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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

factos se produziram. Devia, na lista civil, proceder se de modo a que o Rei ficasse com as sommas absolutamente necessarias á sua alta situação, conformes com os recursos economicos e financeiros do país, e que essas quantias, votadas esclarecidamente pelo Parlamento, apparecessem perante a nação inteira como insusceptiveis de falsificação ou de mentira.

Nada ha que perca os thronos como a suspeita de que os dinheiros do povo escorrem, ás occultas, surrateiramente para as arcas do Rei.

Quem quiser atacar no cerce as instituições prova que o Chefe do Estado recebe o que não lhe pertence, que os Ministros obtiveram a sua influencia e poderio por condescendencias argentarias, disfarçadas em varios pretextos. O novo Rei devia ser o chefe de uma dynastia nova, apparecer ao povo aureolado não somente do prestigio da tradição, que já é pouco e mal resiste ás ondas da democracia anti-monarchica, mas como o grande Chefe, no poder, da revolução, dia a dia, pacifica e legal, em favor das grandes causas politicas e sociaes.

Deixe-me a Camara embalar-me nesse doce sonho, tão facil de realizar, de um Monarcha novo e profundamente liberal, como o da Italia, que, no dizer do socialista da extrema esquerda, Artur o Laburiola, quasi realizou a monarchia radical - apparecendo aos olhos da nação na attitude nobre de repellir todo o passado, na torre de marfim do mais alto desinteresse material, puro de toda a suspeita, sem uma possibilidade d'aquelles incidentes, sejam, de que ordem forem, que, nos ultimos dezoito annos mancharam o ouro da Coroa portuguesa. É um sonho? As minhas vozes são apodadas de brados revolucionarios? Os meus amigos são chamados jacobinos por aquelles que, tendo enormes responsabilidades nos desastres do ultimo reinado, querem agora dominar e influir nos destinos do país? Pois dominem, e influam, e governem.

Quem lhes quer roubar a força, tanto mais que se apresentam orgulhosamente como tendo nas mãos as faculdades omnipotentes que a Coroa lhes concedeu? Dominem, influam, governem.

Eu e os meus amigos só lhes lembraremos as palavras de Luiz XVIII, nos extremos da agonia, estendendo as mãos sobre a cabeça do neto de Carlos X e dizendo para este, naquella visão do futuro que ás vezes parece illuminar a pupilla baça dos moribundos: «Poupae a Coroa d'esta criança!»

E agora vou entrar na parte mais delicada, mais intima d'este projecto, o artigo 5.°

Não o faço sem temor. Arreceio-me de que uma palavra apaixonada atraiçoe a resolução profunda e sincera de me referir a este assunto, sem as represalias, que aliás seriam bem legitimas, do meu coração ulcerado por tanta injustiça recebida d'aquelles que servi numa longa jornada de tantos annos, quasi desde que no meu cerebro ardeu a luz de uma ideia.

Terei dominio sobre mim. Não me vibrará na voz um fremito de paixão. «Socega, o dominio pertence aos fleugmaticos», dizia na Revolução um dos seus mais poderosos filhos, impassivel e bello como o anjo do exterminio, que assim lhe chamavam, para o livido e tremulo Robespierre. Não a tenho, porque a não possuo de condição natural, a fleugma dominadora e soberana. Mas a mim proprio impus o proposito de me erguer acima de todos os resentimentos, os mais illegitimos, acima de todos os aggravos, os mais injustos.

É assim que eu, sem erguer a voz, digo lamentar profundamente que a pasta da Fazenda, quando já fôra publicado o decreto ditatorial de 30 de agosto, houvesse sido confiada ao Sr. Espregueira.

Não houve neste facto nem uma inspiração, nem um serviço ao Rei. Foi um mau lance, foi um mal para a Coroa. Depois da publicação do decreto ditatorial de 30 de agosto era inevitavel a liquidação, publica e ruidosa, dos adeantamentos.

Como é que foi entregue a pasta da Fazenda a um dos Ministros que teem responsabilidades na entrega de quantias illegaes a pessoas da Familia Real? E d'essa entrega já ha confissão na imprensa e no Parlamento.

O Sr. Espregueira, numa carta particular, com nota de reservada, do Sr. José Luciano, que elle portanto não tinha o direito de converter em documento publico, em documento official, lançou um despacho mandando fazer um adeantamento.

Não me refiro a outros factos. Basta este.

Como é que a um homem publico, implicado num assunto que, depois do decreto de 30 de agosto e depois da entrevista Galtier, havia de ser forçosamente trazido a uma critica ardente, a um julgamento inevitavel, se pode entregar a resolução de um pleito em que elle surge como principal personagem? Como é que ao Rei que abre um reinado novo, ao Rei que escreve a carta de 5 de abril, se lhe indica que tome para seu Ministro aquelle homem publico que tem parte primacial como responsavel nessa herança sinistra legada pelo ultimo reinado?

Não discuto a personalidade do Sr. Espregueira como o Ministro do contrato dos tabacos. Isso já poderia parecer proposito de aggravo. Seja. O chefe do partido progressista fez bem em indicar a um Soberano novo, e que deve fazer um governo que não lembre o passado, o seu Ministro naquelle desgraçado contrato? Passe!...

Mas o chefe do partido progressista, entre quem e o Sr. Espregueira occorreram todos os incidentes dos adeantamentos, foi prudente, foi habil, fez um bom serviço ao Rei, realçou o prestigio das instituições, correspondeu cabalmente ao beneficio da Coroa, que lhe outorgou poderes, como o de escolher Ministros, quando indicou o Sr. Espregueira para a delicadissima situação de Ministro da Fazenda?

Responda a consciencia da Camara! Exponho os factos.

Foi apenas irreflexão, funesta sim, mas irreflexão? Acceito esta hypothese, porque não quero aggravar nem doesta ninguem.

Foi uma irreflexão triste, foi talvez a illusão de que podia continuar na sombra, no mrysterio, depois do decreto de 30 de agosto, e até depois de tantos documentos atirados á publicidade, á liquidação d'essa triste questão. Porque o peor mal d'este longo episodio, tão pouco moral e tão pouco legal, dos ultimos dezoitos annos, foi o medrar, o avolumar-se, esse incidente, á semelhança de larva nascida e criada na treva, numa proposital e accintosa sombra, que pode ser proficua a homens publicos, mas não o é ao Rei!

A traços rapidos, vejamos como a sombra se adensa á volta d'essa questão e como essa noite tem sido irritante para o país e funesta para as instituições.

O Sr. João Franco declarou, na Camara dos Deputados, que haviam sido feitos, illegalmente, adeantamentos á Casa Real.

Reclamou lhe a opposição, no seu legitimo direito, que trouxesse á Camara, logo, todos os esclarecimentos.

Recusou-os.

Quem faz taes affirmações tem as provas.

Negá-las ao Parlamento é, se não um crime, uma audacia.

Em ambas as casas do Parlamento apertou-se uma mordaça aquelles que interrogavam! Veio o decreto de 30 de agosto. Continuou a engrossar a sombra. Nem documentos, nem nomes, nem sommas. Um pregão de descalabro da Casa Real e 160 contos de réis a escorrerem para as arcas da Casa Real. Mais nada.

Uma noite espessa em volta da questão!

Os chefes dos partidos, que, com o Rei e com os Ministros da Fazenda, é que podiam conhecer a questão, o que declararam no Parlamento?

O Sr. Hintze Ribeiro não fez nenhuma declaração precisa; o Sr. José Lu-