16 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
entrega ao Rei alguma mensagem da sua Camara, sempre o faz de joelhos.
A somma que constitue a lista civil é pela lei dividida em cinco verbas estrictamente limitadas, e o Thesouro é responsavel pela applicação d'estas verbas aos fins determinados.
A primeira, 60:000 libras, é para a bolso particular do Monarcha; é com esta que elle tem de custear a sua economia domestica, com excepção das despesas, a que são applicadas as outras verbas. D'estas tenho aqui tambem os algarismos, mas não vale a pena apontá-los. Bastará dizer que uma verba é para os salarios dos dignitarios e servidores regios; outra para pensões aos criados aposentados: ainda outra, igualmente perfixada, para esmolas, obras de beneficencia e piedade: aqui temos a limitação imposta aos estimulos da liberalidade. Este limite é de 13:200 libras, 59:400$000 réis.
E, finalmente, o ultimo, para occorrencias imprevistas.
Se, porventura, acontecer que a lista civil seja excedida, o Governo é obrigado a apresentar ao Parlamento, dentro de trinta dias, uma conta documentada e particularizada. Com tanto rigor fiscaliza a mais pecuniosa nação do globo as despesas da Casa Real.
Em Italia posso unicamente dizer que a lista civil é sujeita á inspecção do Ministerio da Fazenda; porque, juntamente com as outras contas do Estado, é annualmente apresentada ao Parlamento uma conta da sua gerencia.
E com tanta minudencia é elaborada esta conta que desce até aos centesimos de lira. A este proposito dizia uma vez chistosamente um jornal que, se o Rei tivesse comprado um charuto mais, tinha ultrapassado a sua dotação. Por forma alguma entendo que se deva entre nós chegar a taes extremos.
Em França, no tempo do imperio, havia um Ministro da Casa Imperial unicamente occupado d'essa administração. E, sem embargo d'isso, nos termos do decreto de 26 de maio de 1853, todos os annos o Imperador nomeava uma commissão especial, cujo relatorio era submettido á sua approvação, para verificação e apuramento das contas da gerencia da lista civil. Ignoro o que agora se faz nesse país, mas não tenho a menor duvida de que ha de dar-se alguma especie de revisão nas despesas votadas pelo Parlamento para uso do Chefe do Estado.
Estas informações, torno a repetir, são muito incompletas, mas creio serem sufficientes para demonstrar que nos países de uma sensata administração financeira se julga indispensavel uma verificação da gerencia da lista civil.
No nosso país, as deploraveis occorrencias que ultimamente teem vindo a lume, e suscitadas pela ausencia de toda a fiscalização, tornam, mais que em nenhum outro, imperativa a instituição de um qualquer processo que impossibilite a reincidencia.
A minha proposta limita-se a recommendar ao Governo que estude a maneira de effectuar esse impedimento, mas sem prejuizo, sem adiamento do projecto pendente.
O artigo 4.° d'este projecto diz, é verdade, que nenhuma outra quantia, alem das autorizadas, será abonada para despesas da Casa Real. A disposição d'este artigo é, só por si, uma demonstração cabal da necessidade da providencia que recommendo. Em um país no qual se julga muito curial o estabelecer, como prescrição topica e occasional, um principio fundamental da Constituição do Estado, ninguem pode ter confiança nos propositos da sua observancia.
Pois, porventura, até agora tinha alguem competencia para abonar á Casa Real qualquer quantia, que não tivesse sido autorizada pelas Côrtes?
Terminarei com algumas reflexões genericas, que submetto ao julgamento d'aquelles que consideram qualquer interferencia na administração da Casa Real tão indefensavel como o seria no caso de qualquer outro individuo.
Eu estou convencido que seria um grande serviço prestado á Coroa o libertá-la de requerimentos, de engodos, de astucias, de lisonjarias, de todos os impulsos á asserção do personalismo.
Ordinariamente, nas Côrtes dos principes, os que contrafazem a verdade são os que grangeiam o amor, são palavras do Padre Antonio Vieira, e este, que muito frequentara as Côrtes, falava com conhecimento de causa.
Estou convencido de que, hoje em dia, não ha monarchia possivel, sem que seja realidade objectiva, e não mera fraseologia, o artigo da Constituição que declara o Rei irresponsavel.
Dentro d'estes limites, o campo de acção de um Monarcha constitucional é ainda muito dilatado, e subministra-lhe a faculdade de prestar incalculaveis serviços ao país, e de legar ao porvir um nome glorioso.
Não tardarão a desencadearem-se incriminações contra o Parlamento. Em verdade já começaram. Eis aqui o que diz um jornal de uma terra sertaneja, descontente com a attitude do Parlamento na questão vinicola.
Lê-se aqui uma violencia increpação contra o Parlamento.
(Leu).
É necessario guardar o Rei dos conselhos d'aquelles desavisados ou ardilosos, que, apontando-lhe estas expressões de descontentamento, o incitem a assumir funcções que a Constituição lhe não confere. Se o Parlamento se desmanda, a nação o revocará ao cumprimento dos seus deveres. Em todo o caso é certo que, fora da sua esfera constitucional, a acção regia é inefficaz, quando não é nociva.
Alem d'isto, sobre elle recaem todos os aggravos, reaes ou imaginarios, de qualquer individuo ou collectividade.
A este respeito seja-me ainda relevado citar um facto, que, pela sua mesquinhez e feição comica, mostra as miseraveis vindictas, que o Rei inconscientemente provoca, quando nelle julgam concentrado todo o poder governativo.
É o caso de uma freguesia rural da provincia, que ameaça passar-se em massa para o partido republicano, se lhe não concedem uma estação postal.
Tenho aqui o jornal em que se encontra a noticia referente ao caso.
(Leu).
No fastigio do Throno a posição é muito tormentosa, e afigura-se-me que, contemplada d'ahi, a humanidade deve offerecer um espectaculo desolador. Por isso é necessario rodeá-lo de antemuraes, que o amparem contra o resvaladeiro da prepotencia e da soberba. É necessario incessantemente lembrar, ao Soberano que, para bem ou para mal, os seus actos ficarão para sempre gravados no bronze da historia; que a posteridade o ha de julgar; e que a memoria do seu reinado é immorredoura, emquanto houver um país chamado Portugal.
Em conclusão, entendo que a adopção da minha proposta seria uma garantia de regularidade economica na Casa Real, o descargo para o Monarcha de dissabores e responsabilidades, um exemplo para o país de uma judiciosa administração, e o consequente realce das instituições monarchicas.
(O orador foi cumprimentado por muitos Dignos Pares).
O Sr. Presidente: - Como está quasi a dar a hora de concluir os trabalhos, encerro a sessão, dando para ordem do dia de ámanhã a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 5 horas da tarde.
Dignos Pares presentes na sessão de 18 de agosto de 1908
Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Marqueses de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal, de