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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 15 DE ABRIL DE 1867

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

Secretarios os dignos pares

Marquez de Sousa

(Marquez de Vallada.

Ás duas horas e meia, sendo presente numero legal, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou se approvada na conformidade do regimento, por não haver observações em contrario.

Deu-se conta da seguinte

CORRESPONDENCIA

Dois officios do ministerio da marinha e ultramar, remettendo differentes autographos das côrtes geraes para serem depositados no archivo da camara dos dignos pares.

Um officio do juiz de direito do 3.° districto criminal, remettendo o traslado do processo instaurado n'este» juizo contra o digno par Eduardo Montufar Barreiros.

Foi remettido á commissão de legislação.

O sr. Visconde 'de Gouveia "(sôbre a ordem): — Peço a V. ex.ª que me dê a palavra se o sr. ministro das obras publicas vier antes da ordem do dia.

O sr. Silva Cabral: — Principio, sr. presidente, por communicar a V. ex a e á camara que por motivo de doença não pude comparecer na sessão antecedente. E,. aproveitando esta occasião, mando para a mesa duas representações que me foram enviadas, uma de Vieira e outra de Mafra. Ambas ellas são contra as medidas tributarias ultimamente apresentadas pelo ministerio.

A de Mafra traz 739 assignaturas, e a de Vieira traz, seiscentas e tantas. Não tenho mais nada a dizer senão pedir a V. ex.ª que lhes dê o destino que a camara resolveu dar a representações identicas a estas.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos cidadãos do concelho de Cascaes sobre a suppressão d'este concelho; esta representação tem noventa e tantas assignaturas todas reconhecidas.

Dizem esses cidadãos que o concelho tem todas as condições de existencia e de independencia para poder e dever subsistir; que sempre, e no tempo em que havia juizes de fóra, teve ali um magistrado com esta cathegoria; que sempre foi cabeça de concelho; que tem pago pontualmente todas as contribuições, assim de sangue como de dinheiro; que tem cidadãos habilitados para o exercicio dos cargos da municipalidade; que apresenta dois circulos de jurados; que é uma villa muito frequentada, mormente na epocha dos banhos de mar; que tem uma praça de guerra, em que actualmente existem mais de 600 pessoas; que possue bellissimas praias, a que se acolhem e affluem muitas embarcações arribadas.

Tambem representam contra a proposta de lei sobre novos tributos, sob o ponto de vista da extincção dos impostos indirectos municipaes, o que dizem importar a morte dos concelhos.

Não é este o momento de apreciar a procedencia d'este fundamentos. Limito-me portanto a mandar para a mesa esta representação, a fim de que V. ex.ª lhe dê o destino conveniente, e para ser tomada opportunamente na consideração que merecer.

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia, que é a proposta do sr. conde de Thomar.

Leu se novamente na mesa.

O sr. Conde, de Thomar (sobre a ordem): — Sr. presidente, a camara esta muito habituada a discussões parlamentares, e portanto devia ter logo visto de principio que a minha proposta não era senão uma proposta de prevenção para o caso em que a camara decidisse que não devia continuar a discussão do projecto do regimento interno; mas progredindo aquella discussão, porque a camara rejeitou o adiamento, entendo, sr. presidente, que tenho conseguido o meu fim com esta votação, e não tenho duvida alguma de retirar a minha proposta.

Portanto peço a V. ex.ª que consulte a camara, se tanto é necessario, para que consinta que retire a minha proposta, e possa seguir a discussão do projecto que estava dado para ordem do dia.

(O orador não reviu os seus discursos respectivos a esta sessão.)

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam que o sr. conde de Thomar retire a sua proposta, tenham a bondade de se levantar.

lei approvado.

O sr. Presidente: — Segue-se o parecer n.° 145 sobre o projecto de lei n.° 144.

São do teor seguinte:

PARECER N.° 145

Senhores. — Sobre a materia do projecto de lei n.° 144, por cujas disposições se auctorisa a serenissima casa de Bragança a contrahir um emprestimo até ao limite maximo de 200:000$000 réis nos termos e com a applicação que o

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referido projecto índica, a vossa commissão de fazenda, considerando:

Que o valor obtinendo pelo emprestimo que se propõe é destinado beneficiar e desenvolver a propriedade da mesma serenissima casa de Bragança, cujos bens, segundo o preceito da carta patente de 27 de outubro de 1645, constituem o apanagio de Sua Alteza o Principe Real;

Que a natureza vincular da propriedade em questão não foi revogada, antes expressamente mantida pelo artigo 13 da lei de 19 de maio de 1863;

Que a hypotheca com que se projecta affectar os predios que a serenissima casa possue na cidade de Lisboa importam como direito real alienabilidade dos mesmos predios, carecendo d'est'arte a sua constituição da interferencia do poder legislativo;

Finalmente que a menoridade de Sua Alteza o Principe Real, Dom Carlos Fernando, Duque de Bragança, se acha legitimamente supprida pela auctorisação do patrio poder que natural e juridicamente compete a Sua Magestade El Rei(o Senhor Dom Luiz I:

E de parecer que o projecto merece a approvação da camara para subir á sancção real.

Sala da commissão de fazenda, em 9 de abril de 1867. José Bernardo da Silva Cabral = José Augusto Braamcamp — Visconde de Chancelleiros = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Lourenço da Luz = Visconde de Algés = Marquez de Ficalho.

PROJECTO DE LEI N.° 144

Artigo 1.° E permittido á serenissima casa de Bragança, legitimamente representada pelo seu administrador geral, e este auctorisado por El-Rei o Senhor Dom Luiz I, na qualidade de pae e tutor de seu augusto filho o Principe Real, Dom Carlos Fernando, Duque de Bragança, levantar por emprestimo até á quantia de 200:000$000 réis com applicação a melhoramentos em propriedades rusticas, compra de outras e edificação de predios em Lisboa.

Art. 2.° O emprestimo ou emprestimos até á somma fixada no artigo antecedente poderão ser contratados a curto ou a longo praso, para serem pagos de uma só vez, ou em prestações e annuidades, e com hypotheca sómente sobre os predios que a serenissima casa possue na cidade de Lisboa, e que por accordo das partes se julgarem garantia sufficiente.

Art. 3.° O contrato ou contratos serão assignados pelo administrador geral da serenissima casa, auctorisado por alvará especial de El-Rei, e pelo advogado fiscal da mesma casa, na qualidade de curador de Sua Alteza o Principe Real, Dom Carlos Fernando, Duque de Bragança, para este effeito nomeado e auctorisado por esta lei, ficando a administração da mesma serenissima casa responsavel pela fiel e estricta applicação das quantias mutuadas aos fins designados no artigo 1.°

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario. ' Palacio das côrtes, em 27 de março de 1867. = Cesario Augusto de Azevedo Pereira, deputado presidente = José Maria Sieuve de Menezes, deputado secretario = Fernando Affonso Geraldes Caldeira, deputado secretario.

PROPOSTA DE LEI

Senhores. — Tendo a administração da serenissima casa de Bragança representado sobre a utilidade de contrahir um emprestimo até á quantia de 200:000¿!000 réis, para ser applicado a melhoramentos em propriedades rusticas, compra de outras e edificação de predios n'esta cidade; e não achando o governo inconveniente na realisação da indicada medida, tenho a honra de submetter á deliberação das côrtes a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E permittido á serenissima casa de Bragança, legitimamente representada pelo seu administrador geral, e este auctorisado por El-Rei o Senhor Dom Luiz I, na qualidade de pae e tutor de seu augusto filho o Principe Real, Dom Carlos Fernando, Duque de Bragança, levantar por emprestimo, até á quantia de 200:000$000 réis, com applicação a melhoramentos em propriedades rusticas, compra de outras e edificação de predios em Lisboa.

Art. 2.° O emprestimo ou emprestimos até á somma fixada no artigo antecedente poderão ser contratados a curto ou a longo praso, para serem pagos de uma só vez ou em prestações e annuidades, e com hypotheca sómente sobre os predios que a, serenissima casa possue na cidade de Lisboa, e que por, accordo das partes se julgarem garantia sufficiente.

Art. 3.° O contrato ou contratos serão assignados pelo administrador geral da serenissima casa, auctorisado por alvará especial de El-Rei e pelo advogado fiscal da mesma casa, na qualidade de curador de Sua Alteza o Principe Real, Dom Carlos Fernando, Duque de Bragança, para este effeito nomeado e auctorisado por esta lei, ficando a administração da mesma serenissima casa responsavel pela fiel execução das disposiçoes do artigo 1.°

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 28 de fevereiro de 1867. = Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

O sr. Conde de Thomar: — Peço perdão a V. ex.ª, mas o que estava em discussão era-o projecto do regimento interno, e esse não foi retirado dá discussão;

O sr. Presidente: — Eu tinha dado para ordem do dia de hoje dois projectos importantes e que se deviam agora discutir. Depois entrará em discussão o projecto do regimento.

O sr. Conde de Thomar: — Visto haver algum projecto! que, se julga urgente não me opponho a que desde já se discuta. No entanto eu disse o que entendia se devia seguir, que era a continuação do projecto do regimento interno porque foi isto o que resolvêra.

O Sr. Marquez de Ficalho (sobre a ordem): — Sr. presidente é para mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Foi a imprimir. O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): — Peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Ferrão (sobre a ordem): — Sr. presidente é para perguntar a V. ex.ª se o projecto n.° 144 esta em discussão sómente na generalidade, ou se esta na generalidade e especialidades (Vezes: — E na generalidade.)Então peço a V. ex. ª que me inscreva para quando se discutir o artigo 1.°

O sr. Visconde de Gouveia (sobre a ordem): — Sr. presidente, como não veiu antes da ordem do dia o sr. ministro das obras publicas, mando para a mesa a seguinte nota de interpellação.

Leu se na mesa e é do teor seguinte:

NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Pretendo interpellar o sr. ministro das obras publicas sobre os motivos que porventura tem impedido a construcção da ponte sobre o Douro, em frente da Regua; e bem assim sobre as delongas na construcção da estrada de Vizeu a Mangualde, e dos ramaes que devem ligar os importantes concelhos de Gouveia e Ceia, com a estrada de Mangualde, e portanto com a estação do caminho de ferro do norte na Mealhada.

Sala das sessões, 15 de abril de 1867. = Visconde de Gouveia.

Mandou-se expedir.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, tenho algumas duvidas sobre este projecto em discussão, que vou expor á camara; esta lei nada tem com a politica nem com os interesses geraes da nação, mas só diz respeito á administração da casa de Bragança, o que é muito differente; e não devia pois ser apresentada no parlamento por este modo, o que não obstava a que o emprestimo se fizesse.

Quando, apesar da abolição dos vinculos, lei de 19 de maio de 1863, pelo artigo 13.° ficou subsistindo o da casa de Bragança, a lei não pretendeu, nem podia pretender, que este vinculo não ficasse sujeito ás regras que regiam os bens d'aquella natureza, nem que fosse necessaria uma lei especial para regular a administração, e quaesquer transacções relativa áquelle vinculo que o seu administrador, embora elle seja o chefe do estado, quizesse fazer.

Eu vejo no capitulo 2.° da reforma judiciaria artigo 395.º sobre o conselho de familia o seguinte:

«O pae póde designar as pessoas que hão de compor o conselho de familia, preferindo os da sua confiança á mãe, ou aos parentes mais chegados dos menores.»

O artigo 402.° do capitulo 3.°, sobre as attribuições do conselho de familia, diz: «Auctorisar o tutor, ainda que seja o pae ou a mãe, para contrahir emprestimos, ou emprestar dinheiros do menor, alienar, hypothecar, ou escambar bens immoveis (o que terá logar no caso de necessidade urgente, ou conhecida utilidade) e regular a maneira d'isso se effectuar; e bem assim auctorisa-lo, para a venda dos moveis, que não convier serem conservados, e deliberar o que mais util, for não apparecendo comprador». E precisa, pergunto eu agora, porque o administrador da casa de Bragança é o chefe do estado, uma lei especial para poder fazer as transacções mencionadas na ultima parte do artigo que acabei de ter? Uma lei para auctorisar estas transacções é tão necessaria como para auctorisar um emprestimo. O chefe do estado, nas suas transacções particulares esta sujeito ás leis geraes como os seus subditos, sem que seja exceptuado.

Todavia como a casa de Bragança constitue um vinculo, cujas propriedades não podem ser alienadas nem hypothecadas, a sancção parlamentar era necessaria para auctorisar a hypotheca das propriedades, depois do emprestimo ter sido auctorisado pelo conselho de familia.

Por consequencia não posso approvar o projecto em discussão.

O sr. Conde de Cavalleiros: — Sr. presidente; este projecto, que esta em discussão na sua generalidade, convida-me a fazer algumas observações, e mostrar que sou coherente com o meu modo de proceder na outra casa do parlamento, quando ali se discutiu o projecto de lei da desvinculação, dos morgados.

Sr. presidente, eu votei a lei da desvinculação, mas não Votei o artigo que exceptuava a casa de Bragança. Um dos principaes argumentos que eu então apresentei foi o exemplo de moralidade que se devia dar ao paiz, não exceptuando da desvinculação os bens que estavam no dominio do poder real; e hoje, apresentando se, este projecto, vejo que não só se pede auctorisação' para fazer um emprestimo para certos concertos de propriedades d'essa casa, mas tambem para„a acquisição, de novos bens, que irão tornar este vinculo muito maior do ¡que está; e continuando assim a casa de Bragança, virá um dia que comprehenderá, quasi toda a propriedade ou bens do paiz.

Já se vê portanto que eu não posso concordar com o projecto; e se o nobre ministro estivesse presente, pedir-lhe-ia que me dissesse quaes são as condições em que este emprestimo será applicado—se em compra de propriedades,.se gasto em edificações ou; concertos. Desejava pois que me fossem dadas por parte do governo todas estas explicações necessarias e que eu considero indispensaveis para completo esclarecimento d'este objecto importantissimo da propriedade, que aliás temos querido desamortisar, não obstante esta excepção, ou antes contradicção.

O sr. Visconde de Algés: — Cumpre-mo, como relator da commissão, responder aos argumentos com que se tem impugnado o projecto que n'este momento discutimos; I Ponderou o digno par e meu honrado amigo, o sr. visconde de Fonte Arcada, que não via a necessidade juridica do projecto, pois que dispondo o artigo 395.° da novissima reforma judicial que o pae póde designar as pessoas que hão de compor o conselho de familia, preferindo as de sua, confiança á mãe ou aos parentes dos menores, e determinando o artigo 402.° do mesmo codigo que uma das attribuições do conselho de familia é auctorisar o tutor, ainda' que seja pae ou mãe, para contrahir emprestimos, emprestar dinheiros do menor, alienar, hypothecar, ou escambar bens immoveis, etc. não era necessaria a interferencia dos poderes publicos, porque a faculdade que se demandava já. estava plenamente conferida nos termos da legislação que citou.

Permitta-me o digno par que em boa paz lhe observe que se não trata agora felizmente da hypothese prevenida pelos artigos da reforma judicial que s. ex.ª citou; digo felizmente, porque as disposições desses artigos regem só na hypothese, que Deus afaste, da dissolução do matrimonio pela morte de um dos conjuges. A faculdade que o artigo 395.° attribue ao pae de nomear as pessoas que hão decompor o conselho de familia, podendo preferir as de sua, confiança á mãe ou aos parentes dos menores, é uma faculdade que respeita exclusivamente aos actos de ultima vontade que se refere á potencia testamentaria, e que só por morte do pae póde ser dada á execução. Não é para a hypothese da constancia do matrimonio que dispoz o artigo a que me refiro, é para a hypothese da dissolução por morte do pae, hypothese que felizmente se não dá, e da qual portanto não cura o projecto em discussão. Basta attender á faculdade que no artigo citado se confere ao pae, de preferir pessoas da sua confiança á mãe do menor para a constituïção do conselho de familia, para de prompto reconhecer que tal faculdade é meramente testamentaria; pois que de outro modo, vivos ambos os conjuges, não tinha logar a constituição do conselho de familia, o qual, nos termos do artigo 391.° § unico do mesmo codigo, só tem logar quando morrer o pae ou mãe de qualquer menor, ou aquelle passar a segundas nupcias, ou se ausentar ou tornar incapaz de reger sua pessoa e bens. É tambem para a hypothese da dissolução do matrimonio que dispõe o artigo 402.°, igualmente citado pelo digno par, a quem tenho a honra de me referir, com a differença que o artigo 395.° previne a eventualidade da morte do pae, e o artigo 402.° a eventualidade da morte da mãe ou da morte do pae, e é para qualquer destas hypotheses que confere ao conselho de familia a faculdade de auctorisar o tutor, ainda que seja pae ou mãe (o que depende do que primeiro fallecer), para contrahir emprestimos, alienar, hypothecar, etc.

Se não fosse da hypothese do fallecimento de um dos conjuges, que tratasse o artigo a que me refiro, certamente não attribuiria a tutela ao pae ou á mãe, porque na constancia do matrimonio, vivos ambos os conjuges, não ha tutela, ha patrio poder (apoiados). Ha patrio poder que é muito mais do que tutela, porque encerra faculdades que a tutela só com o supprimento do conselho de familia póde exercer valida e juridicamente (apoiados).

Cumpre notar aqui que esta mesma locução = tutela de pae =, não era conhecida no direito portuguez antes do decreto de 18 de maio de 1832, que por uma importação do codigo civil francez introduziu as palavras = tutela de pae =, exercida, é ocioso dizer, na hypothese do fallecimento da mãe, terminologia todavia impropria; porque, segundo as indicações do direito, a morte da mãe não importa para o pae a perda do patrio poder, se bem que não seja, dado esse phenomeno, exercido em toda a sua plenitude, sem as garantias com que a lei protege n'essa hypothese a pessoa e fazenda do menor.

A expressão, comquanto impropria, passou todavia do decreto de 18 de maio de 1832 para o decreto de 21 de maio de 1841, que é actualmente o codigo do processo civil e criminal. Porém note o digno par que essa expressão = tutela de pae =, que eu já qualifiquei de impropria, não se emprega nem na reforma de 1832, nem na actual, nem mesmo no codigo civil francez, senão na hypothese de morte de** mãe, sendo que em vida de ambos os conjuges nunca se falla de tutela, porque não ha tutela, porque ha patrio poder, e patrio poder exercido em toda a plenitude das faculdades que elle encerra, sem necessidade* do nenhum' supprimento estranho (apoiados).

Já vê pois o digno par que não - é felizmente da hypothese prevenida pelos artigos que s. ex.ª citou, que se trata no projecto em discussão. Mas ainda ha mais, é que o alcance do projecto vae muito alem das faculdades que sê contém nas disposições em que o digno par assentou a sua argumentação; ali trata-se de alienar ou de hypothecar que é alienavel ou hypothecavel; e aqui, no projecto que discutimos, propõe-se hypothecar o que não é hypothecavel sem auctorisação do poder legislativo, que modifique para o fim indicado o modo de ver da propriedade em questão, é precisamente para obter essa auctorisação que o projecto veiu solicitar a acção dos poderes publicos (apoiados). Mas o digno par, se me não. falha a remeniscencia, foi o proprio que tomou a si a tarefa de responder á sua primeira observação, porque depois de haver estranhado que se pedisse uma faculdade que o direito positivo, na opinião do digno par, conferia a quem a demandava, disse s. ex.ª que só para auctorisar a hypotheca podia comprehender que viesse aqui o projecto, pois é precisamente para esse fim, é porque a hypotheca importa-a faculdade de alienar) visto que a hypotheca é um direito real que se confere ao credor hypothecario sobre o predio affectado, e porque a propriedade em questão é inalienável* nos termos da carta patente de 27 de outubro de 1645 inalienabilidade mantida pelo artigo 13.º da lei de 19 de maio de 1863, que o projecto..-vem demandar a auctorisação de que se trata;

Agora, com respeito ás considerações apresentadas pelo digno par e meu nobre amigo, o sr; conde de Cavalleiros,

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observou s. ex.ª que havendo rejeitado na outra casa do parlamento a excepção da citada lei de 19 de maio de 1863 com relação á propriedade da serenissima casa de Bragança, não póde inclinar o seu animo a approvar um projecto que tende a desenvolver o vinculo, contra o qual militam todos os argumentos que determinaram a desvinculação da propriedade.

Eu entendo, sr. presidente, que os fundamentos da carta patente de 27 de outubro de 1645 são os mesmos em que se estriba a excepção da lei de 19 de maio de 1863, e os mesmos em que assenta o projecto que n'este momento discutimos. Se foi para manter o lustre e o explendor da elevada posição do herdeiro presumptivo da corôa, que o Senhor Rei D. João IV, pela carta patente que citei, constituiu nos bens da serenissima casa de Bragança o apanagio do Principe D. Thcodosio, mandando que de tal epocha em diante andasse sempre a referida propriedade em posse e fruição do primogenito da mesma serenissima casa; se foi pelo imperio das mesmas considerações que os poderes publicos se moveram a consignar em 1863 a excepção a que alludi do principio desvinculador, parece-me que as mesmas considerações militam na hypothese presente, para não -embaraçar, antes promover, que os bens em que se acha constituido o apanagio de Sua Alteza o Principe Real possam ter, nos termos de direito, a conservação e o grangeio (o que desenvolvimento é), necessarios para satisfazer o fim que um tal instituto se propõe (apoiados).

Direi finalmente que me não parece exacta a proposição enunciada, de que os mesmos argumentos que militaram contra a vinculação devem militar contra as disposições do projecto que se discute, pois, se bem me lembro, um dos argumentos que então se produziram, argumento impreterivel na impugnação dos morgados, foi a deficiencia da cultura e do grangeio dos predios na mão dos respectivos administradores, que muitas vezes por falta de capitaes deixavam de fomentar e de secundar as forças productivas do solo; e eu creio, sr. presidente, que este argumento, um dos principaes com que se tem invectivado a instituição vincular, com a qual eu tambem não sympathiso, é todavia, attento o alcance do projecto, argumento que milita a favor de suas disposições, porque é justamente para activar o grangeio da propriedade que se pretende auctorisar o emprestimo em questão.

Julgo, sr. presidente, haver respondido ás considerações apresentadas por parte da impugnação; se outras se offerecerem, novamente usarei da. palavra.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, o sr. visconde de Algés referiu-se ao direito portuguez que tinha imitado o francez; mas eu quando vejo nas nossas leis actuaes disposições contrarias ao que estava estabelecido sobre qualquer objecto, nas leis antigas, sigo as actuaes e não me importam as outras, porque estão derogadas por estas; nem, emquanto temos leis nossas me soccorro ás estrangeiras, como subsidiarias das nossas que actualmente se seguem; não me parece pois que o digno par destruisse os fundamentos da minha opinião.

Agora, quanto ao artigo que li da reforma judiciaria, perdôe-me o digno par, mas não é o que s. ex.ª diz, que é só no caso de que a mãe já tivesse morrido; e eu torno a ter o artigo 395.°:

«O pae póde designar as pessoas que hão de compor o conselho de familia, preferindo as da sua confiança á mãe ou aos parentes dos menores.»

Se o pae póde nomear as pessoas de sua confiança, note-se bem, e se as póde preferir á mãe, é porque ella esta viva e não morta.

O sr. Visconde de Algés: — Isso esta mal copiado. O Orador: — Não esta mal copiado, afianço ao digno par; e póde-se mandar buscar a reforma judiciaria, e ver-se-ha que é isto que lá vem.

Sr. presidente, esta lei não é uma lei geral, é uma lei especial, e eu tenho sempre toda a duvida em votar leis especiaes que venham revogar o que já esta estabelecido em outras leis geraes, porque a politica mette-se em tudo; e muitas vezes leis feitas em consequencia da politica do momento, vem revogar o que estava estabelecido já em outras leis que consignam direitos e estabelecem deveres; leis que foram bem pensadas, discutidas, e avaliadas pausadamente, sem attenção á politica do momento.

Tenho sempre duvida, repito, em votar estas leis especiaes, porque por esta fórma não ha ninguem que possa dizer que tem os seus direitos seguros, porque por politica ou por interesse do momento póde vir uma lei que vá de encontro a todos os principios estabelecidos na nossa legislação, e aos direitos do cidadão. E esta mais uma rasão para que eu vote contra esta lei.

O sr. Ferrão: — Sr. presidente, a questão é muito grave (apoiados), quando se queira ter na devida consideração a indole e natureza especialissima d'esta instituição, destinada a servir de patrimonio ou apanagio do principe successor da corôa. Especialissima, porque se funda em disposições do direito heroico, o que lhe dá o caracter de instituição politica; portanto é preciso que eu diga algumas palavras a este respeito.

E isto por dois motivos: o primeiro com relação ao digno par o sr. conde de Cavalleiros, porque se elle nos disse que lhe repugnou fazer uma excepção em favor da serenissima casa de Bragança, quando se tratou da lei que aboliu os morgados, eu pelo contrario aceitei esta excepção, e aceitei-a por. considerações especialissimas, fóra do alcance das quaes estão completamente os vinculos que foram abolidos. O segundo motivo deriva-se de haver eu, por um especial estudo, fixado as minhas opiniões com relação á serenissima casa de Bragança, como se vê de um tratado que foi impresso em 1852, e que tenho aqui, e em que sustentei, como continuo a sustentar, que a serenissima casa de Bragança ficou sendo uma instituição politica desde que ao throno foi elevado o Senhor D. João IV.

Pela carta patente d'este monarcha se prova que nas côrtes celebradas em Lisboa em 1641, o estado ecclesiastico, entre as propostas que offerecêra, comprehendeu a da conservação da serenissima casa de Bragança, como patrimonio ou apanagio do principe real presumptivo successor da corôa.

Ahi se pondera que não tendo os predecessores do monarcha estabelecido patrimonio particular aos seus primogénitos, como se praticava em outros reinos; e sendo para desejar que a serenissima casa de Bragança ficasse perpetuada, e do que era digna por tantas recordações gloriosas; e ao mesmo tempo sendo certo que a nação se não achava então com cabedal sufficiente para constituir uma dotação permanente aos principes successores do throno; convinha que essa constituição se verificasse na serenissima casa de Bragança, sem que por isso perdesse o caracter e natureza de propriedade particular, e sempre de tal modo e condição que nunca podesse incorporar-se nos proprios da corôa.

Ordenou por isso o Senhor D. João IV que seu filho o principe D. Tbeodosio e todos os primogénitos dos reis tivessem para o futuro o titulo de principes do Brazil e de duques de Bragança; e que quando faltasse o principe ou este não tivesse casa governassem os reis a mesma serenissima casa.

Em vista d'esta disposição, a casa de Bragança ficou considerada instituição politica, çonservando-se-lhe todavia o direito de morgado em tudo quanto se achava vinculado como tal.

N'esta situação os reis, na falta de principe real, e ainda mesmo durante a sua menoridade, nunca foram considerados administradores da serenissima casa de Bragança, mas seus governadores; e como fideicommissarios, ou antes depositarios, obrigados á restituição e fiel entrega.

Esta doutrina acha se expressa em differentes diplomas, entre elles no decreto de D. Pedro II de 1700, no alvará de 9 de janeiro de 1817, e na carta de lei de 11 de julho de 1821, artigo 15.°, onde se lêem estas palavras:

«Logo que Sua Alteza regressar a estes reinos lhe será entregue a sua administração.»

Não são portanto administradores da casa de Bragança os nossos monarchas, mas sim o Principe Real, se o ha; e se não ha principe real ou este é menor, os reis são governadores.

Administradores só são os principes reaes quando existam, e desde que nascem.

Durante a menoridade dos mesmos principes os reis sómente regem os negocios da serenissima casa, na qualidade inviolavel e sagrada de tutores e naturaes defensores da pessoa e bens do seu primogenito, mas nunca de administradores no sentido juridico relativo a morgado, porque o administrador é sempre e unicamente o Principe Real.

Eu, sr. presidente, tinha pedido a palavra sobre o artigo 1.°, porque, em vista das idéas que acabo de expor, não posso de fórma alguma conformar-me com a redacção do artigo na parte em que diz:

«Serenissima casa de Bragança, legitimamente representada pelo seu administrador geral.»

Quem é este administrador de que se falla? Que caracter legal tem elle?.

Pois a serenissima casa de Bragança póde ser representada legitimamente por um administrador que não é o Principe Real?

Affirma-lo assim, seria desconhecer toda a legislação que acabo de indicar.

Ninguem desconhece a legitimidade da intervenção de El-Rei, o Senhor D. Luiz, ou como governador da serenissima casa de Bragança, ou como tutor e natural defensor da pessoa e bens de seu filho; mas administrador, qualidade que em sentido legal só compete ao senhor da casa, só é o Principe Real o Senhor D. Carlos; não conheço de direito outro senão elle.

Portanto desejaria ver eliminadas as palavras do artigo 1.° «legitimamente representada pelo seu administrador geral.

Que significam essas palavras? Respeito muito o cavalheiro, a quem se dá o pomposo titulo de administrador geral da serenissima casa de Bragança, mas ainda mais respeito os direitos do principe real.

Esse cavalheiro, aliás muito digno, não é mais que um mero procurador ou mandatario, auctorisado por El-Rei, o Senhor D. Luiz I, na qualidade de governador da serenissima casa de Bragança.

E esta a minha opinião, que já emitti no tratado a que me referi, e declaro que ainda não me arrependi do que ahi escrevi, com relação á organisação e administração da serenissima casa de Bragança, e á sua passada grandeza e recordações gloriosas, e ao dever nacional de a robustecer e restaurar.

N'este sentido, e quanto a hypothecas, que V. ex.ª saber o que eu escrevi em 1852?

«Toda a casta de alienação perpetua, ou de hypotheca, que prejudicasse a serenissima casa de Bragança, é absurda e de impossivel existencia, juridicamente fallando; pois que as regras de direito inhibem esses actos a respeito de bens que têem por sua natureza uma applicação especial e permanente por utilidade publica.

f D'onde é consequente a nullidade de qualquer alienação ou hypotheca, por isso que estes desvios ou encargos deterioram a cousa fiduciaria. »

E em verdade, se é a utilidade publica, a conveniencia politica, o que sustenta o apanagio do Principe Real; e não podendo a hypotheca tornar-se uma garantia util para o credor, senão pela venda ou adjudicação forçada dos bens, seria destructiva da essencia do mesmo apanagio.

Os reis, governadores ' da casa de Bragança, carecendo de meios para fazer face a grandes despezas publicas, como nas obras do edificio de Mafra, onde se despenderam consideraveis sommas, como em occasiões de crise em que a nação se achou, tiveram de recorrer a empenhos contrahidos sobre os bens da mesma serenissima casa.

Emittiram-se então padrões com assentamento nos diversos almoxarifados, cujos juros a serenissima casa de Bragança se tem recusado pagar, e com algum fundamento, dizendo aos seus possuidores que os vão exigir do estado, que do seu pagamento se constituiu responsavel, desde que dos empenhos não resultou proveito algum senão á nação.

E não só por esta rasão, mas tambem porque se a serenissima casa fosse obrigada a pagar os juros d'esses padrões, esse pagamento absorveria todo o seu rendimento, porque os juros subiam a 20:000$000 réis, que era a renda annual da mesma casa antes dos melhoramentos e bemfeitorias, que depois uma providente applicação tem feito acrescer.

Ora, sr. presidente, aqui antolha-se-me uma grande difficuldade, um grande escrupulo, sobre a generalidade do projecto, pelo qual desaffrontadamente votarei, se a applicação das sommas, que se pretendem levantar com hypotheca, for restricta e fiel, como a lei deseja, sendo só com esta condição que o parlamento auctorisa a concessão.

E quaes são as garantias que a lei estabelece para tornar effectiva essa applicação?

Não as vejo devidamente formuladas.

Declara-se, é verdade, que a administração fica responsavel por essa applicação.

Mas quem é a pessoa responsavel?

Será o administrador geral, que a lei diz legitimamente representar a casa de Bragança?,

Se assim é, esse homem, pelo seu credito pessoal, como um dos cavalheiros mais honrados d'esta terra, é uma garantia moral, excellente.

Mas eu, como legislador, não a posso admittir.

Será Sua Magestade El-Rei, o Senhor D. Luiz I, quem fica responsavel?

De modo nenhum, porque o tornar Sua Magestade responsavel pela execução da lei é constitucionalmente impossivel.

Quem deve pois ficar responsavel? É a serenissima casa de Bragança tomada em abstracto; a qual todavia deve passar livra de encargos ao Principe Real, destinada a seu apanagio, com o qual, emquanto a nação não desmanchar o pacto nacional e politico, a que generosamente prestou força e auctoridade o Senhor D. João IV, e tem sido confirmado por seus successores, é incompativel a alienação, 6 portanto a hypotheca.

Quanto á applicação para compra de propriedades, como esta significa o engrandecimento da vinculação da serenissima casa de Bragança, não me opponho; e sabe V. ex.ª por que neste ponto eu não tenho grandes difficuldades? É porque assignei quatro consultas a respeito da casa de Bragança, tendentes a demonstrar o direito que ella tem a fazer-se indemnisar do estado de decadencia e de perdas a que chegou, em resultado de medidas geraes, de que não foi exceptuada.

Quando estes negocios da serenissima casa de Bragança forem trazidos ao parlamento, eu hei de dar-lhes o devido desenvolvimento.

Se eu pois tivesse a certeza juridica de que este emprestimo havia da ser applicado exclusivamente á compra de bens que, longe de diminuírem, augmentassem o patrimonio do Principe Real, nenhuma duvida teria; mormente porque entre os morgados pertencentes ao Senhor Duque de Bragança, ha um que tem a clausula de annexação progressiva em certo e determinado valor de rendimento annual, que o administrador é obrigado a fazer; a que satisfez o Senhor D. João IV, por disposição posterior á sua carta patente de 27 de outubro de 1841; mas a que o extincto erario não satisfez, tendo, pelo contrario, absorvido a totalidade dos rendimentos da serenissima casa de Bragança durante uma serie de annos em que deviam ter logar taes annexações.

O sr. Conde de Cavalleiros: — Deixando aos jurisconsultos a que tão de se dever chamar á pessoa do rei administrador ou governador dos bens da casa de Bragança, por isso que essa questão é muito superior á minha intelligencio, direi todavia que o rei, tendo filhos, ha de necessariamente ser administrador por elles, e pela lei commum ha de dispor do rendimento, como qualquer de nós pode dispor do rendimento dos nossos filhos. Mas outra cousa, sr. presidente, me impressiona mais, e é a disposição que muita gente não conhece, de que — quando não existe successor á corôa, o rei não póde dispor dos rendimentos do apanagio real Não sei de nada d'isto; agora do que eu tenho receio é que a casa de Bragança venha a abranger todo o paiz com as suas acquisições, o que é absurdo auctorisasse.

Disse o digno par, que me precedeu, que a rasão da desamortisação dos vinculos era o estacionamento natural que existia n'esses bens! Isso era mais uma rasão a favor da desvinculação dos morgados. Se os morgados fôssem bem governados, se não estacionassem e augmentassem a propriedade sempre, tornava-se Portugal feudo e propriedade de meia duzia de familias! Então sim, mais rasão havia para a extincção dos vinculos, porque a sua existencia offendia a rasão e a economia politica. Então, sim, é que o digno par devia votar contra elles.

O facto é que, quando qualquer individuo herdava um morgado, perdia metade do juizo; e perdia-o de todo, para os governar, quando herdava dois; e aqui ficava compensado o grande perigo da accumulação de bens.

Isto talvez fosse providencial. O resultado era que em pouco tempo a necessidade de tornar allodiaes esses bens.

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trazia a reparação d'elles, e o paiz ganhava, por isso que, tornados allodiaes os bens, eram convertidos em inscripções, estas tambem desappareciam e os bens entravam no commercio. Custa-me a crer que o digno par, que eu tanto estimo e respeito, e que é um espirito tão illustrado e sympathico, sustente este projecto com um argumento, pelo qual eu entendo que se justifica a sua rejeição e a abolição de todos os vinculos, que era o perigo d'elles não estacionarem, e de augmentarem sempre á custa dos principios sacrificados. Se se podesse fazer todos os annos aquillo que faz agora a casa de Bragança, o digno par não aceitava, porque cada vez era maior o perigo de amortisar a boa terra portugueza. Se o digno par destruiu os vinculos, porque elles não podiam subsistir escravisando a terra, como quer o privilegio para se fazer ou acrescentar um de novo!

Embora seja a favor da primeira familia do paiz, a familia real, por isso mesmo é essa que deve dar o exemplo.

Á instituição dos vinculos, no estado actual da civilisação d'este povo, era impossivel poder continuar; e se não se fizesse a lei para a sua abolição, elles por si proprios acabariam. Ora, o que eu não posso é deixar de ser coherente em votar contra uma auctorisação, para se levantar fundos, a fim de serem applicados á acquisição de bens, para serem amortisados de novo; mas porque se não havia de dizer n'este artigo que todos os bens que teriam de figurar n'este emprestimo ficariam bens allodiaes? Supponho que assim não haveria quem deixasse de votar este projecto. Pois o apanagio real não podia existir em dominios directos, em inscripções, e em bens allodiaes, sujeitos a troca e venda? Pois não devem todos ter credito e confiança nos papeis do estado? O que era bom para todos não o era para a casa de Bragança?!

Levámos a desamortisação a toda a parte, estendemo-la quanto possivel, fomos até aos bens das freiras, ao passal do parocho, e, o que é mais, até á propria misericordia! Não se admittiu excepção; tudo se teve de desamortisar, por utilidade publica; nada de privilegios, excepto para uma casa unica, para uma familia unica, embora seja a primeira do paiz, para a qual a accumulação de bens continuou, e não sei até onde poderá chegar. E isto que repugna a minha rasão e a minha consciencia, que só tem a Deus por juiz.

Foi no sentido da liberdade da terra, e da igualdade dos direitos dos cidadãos, que nós todos votámos a abolição dos vinculos e a desamortisação da terra sem privilegios para ninguem, porque estes offendem a justiça de um povo livre.

Tenho dito.

O sr. Visconde de Algés: — Sr. presidente, dos argumentos com que o digno par, o sr. Silva Ferrão, se propoz impugnar o projecto que na qualidade de relator me cumpre defender, apenas um diz respeito á generalidade, que é precisamente a parte que n'este momento se acha em discussão. Pondera o digno par que os bens que constituem o apanagio do principe herdeiro presumptivo da corôa são bens inalienáveis, e que portanto não podem ser affectados pela hypotheca, porque a hypotheca, devolvendo ao credor um direito real, não póde recaír em propriedade que por legislação especial se acha fóra do commercio. E certo, sr. presidente, que os bens de que se trata são inalienáveis, e não é menos certo que em bens de tal natureza não póde constituir-se hypotheca, porque a hypotheca importa a faculdade de alienar. Mas tambem é certo, ao menos segundo as noções que eu tenho da competencia dos poderes publicos, que o modo de ser de toda e qualquer propriedade é materia de direito civil, e que o direito civil é assumpto da competencia do poder legislativo, e do poder legislativo investido de suas ordinarias attribuições. Este meu parecer, cuja enunciação se me afigura bastante para o firmar com o criterio da certeza, é alem d'isto a opinião que o poder legislativo implicitamente emittiu quando na citada lei de 19 de maio de 1863 expressamente consignou a excepção do principio libertador da propriedade com respeito á privilegiada propriedade de que se trata. Tanto os corpos colegisladores entenderam que em sua alçada cabia a desvinculação dos bens da serenissima casa de Bragança, que, havendo proclamado o principio generico da desvinculação por considerações que já tive occasião de manifestar, foram movidos a decretar a excepção a que alludi, excepção a que deve hoje a propriedade em questão a sua natureza vincular. Diz o digno par = que a carta patente de 27 de outubro de 1645 é uma lei politica =; e parece que d'esta proposição pretende s. ex.ª inferir a incompetencia do poder legislativo ordinario para modificar, ou suspender sequer, os preceitos que se contém em suas disposições. Eu tenho para mim que o modo de ser da propriedade, e de toda a propriedade, sem distincção nenhuma, é materia, e materia pura de direito civil; e a não ser que o digno par me demonstre que a materia em questão é assumpto de direito publico constitucional, e constitucional segundo a severa definição do nosso codigo politico, o que me parece que, apesar de suas atiladas faculdades, s. ex.ª não conseguirá jamais, estou determinado a manter a opinião de que a faculdade que por este projecto se demanda cabe inteira e naturalmente na competencia dos poderes publicos de quem se pretende impetrar.

Entrando na especialidade, estranha o digno par, a quem tenho a honra de me referir, que no artigo 1.° do projecto se indique como que legitimamente representada a serenissima casa de Bragança pela pessoa de seu administrador geral, entidade que s. ex.ª se recusa reconhecer por não ser mencionada no diploma constitucional do apanagio dos principes herdeiros da corôa. Eu peço ao digno par que não termine a leitura no ponto em que a suspendeu; continue, e lerá immediatamente ás palavras = administrador geral = e este auctorisado por El-Rei o Senhor D. Luiz I. Aqui tem pois o digno par, que não é da entidade administrador geral, entidade que significa apenas uma delegação administrativa de Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, mas da legitima auctoridade paternal do augusto progenitor de Sua Alteza o Principe Real que deriva » legitima representação da serenissima casa de Bragança. Se a carta patente de 27 de outubro de 1645 não falla, como s. ex.ª affirma, de administrador, mas sómente de governador da serenissima casa de Bragança, é porque a citada carta patente não previne expressamente a hypothese da menoridade do Principe Real, hypothese que, pelo silencio do indicado diploma, não póde deixar de ser regida pelos principios do direito commum; e o digno par, mais e muito mais versado do que eu nos preceitos do direito patrio, sabe perfeitamente que, segundo as indicações da nossa e de toda a estranha legislação de que tenho noticia, a administração dos bens dos filhos menores compete exclusivamente a seus legitimos paes. Este preceito, que é de direito, não digo portuguez, mas universal, esta expressamente consignado no artigo 422.° da novissima reforma judicial, onde mui positivamente se estatue que durante o matrimonio o pae e a mãe são os legitimos administradores dos bens de seus filhos menores, excepto quando esses bens lhes provierem com a expressa condição de que os paes não sejam administradores. Pergunto pois ao digno par - não estando a hypothese da administração dos bens, durante a menoridade do Principe Real, prevenida na carta patente, como eu affirmo que não esta e para o que appello para a leitura do referido diploma, e sendo a indicação do direito a que se contém nas considerações e litteral citação que apresentei, se s. ex.ª tem noticia de alguma disposição de direito que subtraha á natural e legitima administração paternal os bens que constituem o apanagio de Sua Alteza o Principe D. Carlos Fernando, duque de Bragança, unica hypothese em que os bens destinados a sua exclusiva fruição seriam sujeitos a estranha administração.

E como tenho a certeza de que o digno par não póde exhibir a condição formulada em nenhum monumento de direito, continuo affirmando que o supprimento da menoridade do Principe Real, não só com respeito á direcção de sua augusta pessoa, como á gerencia e administração de sua fazenda, não póde juridicamente promanar senão do ¡ patrio poder, que natural e civilmente compete a Sua Magestade El-Rei o Senhor D. Luiz I.

Mas não pára aqui a impugnação do digno par, s. ex.ª continua investigando por todo o projecto os achaques juridicos, que lhe podem affectar a saude, e lá vae descortinar no artigo 3.° as palavras ficando a administração da mesma serenissima casa responsavel pela fiel e estricta applicação das quantias mutuadas aos fins designados no artigo 1.º Não comprehende o digno par como se possa prefixar a responsabilidade da administração da serenissima casa de Bragança, quando tal administração incumbe ao augusto chefe do estado, personagem irresponsavel segundo o severo preceito da lei fundamental do estado. O que eu não comprehendo, sr. presidente, é como o digno par póde confundir a responsabilidade politica, que certamente não tem o monarcha na fórma do governo que felizmente nos rege, com a responsabilidade civil (apoiados), que é a unica de que se trata; e a qual tanto póde contrahir o primeiro magistrado do paiz, como o mais somenos cidadão, porque as relações do direito civil são as mesmas para todos sem distincção de posição e de hierarchia (apoiados).

Quanto ás considerações do digno par e meu nobre amigo, o sr. conde de Cavalleiros, observo que a impressão exclusiva de s. ex.ª é a sua paixão desvinculadora; e eu já disse que acompanho o meu illustre collega na sua tendencia libertadora da propriedade, tendencia que os poderes publicos já traduziram em principio regedor de direito, mas que o digno par quizera estender até á propriedade privilegiada de que se trata. Sobre este ponto não vejo a necessidade de pronunciar o meu juizo, visto que se não trata agora de vincular nem de desvincular propriedade, sendo o objecto exclusivo do projecto o auctorisar a constituição de uma hypotheca em bens, que por sua natureza a não poderam supportar sem interferencia do poder legislativo. E se considerações estranhas ás indicações da economia politica aconselham a manutenção do vinculo em questão, parece-me que as mesmas considerações, e reforçadas ainda pelos conselhos da sciencia economica, aconselham que se acuda á propriedade com o subsidio e com o grangeio de que ella carece, para que, em proveito particular de quem a desfructa, e em proveito geral da sociedade, se possa colher o maximo interesse da sua exploração e cultura.

Creio, sr. presidente, haver respondido ás observações dos illustres impugnadores do projecto, não me absolvendo todavia de novamente solicitar a palavra se novos argumentos se produzirem contra o parecer que me cumpre defender.

O sr. Ferrão: — Direi poucas palavras. Eu já tinha prevenido a resposta que se podia dar ás minhas objecções. Nós não tratâmos de derogar sómente o direito civil que o sr. visconde de Algés citou, tratâmos de fazer mais alguma cousa. Não temos a dispensar uma lei civil, mas uma lei politica, qual é a do apanagio do Principe Real, lei que constitue um dos pontos de legislação heroica d'este paiz. Trata-se da carta patente do Senhor D. João IV.

S. ex.ª o sr. visconde de Algés avançou tambem uma proposição, que eu já combati em presença da mesma legislação. Os monarchas nunca são administradores, mas sim governadores da serenissima casa. A lei commum não rege quando existe uma lei especialissima, uma lei excepcional.

O sr. Visconde de Algés: — A carta patente do Senhor D. João IV não falla da hypothese em questão.

O Orador: — Eu lhe mostrarei como vem.

O sr. Visconde de Algés; — Pois então venha a carta patente.

O Orador: — Não a tenho aqui, mas tenho o seu fiel extracto.

O sr. Visconde de Algés: — Esta nas provas da historia genealógica da casa de Bragança.

O Orador: — Disse o digno parque a auctorisação, concedida por este projecto ao administrador geral da casa de Bragança, era como por delegação do monarcha.

Mas o projecto não o diz assim; antes da auctorisação por alvará especial de El-Rei, exigida no artigo 3.°, esta uma proposição que contém uma inexactidão, qual a de que o administrador geral representa legitimamente a casa de Bragança.

A casa de Bragança não póde ser legitimamente representada senão nos restrictos termos da carta patente.

(Interrupção, que pareceu do sr. Visconde de Algés.)

Eu não sei se o digno par fallou em irregularidades juridicas.

O sr. Visconde de Algés: — Não fallei.

O Orador: — Sr. presidente, os morgados assim como os administradores de vinculos, não careciam de nenhuma lei do parlamento no estado da legislação que regia este modo de ser da propriedade.

Solicitar hypothecas, subrogação, dispensar em determinados casos o caracter inalienável d'estes bens, o que ainda se verifica hoje sobre bens dotaes, não compete ao podér legislativo.

Aqui não acontece assim, e d'ahi a necessidade de uma lei para derogar outra especial, e que tem um caracter politico. Portanto, a responsabilidade é para com o parlamento, que concede esta auctorisação, é para com o governo que veiu fazer esta proposta.

A excepção que se fez na lei de desvinculação a favor da casa de Bragança não foi propriamente uma excepção, foi uma declaração em rasão das circumstancias especiaes em que se achava a casa de Bragança.

Foi ao abrigo d'essas circumstancias que ella escapou á desvinculação dos morgados.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Visconde de Algés: — É só para dizer duas palavras. Insiste o digno par, o sr. Silva Ferrão, que onde ha lei especial não tem logar a applicação do direito commum. Eu já disse a s. ex.ª, e agora repito, que a lei especial não cura da especie em questão; que a lei especial em nenhum preceito se oppõe ás indicações do direito commum, direito que no silencio da carta patente não póde deixar de reger a hypothese em questão. (Vozes: — Votos, votos.)

Sr. presidente, eu vejo que a camara esta impaciente por votar, o que revela que tem o seu juizo formado sobre a materia do projecto; abstenho-me portanto de responder, como talvez fosse ocioso, á insistencia do digno par o sr. Silva Ferrão.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o artigo 1.° do projecto.

O sr. Secretario: — (Leu.)

Posto á votação, foi approvado, bem como os artigos 2°, 3.º e 4.º e a competente redacção.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer Nº 146.

O sr. Secretario: — (Leu.)

E do teor seguinte, bem como o respectivo projecto:

PARECER N.° 146

Senhores. — Á vossa commissão de legislação foi remettida a proposta do digno par Silva Cabral, em que requer que esta camara nomeie uma commissão especial para que, depois de um detido exame sobre a lei de 11 de abril de 1845, formule um projecto que remedeie os conhecidos defeitos e insufficiencia d'aquella lei.

A vossa commissão, não podendo deixar de reconhecer quanto importa melhorar a sobredita lei, entende que a proposta do digno par é digna de toda a consideração; mas que, attendendo a que os corpos collectivos, sendo excellentes para o trabalho de exame e revisão, não são comtudo os mais apropriados para o trabalho de concepção e ordenação de quaesquer projectos, é de parecer que o mais conveniente seria que a camara convidasse o digno par, auctor da proposta, para formular o projecto alludido, cuja importancia elle reconhece, e que sem duvida saberá desempenhar condignamente.

Sala da commissão, 9 de abril de 1867. = Conde de Fornos de Algodres = Visconde de Seabra = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = Rodrigo de Castro Menezes Pita. PROPOSTAS

Proponho que se nomeie uma commissão especial de cinco membros, para que, depois de um detido exame sobre a lei de 11 de abril de 1845, e reconhecida a sua inefficacia e defeitos para se conseguir o alto fim a que se propoz, apresente a esta camara um projecto de lei que tenda a estabelecer:

1.° As categorias, dentro das quaes se póde exercer á attribuição designada no artigo 74.° § 1.° da carta constitucional.

2.° Os termos precisos e requisitos indispensaveis para que, na esphera do direito hereditario, se fixe e determine a capacidade successoria. = Silva Cabral.

Proponho que a moção de ordem do digno par, o sr. Silva Cabral, seja remettida a uma commissão para sobre ella dar o seu parecer. = Visconde de Chancelleiros.

Approvada em sessão de 8 de fevereiro de 1867. Á commissão de legislação.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Silva Cabral.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, pertenço á commissão de legislação, e presidi á sessão em que se tratou d'este objecto; e se não venho assignado n'este parecer facilmente se comprehenderá, notando a maneira honrosa com que os meus dignos collegas entenderam, dever referir-se á minha pessoa. Fico aqui, porque me não esquecerei jamais que laus in ore proprio envilescit (apoiados).

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Foi approvado o parecer.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Costa Lobo para um requerimento.

O sr. Costa Lobo: — Depois de varias considerações mandou para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que seja consultada a camara se permitte que qualquer dos seus membros possa assistir ás sessões celebradas pela commissão encarregada de dar o seu parecer sobre o imposto do consumo, e tomar parte na discussão. = 0 par do reino, Gosta Lobo.»

O sr. Visconde de Chancelleiros: — O requerimento do digno par é uma proposta que deve ficar para segunda leitura, e parece-me que não póde ser votada já. Eu não posso considerar esta proposta como um requerimento, porque podem os dignos pares apresentar qualquer proposta importante com o titulo de requerimento, para ser logo votada pela camara; e por isso entendo que esta moção de ordem deve passar pelos tramites marcados pelo nosso regimento para as outras propostas.

O sr. Costa Lobo: — Sustentou a materia do seu requerimento.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, quanto á classificação do objecto do requerimento do digno par, direi que ou se chame requerimento, ou proposta, ou moção, ou indicação, é a mesma cousa, porque o regimento no artigo 37.° é muito explicito em considerar synonymos para o effeito todos estes termos (apoiados).

Por consequencia desde o momento em que se manda uma proposta para a mesa, dê-se-lhe o nome que quizer, tem de seguir os mesmos tramites, não podendo nem devendo confundir-se com a especie de outros requerimentos a que o regimento allude, ou tendentes a restabelecer a ordem da discussão ou para julgar-se discutida a materia (apoiados).

Parece-me, sr. presidente, que a camara não deve pôr duvida prendendo-se n'este caso com a formula, e penso que este negocio deve ser decidido desde já; e a commissão de fazenda, por meu orgão, como presidente da mesma, pela sua parte declara francamente que esta prompta a admittir as luzes e esclarecimentos de todas as pessoas que lh'os queiram fornecer sobre o objecto de que se trata, porque o seu desejo é acertar no interesse publico (apoiados), para o que de certo concorrerá a mais ampla liberdade na discussão (apoiados).

Se a commissão já estava auctorisada pelo regimento para convidar, quando o julgasse conveniente, não só os dignos pares membros da camara, mas mesmo pessoas estranhas, com a differença que n'esta segunda hypothese deveria pedir auctorisação á camara; porque teria ella repugnancia em admittir a idéa ou requerimento proposto, quando se mostra tão ardente desejo de elucidar o assumpto? (Apoiados.)

A commissão terá pois o cuidado de designar o dia e & hora da sua sessão, para que os dignos pares que assim o quizerem possam assistir á discussão do objecto de que se trata, porque ella terá muito gosto em os receber, e de os ver -inundar com as suas prestantes luzes a esterilidade de nossos conhecimentos.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Conde de Thomar (sobre a ordem): — Eu sinto realmente que depois de ter retirado a minha proposta, que estava dada para discussão na 1.ª parte da ordem do dia, e tendo ainda annuido a que se discutissem dois projectos dados em seguida para a mesma ordem do dia, sem embargo de que se podesse questionar que preferia a esses o parecer sobre o novo regimento, visto que no fim da sessão ultima se tinha rejeitado o adiamento proposto a esse negocio; sinto, digo, que depois de tudo isto assim passado, V. ex.ª admittisse ainda para assumpto de discussão uma nova proposta, que demais não tem que sustentar desde que um dos membros da commissão respectiva declara, que esta não terá duvida em ouvir todas as pessoas que queiram apresentar-se-lhe para dar quaesquer esclarecimentos.

Mas, sr. presidente, é preciso considerar que a urgencia da discussão do projecto de novo regimento é tal, que a camara não póde deixar de convir em que é necessario que quanto antes nos occupemos d'este negocio, cujo andamento até hoje tem sido tão singular, que depois de achar impedimentos a que passasse de uma maneira inconveniente a todos quantos respeitos se podessem considerar, tem já dado em resultado accusações á camara pela imprensa, e com particularidade a alguns dos seus membros, envolvendo n'isto o proprio ministerio.

Querem os dignos pares ver o que se lê n'um periodico d'esta capital? Leio por ser um pequeno artigo.

(O orador procura o artigo no jornal respectivo, e não lhe foi facil encontrar.)

Para não demorar direi que se nos lança a nota de reaccionarios.

(O orador procura de novo, e abandona o jornal por não achar ainda de prompto aquillo que quer ter.)

O artigo é realmente tão pequeno que custa a ver-se (riso), mas a expressão parece-me que é de fanáticos ou cousa similhante, que importa o mesmo! Quer dizer, n'uma palavra, que são reaccionarios todos os membros da camara que na ultima sessão votaram para que não continuassem os adiamentos da discussão do projecto de novo regimento, que só antes havia toda a pressa de que fosse discutido em sessão secreta (apoiados).

Ainda mais, sr. presidente, apresenta-se como prova de que são reaccionarios os que assim votaram no ultimo dia da sessão, que o projecto de novo regimento só tem o defeito de affectar os interesses de um empregado reaccionario, e os membros da camara que pugnaram pela discussão do negocio é porque querem sustentar a reacção (riso).

diz-se que quem queria a continuação do adiamento é porque sustentava ou principios de economia que estão no projecto! O projecto é muito bom, consigna bellos principios de administração da casa, de economia, n'uma palavra, de tudo; mas entretanto quer se embaraçar que possa convenientemente ser discutido, e aquelles que querem a discussão aberta francamente são reaccionarios! Que contradicção (apoiados). Demonstre-se que no projecto estão consignados os verdadeiros principios de justiça e economia, que n'esse caso abraçaremos o projecto; mas é que o contrario é exactamente aquillo que se dá, e aquillo que a discussão póde provar é que se apparenta uma economia completamente illusoria (apoiados), descobrindo-se depois fins que nenhuma relação podem ter com o interesse publico, quando por outro lado, se compromette o serviço publico (apoiados). E não se escandahsem os membros da commissão que assignaram o parecer, pois que lhes não faço a menor allusão; seguramente não creio que assignassem de má fé, mas por isso mesmo é necessario e mesmo indispensavel que se entre com toda a franqueza na discussão d'este negocio.

(O orador recebe da mão de outro digno par o jornal, apontando-lhe o artigo que s. ex.ª tinha querido ter.)

Aqui esta como se informa o publico d'aquillo que se passa.

(Leu o artigo, fazendo certos reparos nos pontos que s. ex* assim achava a proposito.)

Votação partidaria, vendo-se levantados contra o novo adiamento muitos dignos pares de todos os lados, de differentes communhões, e que votam ou com a maioria ou com a minoria quande se trata propriamente das questões politicas (muitos apoiados). E escreve-se assim para o bom senso do publico. Como se não se visse desde logo, por todas as rasões, que a votação que houve foi conforme a consciencia de cada um (muitos e repetidos apoiados).

Diz-se mais isto (leu o orador ainda parte do mesmo artigo). Isto hoje n'uma camara onde não existem já talvez mais de seis dignos pares que recebessem nomeação da corôa por proposta minha. E na realidade muito insolito e extraordinario um insulto destes á camara!

O sr. Visconde de Chancelleiros: — A camara não.

O Orador: — Pois nós não sabemos o que significa este jornal e d'onde lhe vem estas inspirações? (Continuou ainda na leitura do mesmo artigo.) O governo que lh'o agradeça (riso prolongado). O que é verdade, sr. presidente, é que o governo não se intromette n'esta questão por fórma alguma. (Apoiados. — Vozes: — E verdade, é verdade.) O governo tem sido, é e seguramente ha de continuar a ser, estranho a esta questão (novos e repetidos apoiados). Visto que se trata do regimento interno da camara dos pares, póde algum dos ministros, que seja membro d'esta camara, querer tomar parte na discussão, mas não é senão na qualidade de par do reino (apoiados). Nunca tomando parte na questão como membro do gabinete (apoiados da camara e dos logares dos srs. ministros). E quem é que podia querer fazer d'isto questão politica? Nós todos, os que não aceitâmos o novo projecto que se apresentou para substituir a antiga lei da casa, com a qual ainda ninguem se deu mal, nem a camara nem o governo; nós o que queremos é que se não esteja illudindo a opinião publica, figurando que de tal projecto resultava vantagem para a causa publica, ou para a camara, quando tudo acontece bem ao contrario, como já todos têem tido sobeja occasião de assim o reconhecer; convindo a camara geralmente em que não é possivel que se julgue por qualquer fórma rasoavel admittir este trabalho (apoiados).

De maneira que realmente quem inspirou estas phrases ao jornal, para se fazer um ataque directo aos membros da camara que não querem mais adiamentos d'este negocio, mas que elle se resolva e decida com clareza e brevidade, de certo não andou bem.

Isto foi um incidente, sobre o qual entendi que não podia deixar de dar uma explicação; assim como entendo que não é possivel deixar de discutir o projecto de reforma do regimento, admittindo-se agora discussão sobre a proposta que foi mandada para a mesa, principalmente depois que um digno par, que é presidente da commissão de fazenda, declarou que não havia duvida nenhuma em receber no seio d'aquella commissão todos os membros d'esta casa, que tivessem o desejo de esclarecer o assumpto a que a proposta se refere.

Portanto, para se poder entrar na discussão d'esta proposta, ou de qualquer outra, é preciso que V. ex.ª consulte a camara, para saber se ella quer que seja alterada a ordem do dia.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, prézo-me de ser rigorosamente adstricto ás formulas do regimento, e por isso não desejo que haja qualquer desvio. Effectivamente a proposta estava em discussão, e foi admittida pelo assentimento quasi unanime da camara, apesar de não se ter cumprido a formalidade de admissão á discussão. Vê se portanto que a camara entendeu que a proposta do digno par, o sr. Costa Lobo, era admissivel; mas, se apesar d'isto, póde haver algum escrupulo (que creio não haverá), consulte-se a camara se admitte a proposta á discussão.

O sr. Presidente: — O que cumpria fazer-se era ter o parecer que esta dado para ordem dia, porque a proposta não precisava de votação, uma vez que toda a camara concordou com ella; agora vou mandar ter o projecto de regimento interno da camara.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Concordo plenamente com V. ex.ª, e o que peço é que se pergunte ao illustre presidente da commissão de fazenda qual o dia em que ella deve reunir, para que a camara fique inteirada, e possam comparecer os nossos honrados collegas que tiverem desejos de prestarem á commissão o auxilio das suas luzes.

Creio que não haverá inconveniente em que seja ámanhã... (O sr. Silva Cabral: — Ámanhã é impossivel.) Então qualquer outro dia.

Segundo acabo de ser informado, fui nomeado relator da commissão no projecto do imposto do consumo, e como ha alguem que pretende emittir a sua opinião sobre o assumpto, desejo ouvir todas as opiniões, e por isso queria que o debate da commissão antecedesse o trabalho que tenho a fazer.

Peço pois que se fixe o dia para reunir a commissão.

O sr. Silva Cabral: — A commissão de fazenda reune no sabbado proximo ao meio dia, para se occupar do objecto a que se refere a proposta do sr. Costa Lobo, e reunirá nos dias immediatos á mesma hora, se for preciso, em uma sala d'este edificio; ficando entendido que a commissão terá patente a porta a todos os dignos pares que queiram comparecer $ coadjuva la com as suas luzes, sem necessidade de novos avisos (apoiados).

O sr. Marquez de Niza: — Chamou a attenção "do sr. Conde de Thomar sobre não ser official o jornal, cujo artigo s. ex.ª lêra; assim como expoz que a camara nada tinha com as opiniões individuaes dos jornalistas, que podiam responder nos varios campos a que se chamasse a questão.

O sr. Conde de Thomar: — Sempre foi permittido que os dignos pares, os srs. deputados e os ministros dessem explicações sobre factos que apparecem na imprensa, e que lhes são allusivos; por consequencia não fiz mais do que usar de um direito, de que muitos têem usado, e que nunca foi contestado. Declaro porém que não me importo com ameaças de duellos, nem quero saber se os redactores dos jornaes estão promptos a responder em todos os campos. Nós não estamos na camara dos pares para levantar questões sobre esses objectos, mas unicamente para cada um discutir a justiça que lhe assiste e sustentar as suas opiniões; e portanto póde o digno par conhecer os redactores que quizer, que eu só conheço o cumprimento dos meus deveres (apoiados).

O sr. Presidente: — Como o projecto de regimento interno esta nas máos de todos os dignos pares, parece me que a camara dispensará a leitura na mesa (apoiados).

Então esta em discussão o projecto na sua generalidade.

O sr. Conde de Lavradio: — Sr. presidente, antes de entrar pa apreciação do projecto do novo regimento, cumpre-me declarar a V. ex.ª e á camara que eu não tive conhecimento algum d'este projecto senão depois d'elle ter sido apresentado á camara. Reconhecendo porém o favor com que me têem sempre tratado os dignos pares, que se acham assignados n'este parecer, estou intimamente convencido que ss. ex.as não tiveram intenção de me offender; por consequencia eu teria deixado passar inapercebido este procedimento se elle não fosse contrario a uma determinação da camara, em consequencia de uma proposta do sr. Silva Cabral.

Eu não tenho "presentes as notas que tinha tomado para entrar n'esta discussão; mas, se me não engano, a resolução a que me refiro tem a data de 16 de maio de 1866. A proposta do digno par, o sr. Silva Cabral, approvada pela camara, determinou que a mesa fosse addicionada á commissão do regimento, e eu não fui chamado! Agora é necessario fazer a historia do que se passou a este respeito: a camara determinou, depois de creada a commissão de questura, que se revisse o nosso regimento (revisão que era necessaria), não só para se introduzirem no novo regimento as disposições relativas á questura, mas tambem porque já havia tempos que se tinha reconhecido a necessidade de reformar o regimento; em vista d'isto convidei eu para uma reunião a mesa, a commissão do regimento e os questores novamente eleitos pela camara. Nesta reünião (creio que estão aqui presentes todos os que a ella assistiram); n'esta reunião, repito, não me lembra se foi por proposta minha, ou do sr. marquez de Sousa, mas creio que foi minha a proposta, decidiu se que, para abreviar o trabalho, se escolhessem tres membros, um tirado da mesa, outro da commissão de regimento, e outro finalmente da questura, que depois de terem concluido o seu trabalho o apresentassem ás commissões reunidas para estas o examinarem e apresentarem depois á camara.

Pelas assignaturas vejo que só dois membros d'essas commissões foram excluidos, ou deixaram de ser consultados; um fui eu, e o outro foi o sr. marquez de Vallada. E não póde portanto haver duvida que deixou de cumprir-se a já citada resolução da camara.

Vou entrar no exame do projecto, e reconheço que devo entrar com summa moderação e o mais desapaixonadamente possivel, não só pelo logar que occupo n'esta casa, mas tambem porque muitas das disposiçoes do projecto são tendentes a annullar as attribuições da mesa, mas particularmente as do presidente, que fica quasi completamente annullado (apoiados).

Se eu julgasse que as determinações do projecto podiam ser proveitosas para o bom andamento dos negocios d'esta camara, eu seria o primeiro a applaudi-las; mas se o contrario se provar hei de rejeita-las, e estou certo que a camara fará o mesmo. Ora examinemos bem algumas das disposições do projecto, e parece-me que todos havemos reconhecer a impossibilidade completa, se ellas forem approvadas, de conservar a ordem n'esta casa (apoiados).

Proseguindo no exame dos seus artigos, acharemos em alguns d'elles disposições atacantes até da prerogativa real, outras contrarias ás leis vigentes, e outras finalmente contrarias aos principios de justiça (apoiados).

Eu creio, sr. presidente, que esta discussão tem logar ao mesmo tempo tanto sobre a generalidade como sobre a especialidade do projecto, por isso tratarei de ambas conjunctamente.

Diz o parecer (leu).

Sr. presidente, permittam-me V. ex.ª e a camara uma pe-

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quena divagação. A primeira cousa que lamentei e deploro foi a idéa de construir, no estado degraçado do nosso paiz, uma sala tão luxuosa (apoiados). Muitas vezes eu reconheci com o meu respeitavel predecessor, o sr. duque de Palmella, a necessidade de augmentar a sala das nossas sessões, mas nunca tinhamos pensado senão em alargar a que existia. Eu não estava no paiz quando a camara determinou a construcção de uma nova sala; se estivesse presente havia com todas as minhas forças de impugnar essa idéa, porque no estado em que se achava o paiz, deviamos contentar-nos com uma sala modesta (apoiados); e não posso deixar de lamentar tanto mais a somma enorme que se despendeu n'esta construcção, porque é certo que ainda ha de vir tempo, e creio que não estará muito longe, em que a camara se veja obrigada a abandonar esta casa, aonde se vê mal, aonde quasi nada se ouve (apoiados), e só se póde fazer ouvir quem tem voz de Stentor; havemos portanto ser obrigados a abandonar esta sala, para nos podermos occupar dos negocios publicos, porque é impossivel trata-los n'uma casa aonde faltara todas as condições necessarias (apoiados).

Sr. presidente, V. ex.ª esta hoje soffrendo o martyrio que eu tenho soffrido ha mais de tres mezes; eu levanto-me todos os dias d'essa cadeira com uma forte dôr de cabeça, resultante do esforço que faço para ouvir o que dizem os dignos pares, e poder dirigir as discussões.

E pois lamentavel a despeza que com esta construcção se fez, quando nos bastava uma sala modesta; e mais ainda, porque foi uma despeza que, em vista das rasões que apresentei, será inutil (apoiados); e direi mais, na minha qualidade de presidente d'esta camara, que esta despeza considerabilissima que se tem feito ainda talvez não esteja em metade, porque a camara ainda não tem as commodidades necessarias, não tem salas para as commissões, sendo necessario saír o presidente do seu gabinete para ellas ali se poderem reunir. Este é o estado em que nos acha mos; e posso asseverar a V. ex.ª, pela esperiencia que tenho, sem animosidade nem paixão, que nos achâmos muito peior do que quando estavamos na antiga sala, aonde, pelo menos, havia todas estas commodidades necessarias (apoiados).

Eu tenho tenção de propor á camara a suppressão da questura por muitos motivos, mas principalmente por um, que é o eu estar intimamente convencido de que esta camara não tinha direito de crear uma commissão de questura sem a cooperação da outra camara e do Rei„Não quero agora fazer alardo de erudição, nem explicar o que foram os questores no tempo dos romanos. Deixarei de passar em revista toda essa historia.

Em França (tanto no tempo do consulado, como no do imperio, e depois) sempre foi o chefe supremo do estado quem nomeou os questores, e a camara o que fazia era eleger os candidatos, mas nunca nomêa los, porque essa nomeação, como já disse, só competia ao chefe supremo do estado. Por consequencia entendo que a creação de questores não podia fazer-se sem a intervenção da camara dos senhores deputados e do chefe supremo do estado, que é El-Rei.

Agora passarei a fazer algumas observações sobre o artigo 3.° (leu).

Quem deu a esta camara o poder para a fazer presidir por um digno par que não fosse designado pelo Rei? Isto, sr. presidente, é um ataque á prerogativa real e á carta constitucional, porque ella determina que o presidente e e vice-presidente da camara serão nomeados pelo Rei. Os dois supplentes á presidencia são igualmente nomeados pelo Rei, mas por leis posteriores á carta, e cujas funcções acabam com sessões annuaes, e portanto...

(Interrupção do sr. marquez de Niza, que se não ouviu.)

Se esta no regimento antigo esta mal, e não é isso rasão para que no novo regimento se conserve essa illegal resolução.

Agora, sr. presidente, passarei a tratar do que compete ao presidente (leu).

Ora, segundo o projecto fica o presidente privado da attribuição de dar a ordem do dia, mas tambem não se diz quem é que a ha de dar, de maneira que ficaremos sem trabalhar, por não termos quem determine os trabalhos. Não sei se isto foi esquecimento, ou se se quiz effectivamente tirar ao presidente esta attribuição.

A secretaria da camara tambem fica privada de uma parte das suas attribuições; finalmente, para fallar com franqueza e sem animo de offender ninguem, tudo n'esta camara fica completamente annullado; não ha senão questores, ou antes, peço licença para dizer, não ha senão um questor, que é de quem tudo fica" dependente; nem é a commissão de questura, pois que essa commissão todos sabem que esta reduzida a um só questor, que é o digno par meu parente e amigo o sr. marquez -de Niza.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Foi quem a camara designou.

O Orador: — A camara determinou que houvesse uma commissão de questura; esta commissão de questura porém, segundo as disposições do proposto regimento, fica annullada; e eu demonstrarei que não é a commissão de questura quem governa, mas sim os questores, que de delegação em delegação fica reduzida a um questor, como aconteceu na commissão das obras da sala em que estamos. O caso porém é que por este projecto quem governa são os questores, quer dizer, esse poder novo que eu ainda não posso de fórma alguma reconhecer.

(Interrupção do sr. Visconde de Chancelleiros, que se não ouviu.)

Não digo que não contribui, e V. ex.ª já disse que não approvou, mas eu nunca tenho duvida em confessar os meus erros, por isso mesmo que nunca tive pretensão de ser infallivel; e já que V. ex.ª me interrompeu direi o motivo por que votei que houvesse a commissão de questura.

Quando em 1865 tomei posse da presidencia d'esta camara achei tudo n'uma completa desordem; ninguem sabia quaes eram as suai attribuições. A mesa achava-se dominada pela commissão das obras, a pretexto da necessidade de vigiar sobre o andamento das mesmas obras. Ora, quando este anno se abriu esta nova sala, agitou-se a conveniencia da creação dos questores para fazerem a policia da casa; e eu, por uma condescendencia tendente a conciliar certas pretenções, annui á questura, do que hoje estou arrependido. Fica assim explicado o meu procedimento n'este negocio. Agora os questores quo já dominavam de facto, quizeram dominar de direito, direito que querem consignar n'este projecto; mas que, pela parte que me toca, declaro que conservada a questura não me será possivel manter a ordem no serviço d'esta casa.

Eu estou fallando sem os apontamentos, e por isso não se deve reparar no desalinho d'estas idéas, mas lembro agora que um dos motivos que se apresentou para creação da questura foi a necessidade que havia de se guardarem estas grandes alfaias que ornam esta sala que a camara vê, e não sei que haja mais nada, excepto o meu gabinete, aonde existe uma alcatifa velha e um canapé roto (riso); existem tambem na camara os tinteiros que pertenceram á extincta inquisição, e que nas côrtes se acham desde então, e que atravessaram mesmo o tempo do senhor D. Miguel, sem que ninguem os tirasse (riso).

Ora, parece-me que para guardar estas preciosidades artistica =, bem como o tal tapete velho e canapé roto, eram mais do que sufficientes os honrados empregados d'esta casa, empregados que eu conheço ha mais de trinta annos (apoiados), que têem servido com zêlo e dignidade (apoiados).

Ali vejo' eu um (apontando para a meta dos tachygraphos) que serve desde 1820, é o digno director gerai da tachygraphia, o sr. Freineda, homem encanecido no serviço publico, que já era empregado nas côrtes em 1820, e que tem desempenhado sempre com muito zêlo, intelligencia e dedicação os seus deveres (apoiados). O mesmo digo a respeito do conselheiro official maior da secretaria, cuja honradez, dignidade e bons serviços igualmente não podem ser esquecidos. E não são estes empregados dignos de continuarem a fazer o serviço que até hoje têem prestado? (Apoiados.) Vejo ahi tambem ao lado do seu chefe os primeiros officiaes tachygraphos, que tambem conheço ha muito tempo, e desde que entrei n'esta camara, os quaes igualmente têem prestado muito bons serviços a esta camara com zêlo, assiduidade e dedicação (apoiados). E é a respeito de todos estes empregados que se apresenta uma. medida a mais insolita, a mais tyrannica e mais injusta possivel?! Uma medida em que não só se destroem todas as garantias e direitos legitimamente adquiridos, mas em que se lhes tira o pão que tanto lhes tem custado a grangear em sua longa, difficil e trabalhosa carreira! Houve tempo em que eu fallei muito n'esta casa, talvez mesmo fallasse de mais, mas declaro que tive occasião de louvar e de apreciar a assiduidade e o modo zeloso d'esses poucos empregados tachygraphos que então existiam e a que me refiro, cumprindo elles sempre com os seus deveres, não obstante as grandes sessões que então tinham logar. E é a estes empregados carregados de serviços, e ainda a outros muitos com direitos adquiridos, repito, que se quer de repente, e sem a menor falta da parte d'elles, lançar á margem, não se lhes dando garantia alguma nem apoio, e acabando inteiramente com a 2.ª direcção geral da nossa secretaria, como é a repartição tachygraphica! Repartição util e até indispensavel, porque sem a tachygraphia não é possivel dar publicidade ás nossas discussões, de que o paiz deve ter conhecimento. '

Isto não póde ser, isto não se faz nem se propõe, principalmente quando se trata de empregados tão dignos; e eu espero que a camara não annuirá a unia tal injustiça (muitos apoiados).

O sr. Conde de Thomar: — Sendo de mais a mais reconhecidos, por differentes leis. (Vozes: — E verdade.)

O Orador: — E verdade, sendo empregados reconhecidos por differentes leis, diplomas governativos e resoluções d'esta camara. Isto é justo?! E é cora isto que se querem fazer economias? E ainda -assim não sei que economias sejam essas, antes ao contrario o que vejo é que haviam de augmentar as despezas..Se nós commettessemos o erro de acabar com a repartição tachygraphica, que tanto nos tem custado a ir organisando quanto é possivel, o resultado, havia de ser que, embora fizessemos muitos ensaios, haviamos a final voltar necessariamente ao systema que temos adoptado; mas (isto, sr. presidente, já então, depois de se haverem gasto grandes sommas (apoiados); porque se havia de vir a conhecer novamente, como já foi reconhecido, que o melhor methodo a seguir, para a publicação das nossas sessões, o unico aconselhado pela experiencia, é o que actualmente seguimos. E note bem a camara que a questão da publicação das nossas sessões é um objecto muito importante e a que muito devemos attender, porque é necessario que o paiz inteiro saiba o que se passa, aqui, e o paiz todo não póde vir a esta casa ouvir-nos. E portanto por meio d'esta publicação que cumprimos o dever, dever importantissimo e essencial nos governos representativos o de dar conhecimento ao povo do que se passa dentro d'esta casa (apoiados).

Já ouvi dizer em certo logar que havia muita conveniencia no segredo a respeito das disposições d'este projecto, para assim se impedir o direito de petição da parte d'aquelles a quem essas disposições íam ferir! Este estratagema, que é ao mesmo tempo uma blasphemia constitucional, declaro que, como velho liberal que sou, muito me escandalisou e indignou-me sobremodo (apoiados).

A respeito da primeira direcção da secretaria d'esta camara, apresentam se, propõem-se ou apparentam-se grandes economias, segundo este projecto, mas é para o futuro, por emquanto não ha reducção alguma de despeza; eu porém devo dizer que para o futuro tambem não ha de haver essas reducções, porque o que se tira á secretaria dá-se já aos supremos chefes d'esta camara—os questores (leu).

Sr. presidente, a hora já deu; eu acho-me um pouco incommodado e a camara ainda o deve estar mais, e por isso pedia a V. ex.ª que me reservasse a palavra para a seguinte sessão, a fim de continuar então as minhas observações.

Vozes: — Muito bem.

(S. ex."- foi comprimentado por muitos membros da camara e pelos srs. ministros.)

O sr. Presidente: — O primeiro dia de sessão é na segunda feira, e a ordem do dia, alem da continuação da discussão d'este projecto, constará do parecer n.° 150 que já se leu na camara e foi mandado imprimir.

Está fechada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 15 de abril de 1867

Os ex.mos srs.: Condes, de Lavradio e de Castro; Duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Pombal, da Ribeira, de Sousa, de Vallada e de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, de Azinhaga, de Cavalleiros, de Campanhã, do Farrobo, de Fonte Nova, de Fornos, de Paraty, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral e de Thomar; Viscondes, de Algés, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Gouveia, de Ovar e de Soares Franco; Barão de Villa Nova de Foscôa; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Pereira Coutinho, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Moraes Pessanha, Braamcamp, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Canto e Castro, Menezes Pita, Fernandes Thomás e Ferrer.

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