SESSÃO N.° 43 DE 18 DE AGOSTO DE 1908 11
essa proposta tivesse uma modificação. Ella foi no sentido de que será approvada por lei a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado. Esta modificação em nada alterou a inconstitucionalidade da proposta. E, sob o ponto de vista de confusão, de sombras, de habilidades, é ainda vida velha. Começa logo por estatuir que será approvada por lei a quantia reconhecida como saldo a favor do Estado: portanto, não o havendo, não é precisa lei, portanto não carece a questão de vir ao Parlamento. É o que está na proposta. O Sr. Ministro da Fazenda já declarou que, em todas as hypotheses, a questão viria ao Parlamento. Não bastam declarações. É preciso que a lei o preceitue, e nesse sentido mando para a mesa uma emenda, concebida nos seguintes termos:
«Artigo 5.° Uma commissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, composta de um juiz do mesmo tribunal, de um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas, e de um vogal da Junta do Credito Publico, designados pelos mesmos tribunaes e pela Junta do Credito Publico será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Casa Real; A QUAL SERÁ APPROVADA POR LEI; a quantia que for reconhecida como saldo a favor do Estado será paga pela fazenda da Casa Real em prestações annuaes, não inferior a 5 por cento d'essa quantia».
Nem essa porem arranca este artigo, assim modificado, de uma atmosphera de ambiguidades e sombras. Quaes são as attribuições d'essa commissão? Distinctas das da commissão parlamentar? Não, porque esta pode assumir as mais amplas attribuições. Nada lh'o veda. - Sendo assim, contendo-se dentro d'estas, para que serve? O Sr. Presidente do Conselho, na sessão de 26 de maio, da Camara dos Deputados, em resposta ao illustre Parlamentar o Sr. Moreira de Almeida, disse que essas attribuições eram larguissimas e que, se houvesse divergencias entre as opiniões da commissão parlamentar e a extra-parlamentar, prevaleceriam aquellas. Então, quaes os seus effeitos? Faz o mesmo que a commissão parlamentar? Inutil. Diverge? Inutil, porque prevalecem as opiniões da outra. Então, sendo assim, porque continua? Que razões mysteriosas a fazem subsistir? Vida velha, vida velha!
Em tudo a contradição e a confusão! Um conto de réis por dia, de lista civil, isto é, para decoro do Rei - e nesse conto de réis, nessa somma, dada para «o decoro da sua alta dignidade» o Governo inclue outra que não é precisa para tal decoro, pois apenas representa o pagamento de uma divida!
O Governo diz que insere este artigo para honrar a carta de El-Rei, que é generosa e nobre.
Mas, dando o dinheiro ao Rei já com o fim d'este pagar a sua divida ao Estado, é o Estado quem a si proprio paga! E, sendo esta somma dada por 20 annos, o Estado não recebe a divida e ainda continua a pagar ao Rei a titulo e com o pretexto d'essa divida, ao fim de 20 annos, aquillo que não é preciso para o decoro da sua alta dignidade!
Já se viu maior desatino?
Mais ainda: do conto de réis por dia tira-se annualmente 5 por cento sobre o valor da divida. Mas esta a quanto sobe? Ignora-se. Não pode saber-se, pois ainda vae ser fixada. Portanto, se for muito grande, que succederá? É que ella absorve a dotação ou uma parte importante da dotação! Com o que ficará então o Rei ou como conservará elle o decoro da sua alta dignidade?
Quanto á questão se o Rei deve ou não pagar os adeantamentos de seu pae, encaro-a ainda mais sob o ponto de vista moral do que legal.
O Rei disse que pagava. Pague. Assim se interpretou a sua carta. O Rei fez bem. Quer proceder como, com as dividas de seu pae, procedeu o Rei de Italia, Humberto I. Tudo quanto seja tolher, ou illudir esse nobre movimento, a opinião publica vê-lo ha com uma suspeita que não honrará a causa da realeza. Como monarchico, sou de opinião que deve honrar-se a palavra do Rei. Á questão legal antepoe-se a questão moral.
Como devia pois tratar-se a questão dos adeantamentos? O que deveria fazer-se de modo a respeitar os legitimos direitos na nação? É simples: resolver este incidente com toda a publicidade, com toda a justiça. Não deveria por modo algum confundir-se este assunto com o da lista civil. O Governo devia trazer ao Parlamento todos os elementos de informação, relativos á entrega de quaesquer sommas á Familia Real ou a pessoas da Familia Real. Esses elementos todos seriam entregues a uma commissão parlamentar, composta de representantes de todos os partidos da Camara. Essa commissão teria poderes de avocar a si todos os documentos de que ainda carecesse e de ir ás Secretarias de Estado.
Essa commissão faria um relatorio dos seus trabalhos, indicando as medidas a tomar. Por sua iniciativa, ou pela do Governo, seria elaborada e apresentada ás Camaras uma proposta de lei «a fim de que se autorizasse uma transacção com a Casa Real nas condições que se estabecessem, com respeito ao quantitativo da divida e forma do pagamento ou determinava a criação de um tribunal para a resolução d'esta questão, conforme o artigo 56.° do Codigo do Processo Civil.
Nesse tribunal, cujos membros seriam da nomeação de ambas as partes interessadas, discutia-se a questão dentro de prazo determinado, observando-se os preceitos legaes já estatuidos.
Se não fosse possivel fazer essa transacção, decidia-se o pleito no Tribunal Arbitral, servindo as indicações do relatorio da commissão de esclarecimento ao representante do Estado».
Foi neste sentido feita uma declaração pelo Sr. Dr. João Pinto e pelos meus amigos, na Camara dos Deputados. Essa doutrina, tão clara e tão nobre, é a que agora eu sustento. D'esta forma não havia sombras, e a resolução da questão dos adeantamentos, sob o ponto de vista do Estado rehaver o seu desembolso, seria nitida e clara, sem possibilidade dos longos e multiplos debates, que tão funestos podem ser.
Vou acabar a minha oração. Ella foi um discurso sem utopia, sem paixão. Falei em nome da ordem, em nome da verdade. Foi um discurso sem utopia, porque apresentei formulas praticas de solução. Foi sem paixão, porque não tive aggravos para ninguem. Ao Governo, presidido por um homem de bem e um liberal, não o accusei com vehemencia porque seria injustiça: elle tem feito serviços, assumiu o poder quando outros o repelliam e, se não tem feito quanto devia, já tem praticado obras uteis e liberaes: alem d'isso, elle representa os dois partidos historicos. Estes é que são responsaveis. Aos partidos, fiz merecidos traços de critica, e o meu desejo é que elles se differenciem por ideias como nos tempos do seu esplendor e se saibam integrar numa monarchia liberal e progressiva. Falei em nome da ordem, absolutamente indispensavel neste país, porque só as soluções nitidas que apresentei podem inspirar a confiança, base da ordem e acalmação. Falei a verdade á Casa Real e expu-la sem sequer empregar a rude energia, aliás tão bella e nobre, como dois fidalgos portugueses, em 1827, se referiram ás despesas da Casa Real e, ás sommas da lista civil. Trouxe-as hontem, a essas palavras, o Sr. Medeiros a esta Camara. Grandes fidalgos, grandes portugueses!
Eram da raça, por ventura descendentes d'aquelle D. João de Menezes de quem o grande Rei, «o homem», dizia que lhe devia muito «porque nunca lhe falava á vontade».
Inspirei-me, no meu discurso, nos principios supremos da justiça e de respeito á soberania nacional, condições da verdadeira liberdade, da liberdade que todos os homens publicos de-