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SESSÃO N.° 43 DE 18 DE AGOSTO DE 1908 5

do povo não pode, sem um crime, ser dado ao Rei mais do que é indispensavel á justa representação do seu alto cargo; porque ha o amor raciocinado da realeza, e não a baixa adulação e especulação dos cortesãos; porque ali todos os monarchicos se envergonhariam de perante as Côrtes, não conhecerem a situação financeira da Casa Real e proverem, como homens esclarecidos e livres, ás exigencias determinadas por um consciencioso exame d'essa situação.

Quer a Camara ver? Morrera Guilherme IV. Subira ao throno a Rainha Victoria, a «flor de Maio», que assim lhe chamavam carinhosamente, numa como ternura amorosa que durou por toda a longa existencia da nobre e feliz soberana, aquelles que a acolhiam com paixão nas festas publicas, á simples passagem pelas das da velha Londres. Foi quasi um delirio romantico a sagração e a coroação da gentilissima princesa, cuja graça e formosura como que punham um reflexo de enthusiasmo e mocidade no rosto dos guerreiros das lutas napoleonicas, a cuja frente se via a figura rigida e severa do vencedor de Waterloo.

Pois as Camaras discutiram-lhe longamente a sua dotação, cercearam na em 300 contos da nossa moeda, na somma attribuida ás despesas do bolso particular da Rainha, porque os representantes do povo entenderam que ellas não podiam ser iguaes ás de um homem, de um Rei. E o Deputado que propôs essa reducção, monarchico lealissimo - Grote, era o seu appellido - declarou que o respeito devido ao Soberano não se devia medir pelas disposições da Camara em votar fundos para o uso da Coroa: elle affirmava, pelo contrario, que os homens que mais prezavam o respeito devido á Coroa eram os que mais vivamente desejavam que ella não se apresentasse sobre a apparencia de um fardo odioso e moral, esmagando os hombros do povo.

Grandes e nobres palavras! Aquelle que as pronunciasse no nosso Parlamento seria capitulado de um jacobino feroz: a reacção ameaçá-lo-hia com a ponta de uma espada e espancá-lo-hia com o madeiro de uma cruz. Grandes e nobres palavras! Porque é que eu evoco o exemplo da Inglaterra? Porque, neste ponto, entendo que Portugal pode e deve seguir fielmente o exemplo do país mais liberal do mundo, porque não ha, neste assunto da lista civil, differenciação alguma d'aquelle povo - e porque não pode haver maior tristeza para um país livre, maior mal para as instituições monarchicas, do que a apresentação de uma proposta de lista civil em que aos representantes do povo não é dado um elemento de estudo e apreciação, e em que elles são apertados no dilemma: ou votar ás cegas, brutamente, ou não associar o seu nome a semelhante incongruencia, a semelhante desprestigio para a Coroa e a tamanho desrespeito pelo Parlamento. Ah! não! Eu e os meus amigos, por serem monarchicos e liberaes, não emparceirarão o seu nome nessa obra devida aos conselheiros officiosos do Rei!

Sim! Se eu e os meus amigos exercessem a menor influencia na direcção dos negocios publicos, se a Coroa lhes houvesse outorgado as faculdades que concedeu aos partidos, a proposta da lista civil não viria á Camara desacompanhada de todos os esclarecimentos, todas as informações.

Pedem-se sommas, ás cegas; vae-se, ás cegas, votar. Um conto de réis por dia para o Rei. Porque? Muito? Pouco? Quem o sabe? Onde, elementos de informação e de estudo? Nada! Esta proposta devia ser acompanhada das informações da Administração da Casa Real - ou, se a Camara quisesse um inquerito á sua Fazenda e Administração, dos resultados d'esse inquerito. (Apoiados).

Pois comprehende-se, sobretudo depois da questão dos adeantamentos, em seguida ás suspeições argentarias, erguidas no ultimo reinado, comprehende-se que assim seja entregue aos representantes do país um documento sêco, esteril, fallido de toda a luz? Porque se ha de votar? Não ha senão um argumento. Foi assim no reinado do Senhor D. Carlos. Pois mais uma razão para o não ser agora. E que razão! E porque o foi? Porque já tinha sido desde o tempo de D. João VI! Ha nada mais contrario ao bom senso? Tudo indica que essa somma, attribuida ao Rei que ainda tivera o poder absoluto e que portanto ainda conservava aquelle prestigio quasi divino que os povos ignorantes consagraram aos velhos Reis, alcançasse das Camaras uma dotação superior ás verdadeiras necessidades da representação e decoro de um monarcha constitucional. «Mas a vida encareceu, e essa somma hoje vale incomparavelmente menos» - allegar-se-ha. Mas quem o duvida? É verdade.

Portanto, vae dar-se ao Rei menos do que elle, sendo assim, deve ter para o luzimento da sua alta magistratura. É um mal. E até um perigo. «Tem o mesmo que seu pae» - dizem, Mas porventura não se diz que os adiantamentos do Senhor D. Carlos foram devidos a ser pequena a dotação real? Não se allega que o Rei não podia viver com aquillo que o país lhe dava? Então porque ha de chegar agora o que então não era bastante? Que sabemos nós para poder votar esta lei? Ainda pode dizer-se que a dotação de um conto de réis é maior que nos tempos antigos, porque ao Rei é tirado o custeio de alguns palacios que passam a pertencer á Fazenda Nacional, porque a cargo do Ministerio das Obras Publicas ficam a conservação e reparação dos Paços na posse da Coroa, porque o Museu dos Coches converte-se em Museu Nacional, porque passam a ser pagas pelo Thesouro as viagens officiaes que o Rei tenha a fazer dentro do proprio país.

Sendo assim, o argumento de que o Rei recebe o mesmo conto de réis por dia que o pae e avós é inexacto: São pois falsas as informações do relatorio da proposição vinda da Camara dos Deputados. A dotação não é a dos reinados anteriores. É um conto de réis por dia, alliviado de sommas que constituiam encargo. Quaes são essas sommas a mais? Vagas, indeterminadas, sem um numero, sem um documento: Pois acaso com os dinheiros da nação, e com o bom nome da Casa Real, pode proceder-se assim? Ignora-se o mal enorme, que proveio á Coroa, de o país não saber, exactamente, como em todas as nações, quanto custava ao Estado, e o terrivel prejuizo moral de as contas do Rei não serem sagradamente claras, publicas, sem sombras, de uma transparencia de vidro, tendo o país a absoluta certeza de que não ha a menor confusão entre a sua Fazenda e a da Coroa? Pois o exemplo do passado e a necessidade de tornar querido do povo o novo Rei, uma criança, ferido da desgraça, pois a simples noção do bom senso, da lealdade, da verdade, não mandavam que se fizesse assim?

Que deveria fazer-se então? Acompanhar esta proposta de lei de todas as informações, quando não fossem fornecidas por um inquerito, ministradas ao menos pelo administrador da Casa Real. E a lista civil não devia ser global, um conto de réis diario, mas sim por parcelas, discriminada por verbas, como se fez na Inglaterra, e onde ainda assim se pratica, exactamente porque, apesar de economias enormes feitas na vida intima do Paço, se não extinguia o deficit na lista civil. A lista civil do Rei de Inglaterra compõe-se das seguintes verbas:

110:000 libras para as despesas particulares do Rei e da Rainha;

125:800 libras para as despesas com o pessoal da Casa Real e com as pensões a invalidos e reformados;

198:000 libras para as despesas proprias de representação da Casa Real;

20:000 libras para obras e reparações;

13:000 libras para beneficencia e actos de caridade do Soberano;

8:000 libras para despesas eventuaes e imprevistas.