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trazia a reparação d'elles, e o paiz ganhava, por isso que, tornados allodiaes os bens, eram convertidos em inscripções, estas tambem desappareciam e os bens entravam no commercio. Custa-me a crer que o digno par, que eu tanto estimo e respeito, e que é um espirito tão illustrado e sympathico, sustente este projecto com um argumento, pelo qual eu entendo que se justifica a sua rejeição e a abolição de todos os vinculos, que era o perigo d'elles não estacionarem, e de augmentarem sempre á custa dos principios sacrificados. Se se podesse fazer todos os annos aquillo que faz agora a casa de Bragança, o digno par não aceitava, porque cada vez era maior o perigo de amortisar a boa terra portugueza. Se o digno par destruiu os vinculos, porque elles não podiam subsistir escravisando a terra, como quer o privilegio para se fazer ou acrescentar um de novo!

Embora seja a favor da primeira familia do paiz, a familia real, por isso mesmo é essa que deve dar o exemplo.

Á instituição dos vinculos, no estado actual da civilisação d'este povo, era impossivel poder continuar; e se não se fizesse a lei para a sua abolição, elles por si proprios acabariam. Ora, o que eu não posso é deixar de ser coherente em votar contra uma auctorisação, para se levantar fundos, a fim de serem applicados á acquisição de bens, para serem amortisados de novo; mas porque se não havia de dizer n'este artigo que todos os bens que teriam de figurar n'este emprestimo ficariam bens allodiaes? Supponho que assim não haveria quem deixasse de votar este projecto. Pois o apanagio real não podia existir em dominios directos, em inscripções, e em bens allodiaes, sujeitos a troca e venda? Pois não devem todos ter credito e confiança nos papeis do estado? O que era bom para todos não o era para a casa de Bragança?!

Levámos a desamortisação a toda a parte, estendemo-la quanto possivel, fomos até aos bens das freiras, ao passal do parocho, e, o que é mais, até á propria misericordia! Não se admittiu excepção; tudo se teve de desamortisar, por utilidade publica; nada de privilegios, excepto para uma casa unica, para uma familia unica, embora seja a primeira do paiz, para a qual a accumulação de bens continuou, e não sei até onde poderá chegar. E isto que repugna a minha rasão e a minha consciencia, que só tem a Deus por juiz.

Foi no sentido da liberdade da terra, e da igualdade dos direitos dos cidadãos, que nós todos votámos a abolição dos vinculos e a desamortisação da terra sem privilegios para ninguem, porque estes offendem a justiça de um povo livre.

Tenho dito.

O sr. Visconde de Algés: — Sr. presidente, dos argumentos com que o digno par, o sr. Silva Ferrão, se propoz impugnar o projecto que na qualidade de relator me cumpre defender, apenas um diz respeito á generalidade, que é precisamente a parte que n'este momento se acha em discussão. Pondera o digno par que os bens que constituem o apanagio do principe herdeiro presumptivo da corôa são bens inalienáveis, e que portanto não podem ser affectados pela hypotheca, porque a hypotheca, devolvendo ao credor um direito real, não póde recaír em propriedade que por legislação especial se acha fóra do commercio. E certo, sr. presidente, que os bens de que se trata são inalienáveis, e não é menos certo que em bens de tal natureza não póde constituir-se hypotheca, porque a hypotheca importa a faculdade de alienar. Mas tambem é certo, ao menos segundo as noções que eu tenho da competencia dos poderes publicos, que o modo de ser de toda e qualquer propriedade é materia de direito civil, e que o direito civil é assumpto da competencia do poder legislativo, e do poder legislativo investido de suas ordinarias attribuições. Este meu parecer, cuja enunciação se me afigura bastante para o firmar com o criterio da certeza, é alem d'isto a opinião que o poder legislativo implicitamente emittiu quando na citada lei de 19 de maio de 1863 expressamente consignou a excepção do principio libertador da propriedade com respeito á privilegiada propriedade de que se trata. Tanto os corpos colegisladores entenderam que em sua alçada cabia a desvinculação dos bens da serenissima casa de Bragança, que, havendo proclamado o principio generico da desvinculação por considerações que já tive occasião de manifestar, foram movidos a decretar a excepção a que alludi, excepção a que deve hoje a propriedade em questão a sua natureza vincular. Diz o digno par = que a carta patente de 27 de outubro de 1645 é uma lei politica =; e parece que d'esta proposição pretende s. ex.ª inferir a incompetencia do poder legislativo ordinario para modificar, ou suspender sequer, os preceitos que se contém em suas disposições. Eu tenho para mim que o modo de ser da propriedade, e de toda a propriedade, sem distincção nenhuma, é materia, e materia pura de direito civil; e a não ser que o digno par me demonstre que a materia em questão é assumpto de direito publico constitucional, e constitucional segundo a severa definição do nosso codigo politico, o que me parece que, apesar de suas atiladas faculdades, s. ex.ª não conseguirá jamais, estou determinado a manter a opinião de que a faculdade que por este projecto se demanda cabe inteira e naturalmente na competencia dos poderes publicos de quem se pretende impetrar.

Entrando na especialidade, estranha o digno par, a quem tenho a honra de me referir, que no artigo 1.° do projecto se indique como que legitimamente representada a serenissima casa de Bragança pela pessoa de seu administrador geral, entidade que s. ex.ª se recusa reconhecer por não ser mencionada no diploma constitucional do apanagio dos principes herdeiros da corôa. Eu peço ao digno par que não termine a leitura no ponto em que a suspendeu; continue, e lerá immediatamente ás palavras = administrador geral = e este auctorisado por El-Rei o Senhor D. Luiz I. Aqui tem pois o digno par, que não é da entidade administrador geral, entidade que significa apenas uma delegação administrativa de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, mas da legitima auctoridade paternal do augusto progenitor de Sua Alteza o Principe Real que deriva » legitima representação da serenissima casa de Bragança. Se a carta patente de 27 de outubro de 1645 não falla, como s. ex.ª affirma, de administrador, mas sómente de governador da serenissima casa de Bragança, é porque a citada carta patente não previne expressamente a hypothese da menoridade do Principe Real, hypothese que, pelo silencio do indicado diploma, não póde deixar de ser regida pelos principios do direito commum; e o digno par, mais e muito mais versado do que eu nos preceitos do direito patrio, sabe perfeitamente que, segundo as indicações da nossa e de toda a estranha legislação de que tenho noticia, a administração dos bens dos filhos menores compete exclusivamente a seus legitimos paes. Este preceito, que é de direito, não digo portuguez, mas universal, esta expressamente consignado no artigo 422.° da novissima reforma judicial, onde mui positivamente se estatue que durante o matrimonio o pae e a mãe são os legitimos administradores dos bens de seus filhos menores, excepto quando esses bens lhes provierem com a expressa condição de que os paes não sejam administradores. Pergunto pois ao digno par - não estando a hypothese da administração dos bens, durante a menoridade do Principe Real, prevenida na carta patente, como eu affirmo que não esta e para o que appello para a leitura do referido diploma, e sendo a indicação do direito a que se contém nas considerações e litteral citação que apresentei, se s. ex.ª tem noticia de alguma disposição de direito que subtraha á natural e legitima administração paternal os bens que constituem o apanagio de Sua Alteza o Principe D. Carlos Fernando, duque de Bragança, unica hypothese em que os bens destinados a sua exclusiva fruição seriam sujeitos a estranha administração.

E como tenho a certeza de que o digno par não póde exhibir a condição formulada em nenhum monumento de direito, continuo affirmando que o supprimento da menoridade do Principe Real, não só com respeito á direcção de sua augusta pessoa, como á gerencia e administração de sua fazenda, não póde juridicamente promanar senão do ¡ patrio poder, que natural e civilmente compete a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I.

Mas não pára aqui a impugnação do digno par, s. ex.ª continua investigando por todo o projecto os achaques juridicos, que lhe podem affectar a saude, e lá vae descortinar no artigo 3.° as palavras ficando a administração da mesma serenissima casa responsavel pela fiel e estricta applicação das quantias mutuadas aos fins designados no artigo 1.º Não comprehende o digno par como se possa prefixar a responsabilidade da administração da serenissima casa de Bragança, quando tal administração incumbe ao augusto chefe do estado, personagem irresponsavel segundo o severo preceito da lei fundamental do estado. O que eu não comprehendo, sr. presidente, é como o digno par póde confundir a responsabilidade politica, que certamente não tem o monarcha na fórma do governo que felizmente nos rege, com a responsabilidade civil (apoiados), que é a unica de que se trata; e a qual tanto póde contrahir o primeiro magistrado do paiz, como o mais somenos cidadão, porque as relações do direito civil são as mesmas para todos sem distincção de posição e de hierarchia (apoiados).

Quanto ás considerações do digno par e meu nobre amigo, o sr. conde de Cavalleiros, observo que a impressão exclusiva de s. ex.ª é a sua paixão desvinculadora; e eu já disse que acompanho o meu illustre collega na sua tendencia libertadora da propriedade, tendencia que os poderes publicos já traduziram em principio regedor de direito, mas que o digno par quizera estender até á propriedade privilegiada de que se trata. Sobre este ponto não vejo a necessidade de pronunciar o meu juizo, visto que se não trata agora de vincular nem de desvincular propriedade, sendo o objecto exclusivo do projecto o auctorisar a constituição de uma hypotheca em bens, que por sua natureza a não poderam supportar sem interferencia do poder legislativo. E se considerações estranhas ás indicações da economia politica aconselham a manutenção do vinculo em questão, parece-me que as mesmas considerações, e reforçadas ainda pelos conselhos da sciencia economica, aconselham que se acuda á propriedade com o subsidio e com o grangeio de que ella carece, para que, em proveito particular de quem a desfructa, e em proveito geral da sociedade, se possa colher o maximo interesse da sua exploração e cultura.

Creio, sr. presidente, haver respondido ás observações dos illustres impugnadores do projecto, não me absolvendo todavia de novamente solicitar a palavra se novos argumentos se produzirem contra o parecer que me cumpre defender.

O sr. Ferrão: — Direi poucas palavras. Eu já tinha prevenido a resposta que se podia dar ás minhas objecções. Nós não tratâmos de derogar sómente o direito civil que o sr. visconde de Algés citou, tratâmos de fazer mais alguma cousa. Não temos a dispensar uma lei civil, mas uma lei politica, qual é a do apanagio do Principe Real, lei que constitue um dos pontos de legislação heroica d'este paiz. Trata-se da carta patente do Senhor D. João IV.

S. ex.ª o sr. visconde de Algés avançou tambem uma proposição, que eu já combati em presença da mesma legislação. Os monarchas nunca são administradores, mas sim governadores da serenissima casa. A lei commum não rege quando existe uma lei especialissima, uma lei excepcional.

O sr. Visconde de Algés: — A carta patente do Senhor D. João IV não falla da hypothese em questão.

O Orador: — Eu lhe mostrarei como vem.

O sr. Visconde de Algés; — Pois então venha a carta patente.

O Orador: — Não a tenho aqui, mas tenho o seu fiel extracto.

O sr. Visconde de Algés: — Esta nas provas da historia genealógica da casa de Bragança.

O Orador: — Disse o digno parque a auctorisação, concedida por este projecto ao administrador geral da casa de Bragança, era como por delegação do monarcha.

Mas o projecto não o diz assim; antes da auctorisação por alvará especial de El-Rei, exigida no artigo 3.°, esta uma proposição que contém uma inexactidão, qual a de que o administrador geral representa legitimamente a casa de Bragança.

A casa de Bragança não póde ser legitimamente representada senão nos restrictos termos da carta patente.

(Interrupção, que pareceu do sr. Visconde de Algés.)

Eu não sei se o digno par fallou em irregularidades juridicas.

O sr. Visconde de Algés: — Não fallei.

O Orador: — Sr. presidente, os morgados assim como os administradores de vinculos, não careciam de nenhuma lei do parlamento no estado da legislação que regia este modo de ser da propriedade.

Solicitar hypothecas, subrogação, dispensar em determinados casos o caracter inalienável d'estes bens, o que ainda se verifica hoje sobre bens dotaes, não compete ao podér legislativo.

Aqui não acontece assim, e d'ahi a necessidade de uma lei para derogar outra especial, e que tem um caracter politico. Portanto, a responsabilidade é para com o parlamento, que concede esta auctorisação, é para com o governo que veiu fazer esta proposta.

A excepção que se fez na lei de desvinculação a favor da casa de Bragança não foi propriamente uma excepção, foi uma declaração em rasão das circumstancias especiaes em que se achava a casa de Bragança.

Foi ao abrigo d'essas circumstancias que ella escapou á desvinculação dos morgados.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Visconde de Algés: — É só para dizer duas palavras. Insiste o digno par, o sr. Silva Ferrão, que onde ha lei especial não tem logar a applicação do direito commum. Eu já disse a s. ex.ª, e agora repito, que a lei especial não cura da especie em questão; que a lei especial em nenhum preceito se oppõe ás indicações do direito commum, direito que no silencio da carta patente não póde deixar de reger a hypothese em questão. (Vozes: — Votos, votos.)

Sr. presidente, eu vejo que a camara esta impaciente por votar, o que revela que tem o seu juizo formado sobre a materia do projecto; abstenho-me portanto de responder, como talvez fosse ocioso, á insistencia do digno par o sr. Silva Ferrão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo 1.° do projecto.

O sr. Secretario: — (Leu.)

Posto á votação, foi approvado, bem como os artigos 2°, 3.º e 4.º e a competente redacção.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer Nº 146.

O sr. Secretario: — (Leu.)

E do teor seguinte, bem como o respectivo projecto:

PARECER N.° 146

Senhores. — Á vossa commissão de legislação foi remettida a proposta do digno par Silva Cabral, em que requer que esta camara nomeie uma commissão especial para que, depois de um detido exame sobre a lei de 11 de abril de 1845, formule um projecto que remedeie os conhecidos defeitos e insufficiencia d'aquella lei.

A vossa commissão, não podendo deixar de reconhecer quanto importa melhorar a sobredita lei, entende que a proposta do digno par é digna de toda a consideração; mas que, attendendo a que os corpos collectivos, sendo excellentes para o trabalho de exame e revisão, não são comtudo os mais apropriados para o trabalho de concepção e ordenação de quaesquer projectos, é de parecer que o mais conveniente seria que a camara convidasse o digno par, auctor da proposta, para formular o projecto alludido, cuja importancia elle reconhece, e que sem duvida saberá desempenhar condignamente.

Sala da commissão, 9 de abril de 1867. = Conde de Fornos de Algodres = Visconde de Seabra = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Rodrigo de Castro Menezes Pita. PROPOSTAS

Proponho que se nomeie uma commissão especial de cinco membros, para que, depois de um detido exame sobre a lei de 11 de abril de 1845, e reconhecida a sua inefficacia e defeitos para se conseguir o alto fim a que se propoz, apresente a esta camara um projecto de lei que tenda a estabelecer:

1.° As categorias, dentro das quaes se póde exercer á attribuição designada no artigo 74.° § 1.° da carta constitucional.

2.° Os termos precisos e requisitos indispensaveis para que, na esphera do direito hereditario, se fixe e determine a capacidade successoria. = Silva Cabral.

Proponho que a moção de ordem do digno par, o sr. Silva Cabral, seja remettida a uma commissão para sobre ella dar o seu parecer. = Visconde de Chancelleiros.

Approvada em sessão de 8 de fevereiro de 1867. Á commissão de legislação.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Silva Cabral.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, pertenço á commissão de legislação, e presidi á sessão em que se tratou d'este objecto; e se não venho assignado n'este parecer facilmente se comprehenderá, notando a maneira honrosa com que os meus dignos collegas entenderam, dever referir-se á minha pessoa. Fico aqui, porque me não esquecerei jamais que laus in ore proprio envilescit (apoiados).