14 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
É um triunfo, que, velho como sou nesta Camara, nunca consegui.
Depois, desgraçadamente, os acontecimentos demonstram o acerto das minhas previsões. Mas a Constituição não me outorgou aqui um logar, senão para emittir o meu parecer, e, por isso, continuarei a lavrar na areia.
Como a Camara vê, é esta proposta apenas uma recommendação feita ao Governo, que não impede a immediata votação do projecto em discussão; uma recommendação a que o Governo e as commissões de fazenda e legislação darão o valor que entenderem. A minha opinião é que não deveriam desprezar o alvitre que proponho, porque seria util para o país e para o Soberano. Mas é este um voto individual, porque não posso falar senão em meu nome, e sei bem o apreço que merece um voto isolado.
Justificarei agora em breves palavras a minha proposta.
Para nós, os monarchicos, o Rei não é um individuo, é uma instituição.
O Rei é uma magistratura, que exerce altas funcções politicas e administrativas, e que representa a nação perante as potencias estrangeiras. Assina-se-lhe o que se chama uma lista civil, para que elle possa desempenhar o seu officio com independencia e dignidade. É de um conto de réis por dia
Attenta a importancia relativa dos dois países, é proporcional á do Rei de Espanha, que é de cerca de tres contos e meio diarios, sete milhões de pesetas por anno.
Por isso tambem me associo ao parecer dos oradores que teem sustentado não dever aquella quantia ser onerada com dividas, que a nação pagaria de bom grado, e que vão diminuir consideravelmente a modesta dotação de dois setimos da lista civil espanhola.
Respeitando e honorificando o Throno, a nação respeita se e honra-se a si propria.
Por que razão estamos nós deliberando nesta sala de luxuosa architectura? Não seguramente para nossa satisfação individual, qualquer barraca de madeira serviria para o proposito; mas porque a nação quer indicar, pelo apparato externo que os rodeia, o respeito que devem merecer os seus representantes.
Se eu tivesse o poder de liquidar a questão das dividas da Casa Real, tinha-o feito de uma maneira muito simples.
Trazia ao Parlamento uma lista completa de todas as dividas da Casa Real. Propunha-lhe que todos os adeantamentos do Thesouro fossem cancellados; que a nação pagasse os debitos a particulares; e que se tomassem as medidas convenientes para se não repetirem semelhantes desaguisados.
Era este proceder nobre, generoso, e, por fim, mais proficuo para a nação do que a crueza de Shylock, reclamando o arratel de carne retalhada do corpo do seu devedor.
Em logar d'isto; qual é a situação actual?
Tenho assistido com toda a attenção, e com o unico desejo de me elucidar, a toda a discussão d'esta Camara. Tenho lido os debates da outra Camara, e os jornaes. Pois é me absolutamente impossivel dizer, nem ainda muito em grosso, a monta d'essas dividas.
Consequentemente é-me igualmente impossivel decidir a quanto fica reduzido o conto de réis diario que se vae conceder ao Rei.
O Sr. Teixeira de Sousa presume que, com os rendimentos da Casa de Bragança, elle ha de bastar. Mas isto é apenas uma conjectura, porque S. Exa. nem sabe ao certo quanto rende a Casa de Bragança.
O Sr. Dias Costa limitou-se a dizer que a Casa Real tem ainda muitos recursos, mas não nos informou de quaes elles sejam.
Mas a todos quantos oradores se teem occupado d'esta questão o que unicamente lhes dá cuidado é que o Thesouro não perca os seus dinheiros; quanto ás outras dividas a particulares, lá se avenha o Rei como entender.
Aproveito esta occasião para confutar uma opinião do ultimo Digno Par cujo nome menciono.
Julga o Sr. Dias Costa que a superintendencia governativa na Casa Real é uma tyrannia, porque, diz S. Exa., ninguem admitte a ingerencia alheia na administração da sua casa.
S. Exa. labora numa falsa concepção da Casa Real. A Casa Real não é uma casa qualquer. Ha encargos annexos á majestade do Throno, de que estão immunes os subditos.
Se um particular administra mal, e se arruina, as consequencias recaem unicamente sobre elle. Mas se a Casa Real é mal administrada, não padece somente o Rei, mas, com elle, padece a nação inteira, porque é abatido o decoro do Chefe do Estado.
Pois o Digno Par não tem deante dos olhos, bem claras e palpaveis, as consequencias d'essa má administração?
Não insisto sobre este ponto, porque, para o tratar exhaustivamente, seria forçado a emittir juizos, que somente o futuro historiador poderá imparcialmente formular.
Vou apontar ao Digno Par o exemplo mais demonstrativo que conheço da differença entre a Familia Real e uma familia particular.
Que ha no lar domestico de mais repugnante á publicidade que a gravidez da esposa? E todavia os periodos da gravidez da esposa do Rei, determinados pelos medicos da real camara, são publicados no Diario do Governo.
E quando nasce o Principe?
Ignoro a pragmatica de Portugal. Mas a pragmatica em Espanha é caracteristica, e põe bem em relevo a differença, que estou definindo.
Quando se dão os prenuncios do parto, toda a Côrte é convocada officialmente para uma sala contigua aos aposentos da Rainha, e o recemnascido é apresentado por seu pae, em uma salva de prata, a toda a Côrte assim reunida.
E por que se faz tudo isto? Porque as occorrencias na Casa Real interessam a nação inteira e não unicamente uma familia.
Que se deduz incontroversamente de toda a questão dos adeantamentos, que tanto tem commovido a opinião publica?
Deduz se que a Casa Real tem sido pessimamente administrada. Não faço excepção a todos os mais ramos da Fazenda Publica.
Uma casa que gasta mais que o seu rendimento é uma casa mal administrada.
Diz-se geralmente que na Casa Real ha muitos desperdicios.
O anno passado, um jornal, as Novidades, de que sinto não ter guardado os respectivos numeros, apontava muitos d'esses esbanjamentos, e ninguem, que saiba, o contraditou.
Em qualquer economia domestica, onde não ha conta, peso, nem medida, a ruina é inevitavel; e que essa era a condição da Casa Real, é a impressão que me ficou da leitura d'esses artigos.
Nem é de espantar.
A incuria e a imprevidencia nos gastos constituem um traço distinctivo do caracter nacional. Em todas as classes domina o prurido de uma vã ostentação. E foi sempre assim, do que dão testemunho a historia e a literatura.
Não classifico de profusão muitas pensões e esmolas concedidas pela caridade dos Soberanos, a qual o Sr. Dias Costa justamente encomiou.
Mas aqui, no meu entender, está o maximo perigo.
A caridade é, sem duvida, uma obrigação christã e humanitaria. Um animo compassivo é naturalmente propenso a esquecer a medida dos seus haveres. O prazer proveniente do beneficio conferido exerce uma seducção difficil de refrear.
É na consideração inolvidavel de deveres superiores que se ha de estribar a firmeza necessaria para a resistencia. Ultrapassar as suas posses é uma culpa e um desatino, em qualquer grau da hierarchia social.
Eu creio que não ha ninguem tão