SESSÃO N.° 43 DE 18 DE AGOSTO DE 1908 13
co para o seu procedimento? Invocava o assentimento popular, quer dizer, o fundamento do cesarismo.
Mas nunca poderia elle ter conseguido o seu fim, porque para essa empresa requeria se um estadista de gigantesca estatura, e elle não era senão um pygmeu, intellectual e politicamente.
Mas, como diz o nosso povo, a verdade manda Deus que se diga; elle procedeu francamente, e não desmentiu o seu nome patronymico.
Vou illustrar o meu pensamento com a narração de um facto historico, de que não somente fui testemunha presenceal, mas em que fui pessoalmente envolvido. O facto não é conhecido, se bem que já uma vez o referi d'este logar.
Era o dia 19 de maio de 1870. O Parlamento estava então aberto: e para esse dia fôra marcada sessão nesta Camara. Porem, durante a noite, tinha estalado uma revolução em Lisboa. O Ministerio foi forçado a demittir se. O país era governado por um illustre ditador, cujo busto adorna o ambito d'este hemiciclo e para quem está votado um monumento glorificativo.
Naquelle dia, á hora regimental, compareci nesta sala. Encontrei-me aqui com um pequeno numero de collegas, numero insufficiente para se abrir a sessão. Naturalmente nos juntámos todos a discutir os acontecimentos. De repente franziu-se o reposteiro d'aquella porta de entrada, a da esquerda da Presidencia. A ella assomou um sargento. Posso garantir que não era mais que um sargento, se não era ainda de posto inferior.
E o sargento disse as seguintes palavras, que me ficaram para sempre gravadas na memoria:
«O marechal manda dizer que os senhores que, aqui então podem continuar a estar, mas que não entra mais ninguem».
E o sargento retirou se.
Recommendo este facto á meditação dos homens publicos.
Passo agora ao assunto de que especialmente fiz cargo.
Sr. Presidente: como em toda a argumentação se requer certeza nas premissas, dirigi ao Sr. Ministro da Fazenda um requerimento pedindo-lhe me informasse sobre a sua competencia na administração economica da Casa Real em relação á lista civil e a quaesquer outras verbas de despesa, autorizadas pelo Parlamento.
S. Exa. teve a amabilidade de me responder em um officio, de que pedi a inserção no Summario das nossas sessões.
Esse officio notifica que a missão do Ministerio da Fazenda se limita a entregar á Casa Real as sommas autorizadas, e que nada mais sabe a esse respeito; que é de crer que haja na Casa Real regulamentos administrativos approvados por Sua Majestade. Claramente o digno Ministro entende que esses regulamentos estão fora da sua alçada.
O conhecimento d'esses regulamentos teria sido para mim de um grande auxilio no desempenho da minha tarefa, porque eu ignoro completamente a economia interna da Casa Real. Assim não tenho, para assentar o meu juizo, outros elementos senão os que constam da notoriedade publica.
Todavia creio que estes bastarão para me fundamentar.
Solicitei tambem a informação sobre quem representa a Casa Real como entidade civil. A esta pergunta o illustre Ministro responde que o representante deve ser um mordomo nomeado por El-Rei, segundo o preceituado no artigo 84.° da Carta Constitucional.
Discutirei em primeiro logar este ponto, porque basta uma ligeira consideração para sobre elle se formular um juizo definitivo.
Das expressões do officio - deve sei - se deprehende que no Ministerio da Fazenda não se sabe ao certo quem é esse representante civil da Casa Real. E cumprehende-se essa incerteza.
O teor do artigo 84.° da Carta Constitucional é o seguinte:
«A dotação, alimentos e dotes, de que falam os artigos antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Publico, entregues a um mordomo, nomeado pelo Rei, com quem se poderão tratar as acções, activas e passivas, concernentes aos interesses da Casa Real».
Quem é, pois, na actualidade, esse mordomo, de que fala o artigo? É o mordomo-mor, ou o administrador da Casa Real? E quem é que representa os outros membros da Familia Real? É o mesmo personagem, quem quer que elle seja, ou um outro? O Sr. Ministro nada sabe a este respeito, e ainda menos eu.
Perguntei tambem a S. Exa., no meu requerimento, se havia alguma legislação especial a este respeito. A este particular não responde o officio, de onde concluo que não ha nenhuma.
Ora, todos os artigos da Constituição carecem de uma lei regulamentar, e o artigo 84.° não faz excepção. Não é mester possuir um grande cabedal de conhecimentos juridicos, para se ante verem as duvidas que deve offerecer no foro a execução d'este artigo.
Assim, por exemplo podem, porventura, ser applicaveis ao Rei aquellas prescrições do Codigo do Processo Civil, que obrigam a parte a comparecer pessoalmente em juizo, e a inhibem de se fazer representar por procurador?
Pode o Rei ser citado para depor ou jurar pessoalmente na presença do juiz, sob pena de ser havido por confesso quanto aos factos sobre que se requereu o depoimento ou o juramento?
Evidentemente que não.
Deve, portanto, o referido artigo 84.° ser autenticamente interpretado como um preliminar indispensavel para uma regular administração da Fazenda Real.
Qual seja a legislação constituenda, deixo ao juizo dos jurisconsultos. Para isso fallece-me a competencia. Mas, evidentemente, um principio fundamental é o da legislação de todos os países monarchicos, que o Rei não pode comparecer em juizo senão por procurador.
Passo agora a discutir outro elemento de reforma, que, no meu entender, deveria ser introduzido na administração da lista civil, e dos supprimentos a essa lista, outorgados pelas Côrtes. Esse elemento é a superintendencia do Governo.
Sentiria profundamente se as observações que vou submetter á consideração da Camara causassem o minimo dissabor a qualquer membro da Familia Real.
Eu considero a Familia Real como uma das familias mais desgraçadas que ha hoje em Portugal.
A tremenda calamidade que a excruciou, a horrorosa carnificina a que foi presente, os trances angustiosos que experimentou, são para commover o animo mais empedernido.
O meu intento é prestar-lhe um serviço, e lamento que não tenha havido alguem, mais autorizado do que eu, que d'elle se tenha lembrado, o que me dispensaria d'este penoso encargo, e me daria maiores probabilidades de bom exito.
Vou mandar para a mesa a seguinte proposta:
«Proponho que, sem prejuizo da votação do projecto em discussão e ouvidas as commissões de fazenda e legislação, seja o Governo convidado a apresentar ás Côrtes uma proposta de lei regulando a applicação da lista civil e de quaesquer sommas autorizadas para despesas da Casa Real, e determinando o processo de prestação de contas pelos funccionarios palatinos, encarregados da respectiva administração».
É esta a minha proposta.
Não me impute V. Exa., Sr. Presidente, a presunção de eu, julgar que ella seja adoptada.