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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

feita em edificios apropriados, com o necessario material didatico e o indispensavel mobiliario. Infelizmente nada d'isto possuimos, e é esta uma das razões pela qual a reforma actual não correspondeu na pratica ao que tão ardentemente se desejava.

Não pretendo demolir, porque de sobejo sei quanto custa edificar, mas o que desejo e peço é que se melhore o que possuimos, para assim tirarmos o maximo proveito possivel do existente.

Com respeito a material, nenhum lyceu possue o que é necessario. Não sou eu que o digo, mas sim os presidentes dos jurys de exames, com toda a competencia, nos relatorios enviados á Direcção Geral de Instrucção Publica, e que peço licença a S. Exa. e á Camara para ler, porque melhor do que eu o dizem elles.

Assim um antigo reitor do lyceu dizia o seguinte:

«Ora a verdade clara é que em lyceu algum existia o necessario material de estudo, para se iniciar um ensino objectivo e pratico. Com installações nullas, ou incompletas, os melhores esforços dos mais dedicados professores haviam fatalmente de quebrar-se inuteis contra esta deficiencia sobre todos os pontos de vista lamentavel!

«Material de ensino. - Quasi que não existe. As reclamações e queixumes são geraes e sempre desattendidos, sem motivos justos e precedentes. O Thesouro português é sobejamente rico para sustentar as suas instituições vitaes... Acresce que ha faltas que mais revelam desleixo que pobreza, etc.».

Muito mais poderia ler, mas não o farei para não fatigar a Camara, mas creio que o que li é demais edificante para mostrar que assim, apesar das melhores reformas e das melhores iniciativas, a instrucção entre nós, não pode progredir.

Agora referir-me hei aos programmas que actualmente se encontram em vigor, chamando em especial para este assunto a attenção do Sr. Ministro do Reino, pedindo-lhe que intervenha desde já neste assunto, tanto mais quanto é certo que despesa alguma acarreta para o Thesouro Publico.

Quanto a mim, os programmas da instrucção secundaria devem ser a continuação dos programmas de instrucção primaria, e nunca invadir os programmas da instrucção superior. Ora os actuaes programmas não só invadem os da instrucção superior, como tambem peccam emquanto á forma, emquanto á extensão e emquanto á orientação. Emquanto á forma, porque não são claros e precisos, dando logar a que pontos d'esses programmas sejam explicados differentemente por professores differentes nas differentes turmas. Podendo uns ser mais extensos, outros mais concisos, não havendo por isso a necessaria uniformidade no ensino. Emquanto á extensão, porque são elles tão vastos que não podem conscienciosamente ser explicados num anno lectivo.

Emquanto á orientação, porque não ha a devida coordenação na orientação da materia, a mesma materia é explicada em differentes cadeiras, ha materias perfeitamente dispensaveis e ha outras que ahi faltam. Não quero cansar a attenção da Camara e por isso tenho sido o mais conciso possivel, mas peço licença ainda para mostrar por uma simples leitura a verdade do que affirmo. Assim, por exemplo, vendo o programma de geographia (VI classe) encontramos entre outras cousas o seguinte: «Determinação da longitude e latitude geographica por meio do graphometro e chronometro », e mais adeante: «O Sol: sua constituição, dimensões e distancia á Terra. A hypothese de Laplace sobre a constituição do systema solar».

Ora, Sr. Presidente, ha aqui cousas que eu, e o Sr. Presidente e o Conselho, que é um dos melhores ornamentos da marinha portuguesa, a que tem a honra de pertencer, só aprendemos na cadeira de astronomia.

Mas ha mais. Depois de tratar da estructura da terra, elemento solido, chegamos ao elemento liquido e vamos encontrar o seguinte:

«Movimentos do mar: ondas, marés e correntes. O fundo do mar e a vida submarina. Importancia do mar na economia da natura».

Mais parece, Sr. Presidente, que esteja a enumerar titulos de obras e volumes do que pontos de um programma do lyceu.

Pelas razões apontadas, e não por outras, direi á Camara que a percentagem media dos alumnos que completam o curso não chega a 9 por cento. Assim, de 1482 alumnos matriculados em todos os lyceus chegam ao ultimo anno 150, e d'estes só 130 completam o curso.

No Lyceu de Lisboa dava-se o seguinte: de 638 alumnos matriculados só 50 a 56 completavam o curso.

Julgo ter justificado o pedido que fiz ao Governo e em especial ao Sr. Ministro do Reino, que lamento não ver presente, pedindo a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça a especial fineza de transmittir ao seu collega do Reino as minhas considerações e o meu pedido e nesta ordem de ideias, tenho a honra de enviar para a mesa o seguinte projecto de lei que tambem vae assinado pelo Digno Par do Reino o Sr. Francisco José Machado. O projecto é o seguinte:

Artigo 1.° É o Governo autorizado a nomear uma commissão composta dos tres reitores dos lyceus de Lisboa para formular correcta e positivamente as alterações mais urgentes a introduzir no actual regime do ensino.

§ unico. A esta commissão poderão, por proposta collectiva dos mesmos reitores, ser aggregados os professores e quaesquer individuos cujo concurso lhes pareça conveniente utilizar para os fins que se teem em vista.

Art. 2.° O Governo porá em vigor as modificações indicadas pela dita commissão, de forma a poderem ser postas em pratica no futuro e proximo anno lectivo, e dará conta ás Côrtes do uso que fizer da autorização concedida.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. = F. J. Machado = Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Ouvi com toda a attenção, interesse e prazer as judiciosas considerações do Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos, com as quaes me conformo. Communicá las-hei ao Sr. Presidente do Conselho e estou convencido de que S. Exa. fará quanto possa para remediar os inconvenientes apontados.

O Sr. Presidente: - O projecto enviado para a mesa pelo Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos fica para segunda leitura.

O Sr. Francisco José Machado: - Felicito o Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos pela sua brilhante estreia.

Está no espirito de todos a necessidade absoluta e urgente de reformar a instrucção secundaria.

Os individuos que collaboraram na actual organização foram decerto animados dos mais patrioticos intuitos; todavia a experiencia tem demonstrado que essa organização não satisfaz. (Apoiados).

Basta ler o que os professores expõem em documentos officiaes para ver o estado chaotico em que está a instrucção em Portugal.

Tenho ouvido dizer que a actual lei de instrucção secundaria é muito boa, porque inhabilita muita gente. Eu porem sempre suppus que as escolas são para habilitar, e não para inhabilitar. (Apoiados).

Para condemnar a actual organização do ensino secundario, basta ver que, por ella, o estudante muito intelligente, muito applicado e de muita saude, leva o mesmo tempo a fazer o curso que outro qualquer que não disponha d'esses predicados.

Alem d'isso é uma barbaridade obrigar um alumno de onze annos a estudar ao mesmo tempo oito disciplinas differentes, como, por vezes, succede.

O projecto apresentado pelo Digno Par Sr. Telles de Vasconcellos é pa-