recenseado, nas mesmas relações ou em folha addicional, a commissão lançará nota, declarando o motivo da exclusão, a qual será rubricada pelo parocho ou regedor, se for fundada em informação de um ou de outro.

§ 2.° A commissão poderá mandar avisar qualquer cidadão que haja requerido a sua inscripção por saber ler e escrever, a fim de perante ella formular de novo o seu requerimento, que ficará sem effeito não comparecendo no praso de tres dias.

§ 3.° A lista deverá declarar a respeito de cada eleitor o seu nome, idade, estado, profissão e morada, o fundamento da sua inscripção, nos termos dos n.ºs 1.° e 2.° do artigo 1.°, mencionando-se no caso do n.° 1.° a collecta respectiva, e se é elegivel para cargos administrativos.

Art. 27.° Dois exemplares das listas de que trata o artigo anterior serão pelo secretario enviados ao juizo de direito da comarca e distribuidos na classe dos recursos eleitoraes, autuando-se o officio de remessa.

§ 1.° O juiz pelos officiaes de diligencias ou por agentes administrativos, que requisitar, fará affixar um exemplar das listas nas igrejas das freguezias a que respeitarem, e expor a exame e reclamação outro exemplar pelo praso de quinze dias, no tribunal ou no cartorio do escrivão, o que se tornará publico por editaes affixados no concelho ou bairro respectivo, juntando-se ao processo um exemplar das listas, findo o praso da reclamação, e certidões da affixação d'ellas e dos editaes.

§ 2.° O secretario da commissão exporá tambem a exame, na casa das sessões da commissão, os exemplares das listas em seu poder, fazendo-o constar por editaes, de cuja affixação remetterá certidão para juizo, onde se juntará ao processo do recenseamento.

§ 3.° Das listas affixadas nas igrejas e patentes á reclamação, poderá qualquer pessoa tirar copias e fazel-as conferir e authenticar por official publico, mediante emolumento na rasão de 1 real por cada nome conferido.

Art. 28.° Contra a indevida ou inexacta inscripção de qualquer eleitor, poderá reclamar perante o juiz de direito o proprio interessado, qualquer cidadão do circulo recen-

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seado como eleitor no anno antecedente, o administrador do concelho ou bairro, e qualquer dos vogaes da commissão de recenseamento: e contra a omissão de algum eleitor poderá reclamar o interessado, o administrador do concelho ou bairro e qualquer dos vogaes da mesma commissão.

§ 1.° A reclamação será interposta em requerimento assignado pelo reclamante ou por seu procurador, com a assignatura devidamente reconhecida, e instruido com os documentos que lhe servirem de prova.

§ 2.° As reclamações serão autuadas por appenso ao processo de organisação do recenseamento, e para o seu julgamento poderá o juiz requisitar da commissão de recenseamento quaesquer documentos que hajam servido de base ás resoluções d'ella e que lhe serão remettidos dentro de vinte e quatro horas.

§ 3.° Se contra qualquer inscripção no recenseamento, fundada no facto de saber ler e escrever, houver reclamação contestando esse facto, o juiz fará intimar o eleitor inscripto, para que no praso de tres dias compareça perante elle para escrever e assignar o que, em prova do facto contestado, lhe for ordenado. Não comparecendo, será julgada procedente a reclamação.

§ 4.° As decisões dos juizes de direito serão motivadas e os processos das reclamações não serão em caso algum entregues aos reclamantes.

§ 5.° Das eliminações, alterações e addicionamentos ordenados pelo juiz, organisará o escrivão, por freguezias, listas em triplicado, sendo um exemplar affixado na igreja respectiva, ficando outro patente a exame, pelo praso de cinco dias, no cartorio ou tribunal, o que se tornará publico por editaes, e sendo o terceiro junto ao processo judicial do recenseamento. Da affixação das listas e dos editaes, que será feita pelos officiaes de diligencia do juizo ou por agentes administrativos para este fim requisitados, se lavrarão certidões para serem juntas ao processo do recenseamento.

§ 6.° O escrivão do processo de recenseamento é obrigado a passar recibo de todas as petições e documentos que lhe forem entregues pelos interessados.

Art. 29.° Das decisões do juiz de direito poderão os reclamantes, o proprio interessado, o administrador do concelho ou bairro e os vogaes da commissão de recenseamento, recorrer para a relação do districto, sendo o recurso interposto perante aquelle magistrado, independentemente de termo, por meio de petição em que se exponham os seus fundamentos, instruida com os documentos convenientes, podendo ainda juntar-se outros dentro de tres dias, findos os quaes o processo será officialmente expedido para o tribunal superior.

§ 1.° O recurso será distribuido na relação com os feitos da 6.ª ciasse, e o relator o mandará com vista ao ministerio publico, que responderá no praso improrogavel de vinte e quatro horas.

§ 2.° Findo este praso, o escrivão cobrarão feito, fal-o-ha concluso ao relator, e este o proporá logo em sessão publica com cinco juizes, sendo a decisão tomada em conferencia por tres votos conformes.

§ 3.° Para o julgamento d'estes feitos poderá haver sessão todos os dias, ainda em tempo de ferias.

Art. 30.° Do accordão da relação podem recorrer para O supremo tribunal de justiça as pessoas designadas no artigo anterior, sendo o recurso interposto independentemente de termo, por meio de petição, que poderá ser instruida com documentos, e dentro de quarenta e oito horas officialmente enviado, sem ficar traslado, aquelle tribunal, onde será decidido sem mais termos que os determinados para o julgamento nas relações nos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo antecedente.

§ unico. Não são admissiveis sobre o recenseamento eleitoral outras reclamações, ou recursos alem dos estabelecidos n'esta lei.

Art. 31.° Do supremo tribunal de justiça e da relação, logo que transitem em julgado, baixarão officiosamente, sem ficar traslado, todos os recursos eleitoraes e, em vista das decisões, o juiz mandará cancellar nas listas os nomes dos cidadãos que tiverem sido excluidos, e lhes fará addicionar os nomes d'aquelles que deverem inscrever-se de novo, ou n'ellas ordenará as alterações que superiormente hajam sido julgadas.

§ 1.° O exemplar das listas, que esteve patente a exame segundo a disposição do § 5.° do artigo 28.°, será modificado nos termos do presente artigo, e com a necessaria segurança remettido pelo escrivão do processo ao secretario da commissão de recenseamento do concelho ou bairro para que, em vista d'elle e da lista geral que ficou em seu poder, proceda á organisação do livro do recenseamento, o qual terá termo de abertura assignado pelo juiz, seguindo-se na inscripção a ordem alphabetica dos nomes em cada freguezia, e agrupando se ou dividindo-se as freguezias conforme a divisão das assembléas. A respeito de cada eleitor se mencionarão as circumstancias constantes das listas, nos termos do § 3.° do artigo 26.°

§ 2.° O livro assim processado será enviado ao respectivo juiz de direito e, depois de conferida a exactidão pelas listas existentes no cartorio e feitas as rectificações necessarias, será authenticado pelo juiz, que rubricará todas as folhas e assignará o termo de encerramento, declarando-se n'este o numero de eleitores inscriptos em cada freguezia. Este livro ficará sendo para todos os effeitos o recenseamento original, não poderá ser alterado por determinação de nenhuma auctoridade e será remettido, com a necessaria segurança, ao secretario da camara municipal do concelho respectivo.

§ 3.° Das listas archivadas no cartorio o escrivão, independentemente de despacho, dará sempre, dentro de oito dias, as copias authenticas que lhe forem pedidas. Estas copias não estão sujeitas a sêllo e serão expedidas mediante o emolumento de 5 réis por cada nome transcripto.

§ 4.° Ao escrivão do processo do recenseamento arbitrará o juiz, ouvida a camara municipal e em vista da respectiva verba orçamental, uma gratificação, que será paga por esta corporação como despeza obrigatoria.

Art. 32.° Organisado o recenseamento pela fórma declarada nos artigos antecedentes, será revisto nos dois annos immediatos, observando-se nas operações de revisão as disposições seguintes, e ouvindo-se os parochos e regedores, nos termos do § 2.° do artigo 24.°:

1.° A commissão, tomando por base o recenseamento vigente, que requisitará do competente funccionario, deverá eliminar da lista de cada freguezia:

a) Os fallecidos, sendo o obito comprovado por certidão ou pelas relações que, até o decimo dia anterior á installação da commissão, os parochos e officiaes do registo civil devem remetter ao secretario da commissão, relativamente aos óbitos occorridos no ultimo anno;

b) Os individuos incursos nas incapacidades previstas nos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 2.°, em vista da relação que, até á mesma data e, a respeito do mesmo periodo de tempo, devem remetter ao secretario os encarregados do registo criminal;

c) Os que deixaram de ter o seu domicilio no concelho ou bairro, segundo o que constar á commissão, nos termos do artigo 24.°;

d) Os que deverem ser excluidos, em conformidade do disposto no § 1.° do mesmo artigo;

e) Os que no lançamento immediatamente anterior deixaram de ser collectados na indispensavel quota censitica proveniente de contribuição predial, industrial, de renda de casas, sumptuaria ou decima de juros, segundo se mostrar das relações que para esse effeito serão organisadas pelo escrivão de fazenda e por este enviadas ao secretario da commissão até o decimo dia anterior á installação d'esta, e os que no anno immediatamente anterior dei-

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xaram de ser tributados em igual quota proveniente de outras contribuições, que serviram de base á sua inscripção, quando o facto se prove por documento.

2.° A commissão addicionará ao recenseamento de cada freguezia:

a) Os cidadãos que attingiram a idade legal, nos termos do artigo 16.°, em vista de certidão de idade ou de relações remettidas pelos parochos e officiaes de registo civil ao secretario da commissão até o decimo dia anterior ao da installação d'esta, e do que á mesma constar sobre as respectivas collectas de contribuições directas do estado, pelas relações enviadas da repartição de fazenda no anno corrente ou nos dois ultimos;

b) Os que no lançamento immediatamente anterior attingiram de novo a indispensavel quota censitica de contribuição predial, industrial, de renda de casas, sumptuaria ou decima de juros, segundo se mostrar das relações que para esse effeito serão organisadas pelo escrivão de fazenda e por este enviadas ao secretario da commissão até o decimo dia anterior ao da installação d'esta;

c) Os que deverem recensear-se em vista dos documentos e requerimentos apresentados pelos interessados, nos termos dos n.ºs 2.° e 3.° do artigo 25.°, ou em vista da transferencia de domicilio auctorisada pelos §§ 1.° e 2. do artigo 17.°

§ 1.° A inscripção por saber ler e escrever será mantida, sem novo requerimento, nos recenseamentos revistos ou organisados nos annos seguintes.

§ 2.° São applicaveis ás operações de revisão as disposições dos §§ 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° do artigo 25.º e as disposições dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo 26.°

Art. 33.° Em conformidade com as deliberações da commissão sobre as eliminações e addicionamentos declarados no precedente artigo, o secretario, sob sua responsabilidade, organisará em triplicado listas, por freguezias, contendo os nomes dos eleitores inscriptos de novo e os nomes dos eliminados, com menção do motivo da eliminação, sendo as listas datadas e assignadas pelo secretario, e rubricadas pela commissão, podendo rubrical-as tambem o administrador do concelho ou bairro.

Art. 34.° Dois exemplares das listas a que se refere o artigo antecedente, serão pelo secretario enviados ao juizo de direito da comarca, para os fins designados no artigo 27.°, observando-se na affixação e publicação das listas, na interposição e julgamento das reclamações e recursos, os termos e prasos prescriptos no mesmo artigo e nos artigos 28.° a 30.°

§ 1.° Do supremo tribunal de justiça e da relação, logo que transitem em julgado, baixarão officiosamente, sem ficar traslado, todos os recursos eleitoraes, e, em vista das decisões, se procederá na conformidade do artigo 31.°; o escrivão do processo remetterá o competente exemplar das listas modificadas ao secretario da commissão do recenseamento, e este lançará em folhas addicionaes ao livro respectivo todas as alterações resultantes da revisão, segundo a ordem alphabetica dos nomes em cada freguezia, e segundo a divisão das assembléas, remettendo em seguida o livro ao juiz de direito.

§ 2.° Conferida a exactidão do addicionamento, precedido de termo de abertura, na fórma declarada no § 1.° do artigo 31.°, será authenticado e encerrado pela fórma expressa no § 2.° do mesmo artigo, e o recenseamento definitivamente revisto será remettido ao secretario da camara municipal.

§ 3.° São applicaveis ás listas e trabalho de revisão as disposições dos §§ 3.° e 4.° do mesmo artigo 31.°

Art. 35.° O secretario da camara municipal é obrigado a guardar e conservar, sob sua responsabilidade, o livro do recenseamento eleitoral, e d'elle ou dos addicionamentos remetterá copia authentica ao governador civil, por intermedio do administrador do concelho ou bairro.

§ 31.° Dentro de oito dias e independentemente de despacho, o secretario passará, sem sêllo, todas as certidões que lhe forem pedidas do recenseamento, mediante o emolumento de 5 réis por cada nome transcripto, e conferirá e authenticará, tambem sem sêllo, todas as copias impressas ou lithographadas, que para esse effeito lhe forem apresentadas, mediante o emolumento de 1 real por cada nome conferido.

§ 2.° Da copia do recenseamento archivada no governo civil, o secretario geral, nos mesmos termos do paragrapho antecedente e mediante igual emolumento, passará certidões e authenticará, depois de conferidas, as copias impressas ou lithographadas que lhe forem apresentadas.

§ 3.° Todos os documentos que serviram de base ás operações do recenseamento e que não hajam sido requisitados pelo juiz da comarca, nos termos do § 2.° do artigo 28.°, ficarão archivados, sob responsabilidade do secretario da commissão de recenseamento, na respectiva camara municipal ou administração do bairro.

Art. 36.° Todo o processo eleitoral, comprehendendo o recenseamento, as reclamações, os recursos, os documentos com que forem instruidos, as petições ou requerimentos que a tal respeito se fizerem, o que nos tribunaes judiciaes se ordenar, conforme as disposições d'esta lei, e os reconhecimentos de assignaturas das mesmas petições, requerimentos ou documentos, é isento do imposto de sêllo e de quaesquer emolumentos ou salarios.

§ unico. Os documentos a que se refere este artigo deverão declarar o fim para que são passados e para nenhum outro poderão utilisar-se.

Art. 37.° Todas as auctoridades, funccionarios e repartições publicas são obrigados a passar impreterivelmente, dentro de tres dias, as copias, certidões e attestados que lhes sejam requeridos, para o effeito do recenseamento eleitoral, das reclamações ou dos recursos sobre o mesmo objecto. A mesma obrigação incumbe aos parochos.

Art. 38.° Os prasos para as diversas operações do recenseamento eleitoral são os fixados no quadro junto á presente lei.

§ unico. Quando em algum concelho ou bairro as operações do recenseamento se não effectuarem nos prasos legaes, poderá o governo, ouvidos os fiscaes da corôa e fazenda em conferencia, fixar novos prasos, analogos aos designados na lei para a realisação das mesmas operações.

Art. 39.° Só é considerado legal para o acto da eleição o recenseamento eleitoral encerrado no dia 30 de junho, immediatamente anterior ao da mesma eleição.

§ unico. No caso de força maior, devidamente comprovada, e na falta de copias authenticas, será considerado legal o recenseamento original ou copia authentica, immediatamente anterior.

CAPITULO IV

Dos circulos eleitoraes, das assembléas primarias e dos actos preparatorios da eleição

Art. 40.° A eleição de deputados é directa e feita pelos circulos eleitoraes, designados no mappa junto a esta lei, elegendo cada circulo o numero de deputados que no mesmo mappa é fixado.

§ unico. A circumscripção dos circulos eleitoraes e o numero de deputados, que devem eleger, só por lei póde ser alterado.

Art. 41.° No praso de oito dias, contado sobre a data do encerramento do recenseamento eleitoral do corrente anno, as commissões de recenseamento procederão á divisão dos concelhos em assembléas eleitoraes, que serão compostas de 500 a 1:000 eleitores approximadamente, agrupando-se na rasão directa da sua proximidade as freguezias que de per si não possam formar uma só assembléa, e no mesmo praso as commissões designarão as igrejas ou

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edificios publicos ou municipaes em que as assembléas devem reunir-se.

§ 1.° Se nalgum concelho, dentro do praso fixado, a commissão não proceder á divisão de assembléas e designação das suas sedes, ao governo compete supprir a commissão.

§ 2.° A constituição das assembléas eleitoraes será publicada, logo que finde o praso designado n'este artigo, por editaes affixados nas igrejas parochiaes e na casa de reunião da commissão de recenseamento, e contra ella poderão reclamar perante o juiz de direito, dentro de quinze dias desde a publicação, o administrador do concelho ou bairro, os vogaes da commissão de recenseamento e os eleitores do circulo, observando-se na decisão das reclamações e nos recursos, que subsequentemente forem interpostos, sem effeito suspensivo, para a relação e para o supremo tribunal de justiça, os prasos e mais disposições applicaveis, por que se regem as reclamações e recursos sobre recenseamento eleitoral.

§ 3.° A constituição das assembléas eleitoraes, depois de fixada nos termos d'este artigo, é permanente e só por lei póde ser modificada; porém, quando haja alteração na circumscripção de algum circulo eleitoral ou de algum concelho, a qual affecte a divisão estabelecida, será convocada por decreto a commissão de recenseamento para proceder ás indispensaveis modificações na constituição das assembléas, observando-se na parte applicavel as disposições do presente artigo.

§ 4.° A constituição de assembléas fixada para as eleições politicas vigorará igualmente para as eleições municipaes.

§ 5.° Nos municipios de Lisboa e Porto vigorará para as eleições politicas e municipaes a constituição de assembléas que está fixada em decretos especiaes.

§ 6.° São nullos os actos eleitoraes realisados fóra do recinto competentemente designado.

Art. 42.° As assembléas eleitoraes serão convocadas por decreto do governo, que designará o dia em que deve proceder-se á eleição; e, no domingo immediatamente anterior ao fixado para este acto, o presidente da commissão de recenseamento, por editaes affixados nos logares do estylo e lidos pelos parochos á missa conventual, tornará publicas as assembléas em que o concelho se divide, os seus limites e os logares de reunião, declarando tambem o dia e a hora em que as assembléas devem reunir-se.

Art. 43.° As assembléas primarias serão presididas pelos vogaes da commissão de recenseamento eleitoral, sendo a designação feita no domingo precedente ao da eleição, em sessão publica da commissão, por sorteio em que entrarão sómente os vogaes effectivos, se as assembléas não forem mais de tres, e em que entrarão os vogaes effectivos e substitutos, se as assembléas excederem este numero; e, quando restar ainda alguma assembléa sem presidente, será este designado á sorte de entre os vereadores em exercicio.

§ unico. Aos presidentes designados se communicará immediatamente a assembléa a que devem presidir, e dentro de quarenta e oito horas poderão reclamar a sua escusa perante a commissão de recenseamento que, julgando-a fundada em comprovado impedimento, escolherá novo presidente de entre os cidadãos do concelho elegiveis para cargos municipaes.

Art. 44.° O presidente da commissão de recenseamento enviará aos presidentes das assembléas eleitoraes, pelo menos dois dias antes do domingo em que deve effectuar-se a eleição, dois cadernos dos eleitores que podem votar nas assembléas, à que elles tiverem de presidir, e cobrará recibo da remessa.

§ 1.° Estes cadernos, que poderão ser impressos ou lithographados, serão a copia fiel do recenseamento original, requisitado do funccionario competente, terão termos de abertura e encerramento assignados pela commissão, e serão por ella rubricados em todas as suas folhas.

§ 2.° O administrador do concelho ou bairro poderá tambem rubricar e assignar os mesmos cadernos.

Art. 45.° O presidente da commissão de recenseamento enviará tambem aos presidentes da assembléa, dentro do praso fixado no artigo antecedente, quatro cadernos com termo de abertura e rubricas, na fórma por que acima se dispoz, para n'elles se lavrarem as actas da eleição.

CAPITULO V

Da eleição

Art. 46.° No domingo designado por decreto especial do governo para se proceder á eleição, pelas nove horas da manhã, reunidos os eleitores no local competente, lhes proporá o presidente dois de entre elles para escrutinadores, dois para secretarios e dois para supplentes, convidando os eleitores que approvarem a proposta a passar para o lado direito d'elle e para o esquerdo os que a rejeitarem.

§ 1.° Para a approvação da proposta são necessarias tres quartas partes dos eleitores presentes.

§ 2.° Se a proposta do presidente for approvada por menos de tres quartas partes, mas por mais da quarta parte dos eleitores presentes, ficará a mesa composta do escrutinador, do secretario e do supplente, que o presidente primeiro indicar na ordem da sua proposta, e dos restantes membros indicados por um eleitor de entre os que rejeitaram, se n'essa indicação accordar por acclamação a maioria dos eleitores d'esta parte da assembléa. Se esta não concordar, procederá á eleição dos respectivos vogaes por escrutinio secreto em que ella só votará, considerando-se eleitos os que obtiverem a maioria relativa. Servirão de vogaes da mesa d'esta eleição os vogaes que já fazem parte da mesa eleitoral pela proposta do presidente.

§ 3.° Quando a proposta do presidente for rejeitada por tres quartas partes ou por mais de tres quartas partes dos eleitores presentes, os vogaes da mesa serão eleitos por acclamação, sob proposta de um dos eleitores, que a rejeitaram, ou por escrutinio secreto, conforme os casos indicados no paragrapho antecedente. Quando tenha de proceder-se a eleição por escrutinio secreto, a mesa para esta eleição será composta do presidente, de um escrutinador e de um secretario por elle nomeado, cada um de differente lado da assembléa.

§ 4.° A quarta parte do numero dos eleitores presentes, não incluindo o presidente, quando este numero não for multiplo de 4, é a quarta parte do multiplo de 4 immediatamente inferior, sommada com a unidade.

§ 5.° Se em alguma assembléa eleitoral, até duas horas depois da fixada para a eleição, não comparecerem eleitores em numero sufficiente para comporem a mesa, o presidente lavrará ou mandará lavrar auto em que se declare esta falta e que será assignado por elle, pelo parocho e pela auctoridade administrativa.

Art. 47.° Da formação da mesa se lavrará acta, e o secretario, que a lavrar, a lerá immediatamente á assembléa.

§ unico. Uma relação contendo o nome dos approvados ou eleitos para comporem a mesa, assignada pelo presidente e por um dos secretarios, será logo affixada na, porta principal do edificio em que a assembléa estiver reunida.

Art. 48.° A mesa eleita antes da hora fixada no artigo 46.° é nulla, e nullos serão todos os actos eleitoraes em que ella interferir.

Art. 49.° Se uma hora depois da fixada para a reunião da assembléa o presidente ainda não tiver apparecido, ou se apparecer e se ausentar antes de constituida a mesa, tomará a presidencia o cidadão que para isso for escolhido pelo maior numero dos eleitores presentes.

§ unico. A infracção d'este artigo importa a nullidade dos actos eleitoraes incompetentemente presididos,

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Art. 50.° Se á mesma hora se não tiverem recebido na casa da assembléa nem os cadernos do recenseamento dos eleitores, nem os cadernos para se lavrarem as actas, que o presidente da commissão de recenseamento devia ter remettido ao presidente da assembléa, a eleição poderá fazer-se por quaesquer copias authenticas do recenseamento, que houverem sido extrahidas do livro competente, e que qualquer cidadão apresentar, e ás actas poderão lavrar-se em cadernos com termo de abertura e rubrica da mesa que a assembléa escolher.

Art. 51.° A mesa da eleição será collocada no corpo do edificio, de maneira que todos os eleitores possam por todos os lados ter livre accesso a ella e observar todos os actos eleitoraes.

Art. 52.° Constituida a mesa, serão validos todos os actos eleitoraes que legalmente forem praticados, estando presentes, pelo menos, tres vogaes, sendo o presidente substituido, nos seus impedimentos, pelo escrutinador eleito ou approvado pela maioria da assembléa, preferindo o mais velho, quando ambos hajam sido eleitos ou approvados pela mesma maioria.

Art. 53.° Os parochos e os regedores das freguezias, que constituem a assembléa eleitoral, assistirão á eleição para informar sobre a identidade dos votantes.

§ l.° Faltando o parocho ou o regedor, a mesa nomeará pessoas idoneas que façam as vezes d'elles.

§ 2.° As mesas eleitoraes não começarão o acto da eleição sem que os parochos e os regedores ou quem os substituir estejam presentes.

§ 3.º O parocho, ou quem suas vezes fizer, terá logar na mesa ao lado direito do presidente, emquanto se estiver procedendo á chamada da respectiva freguezia.

§ 4.° Se houver uma só assembléa no concelho, assistirá ahi á eleição o administrador respectivo; se houver duas assistirá a uma o administrador e a outra o seu substituto; se houver mais de duas, ou algum d'elles estiver impedido, escolherá o administrador em exercicio pessoa ou pessoas que o representem e, em quem delegue as attribuições conferidas por esta lei.

§ 5.° A falta da auctoridade administrativa não impede os actos eleitoraes.

Art. 54.° As mesas decidem provisoriamente as duvidas que se suscitarem ácerca das operações da assembléa.

§ 1.° Todas as decisões da mesa sobre quaesquer duvidas ou reclamações, verbaes ou escriptas, serão motivadas.

§ 2.º As decisões serão tomadas á pluralidade de votos. No caso de empate, o presidente tem voto de qualidade.

§ 3.° Qualquer eleitor póde apresentar por escripto, com a sua assignatura ou com outras, se todas forem de eleitores do circulo, protesto relativo aos actos do processo eleitoral e instruil-o com os documentos convenientes.

§ 4.° O protesto e documentos, numerados e rubricados pela mesa, que não poderá jamais negar-se á recebel-os, com o parecer motivado d'esta ou com o contra-protesto de qualquer outro cidadão ou cidadãos tambem eleitores, se assim o tiverem por conveniente, serão appensos ás actas, mencionando-se n'estas simplesmente a apresentação dos protestos e contra-protestos, o seu numero e o nome do primeiro cidadão que os assignar, bem como os pareceres da mesa nas mesmas condições.

Art. 55.° Nas assembléas eleitoraes não se póde discutir ou deliberar sobre objecto estranho ás eleições. Tudo que alem d'isso se tratar é nullo e de nenhum effeito.

Art. 56.° Aos presidentes das mesas incumbe manter a liberdade dos eleitores, conservar a ordem, regular a policia da assembléa e providenciar para que esta seja livremente accessivel.

Art. 57.° Nenhum individuo póde apresentar-se armado nas assembléas eleitoraes e, ao que o fizer, ordenará o presidente que se retire.

Art. 58.° Se o presidente da assembléa eleitoral o julgar conveniente, para a ordem da mesma assembléa, poderá mandar saír do local, onde estiver reunida, todos ou alguns dos individuos presentes, não recenseados.

Art. 59.° A nenhuma força armada é permittido, sob pretexto algum, apresentar-se no local onde estiverem reunidas as assembléas eleitoraes ou na sua proximidade, demarcada por um raio de 100 metros, excepto a requisição feita em nome do presidente.

§ 1.° O presidente consultará a mesa antes de fazer à requisição.

§ 2.° A força só poderá ser requerida quando seja necessario dissipar algum tumulto ou obstar a alguma aggressão dentro do edificio da assembléa ou na proximidade d'elle, no caso de ter havido desobediencia ás ordens do presidente duas vezes repetidas.

§ 3.° Apparecendo a força armada no edificio da assembléa ou na sua proximidade, suspendem-se os actos eleitoraes, e só poderá proseguir-se n'elles meia hora depois da sua retirada.

§ 4.° Nas terras em que se retinirem as assembléas eleitoraes, a força armada, com excepção dos militares recenseados, conservar-se-ha nos quarteis ou alojamentos durante os actos das assembléas.

Art. 60.° A nenhum cidadão e permittido votar em mais de uma assembléa.

Art. 61.° A votação é por escrutinio secreto, de modo tal que de nenhum eleitor se conheça ou possa vir a saber o voto.

§ unico. Não serão recebidas listas em papel de côres ou transparentes, ou que tenham qualquer marca, signal, designação ou numeração externa.

Art. 62.° Os vogaes das mesas votam primeiro que todos os eleitores; e, tendo elles votado, mandará o presidente fazer a chamada dos outros, principiando pelas freguezias mais distantes.

Art. 63.° Ninguem póde ser admittido a votar se o seu nome não estiver inscripto no recenseamento dos eleitores. Exceptuam-se:

1.° O presidente da mesa, que póde votar na assembléa a que presidir, ainda que não esteja ali recenseado;

2.° O administrador do concelho ou bairro, ou seu representante, que póde votar na assembléa á que assistir, ainda que n'ella não esteja recenseado;

3.° Os cidadãos que se apresentarem munidos de accordãos das relações ou do supremo tribunal de justiça, mandando-os inscrever como eleitores, e que não foram inscriptos antes do encerramento do recenseamento, devendo juntar-se á acta o documento que apresentarem.

Art. 64.° Nenhum cidadão, qualquer que seja o seu emprego ou condição, póde ser impedido de votar, quando se achar inscripto no respectivo recenseamento, excepto sé contra elle se apresentar sentença judicial, passada em julgado, que o exclua do recenseamento, ou certidão de despacho de pronuncia, com transito em julgado.

Art. 65.° Ao passo que cada um dos eleitores chamados se approximar á mesa, os dois escrutinadores descarregarão o nome d'elle nos dois cadernos de que se faz menção no artigo 44.°, escrevendo o proprio appellido ao lado do nome dos votantes. O eleitor só então entregará ao presidente a lista da votação, dobrada e sem assignatura, e o presidente a lançará na urna.

§ unico. As listas deverão conter um numero de nomes igual ao numero de deputados, que compete ao respectivo circulo eleitoral, e o presidente da mesa assim o annunciará á assembléa antes de começar a votação.

Art. 66.° Concluida a primeira chamada, o presidente ordenará uma chamada geral dos que não tiverem votado.

Art. 67.° Duas horas depois d'esta chamada, o presidente perguntará se ha mais alguem que pretenda votar, recebendo ás listas dos que immediata e successivamente se apresentarem. Recolhida qualquer lista, considerar-se-ha

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encerrada a votação, quando dentro da assembléa não haja eleitor algum que se apresente a votar.

Art. 68.° Encerrada a votação, o presidente fará contar as listas que se acharem na urna e confrontar o seu numero com as notas de descarga postas nos cadernos do recenseamento.

§ unico. O resultado d'esta contagem e confrontação será mencionado na acta e immediatamente publicado por edital affixado na porta principal da casa da assembléa. Do mesmo resultado é a mesa obrigada a certificar qualquer eleitor que o requeira.

Art. 69.° Seguir-se-ha o apuramento dos votos, tomando o presidente successivamente cada uma das listas, desdobrando-a e entregando-a alternadamente a cada um dos escrutinadores, o qual a lerá em voz alta e a restituirá ao presidente o nome dos votados será escripto por ambos os secretarios, ao mesmo tempo que os votos que forem tendo, numerados por algarismos e sempre repetidos em voz alta.

§ unico. O resultado do apuramento de cada dia, até se concluir o escrutinio, será publicado por edital, affixado na porta principal do edificio da assembléa. Do mesmo resultado a mesa é obrigada a passar certidão a qualquer eleitor que a requeira.

Art. 70.° São validas as listas dos votantes, ainda quando contenham nomes de menos ou de mais. N'este ultimo caso não serão contados os derradeiros nomes excedentes.

Art. 71.° As mesas eleitoraes apurarão os votos que recairem em qualquer pessoa, sem que hajam de verificar se essa pessoa é absoluta ou relativamente inelegivel, e sem embargo dos protestos que sobre este assumpto podem ser apresentados, nos termos dos §§ 3.° e 4.° do artigo 54.°, excepto se os votos forem contidos em listas não conformes ao disposto no § unico do artigo 61.° N'este caso serão taes listas declaradas nullas.

§ unico. As listas annulladas por este ou por outro fundamento legitimo não se contam para o calculo da maioria ou para outro algum effeito.

Art. 72.° As listas que as mesas declararem viciadas ou nullas serão rubricadas pelo presidente, e juntar-se-hão ao processo eleitoral, sob pena de nullidade das operações de apuramento. A mesma disposição e sob a mesma pena se observará quanto ás listas declaradas validas contra a reclamação de algum dos cidadãos que formarem a assembléa.

§ unico. Os votos que se contiverem nas listas annulladas serão em todo o caso apurados, mas em separado e separadamente escriptos nas actas.

Art. 73.° Se houver duvida sobre a numeração dos votos, ou se o numero total d'elles não for exactamente igual á somma dos que as listas contiverem, e uma quarta parte dos eleitores presentes reclamar a verificação d'elles, proceder-se-ha a novo exame ou leitura das listas.

Art. 74.° A constituição das mesas, a votação, a contagem das listas e o escrutinio são operações eleitoraes que se praticarão sempre antes do sol posto.

§ 1.° Se a votação se não concluir no primeiro dia, o presidente da mesa eleitoral mandará pelos dois secretarios rubricar nas costas as listas recebidas, e fal-as-ha depois fechar com os mais papeis concernentes á eleição n'um cofre de tres chaves, das quaes ficará uma na sua mão e as outras na de cada um dos escrutinadores. Este cofre deverá ser sellado pelo presidente e por qualquer dos eleitores presentes que assim o requeira, sendo depois guardado com toda a segurança no mesmo edificio em que se procedeu á votação, em logar exposto á vista e guarda dos eleitores, se vinte d'estes, pelo menos, o exigirem, e aberto no dia seguinte, pelas nove horas da manhã, em presença da assembléa, para se proseguir nos actos eleitoraes.

§ 2.° Não havendo reclamação de qualquer eleitor da assembléa, as listas, em vez de rubricadas uma a uma, poderão ser reunidas em um só maço ou em mais, conforme a capacidade do cofre, onde têem de ser depois encerradas, nos termos d'este artigo, e fechadas por um envolucro de papel lacrado e sellado, no qual os secretarios lançarão as suas rubricas, sendo facultativo a qualquer dos eleitores presentes rubricar tambem o envolucro e imprimir-lhe algum sêllo ou sinete.

§ 3.° A rubrica das listas ou dos maços de listas e seu encerramento no cofre poderão effectuar-se depois do sol posto.

Art. 75.° Terminado o apuramento, uma relação de todos os votados será publicada por edital, affixado na porta principal da casa da assembléa; em presença da mesma serão queimadas as listas que não estiverem no caso declarado no artigo 72.°, e d'estas circumstancias se fará expressa menção na acta.

§ unico. Dos votos que obtiver cada votado a mesa deverá passar sempre certidão, a requerimento de qualquer eleitor.

Art. 76.° Da eleição se lavrará acta em um dos quatro cadernos de que trata o artigo 45.°, assignada e rubricada pela mesa, e na acta se mencionarão, alem das mais circumstancias relativas á eleição:

1.° Todas as duvidas que occorrerem e reclamações que se fizerem, pela ordem em que foram apresentadas, e decisão motivada que sobre ellas se tomou, observando-se ácerca dos protestos escriptos o disposto no § 4.° do artigo 54.°;

2.° Quantos dias a eleição durou, e quaes as operações eleitoraes effectuadas em cada um d'elles;

3.° O nome de todos os votados e o numero de votos que cada um teve, escripto por extenso;

4.° Os votos annullados e o motivo por que o foram;

5.° A declaração de que os cidadãos que formam a assembléa outorgam aos deputados que, em resultado dos votos de todo o circulo eleitoral se mostrarem eleitos, a todos in solidum e cada um em particular, os poderes necessarios para que, reunidos com os dos outros circulos eleitoraes da monarchia portugueza, façam, dentro dos limites da carta constitucional e dos actos addicionaes á mesma, tudo quanto for conducente ao bem geral da nação.

§ 1.° As actas poderão ser lithographadas ou impressas nos seus dizeres geraes e a sua redacção poderá realisar-se depois do sol posto.

§ 2.° Terminada a acta, a requerimento de qualquer eleitor, a mesa será obrigada a passar por certidão o numero de votos obtido por qualquer candidato, segundo o que da mesma acta constar.

Art. 77.° D'esta acta tirar-se-hão tres copias authenticas, escriptas nos outros tres cadernos de que trata o artigo 45.°, igualmente assignadas e rubricadas pela mesa.

§ 1.° Uma d'estas copias será logo remettida ao presidente da assembléa de apuramento do circulo eleitoral, com um dos cadernos de que trata o artigo 44.° e mais papeis relativos á eleição, acompanhados de uma relação escripta por um dos secretarios da mesa, d'onde conste especificadamente quaes elles são. A remessa far-se-ha pelo seguro do correio, havendo-o, ou por proprio, que cobrará recibo da entrega.

§ 2.° A outra copia será tambem logo entregue, com outro dos cadernos de que trata o artigo 44.°, ao administrador do concelho ou bairro a que a assembléa pertencer, para que tudo remetta com a devida segurança ao administrador do concelho ou bairro da séde do circulo eleitoral, do qual cobrará recibo.

§ 3.° A terceira copia será remettida ao presidente da camara do concelho a que a assembléa pertencer, para ahi ser archivada.

Art. 78.° Tanto as actas originaes, como as copias a que se refere o artigo antecedente, serão assignadas por todos os vogaes da mesa, effectivos e supplentes, devendo, comtudo, julgar-se validas quando forem assignadas, pelo

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menos, por tres de entre elles. Se algum deixar de assignar, o secretario mencionará esta circumstancia.

Art. 79.° A qualquer cidadão é permittido pedir e os secretarios das camaras municipaes são obrigados a passar, independentemente de despacho, gratuitamente, sem sêllo e dentro de tres dias, certidões authenticas das actas e mais documentos relativos ás eleições, que estiverem guardados nos archivos das respectivas camaras. Todos estes documentos serão, para os effeitos d'esta lei, considerados originaes e authenticos, e dar-se-ha inteiro credito a qualquer certidão legal que d'elles se extraia.

Art. 80.° Os dois escrutinadores são os portadores da acta original da respectiva assembléa e apresental-a-hão, no dia designado, na séde do circulo eleitoral.

§ 1.° Quando algum dos escrutinadores tiver motivos que o estorvem de ir á séde do circulo, será substituido pelos secretarios ou pelos supplentes.

§ 2.° Tanto as actas originaes, que são entregues aos portadores, como as copias authenticas e mais papeis que, na conformidade do artigo 77.°, são remettidos para a séde do circulo eleitoral, por via do presidente da assembléa e do administrador do concelho ou bairro, serão fechadas e lacradas, e alem d'isso levarão no reverso do sobrescripto os appellidos dos membros da respectiva mesa, postos por letra de cada um.

CAPITULO VI

Do apuramento

Art. 81.° No domingo immediato ao da eleição, pelas nove horas da manhã, reunir-se-hão na casa da camara da séde do circulo eleitoral os portadores das actas de todo o circulo, sob a presidencia do presidente da commissão de recenseamento eleitoral; proceder-se-ha logo á formação da mesa, conforme o disposto nos artigos 46.° e seguintes, e observar-se-hão todas as mais disposições applicaveis com respeito á formação das mesas das assembléas primarias e ao modo de manter ahi a liberdade e fazer a policia, competindo para este fim ao presidente e mesa das assembléas de apuramento as mesmas attribuições que pelos citados artigos competem aos presidentes e mesas d'aquellas assembléas.

§ 1.° Se o presidente não comparecer á hora fixada n'este artigo, prover-se-ha á sua falta pela fórma indicada no artigo 49.°

§ 2.° O administrador do concelho da séde do circulo ou do bairro, onde se reunir a assembléa de apuramento, assistirá a todos os actos da mesma assembléa.

Art. 82.° Constituida a mesa, o presidente da assembléa lhe apresentará fechadas e lacradas as copias das actas que, na conformidade do artigo 77.°, § 1.°, lhe devem ter remettido as assembléas eleitoraes do circulo: os portadores das actas apresentarão tambem os originaes, que lhes tiverem sido entregues, e o administrador do concelho ou bairro da séde do circulo apresentará tambem as outras copias legaes, que na forma do § 2.° do mesmo artigo lhe devem ter remettido os administradores dos outros concelhos ou bairros do circulo.

Art. 83.° Feita esta apresentação, nomear-se-hão, pela fórma indicada no artigo 46.° para a formação das mesas das assembléas primarias, as commissões que se julgarem necessarias para a mais prompta expedição dos trabalhos, e por estas commissões se distribuirão proporcionalmente as actas das diversas assembléas do circulo, de maneira, porém, que o exame das actas de uma assembléa não seja nunca encarregado a uma commissão de que sejam membros cidadãos recenseados na mesma assembléa.

Art. 84.° Estas commissões procederão immediatamente ao exame das actas, que lhes forem distribuidas, e ao apuramento dos respectivos votos. Do resultado darão conta á assembléa.

Art. 85.° Os pareceres das diversas commissões serão lidos e approvados ou reformados pela assembléa geral dos portadores das actas.

Art. 86.° Approvados ou reformados os pareceres, a mesa procederá immediatamente ao apuramento geral, na conformidade d'elles, a fim de averiguar o numero total de votos que cada um dos cidadãos votados teve em todo o circulo, e sobre isto lavrará um parecer que será tambem lido e approvado ou reformado pela assembléa.

Art. 87.° As funcções das assembléas de apuramento reduzem-se exclusivamente a examinar, pela comparação das actas originaes trazidas pelos portadores com as copias authenticas subministradas pelo presidente da assembléa e respectivo administrador do concelho ou bairro, e tambem com os cadernos do recenseamento, se aquellas actas originaes são realmente as mesmas que foram confiadas aos portadores pelas mesas, e se os votos que d'ellas consta haver tido cada cidadão na respectiva assembléa são realmente os que elles ahi tiveram, e bem assim a apurar esses votos. De maneira nenhuma, porem, deixarão de os contar a qualquer cidadão ou poderão annullar as actas das quaes elles constam, com o fundamento de que houve alguma nullidade no recenseamento, na formação das mesas, no processo eleitoral, com o fundamento de que algum dos cidadãos votados é absoluta ou relativamente inelegivel ou com qualquer outro que não seja a falta de authenticidade ou genuinidade expressamente especificadas n'este artigo.

§ unico. Quando por qualquer caso imprevisto deixar de ser apresentada á assembléa de apuramento alguma, acta original ou alguma das copias a que se referem os artigos antecedentes, far-se-ha o apuramento pelas que apparecerem.

Art. 88.° Concluido o apuramento, escrever-se-ha em dois cadernos, assignados e rubricados pela mesa, o numero de votos que teve cada cidadão.

Art. 89.° Serão considerados como eleitos deputados pelo circulo os cidadãos mais votados em numero igual ao dos deputados que por elle houver a eleger.

§ 1.° Quando dois ou mais cidadãos tiverem o mesmo numero de votos, preferirá:

1.° O que tiver mais tempo de deputado;

2.° O mais velho;

3.° O que a sorte designar.

§ 2.° O nome d'aquelles que saírem eleitos publicar-se-ha por editaes affixados na porta principal da assembléa, e o presidente proclamal-os-ha tambem em voz alta diante de toda ella.

Art. 90.° Qualquer eleitor do circulo poderá apresentar protestos, nos mesmos termos determinados para as assembléas primarias, perante a assembléa de apuramento, que será tambem obrigada a receber os protestos ou contra-protestos que as mesas das assembléas primarias não tenham querido acceitar.

§ unico. Se os protestos apresentados nas assembléas de apuramento tiverem por objecto as operações das assembléas primarias, o presidente da assembléa ouvirá immediatamente os cidadãos, que compozeram as mesas das mesmas assembléas, para que informem o que se lhes offerecer ácerca dos protestos, e a resposta, que derem, será junta ao processo eleitoral.

Art. 91.° Do apuramento se lavrará acta, na qual se declarará o nome dos deputados eleitos, o numero de votos que cada um teve, e como pelas actas das assembléas de todo o circulo eleitoral consta que os eleitores d'elle outorgaram aos cidadãos, que se mostrasse haverem sido eleitos deputados, os poderes de que falla o artigo 76.°

Art. 92.° Da acta do apuramento se entregarão copias, assignadas por toda a mesa, a cada um dos deputados que presentes estiverem; aos ausentes enviar-se-hão com participação official do respectivo presidente.

Art. 93.° A acta de apuramento, conjunctamente com as actas originaes, cadernos e mais papeis que tiverem vindo

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das assembléas primarias, serão immediatamente remettidos ao presidente do supremo tribunal de justiça, dando-se logo da remessa conhecimento ao ministro e secretario d'estado dos negocios do reino.

§ unico. As copias authenticas das actas, que houverem sido apresentadas pelo presidente, ficarão guardadas no archivo da camara municipal da séde do circulo, e aquellas que tiverem sido apresentadas pelo administrador do concelho ou bairro da mesma séde serão remettidas ao respectivo governador civil, para serem por elle archivadas; excepto no caso em que umas ou outras tenham servido de fundamento para sobre ellas assentar alguma decisão da assembléa de apuramento, porque, n'este caso, terão o mesmo destino do processo eleitoral, ao qual serão juntas.

CAPITULO VII

Do tribunal de verificação de poderes

Art. 94.° O tribunal de verificação de poderes tem por fim conhecer de todos os processos das eleições de deputados, julgando as reclamações ou protestos apresentados, e, independentemente de reclamações ou protestos, declarando validas ou nullas as mesmas eleições.

§ unico. Contra os actos eleitoraes das assembléas primarias ou de apuramento e contra a elegibilidade dos deputados eleitos, qualquer eleitor do respectivo circulo póde apresentar reclamação ou protesto escripto e documentado, perante o presidente do tribunal, até á distribuição do processo eleitoral:

Art. 95.° O tribunal de verificação de poderes será composto:

1.° Pelo presidente do supremo tribunal de justiça, que será presidente do tribunal de verificação de poderes, e por tres juizes do mesmo supremo tribunal designados pela sorte;

2.° Por tres juizes da relação de Lisboa, tambem designados pela sorte.

§ 1.° Quando algum dos magistrados, de que tratam os n.ºs 1.° e 2.° d'este artigo, faltar ou estiver impedido, será chamado, para substituir o presidente, o juiz mais antigo do supremo tribunal, e, para os restantes juizes, os que lhes forem immediatos em antiguidade. No caso de necessidade poderá recorrer-se, nos mesmos termos, aos juizes da relação do Porto.

§ 2.° O sorteio, a que se referem os n.ºs 1.° e 2.° d'este artigo, será feito em sessão publica perante o supremo tribunal de justiça.

§ 3.° O tribunal constituir-se-ha por iniciativa do seu presidente, no dia immediato ao do apuramento da eleição geral de deputados no continente do reino.

Art. 96.° Os processos eleitoraes, contra os quaes não houver protestos ou reclamações, serão julgados no praso maximo de quinze dias, contados desde a sua recepção no tribunal, e os restantes deverão ser julgados no praso maximo de trinta dias, contados de igual data.

Art. 97.° As sessões do tribunal de verificação de poderes serão publicas e anteriormente fixadas em hora e dia por aviso do presidente publicado na folha official.

§ 1.° As discussões serão oraes.

§ 2.° O dia do julgamento será notificado com tres dias de antecedencia, por aviso publicado na folha official, aos candidatos, que poderão comparecer pessoalmente, fazer-se representar por advogados, ou produzir novos documentos até vinte e quatro horas antes do dia fixado para o julgamento. Se algum processo não poder ser julgado na sessão prefixada, ser-lhe-ha no fim d'esta determinado novo dia de julgamento sem necessidade de outra notificação.

§ 3.° Será sempre facultada aos candidatos, ou aos seus advogados, a inspecção directa, na secretaria do tribunal, dos processos eleitoraes e de quaesquer documentos que lhes digam respeito, não estando com vista aos juizes.

§. 4.° O tribunal poderá requisitar de todas as estações officiaes os documentos que entender convenientes e que urgentemente lhe serão remettidos, e no continente poderá mandar proceder a inqueritos, dentro do praso fixado para o julgamento, delegando para esse fim as suas attribuições em magistrados judiciaes, que terão direito de fazer citar testemunhas, nomear peritos e deferir-lhes juramento, corresponder-se com todas as auctoridades e requisitar-lhes as diligencias necessarias para o desempenho da sua commissão. O magistrado ou magistrados delegados vencerão, a titulo de ajuda de custo, a retribuição que lhes for arbitrada pelo tribunal, e que não excederá 4$500 réis por dia.

Art. 98.° O tribunal de verificação de poderes é competente para conhecer da legalidade de todas as operações eleitoraes dos processos que lhe são affectos e da elegibilidade absoluta e relativa dos deputados a que os mesmos processos respeitam, sem prejuizo do disposto no § 2.° do artigo 100.°

§ 1.° São causas de nullidade as infracções de lei e as faltas de formalidades, que possam influir no resultado geral da votação.

§ 2.° Nos circulos plurinominaes ás irregularidades nas operações eleitoraes de uma ou mais assembléas primarias, as quaes influam no resultado da eleição, sómente importam a repetição do acto eleitoral em todo o circulo, quando o numero de eleitores recenseados nas mesmas assembléas exceda um terço dos recenseados no circulo, aliás apenas se repetirão os actos eleitoraes na assembléa ou assembléas onde tenham occorrido aquellas irregularidades. Nos circulos uninominaes repetir-se-hão os actos eleitoraes em todo o circulo quando as irregularidades que influam no resultado da eleição affectem as operações de mais de uma assembléa primaria, aliás sómente se repetirá o acto eleitoral na assembléa em que hajam occorrido taes irregularidades.

§ 3.° As decisões do tribunal designarão individualmente todos os cidadãos votados no circulo e o numero de votos obtidos, qualquer que elle seja, e concluirão sempre por declarar valida ou nulla a eleição dos deputados eleitos, ou por declarar a necessidade de repetição dos actos eleitoraes em alguma ou algumas das assembléas, nos casos previstos no paragrapho antecedente.

§ 4.° As decisões do tribunal serão sempre motivadas e d'ellas não haverá recurso.

§ 5.° Os processos definitivamente julgados, depois de registadas as decisões proferidas, serão remettidos á camara dos deputados, dentro de quarenta e oito horas desde o julgamento, se a camara estiver funccionando, ou logo que se reuna; e as decisões, que determinarem por qualquer motivo a repetição de actos eleitoraes, serão immediatamente communicadas ao governo, que, no praso designado no artigo 105.°, contado da data da decisão, convocará as respectivas assembléas.

§ 6.° O tribunal conhecerá das questões relativas á sua constituição, e organisará o seu regulamento.

CAPITULO VIII

Da junta preparatoria, da constituição da camara dos deputados e modo de preencher as vacaturas

Art. 99.° Todos os deputados eleitos deverão concorrer no dia e logar aprasado para a reunião das côrtes geraes.

Art. 100.° Logo que se tenha reunido metade e mais um dos deputados eleitos pelos circulos do continente do reino, não se contando para cada deputado a eleição por mais de um circulo, constituir-se-hão em junta preparatoria, á qual serão presentes todos os processos, com os respectivos julgamentos, enviados do tribunal de verificação de poderes.

§ 1.° Os deputados serão proclamados em conformi-

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dade com os julgamentos e depois do sorteio exigido pelo artigo 11.°, quando houver de effectuar-se.

§ 2.° Se a elegibilidade de algum deputado eleito for contestada por outro membro da junta preparatoria ou da camara, e os fundamentos da contestação não tiverem sido submettidos ao tribunal de verificação de poderes e por este apreciados, o deputado eleito não será proclamado sem a junta preparatoria ou a camara se haver pronunciado, em escrutinio secreto, ácerca da elegibilidade contestada.

§ 3.° Não podem ser objecto de impugnação os requisitos verificados por decisão dos tribunaes para a inscripção na qualidade de eleitor, excepto se a impugnação for motivada em facto posterior á decisão.

Art. 101.° O deputado eleito por mais de um circulo eleitoral representará o da naturalidade; não sendo eleito por este, o da residencia; na falta d'este, o circulo em que tiver obtido maior numero de votos, e em igualdade de votos, o que a sorte designar.

Art. 102.° O deputado eleito póde livremente renunciar o seu logar de deputado, antes de tomar assento na camara, fazendo-o assim constar por escripto á mesma camara.

Art. 103.° O deputado, depois de tomar assento na camara, não póde renunciar o seu logar sem approvação d'ella.

Art. 104.° O deputado, depois de tomar assento na camara, não póde escusar-se a desempenhar as funcções do mesmo logar senão por causa legitima e justificada perante a camara.

§ 1.° Se, contra o disposto n'este artigo, deixar de comparecer ás sessões por quinze dias consecutivos, será primeira e segunda vez convidado por officio do presidente, precedendo para esse fim deliberação da camara.

§ 2.° Se ainda, apesar d'isso, não se apresentar ou não justificar motivo que o impossibilite de comparecer, resolver-se-ha que perdeu o logar de deputado, o qual será declarado vago.

§ 3.° Esta vacatura não poderá ser declarada pela camara sem que, primeiramente, pelo exame de uma commissão, á qual o assumpto seja commettido, se verifique terem-se pontualmente observado todas as solemnidades d'este artigo e seus paragraphos.

Art. 105.° Declarada a vacatura de qualquer logar de deputado ou annullada alguma eleição, nos termos do artigo 11.° ou do § 2.° do artigo 100.°, será este facto immediatamente communicado ao governo, para que mande proceder á eleição supplementar no praso de quarenta dias, desde a data da resolução da camara, se o circulo pertencer ao continente do reino, ou no mais breve praso, que for compativel com as distancias e meios de communicação, se o circulo pertencer ás ilhas adjacentes ou ao ultramar.

§ unico. Nos actos eleitoraes que houverem de repetir-se observar-se-hão as formalidades estabelecidas n'esta lei para a eleição geral de deputados.

CAPITULO IX

Disposições especiaes

Art. 106.° Nas provincias ultramarinas os vogaes da commissão de recenseamento eleitoral serão nomeados pelo conselho de provincia, e o governador escolherá de entre elles o presidente.

§ 1.° Nas mesmas provincias as assembléas primarias serão presididas por cidadãos da livre escolha das commissões de recenseamento.

§ 2.° Continua em vigor o disposto no artigo 118.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, e em decretos especiaes serão designadas as contribuições directas das mesmas provincias, que deverão levar-se em conta para o calculo da quantia exigida pelo artigo 1.°, alem das contribuições mencionadas no artigo 25.°

Art. 107.° Os governadores das provincias ultramarinas são auctorisados a fixar, com os indispensaveis intervallos e attendendo ás distancias e meios de communicação, os prasos para as operações de organisação e revisão do recenseamento eleitoral e para os diversos actos das eleições.

Art. 108.° No caso de annullação da eleição de algum circulo do ultramar, será chamado a represental-o o mesmo cidadão, que o representava na legislatura anterior, até que se apresente á camara, devidamente julgado, o processo eleitoral do respectivo circulo.

Art. 109.° As funcções dos deputados pelas provincias ultramarinas cessam logo que finde a legislatura para que foram eleitos ou em que tomaram assento.

§ 1.° No caso, porém, da dissolução da camara, os deputados das provincias ultramarinas continuarão a represental-as unicamente até que seja apresentado á camara, devidamente julgado, o processo eleitoral dos respectivos circulos.

§ 2.° Quando seja reduzido o numero de circulos das mesmas provincias, serão chamados a represental-as, nos termos do paragrapho antecedente, os deputados da anterior legislatura pela ordem designada no § 1.° do artigo 89.°

Art. 110.° Os governadores civis dos districtos insulanos designarão para os recursos eleitoraes, quando os haja, para os subsequentes actos do recenseamento e para a reunião das assembléas de apuramento os prasos e dias que forem compativeis com os meios de communicação.

CAPITULO X

Disposições penaes, geraes e transitorias

Art. 111.° Os parochos, os encarregados do registo criminal, officiaes do registo civil e escrivães de fazenda, que deixarem de remetter, nos prasos devidos, aos secretarios das commissões de recenseamento eleitoral as relações e informações a que são obrigados por esta lei para a organisação e revisão do recenseamento, incorrerão na multa de 40$000 a 100$000 réis.

Art. 112.° Os membros das commissões de recenseamento que deixarem de comparecer ás reuniões a que são obrigados ou que, comparecendo, deixarem de cumprir as obrigações que esta lei lhes impõe, incorrerão na multa de 40$000 a 100$000 réis por cada vez que o fizerem.

§ unico. Na mesma pena incorrem todas as pessoas, auctoridades ou funccionarios que deixarem de prestar qualquer esclarecimento ou informação exigido por esta lei para a organisação e revisão do recenseamento eleitoral.

Art. 113.° Os parochos, funccionarios e mais pessoas, a que se referem os dois artigos antecedentes, no caso de prestarem falsas declarações, incorrerão na pena de suspensão temporaria dos direitos politicos e na de prisão até seis mezes.

§ unico. Incorrerá na pena de suspensão o escrivão de fazenda que omittir o nome de qualquer contribuinte nas relações que é obrigado a fornecer para a organisação ou revisão do recenseamento eleitoral e, no caso de reincidencia, será demittido.

Art. 114.° Os portadores das actas que deixarem de comparecer na assembléa de apuramento no local, dia e hora marcado por esta lei, ou que, comparecendo, ahi deixarem de cumprir as obrigações que esta lei lhes impõe, incorrerão em uma multa de 40$000 a 100$000 réis.

Art. 115.° As auctoridades administrativas ou ecclesiasticas que deixarem de comparecer nas assembléas eleitoraes primarias ou de apuramento, para os fins indicados por esta lei, os cidadãos eleitos para vogaes effectivos ou supplentes da mesa, que se recusarem a servir ou cumprir

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alguma obrigação, que lhes for incumbida, incorrerão na multa de 40$000 a 100$000 réis.

Art. 116.° Os presidentes de quaesquer assembléas eleitoraes primarias ou de apuramento que não comparecerem para presidir ás respectivas assembléas no dia. hora e local competente, incorrerão na multa de 50$000 a 100$000 réis.

§ 1.° E se, deixando de comparecer por impossibilidade absoluta, não mandarem entregar no mesmo local, ao presidente que a assembléa houver escolhido para o substituir, todos os papeis, concernentes á eleição que lhes houverem sido entregues, em virtude da lei, uma hora depois d'aquella a que se refere o principio d'este artigo, incorrerão na multa de 100$000 a 200$000 réis

§ 2.° Serão punidos com a mesma pena áquelles que começarem ou interromperem os actos eleitoraes antes das horas marcadas n'esta lei.

Art. 117.° As auctoridades que se negarem a passar, dentro do praso de tres dias ou de outro que especialmente estiver fixado, as copias, certidões ou attestados que lhes forem pedidos, para demonstração de algum direito garantido por esta lei, ou que por qualquer modo embaraçarem, ou com qualquer outro pretexto demorarem a passagem d'esses documentos ou entrega de quaesquer outros que lhes hajam sido confiados, incorrerão na multa de 50$000 a 200$000 réis e, soffrerão a pena de suspensão do emprego pelo espaço de seis mezes a um anno.

§ unico. Se d'este procedimento da auctoridade resultar para algum cidadão a perda do exercicio do direito eleitoral ou de elegibilidade, a multa será duplicada e a pena será de prisão de seis mezes a um anno.

Art. 118.° O secretario da camara municipal ou da administração do bairro que deixar de cumprir as obrigações prescriptas n'esta lei, incorrerá na multa de 100$000 a 200$000 réis, e no caso de reincidencia, na pena de demissão.

§ unico. Na mesma pena incorrerão os escrivães de direito que não cumprirem as obrigações que por esta lei especialmente lhes incumbem.

Art. 119.° Os juizes, de qualquer ordem ou jerarchia, que deixarem de cumprir, dentro dos prasos fixados por esta lei, as obrigações que ella lhes impõe, incorrerão na multa de 50$000 a 100$000 réis e soffrerão a pena de dois a seis mezes de suspensão.

Art. 120.° Todas e quaesquer pessoas particulares ou auctoridades, ás quaes, individual ou collectivamente,, seja imposta por esta lei alguma obrigação, se deixaram de a cumprir, incorrerão na multa de 40$000 réis a 100$000 réis, quando outra pena lhes não seja comminada por alguma disposição especial d'ella.

Art. 121.° Todos áquelles que se fizerem inscrever a si ou a outros, ou concorrerem para que elles proprios ou esses outros sejam inscriptos no recenseamento, com falso nome ou falsa qualidade, ou encobrindo ou concorrendo para que se encubra uma incapacidade prevista na lei, ou tiverem feito ou concorrido para que se faça a inscripção de um mesmo eleitor em duas ou mais listas de recenseamento, incorrerão na pena de suspensão dos direitos politicos por tempo não inferior a seis annos e na multa de 50$000 a 200$000 réis.

§ unico. Todos áquelles que, sendo encarregados por esta lei de fazer o recenseamento dos eleitores e elegiveis, inscreverem ou deixarem de inscrever indevidamente e com dolo no recenseamento qualquer cidadão, serão punidos com a pena duplicada.

Art. 122.° Todo aquelle que, tendo perdido o direito de votar por algum dos motivos indicados n'esta lei; votar não obstante isso, será punido com a pena de prisão de quinze dias a tres mezes e multa de 10$000 a 50$000 réis.

Art. 123.° Todo aquelle que votar em qualquer assembléa eleitoral, quer seja em virtude, de uma inscripção obtida illegitimamente pelo modo previsto no artigo 121.°, quer seja tomando falsamente os nomes e as qualidades de um outro eleitor inscripto, será punido com a pena de prisão de um mez a um anno e multa de 20$000 a 100$000 réis.

§ unico. Será punido com a mesma pena todo o cidadão que se aproveitar de uma inscripção multipla para votar mais de uma vez.

Art. 124.° Todos áquelles que falsificarem ou concorrerem para que seja falsificado o escrutinio: acceitando listas declaradas illegaes por esta lei ou contando os votos que ellas contiverem; pondo ou consentindo que se ponha nota de descarga em eleitores que não votaram; introduzindo illegalmente listas na urna, tirando ou substituindo as que n'ella tiverem sido legalmente lançadas; trocando na leitura das listas o nome dos votados, ou diminuindo votos a uns, e acrescentando-os a outros no acto de os assentarem; ou falsificando por qualquer modo a verdade da eleição, serão punidos, em qualquer d'estes casos, com a pena de prisão não inferior a dois annos e multa de 200$000 a 1:000$000 réis.

Art. 125.° Incorrerão na pena comminada pelo artigo anterior todos áquelles que por qualquer maneira falsificarem o recenseamento, nos cadernos que forem enviados pelas commissões aos presidentes das assembléas eleitoraes primarias, ou quaesquer outros documentos que por ellas lhes forem remettidos; todos áquelles que falsificarem os cadernos, actas e mais papeis respectivos á eleição, que pelas diversas vias estabelecidas por esta lei devem ser remettidos ás assembléas de apuramento; e, em geral, todos áquelles que falsificarem, concorrerem para que se falsifique ou consentirem que se falsifique qualquer documento respectivo ao recenseamento ou ás eleições; e ainda áquelles que deixarem extraviar estes documentos, havendo-lhes sido confiados.

Art. 126.° Todos os portadores das actas que na assembléa de apuramento, contra a disposição do artigo 87.°, as annullarem, por quaesquer motivos que não sejam o de falta de genuidade e authenticidade expressamente marcados n'esta lei; que deixarem com qualquer fundamento de contar os votos aos cidadãos votados ou de se conformar com as disposições do mesmo artigo em que lhes são taxativa, restricta e expressamente marcadas as suas funcções; ou que por qualquer modo adulterarem a verdade da eleição, incorrerão na pena de prisão não inferior a dois annos, na multa de 200$000 réis a 1:000$000 réis e na inhabilidade para todas as funcções publicas por espaço de seis annos.

Art. 127.° A cada um dos membros da assembléa primaria ou de apuramento que se oppozer ao exacto cumprimento das disposições dos §§ 3.° e 4.° do artigo 54.°, dos preceitos do artigo 68.°, dos §§ J.° e 2.° do artigo 74.°, do § unico do artigo 75.°, do § 2.° do artigo 76.° e do disposto no artigo 90.°, será applicada a pena de prisão de quinze dias a seis mezes e multa de 50$000 a 200$000 réis. O maximo da pena será sempre applicado nos mesmos termos ao presidente da assembléa.

Art. 128.° Áquelles que por via de noticias falsas, boatos calumniosos ou quaesquer outros artificios fraudulentos, surprehenderem ou desviarem votos, determinarem ou tentarem determinar um ou muitos eleitores a abster-se de votar, um ou muitos portadores de actas a deixar de cumprir as obrigações que lhes são impostas por esta lei, serão punidos com a multa de 20$000 a 200$000 róis.

Art. 129.° Aquelles que, por vias de facto, violencias ou ameaças contra um eleitor, fazendo-lhe receiar algum damno para a sua pessoa, familia ou fortuna, o determinarem ou tentarem determinar a votar ou abster-se de votar, influirem ou tentarem influir sobre o seu voto, serão punidos com a pena de prisão de dois mezes a dois annos e multa de 20$000 a 200$000 réis.

§ 1.° Se as vias de facto e violencias forem taes que

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mereçam pena maior que o maximo aqui estabelecido, ser-lhes-ha essa pena applicada.

§ 2.° Se o delinquente for funccionario publico, a pena será de prisão de dois mezes a dois annos e suspensão dos direitos politicos até seis annos.

Art. 130.° Todo aquelle que entrar armado em uma assembléa eleitoral primaria ou de apuramento será punido com a pena de prisão de um a tres mezes e multa de 10$000 réis a 100$000 réis.

Art. 131.° A auctoridade militar, por cuja ordem alguma força armada se apresentar no local onde estiverem reunidas as assembléas eleitoraes ou na sua proximidade, sem requisição do respectivo presidente, contra o disposto no artigo 59.° d'esta lei, será punida com a pena de presidio militar até um anno.

§ 1.° Nenhuma ordem vocal auctorisará a infracção do referido artigo.

§ 2.° Nenhuma ordem por escripto relevará o infractor, excepto a original requisição do presidente da mesa.

Art. 132.° Todos aquelles que, por via de tumultos, vozerias ou quaesquer outras demonstrações ameaçadoras, pretenderem ou tentarem perturbar as operações da assembléa primaria ou de apuramento, ou attentarem contra o exercicio do direito eleitoral ou contra a liberdade de votar, e bem assim todos aquelles que em tumulto entrarem ou tentarem entrar com violencia na assembléa eleitoral, com o fim de impedir a eleição de qualquer cidadão, ou de impor a de um outro, serão punidos com. a pena de prisão de seis mezes a dois annos e multa de réis 100$000 a 500$000.

§ unico. Se os delinquentes forem armados ou se o escrutinio for violado, a prisão não será inferior a dois annos e a multa será de 200$000 a 1:000$000 réis.

Art. 133.° Todos aquelles que, durante a reunião das assembléas eleitoraes primarias ou de apuramento, insultarem ou violentarem a mesa, ou lhe faltarem á devida obediencia, insultarem ou violentarem algum dos membros da assembléa, serão punidos com a pena de prisão de tres mezes a dois annos e a multa de 50$000 a 500$000 réis.

§ 1.° Se o escrutinio for violado, a prisão não será inferior a dois annos e a multa será de 200$000 a 1:000$000 réis.

§ 2.° Se as violencias forem taes, que mereçam pela legislação commum pena maior, ser-lhes-ha essa applicada.

Art. 134.° Aquelle que roubar a uma com as listas recebidas, mas ainda não apuradas, ou roubar algumas listas, será punido com a pena de prisão de seis mezes a dois annos e multa de 100$000 a 500$000 réis.

§ unico. Se o roubo for effectuado em tumulto e com violencia, a prisão não será inferior a dois annos e a multa será de 200$000 a 1:000$000 réis e, se maior pena pela legislação commum couber ás violencias perpetradas, essa deverá applicar-se.

Art. 135.° Todas as auctoridades administrativas e policiaes que, por negligencia, deixarem de empregar todos os meios á sua disposição para obstarem a que se pratiquem as contravenções e delictos prevenidos por esta lei dentro da area da sua jurisdicção, serão punidas com a pena de demissão ou suspensão do emprego, conforme o grau da culpa.

§ unico. Se o fizerem por malicia, reputar-se-hão cumplices n'essas contravenções ou delictos, e como taes serão punidas com as penas que estiverem comminadas aos proprios delinquentes.

Art. 136.° Todos os magistrados, auctoridades e empregados que nas circumscripções territoriaes, pelas quaes forem respectivamente inelegiveis, espalharem cartas, proclamações ou manifestos eleitoraes, ou angariarem votos, serão punidos com a pena de prisão de um mez a um anno e suspensão de direitos politicos até seis annos.

Art. 137.° Será punida com a pena de prisão de seis mezes a dois annos e inhabilidade para todos os cargos publicos por quatro a seis annos, toda a auctoridade, seja qual for a sua classe ou categoria, que no dia das eleições fizer, sob qualquer pretexto, e ainda mesmo por motivo de serviço publico, sair do seu domicilio ou permanecer fóra d'elle qualquer eleitor, para que não possa votar.

Art. 138.° Será igualmente punida com a mesma pena toda a auctoridade que conduzir, por si ou por intermedio dos seus subordinados, os eleitores ao local da eleição para darem o seu voto ou os impedir ali de communicarem e tratarem com os outros para accordarem no melhor modo de exercerem o seu direito.

Art. 139.° É prohibido aos administradores de concelho, sob pena de inhabilidade para todos os cargos publicos por quatro annos e multa de 50$000 a 200$000 réis, nomear cabos de policia quinze dias antes das eleições.

Art. 140.° As auctoridades administrativas ou policiaes, que deixarem de participar aos agentes do ministerio publico as contravenções e delictos previstos n'esta lei, e os agentes do ministerio publico, que deixarem de immediatamente os perseguir, incorrem na pena de demissão e inhabilidade para qualquer emprego publico, por cinco a dez annos, alem da responsabilidade que por qualquer omissão ou negligencia lhes caiba para com a fazenda publica.

Art. 141.° Todas as contravenções e delictos, que offenderem as disposições d'esta lei ou o direito eleitoral e o exercicio d'elle, comprehendidos nos diversos artigos d'este capitulo, serão sempre perseguidos perante os tribunaes competentes, pelos respectivos agentes do ministerio publico, e tambem o podem ser por qualquer eleitor inscripto no recenseamento, instaurando-se o processo devido segundo a legislação em vigor.

Art. 142.° O procedimento criminal por contravenções ou delictos previstos n'esta lei prescreve no praso de seis mezes desde que forem commettidos.

§ unico. Somente prescreve no praso de tres annos o procedimento pelo delicto previsto no artigo 131.° e o procedimento contra as auctoridades administrativas ou policiaes e contra os agentes do ministerio publico que para a punição do mesmo delicto deixarem de cumprir o preceito do artigo 140.°

Art. 143.° Para se perseguir por estes crimes um funccionario de qualquer ordem ou categoria ou qualquer agente da auctoridade publica não é necessaria auctorisação do governo.

Art. 144.° Os processos por estes crimes não suspendem em caso algum as operações eleitoraes nem podem prejudicar o segredo do escrutinio.

Art. 145.° A condemnação, quando for pronunciada, não importará nunca a annullação da eleição declarada valida pelo tribunal competente.

Art. 146.° Continuam a ser permittidas todas as reuniões para objectos eleitoraes, tanto publicas como particulares, nos termos das leis e regulamentos respectivos.

Art. 147.° A divisão de circules eleitoraes fixada pela presente lei começará a vigorar nas eleições geraes para a proxima legislatura.

Art. 148.° Ficam revogados o decreto de 30 de setembro de 1852, as leis de 23 de novembro de 1859, de 8 de maio de 1878 e de 21 de maio de 1884, e toda a legislação em contrario.

Quadro dos prasos para as operações de recenseamento eleitoral, ao qual se refere o artigo 38.° da presente lei

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Operações Datas Prasos

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Numeros Circulos Concelhos

Palacio das côrtes, em 2 de maio de 1896. = Antonio José da Costa Santos, presidente = Amandio Eduardo da Mota Veiga, deputado secretario = José Eduardo Simões Baião deputado secretario.

O sr. Conde de Lagoaça: - Mal pareceria que não se levantasse alguem para discutir, o projecto da reforma eleitoral. Não é que valha muito a pena fazel-o, porque com este projecto vae acontecer o mesmo que tem succedido com todos os outros.

O proprio governo com certeza não faz grande empenho, não digo na approvação do projecto, mas nas idéas n'elle expendidas, porquanto o governo diz e pratica hoje uma cousa, para ámanhã dizer e praticar outra cousa.

Por consequencia, se o governo tem tido toda a força, que naturalmente lhe dá quem lh'a póde dar, para fazer e desfazer o que lhe apraz, que vantagem temos nós em estar aqui a cansar-nos, discutindo as medidas apresentadas pelo governo?

Já houve quem chamasse á politica portugueza crochet de Peneloppe; desfazem uns o que outros fizeram. O governo, porém, refinou o systema, e ahi está elle proprio desfazendo o que fez na vespera.

Eu vi nos registos parlamentares a discussão que sobre este assumpto houve na outra casa do parlamento; li o extracto do discurso do nobre ministro do reino, que fallou muito bem, como é seu costume; mas francamente, não fui capaz de comprehender quaes as rasões que levaram o governo a modificar o pensamento do seu decreto dictatorial.

O relatorio, da nossa commissão, que está realmente muito bem feito, e que é mesmo um trabalho notavel em que o illustre relator, o sr. Jeronymo Pimentel, revela os conhecimentos especiaes que possue n'estes assumptos, não póde deixar de ser contradictorio, porque realmente não é facil defender ao mesmo tempo o escrutinio de lista e os circulos uninominaes.

No proprio relatorio encontrava eu palavras bastantes para condemnar o procedimento do governo.

Diz o illustre relator o sr. Jeronymo Pimentel:

«A indisciplina dos partidos militantes, ou antes ainda, a sua anarchia doutrinaria, a sua falta de cohesão, a contradicção dos seus processos, a falsa comprehensão dos seus deveres, o afastamento dos ideaes, que deviam ser a norma do seu proceder, etc.»

Parece que tudo isto foi um talhar de carapuças para enfiar nas cabeças dos srs. ministros;

Ora repare a camara: «a anarchia doutrinaria, a falta de cohesão, a contradicção dos processos, etc.»

Querem-n'o mais claro?

Parece mesmo o retrato do sr. João Franco e de todos os srs. ministros!

Felicito mais uma vez o meu illustre amigo o sr. Jeronymo Pimentel. Felicito-o e agradeço-lhe, porque eu não podia encontrar palavras que melhor do que estas expressassem o meu pensamento.

«Anarchia doutrinaria, falta de cohesão, contradicção de processos...» É isto mesmo!

O que aqui se diz é a copia fiel dos expedientes politicos seguidos pelo actual ministerio.

O que este governo tem feito e tem dito é realmente extraordinario, e eu não sei o que mais me espanta, se o que elle tem dito, se o que elle tem feito!

Mas o que é mais extraordinario ainda é que haja um paiz que assista a tudo isto com a impassibilidade e indifferença que o nosso manifesta! Com esta indifferença de que tanto tem fallado o governo, especialmente o sr. ministro do reino.

O governo poz em execução um certo numero de medidas mais ou menos violentas. A opposição reuniu-se em comicios appellando para o paiz. E o paiz, como sempre, continuou a deixar-se ficar indifferente.

E porque é que ficou inffifferente?

Ficou indifferente porque ligou tanta importancia aos protestos do partido progressista como aos actos do governo.

Ora isto, sr. presidente, accusa um estado de depressão moral, um abatimento de tal ordem que, forçoso só é dizel-o, chega a fazer vergonha.

Se as cousas continuarem por este caminho, creia v. exa. que se ha de chegar a um ponto em que, sem se saber porque, o povo, accordando de repente, talvez queira compensar o tempo que dormiu, e ir mais longe.

Todos nós ouvimos o grande discurso aqui pronunciado pelo nobre ministro do reino, quando se tratou da reforma d'esta camara.

S. exa., fazendo a historia dos actos da dictadura do governo, disse que ella tinha tido por principal objectivo levantar o prestigio parlamentar e o paiz do abatimento em que se encontravam, pois que na camara dos pares o elemento electivo votava com subserviencia a favor do governo, e as eleições se faziam sem eleitores.

Ora, para levantar esse prestigio o que fez o governo?

Fez isto! (Apontando para o projecto em discussão.)

Não ha palavras no diccionario parlamentar para classificar este facto.

O governo, que usou dos poderes mais discricionarios até ao presente empregados em Portugal, o governo, que tinha em si mesmo forças bastantes para prestar grandes serviços ao paiz, pois que era composto de homens de provada competencia, e farei menção especial do proprio sr. ministro do reino, de quem todos chegámos a esperar alguma cousa util e proveitosa, o governo o que fez, o que tem feito, o que está fazendo?!

Podia ter feito tudo, pelas circumstancias especiaes em que se encontrou, e não fez nada. Não salvou o paiz. Pelo contrario, abateu-o ainda mais!

O que ficou de toda a obra do governo?

O decreto do ponto nas secretarias; o decreto dos passaportes!...

Bagatellas!

O que fez especialmente o sr. ministro do reino, um homem novo e energico?

Nada, o que é um duplo crime, digo-o com magua.

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Para levantar o prestigio parlamentar, o sr. ministro do reino mandou fabricar no ministerio do reino, pelos seus empregados de confiança, uma lei que não trouxesse ao parlamento se não quem s. exa. quizesse; mas, a breve trecho, mudou de opinião, e voltou ao systema antigo.

Porque? Pergunto eu, sr. presidente!

Que manifestação houve da parte do paiz para que o governo mudasse completamente de idéas e principios?

Pois o paiz não se conserva na mesma indifferença!

O paiz tinha pedido o escrutinio de lista? Não.

O paiz pediu agora circulos uninominaes? Tambem não. O paiz continua a dormir.

Eu ouvi dizer na outra casa do parlamento que o governo fizera o decreto dictatorial, que estabeleceu o escrutinio de lista, para não vir á camara senão quem os ministros quizessem; e que, sentindo agora que estava moribundo, tratou de fazer uma lei que lhe aproveitasse na opposição.

Parece incrivel!

Eu não me atreveria a dizer isto, mas uma vez que já está dito, confessarei que se me parece incrivel que se faça, mais incrivel parece ainda que se tolere.

Cousas d'estas só podem acontecer n'um paiz que em logar de ter sangue nas veias tem capilé.

Repito, parece incrivel que haja um governo d'esta ordem, que faz e desfaz leis ao sabor dos seus interesses e conveniencias pessoaes e partidarias; e mais incrivel parece ainda que haja um paiz que o tolere. Bem se diz que os paizes teem os governos que merecem.

Com muita rasão escreveu o sr. Jeronymo Pimentel:

«A indisciplinados partidos militantes, ou antes ainda, a sua anarchia doutrinaria, a sua falta de cohesão, a contradicção dos seus processos, a falsa comprehensão dos seus deveres, o afastamento dos ideaes, que deviam ser a norma do seu proceder, concorriam por sua parte para o descredito dos partidos, e, portanto, da politica.»

É certo. Quem mais que o governo tem concorrido para o descredito dos partidos?

Este governo, pelos seus actos arbitrarios, poz fóra da legalidade um grande partido militante, e é preciso que se diga, que eu, comquanto não concorde pessoalmente com o facto d'esse partido se ter afastado d'esta casa do parlamento, entendo, comtudo, que se deve fazer justiça, e é preciso que se faça ao seu procedimento.

Eu sei de boa fonte, de fonte limpa, que se não fóra a lealdade monarchica do partido progressista, a lealdade do chefe d'esse partido para com a corôa, as cousas teriam corrido de outra maneira, e o sr. João Franco sabe isto muito bem.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Eu não sei nada.

O Orador: - Eu posso contar a s. exa. o que tem succedido; mas não o quero dizer aqui em voz alta.

Se não fosse a provada lealdade d'esse illustre homem de estado, que tem direito a todas as considerações; que é chefe de um numeroso partido; v. exa. ainda o não é, mas é natural que o venha a ser...

(Apoiados do sr. ministro do reino.)

S. exa. até já d'isso está convencido!

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Os meus apoiados referiam-se ás qualidades do sr. José Luciano de Castro, e a mais nada.

O Orador: - O sr. José Luciano dispõe de grande influencia, da influencia de um partido, que elle manda como chefe, e se não fosse a sua lealdade, as cousas teriam corrido de outra maneira.

De quem era a culpa?

Do governo, que pelas suas faltas fomentava a anarchia e a indisciplina dos partidos.

A este respeito não ha a menor duvida.

Não quero fatigar a camara, senão contaria a historia politica de todo este governo, a serie de contradicções em que elle tem incorrido desde a sua formação, em todas as suas idéas, em todas as suas obras, em todos os seus processos, recordaria entre outros factos, a resposta que me deu um dos seus ministros, quando eu perguntava a rasão por que dissolveu a camara dos senhores deputados, que fôra eleita pelo governo do sr. José Dias Ferreira.

O sr. ministro do reino respondeu-me por essa occasião: que prestigio poderiam ter as camaras eleitas pelos governos? Como haviam de votar contra elles, que as elegeram? Como haviam de ser juizes em causa propria?

Mas o governo do sr. Dias Ferreira, que tinha eleito uma camara, não caíu perante ella?!

Logo, n'essa occasião, não estava abatido o prestigio do parlamento, logo, os seus membros possuiam bastante imparcialidade e independencia de acção.

E o governo passou, e elles ficaram, e d'essa camara saíu o ministerio presidido pelo sr. Hintze Ribeiro.

Eu perguntei aqui a rasão porque fora dissolvida essa camara, perante a qual este governo fez quanto quiz, achando-a sempre disposta a approvar-lhe tudo, absolutamente tudo.

A sessão parlamentar tinha corrido serena e mansa como não ha memoria de outra, a ponto que o proprio chefe do partido progressista dizia ao nobre presidente du conselho: «Eu não saberia governar melhor».

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pois elle disse isso?

O Orador: - Disse, sim, senhor.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Fez muito mal.

O Orador: - E logo em cima d'isto, o que fez o sr. João Franco para lhe agradecer? Dissolveu a camara dos deputados, dissolução que foi um erro gravissimo e que nada absolutamente nada aconselhava.

Tambem ao sr. ministro da guerra, Pimentel Pinto, perguntei qual a rasão por que o governo dissolvera a camara? E o sr. Pimentel Pinto respondeu-me em nome dos seus collegas: «O governo entendeu que devia consultar a urna, consultar o paiz, a fim de ver se tinha n'elle a popularidade precisa para governar».

Quando quizeram dissolver a camara, a opinião publica valia para alguma cousa, o paiz era independente, o suffragio era ligitimo.

Mas de ahi a pouco tempo o nobre ministro do reino entendeu em sua alta sabedoria e recreação reformar a camara dos deputados e supprimir a parte electiva, da camara dos pares.

Já o paiz então não prestava para nada, os eleitores não eram independentes, o suffragio não era espontaneo, as eleições faziam-se, dissera s. exa., no ministerio do reino!

Com muita rasão escreveu o sr. Jeronymo Pimentel: «A anarchia doutrinaria, a falta de cohesão, a contradicção dos processos...» S. exa. tem carradas de rasão.

Eu não quero fatigar a attenção da camara nem tão pouco me quero fatigar a mim, porque a discussão é perfeitamente esteril, perfeitamente inutil.

Nós já sabemos pouco mais ou menos o que se nos responderá por parte do governo, sabemol-o pelos extractos das sessões parlamentares da outra camara: «O governo não apresenta nenhuma alteração fundamental ao decreto da dictadura; o systema de recenseamento é o mesmo, o censo é o mesmo, o numero de deputados tambem o mesmo, apenas houve mudança emquanto aos circulos, que eram plurinominaes e agora são uninominaes».

Que importa lá que haja um deputado por 33:000 habitantes, ou por 44:000 ou por 42:000? É perfeitamente secundario.

Haver ou não haver circulos uninominaes é que é a questão, a grande questão eleitoral!

O governo precisou do escrutinio de lista para trazer á camara quem muito bem quizesse, e apregoou que não ha-

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via melhor, nem mais puro, nem mais maravilhoso systema eleitoral.

Eu ainda- me lembro do que me respondia o sr. ministro do reino; todo influido, ao tratar-se aqui da reforma da camara dos pares.

Tinha eu dito que alguns dos membros d'esta camara se haviam pronunciado contra essa reforma, e que só o sr. ministro do reino a havia defendido n'um discurso que estava estudado ha mais de um anno.

S. exa. n'essa occasião irritou-se commigo, e respondeu-me que folgava que eu houvesse dito que o seu discurso estava estudado ha mais de um anno, o que provava que o governo meditava muito nas questões antes de as apresentar ao parlamento.

Como todos sabem, o escrutinio de lista durou pouco, apesar de muito meditado no cerebro dos srs. ministros. Voltou-se a breve trecho ao antigo systema dos circulos uninominaes; aqui temos agora o projecto que os restabelece.

Ora, supponha v. exa. que o governo tinha meditado menos!

Onde estariamos nós agora?!

Já vê v. exa. que o governo ainda não tinha meditado o sufficiente; não tinha reflectido tanto como seria para desejar.

Em relação á reforma da camara dos pares dizia o sr. ministro do reino que tinha estudado muito esta questão, reflectido muito.

Todos se recordam do que aconteceu em relação ao artigo 5.° d'essa reforma, que dava ao poder moderador a faculdade de resolver os conflictos entre esta e a outra casa do parlamento.

Ora, o governo, segando o seu costume, tinha pensado muito na questão, tinha-a estudado a fundo.

Mas não tardou nada que mudasse de rumo, de opinião, de parecer. Todos conhecem esta historia, não é preciso recordal-a. Indiquei-a apenas para mostrar mais uma vez quanto o governo é profundo quando medita... em expedientes de occasião.

Vou referir-me ainda hoje a um facto sobre que fiz algumas considerações na sessão anterior.

Fallo da nomeação de um ministro da corôa para membro d'esta camara.

Não significará essa nomeação uma conveniencia pessoal?

Tenho muita consideração e sympathia pelo nobre ministro da justiça, e muito estimo ver a s. exa. n'esta casa, mas não posso deixar de censurar que sendo s. exa. ministro da corôa se indicasse á si proprio para par do reino ou acceitasse essa nomeação por condescendencia com os seus collegas.

Acaso não será isto utilisar-se s. exa. em proveito proprio, pessoal, de um poder que s. exa. tem como membro do governo?

Assim o creio.

Que importa que o cargo de par do reino não tenha remuneração?

Mas toda a gente sabe como este cargo é pretendido e disputado.

E o sr. ministro do reino não foi nomeado conselheiro d'estado durante a sua gerencia?

É um facto de outro dia.

Eu não digo que v. exa. não seja competente para ser conselheiro d'estado, não digo que não tenha muitas qualidades de estadista, e, se quizer mudar de caminho, será no futuro um grande homem d'este paiz. Mas esperasse para outra occasião, que não havia de tardar muito.

Já hontem me responderam aqui que eu não conhecia os registos parlamentares, em que ha noticia de muitos ministros em exercicio terem sido nomeados pares do reino. E logo me citaram uma enfiada de nomes.

Mas isso para mim não quer dizer nada.

O facto é altamente censuravel.

A sessão está a findar, e eu queria fazer algumas considerações a proposito da nomeação de pares do reino, para se saber lá fóra o que eu dizia aqui; sé alguem o quizesse saber.

Desejava estabelecer a boa doutrina, não porque ella seja da minha lavra propria, mas porque está na consciencia de todos.

Corre por ahi que o governo quer alcançar da corôa uma nova fornada de pares do reino.

Sr. presidente, eu não acredito emquanto não vir.

Seria a cousa mais extraordinaria que podia dar-se no nosso paiz.

Pois o ministerio, que está evidentemente cansado e fatigado, que está quasi na agonia, como é notorio, nem mesmo alguns dos srs. ministros procuram encobrir esse estado, quer alcançar da corôa um favor politico d'essa ordem?!

Isso era comprometter a corôa de uma maneira que é impropria da qualidade das pessoas que estão actualmente no poder.

Pois o governo só para certos fins politicos quer comprometter quem está tão acima de tudo isto?!

Repito: não acredito sem ver.

Faço ainda esta justiça ao caracter é á nobreza de sentimentos do sr. ministro do reino e dos seus collegas no ministerio.

Quando se reformou esta camara e aqui se discutiu largamente a reforma, houve um ponto em que nós estava-mos de accordo, e era que, sendo fixo o numero de pares do reino, e dando-se um conflicto entre esta camara e a dos deputados, podia haver um momento perigoso para as instituições, para o paiz e para a nossa propria existencia como assembléa legislativa.

Todos concordámos na necessidade de evitar esse perigo.

Concordou o nobre ministro do reino, porque as palavras de s. exa. foram as seguintes: «É de esperar que a camara dos pares não levante um conflicto d'essa ordem; é de esperar do seu patriotismo, zêlo e civismo... não sei que mais! porque se a camara dos pares levantasse um tal conflicto, podia arriscar a sua propria existencia.»

Isto disse o sr. ministro do reino, dissemos todos, e eu chamei-lhe a esse ponto perigoso: «um beco sem saída».

O digno par o sr. conde de Bertiandos, tambem notou o mesmo facto.

Todos os que fallamos sobre o assumpto concordavamos em que havia um ponto realmente muito grave n'essa reforma.

Quando a camara chegar ao numero de noventa pares, fica de facto uma assembléa fechada; é esse um momento que póde ser gravissimo, e em que a camara póde arriscar a sua existencia.

Desde que o proprio sr. ministro do reino viu este perigo, e concordou comnosco, o dever de um governo honrado era aconselhar á corôa que affastasse para bem longe esse momento perigoso e grave. Esta é que era a boa doutrina.

Repito, era o caminho patriotico, digno, honrado, serio e honesto que estava indicado.

Pois o governo não tem funccionado com uma maioria tão grande, não tem feito tudo quanto tem querido?

Que necessidade ha de arrancar á corôa o favor de uma fornada?!

Depois de encerrada a sessão, pedir a nomeação de novos pares, a pretexto de distribuir igualmente pelos dois partidos monarchicos as vagas existentes, seria um crime, seria approximar o momento fatal que todos receiamos.

Se o governo requerer uma, fornada de 18 ou 19 pares, o ministerio que vier depois tem de requerer outra de igual numero, porque se lhe torna indispensavel manter o equilibrio politico.

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E assim caminharemos rapida e fatalmente para o perigo de uma camara fechada.

Se a actual lei organica d'esta camara é má, se póde conduzir a uma conjunctura desesperada, o que é preciso é fugir ao perigo, evital-o, em vez de o precipitar.

Esta doutrina parece-me boa, sensata e irrespondivel.

É claro que o governo póde pedir á corôa a nomeação de um, dois ou tres individuos que, pela sua alta posição n'um partido ou pelo seu grande nome no paiz, mereçam ser elevados á dignidade de pares do reino, como por exemplo, cito ao acaso, o sr. Antonio Ennes.

O governo obteve hontem a nomeação de dois pares do reino, e, repito, se não fosse a qualidade de ministro da corôa que se dá no sr. Antonio de Azevedo Castello Branco, não havia nada a dizer; mas uma fornada é o crime mais grave que o governo poderá commetter durante o seu consulado. É natural que o sr. ministro do reino, ou quem me fizer a honra de responder-me, diga que tenho estado a barafustar contra uma fornada imaginaria.

Bem sei! Mas espero ainda do patriotismo e provada lealdade de intenções do sr. ministro do reino, que tal fornada se não faça digo isto para prevenir a hypothese, para deixar bem assente a minha opinião a esse respeito, e sustentar a boa e sã doutrina.

Sr. presidente, ficarei por aqui.

Propriamente sobre o projecto em discussão não vale a pena dizer mais nada, não vale a pena estar a fazer citações ácerca do censo ou dos diversos systemas de votar; não vale a pena discutir se o escrutinio de lista é melhor do que qualquer outro. A camara está farta de o saber e tudo isso está tão debatido que eu tornava-me importuno se me demorasse no assumpto.

O que é verdade e o que resulta de tudo isto é o que diz o sr. Jeronymo Pimentel:

«A indisciplina dos partidos militantes, ou antes ainda, a sua anarchia doutrinaria, a sua falta de cohesão, a contradicção dos seus processos, a falsa comprehensão dos seus deveres, o afastamento dos ideaes, que deviam ser a norma do seu proceder, concorriam por sua parte para o descredito dos partidos, e, portanto, da politica.»

Isto, que desgosta toda a gente e o paiz inteiro, é o resultado de todos os projectos que aqui têem vindo, e, principalmente d'este que veiu agora á discussão.

Por consequencia, sr. presidente, nada mais direi alem do que disse, que não foi senão uma especie de protesto, simplesmente; e se pedir mais alguma vez a palavra, confesso a v. exa. que será para levantar o que julgo ser a sã e boa doutrina.

Tenho dito.

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Dirá apenas meia duzia de palavras em resposta ao digno par, por quem aliás tem a maior consideração; mas, o sr. conde de Lagoaça não fez mais do que repetir o discurso que pronunciou por occasião de discutir-se a reforma d'esta camara.

Então procurara responder ao digno par sobre todas as accusações formuladas contra o governo, e renovadas agora. Perdeu, pois, a esperança de conseguir convencel-o.

O sr. conde de Lagoaça, a proposito da reforma eleitoral, accusára o governo de fazer hoje uma cousa e ámanhã outra; de não ter idéas nem planos. É uma opinião pessoal; outros pensarão de modo diverso. Mas não quer deixar passar sem protesto uma accusação d'esta ordem contra o governo de que faz parte. O digno par insistira mais precisamente em dizer que o projecto de que se trata era inteiramente diverso do respectivo decreto dictatorial. Examinará, pois, o valor d'esta accusação.

A reforma decretada em dictadura apoiou-se em alguns principios capitaes, que foram: modificação do processo do recenseamento, e da capacidade eleitoral; redução do numero de deputados; inelegibilidade absoluta, inelegibilidade relativa e incompatibilidades; limitação do numero de representantes de classe, para estabelecer a proporcional representação das diversas forças sociaes.

Estes principios foram mantidos no projecto que está em discussão, e estes eram os pontos capitaes da reforma eleitoral decretada em dictadura.

Mas, faltava fallar do escrutinio de lista, que ao sr. conde de Lagoaça parecia ser uma idéa fundamental. Não é. A base da eleição, segundo o modo de ver do governo, era a organisação do recenseamento eleitoral.

No relatorio que precedeu o decreto, o governo não disse que fazia questão do escrutinio de lista; pelo contrario, escreveu ahi estas palavras: «Se, de futuro, o parlamento entender que deve modificar a circumscripção eleitoral, elle o fará na sua alta sabedoria, etc.» A commissão da camara dos senhores deputados entendeu dever preferir a divisão do paiz em circulos uninominaes, com duas excepções apenas, á divisão por districtos, e o governo acceitou a modificação, de que não fazia questão politica, como já tinha declarado.

Assim procedeu o parlamento com inteira liberdade de acção; e o governo mostrou que o seu sincero desejo era collaborar com o parlamento sem pressões nem intransigencias.

Bastará o que deixa dito para invalidar a accusação feita pelo digno par.

Por ultimo, referiu-se o sr. conde de Lagoaça ao facto de ter sido nomeado par do reino um dos membros do governo, insinuando que a reforma d'esta camara tivera em vista aproveitar ás conveniencias pessoaes dos ministros.

Ora, bastaria a lei antiga para que essa nomeação fosse possivel; não seria preciso, para o effeito, reformar a constituição da camara. Já vê o digno par que tambem esta accusação é infundada.

Resta saber se o acto da nomeação foi illegal. Não foi, porque não ha lei nenhuma que o prohiba. Nem foi novo, não só em Portugal, onde os precedentes abundam, mas até em Inglaterra, paiz muito mais severo nas praticas parlamentares do que o nosso. Portanto, o acto nem foi illegal, nem novo; nem tambem injustificado, porque o sr. Antonio de Azevedo, actual ministro, e o sr. Pimentel Pinto, ministro honorario, possuem distinctas qualidades que não deslustrarão o prestigio da camara.

Quiz tambem o digno par saber se o governo proporá á corôa a nomeação de novos pares. Se o fizer, dará as suas rasões perante a corôa e o conselho de estado, e, se for preciso, não terá duvida em repetil-as perante o parlamento.

Então terá s. exa. occasião de avalial-as, e de applaudir ou censurar o governo, como entender.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vae dar-se conta á camara da correspondencia agora recebida da outra casa do parlamento.

Leu-se na mesa:

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando a proposição de lei que tem por fim reformar a organisação do ensino secundario.

Para a commissão de instrucção.

Officio da mesma procedencia, acompanhando a proposição de lei que tem por fim restabelecer as gratificações aos voga es do conselho superior da instrucção publica, e declarando que as mesmas gratificações se accumulam com outros vencimentos.

Para a commissão de fazenda e instrucção.

Officio da mesma procedencia, acompanhando a proposição, de lei que tem por, fim prohibir a venda do leite que não seja puro e em perfeito estado de conservação.

Para a commissão de agricultura.

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602 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Officio da mesma procedencia, acompanhando a proposição de lei que tem por fim declarar applicavel a Luiz Maria Teixeira de Figueiredo, ex-chefe da repartição technica e do material da extincta direcção geral dos telegraphos e pharoes, o disposto no artigo 7.°, § 2.° do decreto n.° l, de 17 de julho de 1886.

Para a commissão de fazenda.

Officio da mesma procedencia, acompanhando a proposição de lei que tem por fim approvar, para ter força de lei no continente do reino e ilhas adjacentes, o codigo do processo commercial.

Para a commissão de legislação.

Officio da mesma procedencia, acompanhando a proposição de lei que tem por fim revogar o decreto de 1 de fevereiro de 1895, que alterou as gratificações dos capitães de fragata das classes da armada, e o decreto da mesma data, que supprimiu o abono de subsidio de embarque aos officiaes de marinha em serviço nas capitanias de portos do continente e ilhas adjacentes.

Para a commissão de marinha.

Officio da mesma procedencia, acompanhando a proposição de lei que tem por fim isentar do imposto de 5 por cento o salario dos serviçaes na provincia de S. Thomé e Principe, quando inferior a 6$000 réis mensaes.

Para a commissão do ultramar.

O sr. Moraes Carvalho: - Mando para a mesa o parecer da commissão de legislação sobre o officio dos dignos pares conde de Ficalho, Augusto Cesar Barjona de Freitas e Julio de Vilhena, em que pedem que a camara haja por bem decidir se estão ou não comprehendidos na disposição do decreto de 25 de setembro de 1895, hoje confirmado por lei de 3 de abril do corrente anno, para o effeito de julgarem incompativeis as suas funcções de pares do reino com as que exercem como membros do conselho da administração da companhia dos caminhos de ferro da Beira Alta.

Lido na mesa, foi a imprimir.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não quer tomar muito tempo á camara. Fará rapidamente algumas considerações, inspirado pelas palavras que acabou de proferir o sr. ministro do reino. É, e honra-se de ser, amigo particular do nobre ministro, que tem dado provas da sua alta competencia e segura energia na gerencia dos negocios publicos. Considera-o o elemento mais forte do ministerio. Deu-lhe o seu apoio sempre que entendeu dever dar-lho. (Apoiados do sr. ministro do reino.)

Tendo-se encontrado com s. exa. em convivio intimo e com o fallecido conselheiro Carlos Lobo d'Avila, na casa da Cortegana, conversaram a respeito da reforma eleitoral que o governo queria publicar em dictadura.

O sr. ministro do reino desejara saber qual a opinião d'elle, orador. Respondera que até já havia escripto sobre o assumpto. Dissera que, no seu entender, uma lei eleitoral devia ser accommodada aos costumes politicos do paiz. Como a nossa educação constitucional estava ainda bastante atrazada, parecia-lhe que, por ora, o melhor systema seria, em Portugal, o da eleição indirecta no primeiro grau, e directa no segundo. Tambem se mostrou partidario, e ainda o é, da apresentação de candidaturas, que considera um meio util de estabelecer relações e definir responsabilidades entre os eleitores e o eleito.

O governo, na reforma publicada em dictadura, adoptara o escrutinio de lista. E elle, orador, apesar da sua opinião já enunciada, não podia deixar de reconhecer que o systema do escrutinio de lista era mais barato e mais pacifico que o dos circulos uninominaes: mais barato porque desappareciam na votação geral dos districtos as influencias subalternas; mais pacifico, porque a lucta eleitoral não se apertava dentro, de pequenas circumscripções, evitando-se assim o choque das paixões locaes.

A base da reforma dictatorial de 1895 estava para elle, orador, precisamente no escrutinio de lista. Desculpe o illustre ministro que lho diga.

Pelo projecto que se discute, volta-se aos circulos uninominaes, conservando-se apenas o escrutinio de lista para as cidades de Lisboa e Porto.

A que considerações politicas ou especie de imposição obedeceu esta alteração repentina? Ninguem o disse ainda. Foi o paiz que a pediu? O paiz não se manifestou contra o escrutinio de lista. Que rasão de ordem publica determinou o regresso aos circulos uninominaes? Ainda o não ouviu dizer ao governo.

Vota, pois, contra uma reforma, cujos fundamentos ninguem justifica, e que até ninguem conhece.

O paiz não a reclamou, e menos ainda a exigiu. O paiz está indifferente, mas não se julgue que é por falta de sensibilidade. Elle, orador, acaba de atravessar o Alemtejo, e não viu o paiz indifferente perante os horrores da secca. As populações, commovidas, pedem chuva, organisando grandes procissões e celebrando preces.

O paiz não reclamou contra o escrutinio de lista porque o achou um systema commodo para todos, especialmente para os eleitores. Poupava-os a despezas e trabalhos. Tinha ao menos essa vantagem. Se o sr. ministro do reino fizer ámanhã uma eleição ha de ver que foi desagradavel ao paiz obrigarem-no de novo a empenhar-se em luctas e conflictos locaes, e que a moralisação dos nossos costumes politicos não ganha nada com isso.

Mas se o governo entendeu dever regressar aos circulos uninominaes, por que rasão conservou o escrutinio de lista nas cidades de Lisboa e Porto?

Seria por pensar que d'esse modo evitaria a representação dos partidos extremos?

Se assim foi, o governo commetteu um deploravel erro.

Por todas estas rasões, declara mais uma vez que vota contra o projecto em discussão.

Sente que o governo vá fechar o parlamento sem que tenha procurado resolver a questão economica e financeira. E a questão colonial? Para quando fica? Deseja ouvir a opinião do governo sobre estes assumptos, que são principalissimos e vitaes. Como ainda ha alguns dias de sessão, talvez use de novo da palavra para interrogar o governo sobre essas graves questões, que mais uma vez ficam pendentes, e tempo que passa não volta.

Relativamente ao projecto já justificou o seu veto. É o seu costume, como ha de constar das actas d'esta camara. As suas opiniões são claras e definidas. D'ellas toma sempre a responsabilidade, como aconteceu, para citar um exemplo, na questão do convenio.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro do Reino (Franco Castello Branco): - Não podia deixar, pela muita consideração que tem pelo digno par e seu illustre amigo o sr. visconde de Chancelleiros, de pedir a palavra sobretudo para agradecer as phrases lisonjeiras que s. exa. lhe dirigiu, e que tanto valor têem por serem proferidas por um homem de tão alta importancia, e de tão notavel e reconhecido talento.

Mas fará diligencia por occupar o menos tempo possivel á camara.

Tambem não póde deixar de agradecer ao digno par o valioso apoio que s. exa. deu ao governo pela fórma por que podia dal-o durante o interregno parlamentar.

Propriamente sobre o projecto dirá que a alteração que a camara dos senhores deputados introduziu no decreto dictatorial não proveio da imposição de qualquer grupo politico ou de algum poder do estado, nem de quaesquer outras collectividades ou pessoas.

Como já teve a honra de dizer, em resposta ao sr. conde de Lagoaça, o governo, segundo declarou no relatorio,

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SESSÃO N.° 43 DE 5 DE MAIO DE 1896 603

acceitaria as modificações que, relativamente á circumscripção eleitoral, as camaras entendessem dever fazer.

Assim, mostrava o governo que não se preoccupava com interesses partidarios, e que não tinha em vista medir as forças locaes do seu ou de outro qualquer partido politico.

A camara dos senhores deputados entendeu que se devia voltar ao systema dos circulos uninominaes, conservando-se o escrutinio de lista nas cidades de Lisboa e Porto, onde a população é não só mais illustrada, mas tambem mais densa.

Em relação a outros pontos a que o digno par se referiu de passagem, e que não mereceram a sua approvação, uma cousa ha que s. exa. não poderá deixar de reconhecer - é a boa vontade e a sinceridade com que sempre o governo tem procedido.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Vou apenas apresentar algumas observações em resposta a uns pontos que foram tocados pelo sr. ministro do reino.

Effectivamente eu vi-me obrigado hoje a repetir varias considerações que fiz por occasião de se discutir aqui a reforma d'esta camara.

O nobre ministro do reino, para justificar essa reforma, teve que fazer a resenha politica dos actos do gabinete: e a parte principal do discurso de s. exa. referiu-se a assumptos eleitoraes.

Natural é, por consequencia, que hoje, que se trata de reforma eleitoral, eu fosse obrigado a reproduzir alguns argumentos que apresentei por occasião d'aquelle debate.

Disse eu que o governo não meditava as questões, não as estudava, não reflectia sobre ellas tão detidamente que não tivesse de desfazer hoje aquillo que fizera hontem.

Responde o illustre ministro do reino: o digno par entende que o governo não medita, que o governo não pensa; é uma opinião pessoal; naturalmente outros haverá que entendam o contrario.

Tambem me parece assim. Ha muitas pessoas que entendem que o governo medita, estuda e pensa, tanto ou mais que o proprio inventor do systema constitucional.

Ácerca da nomeação de pares, eu disse que o governo se utilisára em proveito proprio e pessoal do decreto que promulgou, reformando esta camara; e é verdade. O argumento a que se soccorreu o nobre ministro do reino e que já hontem fôra adduzido pelo sr. presidente do conselho, de que o caso não era novo, de que se fazia o mesmo em muitos paizes e até na Inglaterra, não colhe para cá.

Em primeiro logar o facto de serem ministros nomeados pares do reino não é tão antigo como se afigura ao nobre ministro do reino.

Lembro-me de ouvir contar a um homem notavel da nossa terra, que infelizmente não vejo presente, a seguinte historia:

Que um certo dia foi convidado a assistir a um conselho de ministros presidido por Anselmo Braamcamp; e que n'esse conselho um dos ministros propoz que n'uma nomeação de pares fossem incluidos os nomes de um ou dois membros d'esse gabinete.

Assegurou-me o mesmo cavalheiro que Anselmo Braamcamp, pondo as mãos na cabeça, exclamou:

«Nem por sombras me fallem n'isso! O que diria o paiz. Levantavam-se as pedras da calçada.»

Era isto o que dizia aquelle nobre e honrado velho, que não morreu ha muitos annos.

Que diria elle, se tivesse vivido mais algum tempo e presenciasse o que se passa hoje!

Já se não levantam as pedras da calçada; nada se agita, corre tudo sereno e manso que nem as aguas de um ribeiro; todos têem o que querem, todos têem o que desejam, o povo está satisfeito, está divertido, tem o panem et circenses; deixal-o gosar. Gosta? Sopeteie.

O sr. Presidente: - Peço a attenção da camara.

O Orador: - Sr. presidente, a camara não está disposta, e com toda a rasão, a prestar-me a sua attenção e indulgencia; mas, como já deu a hora, eu tambem não estou disposto a continuar com a palavra.

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão, sendo a ordem do dia a continuação da de hoje e mais os pareceres n.ºs 69, 70, 71, 72, 73 e 74.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 5 de maio de 1896

Exmos. srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquez das Minas; Arcebispo de Evora; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Lagoaça, do Restello, de Thomar; Viscondes, de Athouguia, de Chancelleiros, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Fernando Larcher, Costa e Silva, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim.

O redactor = Alberto Pimentel.

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