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EXTRACTO DA SESSÃO DE 26 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha. Secretarios os Srs. Visconde de Benagazil, Margiochi.

s duas horas da tarde verificado pela chamada acharem-se presentes 33 dignos Pares, o Sr. Presidente abriu a sessão.

O Sr. secretario Margiochi leu a acta da sessão antecedente contra a qual não houve reclamação.

(Estavam presentes os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros, do Reino, e dos negocios Estrangeiros.)

Não houve correspondencia. O Sr. Visconde de Fonte Arcada roga ao Sr. Ministro do Reino, que tenha a bondade, quando lhe seja mais commodo, de dar algumas explicações a respeito da Portaria de 12 de Maio, dirigida pelo Ministerio do Reino á repartição das obras publicas, a respeito da estrada das Caldas, e de Lisboa ao Porto mudando a sua direcção.

O Sr. Ministro do Reino, não póde desde já e precisamente satisfazer o digno Par; mas afigura-se-lhe que a ordem expedida pelo Ministerio do Reino para se fazer aquelle braço de estrada é para prender a communicação principal de Lisboa ao Porto por aquella direcção, e attender a uma parte da mesma estrada, que se achava em máo estado. Comtudo não póde dizer isto decididamente; mas parece-lhe que era sobre a estrada real, não estrada vicinal que se havia de executar a obra. Passou-se á

ORDEM DO DU.

Continuação, da discussão do parecer sobre o acto • addicional.

O Sr. Conde da Taipa — Sr. Presidente, parece-me que depois de tantas revoluções, de tantas luctas, de tanto sangue derramado, o que nós deviamos fazer era tractar de sarar as chagas de que está coberto este corpo politico; entretanto tracta-se só de as inflamar! Mas não, é minha a culpa; e mo quizeram entrar na arena das recriminações, não sou eu que hei-de deixar de levantar a luva.

Tracta-se, Sr. Presidente, da reforma de uns poucos de artigos regulamentares da Carta. A este respeito ouvi aqui fallar alguns dignos Pares no artigo 45.°; e tomara eu que elles, no seu direito publico, me dissessem qual é a determinação do artigo 45.*, que seja revogada ou alterada por esta proposta, a que se quiz chamar acto addiccional á Carta constitucional?... Em todos os artigos de que tracta este acto addiccional, não ha nenhum que seja constitucional, conforme os principios de direito publico; porque a Carta constitucional teve o cuidado de definir o que era constitucional.

Diz o artigo 144.': (leu). Ha só aqui um artigo constitucional; mas esse artigo já foi derogado pelos dignos Pares, na fórma ordinaria, que é o que determina a norma das regeneras. E não será a norma da regências uma attribuição do poder politico? Porque?... Não será uma attribuição do poder politico, o direito politico concedido a uma certa e determinada pessoa do exercicio dos poderes magestaticos na eventualidade da infancia, ou alienação mental do Rei?... É preciso fechar os olhos á evidencia para o negar; e entretanto os dignos Pares votaram por essa derogação na fórma de uma lei ordinaria, quando essa proposta aqui foi feita pelo Ministro Conde de Thomar; e não tiveram escrupulos; e não julgaram que o precedente era perigoso; e não julgaram que a anarchia batia ás portas da cidade, por se ter reformado um artigo constitucional da Carta, seguindo as formas de uma lei ordinaria. 0» escrupulos chegaram só quando outros Ministros forçados por circumstancias politicas que os tinham precedido, e ás quaes elles eram estranhos, vieram a esta Camara propôr a reforma de uns poucos de artigos regulamentares da Carta, que a mesma Carta dispõe que possam ser reformados pelas regras ordinarias.

Foi então:

Que os Auspicies famosos na falsa opinião que em sacrificios Antevem sempre os casos duvidosos Por signaes diabólicos e indicios deram ocaso por perdido. Julgaram o Throno da Rainha em perigo; a ordem publica ameaçada, a anarchia a bater ás portas da cidade! e elles já tinham violado a Carta, já a tinham ferido no mais sagrado della, nas attribuições dos direitos politicos alterando a regra que estabelece a Carta para ocaso das regências. E eu votei contra, Sr. Presidente, e eu votei constitucionalmente; mas para mostrar a minha sinceridade não posso deixar de dizer que elles, os meus adversário», votaram melhor, olhando só a conveniencia publica e pondo de parte a integridade do dogma constitucional.

Votaram muito muito melhor, porque o artigo da Carta que determina a fórma das regências é de todas as suas provisões a que mais carecia de

ser alterada. Porque determinar, que em caso d» regencia seja Regente o parente mais chegado do Rei, é legislar ás cegas para o officio que requer mais confiança, é ir entregar eventualmente o exercicio dos poderes magestaticos, a quem possa abusar ou a quem não saiba usar delles. O Sr. D. Miguel foi Regente por este mesmo artigo da Carta, e os dignos Pares sabem o que aconteceu.

Sr. Presidente, o grande defeito da Carta é estar cheia de disposições regulamentares que não podem nem devem ter a immutabilidade da Constituição. Uma Constituição para ser o mais perfeita deve conter só os principio» fundamentaes da ordem politica que ella estabelece, e deixar ás leis regulamentares o determinar o modo da applicação pratica desses principios. Sr. Presidente, neste negocio quem quizer andar de boa fé deve só consultar com a sua consciencia o que póde conceder ás circumstancias sem offender os principios.

Mas, Sr. Presidente, vamos a fallar claro: será possivel que os dignos Pares não tenham percebido que esta reforma da Carta não veiu a esta Camara nem por um capricho, nem por uma velleidade dos Ministros; não conhecem os dignos Pares a historia recente das nossas revoluções? Não sabem os dignos Pares que houve neste paiz um homem que, levantado sobre os escudos revolucionarios desde os clubs anarchistas até i presidencia do Conselho de Ministros, governou por uns poucos de annos este paiz; e que foram taes os abusos, os vexames praticados pelo Ministerio a que este homem presidia, que o paiz se levantou em massa para o combater e o derribar? Não viram os dignos Pares levantarem-se as cidades? Não viram levantarem-se as villas e as aldêas? Não viram os dignos Pares mandar esse Governo marchar o exercito contra esse levantamento em massa; e os soldados, horrorisados de atirar a seus pais e a seus irmãos, encostarem as armas, e triumphar essa revolução? E esse homem, causa unica dessa revolução, ser obrigado a emigrar, e a deixar o paiz que o aborreceu? Tudo isto viram o» dignos Pares, e viram mais — viram a dedicação patriotica desses homens que com o Duque de Palmella, tiveram a nobre audacia de tomar conta dos negocios — fazerem todos os esforços para socegarem o paiz, e não poderem conseguir esse fim, e seguir-se uma guerra civil, em que tanto sangue se derramou, tanta riqueza se destruiu, e que não póde acabar senão por uma intervenção estrangeira, mandando tres nações as suas forças reunidas debellar um dos partidos. E viram mais: viram essas nações, que conheciam a causa da guerra civil, porem como condição da intervenção no protocollo que escreveram, que o Conde de Thomar não fosse Ministro. Seguiu-se o Ministerio do Duque de Saldanha, mas como em consequencia das circumstancias lhe foi impossivel eliminar do Governo o elemento cabralista, achou a mesma impossibilidade de acabar com as causas da revolução que o Duque de Palmella tinha achado para acabar com os seus effeitos, e o Conde de Thomar voltou ao Governo. Neste novo e incrivel Ministerio do Conde de Thomar cresceram os abusos, os vexames, e as vergonhas, e a opposição crescia em proporção da violencia e da extravagância que esse Ministerio ia desenvolvendo; muitos de seus antigos amigos, e mesmo de seus cumplices, lho tinham declarado uma guerra de morte; a exasperação era geral. Chegavam as eleições, e sabia-se o que o Ministerio havia fazer; a historia do passado dava ao raciocinio um futuro certo. Recenseamentos falsificados, listas carimbadas, ambulancias, e se fosse necessario fusilamentos junto da uma. Mas todas as classes da sociedade estavam tão exasperadas, que uma revolução era certa, e as suas consequencias tambem eram certas: ou uma desordem muito prolongada, ou uma occupação estrangeira; e como o digno Par o Sr. Proença entrou na arena dos pensamentos reservados, não lhe quero deixar esse privilegio, tambem quero entrar por direito commum. Talvez fosse a occupação estrangeira o pensamento reservado de alguem; talvez se premeditasse um novo Miguel de Vasconcellos. Foi nestas circumstancias que o Duque de Saldanha julgou do seu dever evitar este dilema atterrador que todos viam eminente ou a anarchia, ou o despotismo das bayonetas estrangeiras, o mais vergonhoso de todos os despotismos. Decidiu o nobre Duque derribar com o exercito o Ministro Conde de Thomar, para evitar as calamidades que toda a gente previa. Sr. Presidente, uma revolução é sempre um mal; mas quando ella é inevitavel a que menos perigos apresenta é a que se faz com a força obediente. Póde-se governar no dia seguinte sem perigo das vinganças e das desordens, que sempre trazem as reacções populares. O nobre Duque quiz fazer a revolução só com a força armada, e sem levantar o elemento popular; o seu fim era evitar desordens, e não promove-las; e foi essa prudencia que foi causa da demora, e a revolução só rebentou na cidade do Porto depois que o nobre Duque tinha chegado aos confins do reino. A falta da presença do Duque, quando se revolucionou o Porto, foi causa de muita exaltação; as reacções sempre se parecem com a acção violenta que as determina, e o nobre Duque não esteve em leito "de rosas nos tres primeiros dias depois da sua chegada ao Porto; foi-lhe preciso transigir com as circumstancias para evitar acontecimentos desagradaveis; prometteu a reforma da Carta: não prometteu muito á vista das exigencias; e não deu mais do que prometteu. Os dignos Pares não querem que se cumpra a promessa: eu quero, porque não ha quebra de principios.

Se houvesse uma proposta para reformara Carta nos seus principios fundamentaes, eu seria o primeiro a levantar a voz contra similhante reforma, eu seria o primeiro a impugna-la ainda que fosse pela maneira que a Carta prescreve, e nesse ponto sou mais cartista que os dignos Pares, porque já

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desse lado da Camara e mais de uma vez, e a mais do que a um digno Par, e ainda nesta discussão, eu ouvi exprimir desejos de ser reformada a Camara dos Pares. Eu, Sr. Presidente, sempre me hei-de oppõr a qualquer reforma do principio constitutivo da Camara dos Pares: a Carta tem sempre achado nesta Camara a sua salvaguarda..Quando o Conde de Thomar fez passar na Camara dos Deputados (escolhidos, um a um) esse projecto que restringia a liberdade da imprensa, foi esta Camara que rejeitou, sustentando a Carta em um dos seus artigos mais constitucionaes, esse projecto libertieida, e isto apesar das fornadas de que fallou o digno Par o Sr. Proença, sem se lembrar que só quando elle entrou para esta Camara entraram com elle trinta Pares nomeados pelo Conde de Thomar. Sr. Presidente, tambem me lembra, e com prazer me lembra, que foi nesta Camara e por este lado da Camara, que foi rejeitado outro projecto altamente inconstitucional que o mesmo Ministro tinha feito passar nos Deputados, tornando amoviveis os Juizes de segunda instancia, e acabando por este modo a independencia do poder judicial, e a divisão dos poderes, principio fundamental da Carta, pedra angular do seu edificio. Parece impossivel que os dignos Pares estejam tão perto das idéas dos progressistas mais exaltados querendo a reforma desta Camara. Eu, Sr. Presidente, sou mais de que cartista puro, sou admirador da Carta e voto por esta reforma para que ella não seja nunca reformada conforme o desejo dos dignos Pares.

O Sr. Ministro do Reino — Sr. Presidente, nunca julguei que a questão que nos occupa houvesse de tomar as dimensões que lhe foram dadas; não pensei que o objecto que temos de considerar houvesse de ser olhado do ponto de vista donde se examina: a questão não é de maior ou de menor altura; nem de mais ou menos importancia; mas é vista por um lado que me pareceu, e parece ainda, não dever sido offerecido ao nosso exame. E como assim me parece, hei-de a meu pesar abster-me de responder a muitas observações, feitas por alguns dignos Pares, a que alludo agora. Dois insignes jurisconsultos consideraram o assumpto como juizes mui habeis e versados na legislação do paiz. SS. Ex.ª comtudo me hão-de permittir que lhes diga francamente a minha opinião. Parece-me que se enganaram examinando a questão que nos occupa na parte que ella tem de juridica. SS. Ex.ª apresentaram-se com os publicistas na mão» com os preceitos da Carta muito sabidos e estudados, e quizeram pela letra da mesma Carta, e pelas doutrinas dos auctores mostrar os erros, as violações das formas respeitaveis da lei fundamental, commettidos na apresentação do acto addicional. E foi-lhes isso facil, porque não attenderam a uma legislação mais imperiosa do que todas as outras — aos factos: aos factos acontecidos — fataes — que influiram irresistivelmente na nossa sociedade, e que era impossivel não considerar assim: Perderam-os de vista; e como se elles nunca tivessem occorrido, só se lembraram das prescripções, dos sagrados preceitos do nosso codigo, e das melhores doutrinas do direito publico e do direito civil. Nesta situação, neste feliz isolamento dos publicos successos, não se incumbiram de os avaliar apreciando por elles quanto houvera de illegal na apresentação da reforma da Carta. Não quizeram discorrer como homens politicos no meio de circumstancias graves, que podem mais que as Leis, e quando a primeira destas é restituir a ordem alterada ou ameaçada, e salvar o mais 'que seja possivel as patrias instituições. Mas os dignos Pares ou se não occuparam absolutamente dos factos, ou delles se puzeram tão distantes, que para os verem seria preciso usar do soccorro de fortes telescópios. Não foi este o seu proposito. No que acabo de dizer estou muito longe de fazer offensa, de ter em menos os talentos dos dignos Pares; mas permittam-me SS. Ex.ª que lhes diga — que nas considerações que fizeram se limitaram de mais, e suppozeram que o paiz nada vira de extraordinario ha mais de um anno a esta parte: daqui provém as grandes injustiças que nos fazem — grandes injustiças na verdade, mas que eu não attribuo á Índole, ao coração de nenhum delles. Seguindo a ordem das idéas e dos raciocinios que adoptaram, essas injustiças eram inevitaveis.

Ora diga-se em boa fé: não sabemos nós todos o que determina a Carta Constitucional sobre o objecto da reforma de quaesquer artigos della? Crerão os dignos Pares que nos deram alguma novidade sobre este objecto? De certo não: a mim mesmo que sou o menos instruido de todos, não supponho que SS. Ex.ª me neguem a intelligencia necessaria para comprehender nesta parte os preceitos da lei fundamental. Sei — confesso que a reforma dos artigos da Carta proposta no acto addicional não seguiu todos os tramites marcados na mesma Carta. O Governo o confessou, e quando o não confessasse', nem por isso seria menos verdade. É comtudo defeito geral, ou condicção de todos nós, passada a tempestade e o ameaço do naufragio, quando nos vemos na praia salvos e seguros, ainda húmidos os vestidos, o esquecer-nos do perigo em que estivemos, dos escolhos a que felizmente escapámos. E isto nos acontece em tudo; e assim não podemos apreciar devidamente as providencias tomadas em circumstancias diversas das presentes. Por este motivo nos perguntam agora: quem vos obriga a propôr essa reforma da Carta, preterindo as formas respeitáveis' que ella prescreve? Que necessidade tendes de commetter tão flagrante violação? E parece que o facto é de agora; que o Governo durante o estado regular do regimen do paiz, e sem outra causa alem do seu capricho pueril, se lembrou por mera vontade, de fazer alguma cousa, de apresentar ás Côrtes essa reforma de um modo revolucionario e absurdo. É assim que se avaliará bem o procedimento do Governo? Um dos dignos Pares, antes que me esqueça, o primeiro que fallou, achou esta reforma decididamente má. É uma opinião livre a todos, que respeito como tal: — achou-a má em si, em todas as suas partes, ou em muitas delias — no principio em que se funda, no fim a que se dirige: deu do que affirmou as razões que lhe occorreram; e entre estas razões a que me pareceu mais saliente foi a seguinte: Esta reforma, disse S. Ex.ª, não agrada a nenhum dos partidos — não agrada senão ao Ministerio. Eu podia reputar estas frases de pouco valor, porque realmente não passam de uma asserção mais ou menos verdadeira; mas em quanto a mim, ou ella significa alguma cousa boa, ou então não significa nada. Aos partidos todos não suppora o digno Par muito possivel que se possa agradar, offerecendo uma providencia de mediana importancia; mas de não agradar exclusivamente a nenhum delles, não se de gue que a providencia. O que se vê é que nenhum delles ganhou com tal reforma a preeminencia exclusiva que todos desejam: nem o da direita fica superior ao da esquerda, nem o desta aquelle: guardou-se uma certa igualdade que nenhum quer no meio dos movimentos de perturbação em que a reforma foi proclamada; e o Governo a quiz assim approvou-a como disse o digno Par — e neste caso o Governo approvou o que era justo. Se assim se não ha-de intender a asserção do digno Par, então ella nada significa. Porque o ter sido esta reforma um crime do Ministerio, é, quando muito, uma fraze offensiva, que não merece maior, attenção que as outras.

Nós vamos, com muito pesar o observo, vamos inevitavelmente, e vão aquelles que mais aconselham que o não façamos, renovar sempre as feridas do tempo passado.. Quanto deploro este procedimento! Ninguem dirá que dou o exemplo delle. Mas que achámos nós todos nesse passado? Lastimas, e desacertos, que todos temos que deplorar: achamos ignorancia, o sobre tudo, a nossa inexperiencia. E apesar disso entrámos por elle dentro, revolvemos-lhe as entranhas, e mostramos com uma especie de triunfo aos nossos adversarios as suas miserias. Revolvei ainda mais, e encontrareis os defeitos de todos, dou-vos de barato que não acheis os vossos, porque sois immaculados; mas hão receareis de achar os dos vossos amigos? Seria mais generoso, seria proceder bem, respeitar com uma especie de piedade essas cinzas, que encobrem tantos erros tantas contra-dicções, de que poucos, se alguns, se podem julgar isentos.

Não sei a que proposito estamos sempre a folhear os livros da nossa historia contemporanea, para notar o que fizemos, e o que dissemos em outra época. Má maneira de argumentar é essa; e sem força, e já inefficaz — tem facil resposta, e não auctorisa a quem della se serve. Errei —erraram muitos como eu; pensei assim então; penso ou não hoje da mesma sorte. Um digno Par trouxe aqui a passagem de uma falla minha, porque nessa passagem eu dizia que a Carta devia ser reformada pelos tramites legaes, marcados nella.

Disse-o, e repito-o; mas que tem isto com um acontecimento de suprema importancia que acarreta a necessidade de proceder de meio diversa? Em que consiste o meu delicto á vista" daquella passagem? Não esperava que a leitura della com o intuito com que foi feita, saisse dos labios donde saiu. Estes argumentos ad odium não me parecem adoptaveis por certas pessoas de reconhecida respeitabilidade.

Os Dignos Pares disseram comtudo; e foi uma concessão, que tinha havido um movimento revolucionario — que novidade? Pois não houve? E por quê? E que effeitos produziu? Vós só lhe achais os inconvenientes para os censurar. Nós todos deploramos o acontecimento, e o seu auctor tambem deplora que elle tivesse tido logar; e a prova está em sua firmeza, em seus actos de coragem e de amor ás instituições do paiz, e á sua dinastia. Elle forcejou, e conseguiu que todos os elementos de inquietação e de transtorno social immudecessem que o paiz inteiro voltasse á ordem regular de que havia saido, e isto no menor espaço de tempo que era possivel. Este resultado é grande, é immenso: não o escureçamos, não neguemos o louvor a quem o conseguiu. Exaltados os animos de um povo, que se agita por uma grande paixão, só forças de Uma ordem extraordinaria os applacam de repente, antes de commetter-se o menor excesso. A pedra fóra lançada da funda: que merecimento o daquelle que a obriga a não ferir ninguem? O que póde conseguir o actual Presidente do Conselho de Ministros, não sei que até hoje ninguem o tenha alcançado. Será porque não tenha havido revoluções na nossa terra? Ora vejam-se, e comparem-se os effeitos delias quando vencedoras. A de Setembro de 1836 rasgou a lei fundamental do Estado, substituiu-lhe outra. Reduzido o paiz á ordem; fez-se a Constituição de 1838, que ficou sendo ò codigo constitucional da nação. Veio depois a de 1842, calcou, rasgou e queimou a lei fundamental do Estado jurada, e em vigor, e substituiu-a por outra que já naquelle tempo o não era. E que fez a de 1851? Não calcou, nem rasgou a Carta Constitucional, antes um dos seus resultados foi melhora-la e aperfeiçoa-la, tractando as suas provisões mais importantes com respeito e acatamento religioso. Ainda agora o orador que me precedeu disse e provou, que nenhum dos artigos que entram no acto addicional era um artigo constitucional, menos um só: e o unico a que se póde attribuir maior importancia uma legislatura antecedente o havia declarado, mal ou bem, um artigo não constitucional.

Tudo o que refiro são factos occorridos debaixo dos nossos olhos, avaliem-nos como quizerem, mas os seus resultados são de Certo quaes os exponho.

Um digno Par, como senão soubesse o occorrido de ha dois dias, pergunta com certo ar de innocencia: quem pediu a reforma da -Carta? E respondeu, minuciosa, mas de certo mui incorrectamente á sua mesma pergunta. Perdoe-me o digno Par. Elle podia, mas não quiz, dar-se resposta mais coherente e verdadeira. Ninguem pediu em devida fórma, que se fizesse um acto addicional á Carta — proclamou-se no meio de uma grande agitação a sua reforma: uma voz soou primeiro, e esta foi acompanhada e seguida de muitas outras, que se repetiram; e o seu ecco soou em todos os angulos do paiz; e viu-se que esta reforma era acceita com enthusiasmo, e que os desejos da maxima parte dos habitantes se satisfaziam com esta concessão; e o Governo e tudo o que ha de grande e de superior entre nós manifestou a sua annuencia, a satisfazer a opinião que se creu nacional. E agora, depois de decorrido tanto tempo, e de passados tantos acontecimentos, é que se pergunta: quem pediu o acto addicional? Ninguem o pediu pediu-se a Carta reformada desde logo — isto se prometteu. O acto addicional apresentou-o o Governo em cumprimento de uma promessa sagrada. Perguntar como se pediu a reforma da Carta, e aonde, e como começou, e aonde, um grande movimento que se tornou geral, é muito perguntar. Estes grandes acontecimentos começam sempre, e tem começado em todos os povos pelo facto de um, ou poucos individuos. Isto é o que se vê na historia de todas as nações: não cito alguns exemplos para que me não accusem de charlatanismo. Mas todos sabemos como um simples grito individual muitas vezes produz a geral agitação de um povo inteiro.

Quem diria que meia duzia de rapazes a Cavallo em cannas dariam começo á famosa acclamação de D. João 1 na sua entrada em Coimbra? Por quem, e aonde começaram os tremendos acontecimentos da revolução franceza, e outros muitos que mudaram a face das nações, e cuja origem é inteiramente obscura? Hoje essas acclamações começam nos theatros; e para as desauthorisar muitas vezes se lhes dá essa origem: não digo que ella seja brilhante; mas importa pouco o logar do nascimento; desde que uma opinião toma grande corpo, nada vai dizer que ella appareceu pela primeira vez n'um theatro, ou na praça publica, no alto do uma torre, a bordo de um navio, ou n'um quartel de soldados.

Sr. Presidente, é preciso ser testimunha ocular e imparcial dos acontecimentos para os avaliar bem, ou estudar a historia contemporanea com espirito desapaixonado. E qual de nós póde assegurar quê se acha neste caso? Qual de nós considera desapaixonadamente a historia dos nossos dias — não fallo da que está escripta, mas sim da que vai correndo, da que vemos, e da que nos chega ás mãos transmittida pelos nossos amigos, os unicos de quem a recebemos? E como ajuízam os nossos amigos dos factos que presenceiam, ou lhes são relatados? Ajuízam como nós: elles vêem pelos nossos olhos, e nós vemos pelos seus, com as mesmas idéas, com os mesmos prejuizos politicos: sem quererem, e sem querermos nós, nos enganamos mutuamente. Assim tenho eu visto descrever e apreciar grandes acontecimentos, e por homens graves em suas correspondencias de um modo que me parece improprussimo. Assim vi eu, escriptas do Porto, missivas, nas quaes um grande facto se pintava pouco mais ou menos assim — appareceram uns poucos de rotos, capitaneados por outros, e todos comprados por vil moeda de cobre, que romperam em vivas á Carta reformada. Será isto ajuizar bem? Mas a voz repetiu-se, foi ouvida com applauso, encheu o reino — ninguem a contradisse: a idéa da reforma acceitou-se, e foi proclamada, e fez-se a declaração official de que era adoptada, e adoptada para ser posta em pratica sem demora; Esta certeza deu-se, e produziu effeitos salutares para a ordem publica. Eu poderia demorar-me neste ponto, mas não creio que o deva fazer agora por motivos que não e difficil adivinhar. Seja o que fôr, causa ou pretexto, bem ou mal trazido, o grito da reforma, e a annuencia que se lhe deu não foram estereis de bons resultados. Não seria talvez temeridade affirmar que esse clamor, correspondido como foi, contribuiria muito para a pacificação do paiz, e por consequencia para a situação em que nos vemos de podermos uns defender, outros combater livre e seguramente essa reforma, que a muitos se antolha como crime imperdoavel friso no lado direito). Riam-se — e livre o riso; e não só livre, mas até facil o exercicio deste direito.

O que eu dizia, e o de que estou certo é de que soou o grito da reforma da Carta — clamor irregular, sem duvida, que só em tempos de alterações politicas podia soar: foi acolhido, repito-o, por quem o podia acolher. Veda-se que fallemos aqui no augusto Chefe do Estado: seria blasfemia invoca-lo; nem mesmo é permittido fazer a menor allusão á sua Real Pessoa!

Não acho que a prohibição seja tão severa; porquê eu não venho defender as medidas do Governo coberto com a égide da Corôa. Não faço mais do que referir a historia. Digo que o clamor foi ouvido e acceito, e por quem? Por aquelle unico poder que em circumstancias tão difficeis, e quando a sociedade corre graves perigos, póde acudir por ella, a fim de remover para longe desgraças imminentes. E acudiu — nem foi essa a primeira vez que o Poder Real se interpoz entre os bandos belligerantes, ou entre os grupos hostis para os congrassar, para os tornar irmãos. Já o havia feito, e ninguem censurou o Decreto de 10 de Fevereiro quando elle foi publicado. A historia ahi está. Passada a occasião, disse-se que não devia ser cumprido; mas a verdade é que produziu o effeito salutar que se quiz que produzisse. E que foi esse Decreto senão a interposição do Poder Real, que as circumstancias tornaram necessaria para desarmar a discordia, satisfazendo quanto possivel ás pretenções de todos os bandos, ou, se se quizer, dos partidos que se apresentavam em hostilidade? Ninguem, repito, censurou então esse Decreto, mas foi censurado depois, e ainda hoje o é; nem disso me admiro, até me parece natural que assim aconteça. Eu não o censuro nem o elogio; reconheço nelle um facto, e um facto que pertence á historia.

Mas a que proposito o primeiro dos illustres oradores, que entraram nesta discussão, combateu a competencia do executivo na apresentação da reforma da Carta, formulada no acto addicional, não o sei eu: o que sei é que em regra ordinaria nem o Poder Moderador, nem o Executivo podiam assumir parte das attribuições do Legislativo; mas nós não tractamos de um objecto que nascesse segundo as prescripções do direito escripto. Quem jamais ousou affirmar que essas prescripções foram observadas?

Sr. Presidente, ponho de parte o exame das regras que devem ser observadas nos casos ordinarios do regimen constitucional. O que se praticou não está nesses casos. O motivo porque «e preteriram as formas foi o da necessidade: esta póde haver quem a não reconheça hoje, mas o Governo e a nação em sua maior parte a reconheceram. A necessidade! Nesta palavra de que usou a illustre commissão no seu parecer está dito tudo; nem os seus respeitaveis membros quizeram adiantar-se mais! E prouvera a Deos que mais se não tivesse dito! Essa necessidade já a reconheceu esta Camara, e não obstante isto, pomos hoje em questão o mesmo que a Camara decidiu. A Camara declarou que discutiria as provisões do acto addicional com aquella prudencia que as circumstancias reclamam. E não saberia ella então, que esse acto hão viria apresentado conforme as prescripções da Carta constitucional? Pois o simples enunciado de que seria o Governo o apresentante, não excluia a observancia das formas legaes i Sabia certamente, mas considerou era sua grande sabedoria; que este objecto devia apreciar-se com referencia aos factos recentes, e segundo convinha ao interesse da sociedade no estado actual della; e fazendo-se cargo destas circumstancias conveio em admittir a apresentação do acto addicional, tal qual veio aqui formulado, e transmittido da outra Camara. Logo a questão não póde versar sobre a legitimidade das formas, porém sim Sobre o merito dos artigos. Um dos dignos Pares, o primeiro que fallou nesta materia, disse respondendo, creio eu, á observação que acabo de fazer, que elle não estava na Camara quando teve logar a decisão, isto é, quando se approvou a resposta ao discurso da Corôa: nem elle, se bem me lembro, nem alguns outros membros dá Casa. Que valor tenha esta coarctada não o direi eu; mas não posso deixar de lembrar a S. Ex.ª? que nos corpos deliberantes as minorias não são desobrigadas de obedecer ás decisões das maiorias: quantas vezes aqui mesmo terá o digno Par expendido esta doutrina inquestionavel? Esse é certo o que eu digo, para que é... (O Sr. Visconde de Algés — Eu lá vou) Pois venha, e aqui me achará prompto, não obstante reconhecer o pouco que valho.

Sr. Presidente, não hei de acabar tão cedo. Isto ouvi-o eu, isto ouvimo-lo nós todos os que aqui nos achamos. Não deixa de ser válida uma decisão, porque não foi approvada por todos os votos. Mis se apesar distai se quer que se revalide a que a Camara já tomou; se parece justo recommendar aquelles dignos Pares, que se intende acharem-se inclinados a approvar o acto addicional, que vejam bem o que resolvem, porque ainda é tempo de mudarem de opinião1; se pois ha, e ha, entre nós quem preterida que a Camara vote contra o mesmo acto por illegal e violador das reformas da Carta, eu quizera que francamente nos dissessem, qual intendem que deve ser a decisão deste grave negocio em relação ao paiz? Que é ò que neste momento cumpre decidir? Que não occorreram os factos que todos vimos? Que os podemos dar como se nunca tiveram existido? Inverteremos a ordem dos acontecimentos de modo que deitemos em vago entre o anno passado e este? E para que tudo isto? Para proclamar uma restauração; pára voltarmos ao passado, impondo á nação o preceito de se esquecer; emfim uma restauração, como disse?

Estou seguro de que não póde levantar-se uma voz na Camara dos Pares para aconselhar i restauração no sentido em que a comprehendo, desfazendo-se tudo o quê até hoje Se tem feito. É verdade que eu ouvi aqui dizer, com grande admiração minha, que os Governos europeus sabem como se deve proceder em tal caso: ouvi as palavras, que logo transcrevi, e espero que por muito tempo me não sáiam da memoria (leu): Os Governos da Europa procuram collocar a liberdade onde deve ser collocadas Não. devo fazer observações sobre este periodo... Deixemos, Sr. Presidente, a cada um governar-se como quizer; e nós abracemo-nos com o palacio das patrias liberdades (apoiados). O acto addicional que aqui vem não é essa liberdade que os Governos europêos sabem onde devem collocar! É o que a Camara dos Deputados julgou necessario para melhorar a lei fundamental do Estado, que nada perde por esses artigos addicionaes, nem da sua fórma, nem da sua essencia. Os acontecimentos estranhos ao paiz nada influiram na redacção dos novos artigos; e mal foram feitas essas allusões, que reputo altamente improprias. Não faço injuria á ninguem não o desejo ao menos — sei que ha palavras que nos saem da bocca, sem que nellas tenha parte o coração; nem a reflexão, se as dictasse, as dictaria assim; e porém verdade que fóra melhor que ninguem as proferisse. Mas Sr. Presidente, todos estes crimes, todos estes defeitos, e todos estes actos revolucionarios, que põem elles em perigosa nossa terra? Nesta terra, que um dos meus nobres collegas com tanta razão denominou terra de milagres? Põem a liberdade? De certo não. Põem a monarchia? Tambem não'. Põem a dynastia? Menos. Pois então que e o que fica em perigo? Porão a ordem e a tranquillidade publica? Vejamos os factos que teem occorrido ha um anno a esta parte no nosso paiz, que depois de uma grande convulsão, á qual se seguiu o abalo inevitavel dos movimentos eleitoraes, se ha cada vez mais fortificado na ordem e na obediencia ás leis. Não direi que nada Ha que

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desejar neste ponto, mas é certo que Portugal é reputado o melhor asylo da liberdade; que, fora daqui muitos homens illustres nos honrara qualificando assim este reino, como se pude lêr em repetidos escriptos, que andam nas mãos de todos. E não se diga que estou tirando, para justificar o que affirmo, recursos da minha imaginação. Em quanto hontem um digno Par fulminava o Governo com todas as censuras aos seus procedimentos illegaes, recebia eu aqui mesmo uma carta escripta por uma das primeiras illustrações do reino visinho, na qual leio estas palavras (leu): — Dou os parabens ao Governo portuguez, e a toda a peninsula pelo admiravel systema que nas difficeis circumstancias actuaes tem sabido o Duque de Saldanha e os seus collegas estabelecer, sustentando a monarchia constitucional nesse paiz, e apresentando exemplos que não serão perdidos para o futuro de outras nações. Basta isto; mais poderá lêr, a fim de mostrar que fóra daqui se crê que algum serviço tem o Governo feito á nação. A pessoa que escreve assim tambem sabe as contrariedades com que luctamos; porém é certo que ao longe tem pouco valor os desforços, as diatribes, e a violencia das frazes que se empregam, e que revelam mais paixão do que frieza e tranquillidade de animo. Não vou indagar a origem e os motivos destas accusações, que podem ser innocentes, com o fim de ostentação de habilidade e proficiencia, que realmente estou longe de negar aos illustres oradores,.

Os dignos Pares não querem, apegar de tudo, conceder que a reforma da Carta proposta no acto addicional deva admittir-se, por isso que algumas formas deixaram de ser observadas. Negam que a, opinião da nação fosse por essa reforma, porque o primeiro clamor della se ouviu não sei onde: não importa que este clamor soasse por todo o paiz, que fosse escutado por um poder superior, e que naquelle estado extraordinario se procedesse á eleição de Deputados, mandando aos collegios que dessem aos eleitos poderes de reformar a Carta. Intendem que o Governo não soube, nem sabe qual era a vontade nacional; porque aos collegios se mandou proceder assim; nem elles podiam proceder de outra sorte. Quererá alguem dizer que faltou a liberdade na eleição? Não faço comparações, mas creio que outra tão livre nunca a houve em Portugal. Tenho documentos irrefragaveis do que affirmo. li verdade que os collegios adoptaram a formula das procurações, e isto prova menos a obediencia do que a annuencia; porque eleitores houve, ainda que poucos, que não deram poderes para reformar a Carta. E se os collegios eleitoraes adoptaram as formulas das procurações, nas quaes se consignaram os poderes para a reforma, intendo eu que nenhuma questão póde haver sobre a falta da expressão da vontade nacional. Além do que digo, de ter havido eleitores, que negaram os poderes extraordinarios para a reforma, todos os collegios eleitoraes encarregaram os eleitos dessa reforma, e alguns vieram votar contra ella, commungando com os dignos Pares que a combatem, e combatendo tão bem; e não lhes serviu de obstaculo a este procedimento o haverem acceitado as procurações. Não sei que mais liberdade de opinião possa dar-se aos eleitores e aos eleitos em parte alguma do mundo; e isto havendo uma imprensa tão livre quanto o póde ser.

Se houvesse um ou mais collegios que não approvassem a proclamação da reforma da Carta, diga alguem de boa fé, o Governo manda-los-ia metter na cadèa? Ou obrigaria alguem a renunciar a essas procurações considerando-as inválidas? Porque razão pois se diz o Governo mandou? O Governo fez tanta força para que se adoptassem as procurações como fez para que se escolhessem os Deputados. Se os collegios não fossem de opinião favoravel á reforma elegeriam os inimigos della — não ha outro meio de consultar a opinião publica, a não ser a de exigir o voto individual; mas o procedimento do Governo parece-me muito mais adoptavel. Consultou-a nos collegios eleitoraes.

Mas o digno Par, aquém me refiro aventurou observações dirigidas ao pensamento, ás intenções dos Ministros, entrando no foro das suas consciencias. Pez estas observações iroso, e vehemente, formulando censuras não merecidas. Pela primeira vez o ouvi discorrer assim. Não é o costume de S. Ex.ª entrar deste modo nas questões que se agitam nesta casa. Eu sempre o conheci placido, sensato, e frio pensador; mas agora o acaso, ou talvez um excesso de paixão o levou a outro campo, a um campo aonde eu nunca o tinha visto. S. Ex.ª referiu-se a futuros desígnios sinistros do Governo! A accusação é grave 1 E comtudo dirigiu S. Ex.ª essa accusação a quem menos a merecia. Que pena que isto me causal... Quando eu recebo uma injustiça de quem a espero não me sobresalto, quasi sempre acho menos do que havia computado; mas quando ella me é dirigida por aquelle que tive por incapaz de offender-me, sinto-me opprimido, e avexado — é cálix que a muito custo me passa. Nem póde deixar de offender-me aquella observação suspeitosa feita sobre a affirmativa do meu collega o Sr. Visconde de Almeida Garrett, a respeito da moderação e prudencia que o Governo tivera na escolha dos artigos do acto addicional: a observação fui cruel. O digno Par não nos reputou por nós mesmos capazes de tal moderação, de tal prudencia: attribuiu-a aos acontecimentos da Europa. Nem sequer se lembrou que esses acontecimentos são posteriores aos factos occorridos neste paiz desde Abril do anno passado, de quasi doze mezes. A reforma da Carta foi proclamada no Porto muito antes dos acontecimentos de Dezembro em França. Antes delles a administração proibida pelo nobre Duque de Saldanha seguiu inalteravelmente os dictames da tolerancia e da conciliação: as provisões do acto addicional, força e confessa-lo, não desdizem destes principios; e não obstante isto; era necessario não nos conceder uma só boa qualidade politica,

e attribuir o nosso procedimento judicioso aos accontecimentos que haviam de ter logar na Europa, muitos mezes depois! Muito antes havia o Governo, pela repartição a meu cargo, exposto aos chefes da administração de todos os districtos do Reino quaes eram os seus principios politicos; e os seus actos nunca os desmentiram. Mas debalde me canço, o digno Par não devia achar em nós senão ruins procedimentos, e intenções criminosas; e pelo que respeita ao anachronismo que acabo de notar, esse pouco vai para enfraquecer as censuras de que o digno Par nos cobre: para achar plausivel o seu argumento bastará suppôr que nós adivinhávamos o que tinha de acontecer: ao menos concede-nos isso (riso).

E no meio de tão ásperas increpações feitas ao Governo por tudo — pelo que fizera, por aquillo mesmo que não fóra obra delle; pelo que suppunha que elle teria feito, ou havia de fazer, a cada passo, o digno Par fez sobresair a nossa violação da Carta, das leis e dos principios, não lhe importando nada considerar se se poderia proceder diversamente; e sem cerimonia nos preferiu os governos absolutos, que até esses respeitam as eis que nós não respeitámos.

E assim se avalia um facto extraordinario, e as consequencias inevitaveis delle, como se fossem os principios professados pela Administração? Ha maior injustiça? Ora dos dignos Pares dizendo que a reforma da Carta, assim extra-legalmente proposta, podia servir de desgraçado exemplo para o futuro, o que eu não nego, estabeleceu-se neste campo fertil em considerações, em maximas politicas, para mostrar a inconveniencia, o perigo de taes precedentes. Em todas as suas reflexões acompanho o digno Par, pois que na verdade para servir de aresto é máo o que nos vimos obrigados a praticar. Mas por isso mesmo — para que se não possa no tempo futuro bradar contra mais uma promessa não cumprida, e que o Governo annuiu em propôr essa promettida reforma da Carta. Muita gente se havia queixado em certas épocas da falta de cumprimente da palavra dada por escripto á nação. Pôde ser que se tal promessa se tivesse cumprido, não teriam tido logar os factos que todos nós presenciámos (apoiados). Foi portanto para evitar tão graves inconvenientes que julgámos dever ser fieis á obrigação que haviamos contraído. É comtudo notavel que os dignos Pares só tenham receio de que fique servindo de aresto a reforma proposta como foi, e não temam que se repitam as causas que produziram esse acto de necessidade. Pois eu peço que nos lembremos delias tambem para as evitar, a fim de não produzirem os mesmos effeitos. (O Sr. Presidente do Conselho — Apoiado). Nem me parece rasoavel clamar tanto contra o exemplo funesto que já se promette repetido para o futuro, sem se attender a que se não repetirá, sempre que houver cuidado em evitar os motivos delle. Mas deixar existir as causas, e querer que ellas não produzam resultado é querer que o veneno não mate.

Sr. Presidente, eu respeito o passado, e confesso ingenuamente que sinto muito que se tenha entrado nesses archivos, que deviam ser fechados e defezos ao menos para quem falla nesta casa (O Sr. Presidente do Conselho — Tambem eu o sinto). E nisto não vejo a prudencia que todos deveriamos ter. Ao passo que queremos respeitoso silencio em umas cousas, vamos nós mesmos fallar das outras, descobri-las, patentea-las com a mais violenta acrimonia. E ainda assim nos mandam que tremamos do futuro. E doloroso vermos que os sacrificios que estamos fazendo para mostrarmos á Europa, que entre nós póde subsistir a liberdade regrada pela ordem e pela monarchia, unico modo porque a queremos sustentar, que estes sacrificios, digo, sejam valiados do modo porque os avaliam os Dignos Pares; que no meio das luctas, que oxalá não venham mais, nós sejamos tractados como revolucionarios, e como gente frenética e delirante, que posterga sem tino os principios do nosso Codigo fundamental, e o entrega rasgado e descomposto á irrisão publica! Isto é doloroso, e ainda mais o é exigir-se de nós que fechemos os olhos ao estado do paiz, e ao dos outros povos, e não façamos concessão alguma ás exigencias do tempo; marchar por um só caminho — desattender todas as considerações, e não curar do resultado. Os males que deveriam seguir-se de tal systema, ninguem os quer avaliar.

Sr. Presidente, eu não faço allusões a nenhum dos membros desta casa, a nenhum delles me refiro; mas digo que ha desgraçadamente no nosso paiz certa gente, que alardes muito patriotismo, muita firmeza de principios, e que os esquecerá todos por obter a queda dos Ministros com quem não sympathisa. Ha pessoas — torno a dizer, que não alludo a nenhum membro da Camara — a quem até não fóra desagradavel uma collisão que trouxesse estrangeiros a pisar o solo portuguez, comtanto que dahi se seguisse a nossa saída.

Estes desejos espero que não serão satisfeitos — ao menos não poderá dizer-se que elles são os da nação portugueza.

Toda a Camara, toda a gente sabe que o movimento de que tenho fallado não é um acontecimento de ha cem, de ha cincoenta annos. Ouço ajuizar delle como se todos os seus effeitos tivessem acabado; mas a verdade é que o estamos fazendo terminar, principiasse-o quem quer que fosse: — o termo do abalo grande que todo o reino commoveu é a approvação do additamento á Carta constitucional: é aqui que termina a revolução, que tantas ruinas podia causar, e na qual só se perdeu uma ou duas vidas perda que eu deploro, tanto mais quanto este povo é o menos cruel e sanguinario. (O Sr. Presidente do Conselho — Foi uma só, por desgraça.) Diz S. Ex.ª Não. Que o povo portuguez é docil, inclinado á paz e á ordem, quem o pede duvidar? Que elle ama a dynastia de um amor profundo e irresistivel,

ainda ha poucos dias o testemunhou da maneira mais expressiva e enthusiastica. Não duvido pois dos sentimentos do povo: o que deve ser objecto dos nossos cuidados, é que elle não tenha justos motivos de queixume (apoiados).

Termino, pois, Sr. Presidente, para dar logar a que fallem os dignos Pares que têem desejos de me combater, dizendo o seguinte: — Que considerado o assumpto da questão no gabinete de um jurisconsulto ou publicista, deve ser reputado um grande erro de doutrina, e uma grande violação de lei: — mas considerado na presença dos factos occorridos, e das necessidades que elles criaram, o acto addicional é uma providencia de politica illustrada, de que resulta a manutenção da liberdade, das instituições, e da ordem publica (apoiados).

O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, pedi a palavra sobre a proposta do acto addicional, que se acha em discussão, porque tenho absoluta precisão de declarar á Camara, e ao paiz, os motivos que me movem a votar a favor da mesma proposta na sua generalidade.

Não é meu objecto, nem meu fim, o censurar os dignos Pares, que teem manifestado uma opinião contraria á minha; eu respeito muito essa opinião, e tenho ouvido com toda a attenção o que elles tem ponderado: louvo-os mesmo pela coragem e franqueza, com que teem apresentado á Camara as razões e fundamentos, em que assenta o seu juizo, e confesso com verdade, que seus eloquentes discursos tem profundamente abalado o meu animo, e que a minha convicção não é tão firme como era antes de os ouvir, restando-me agora não poucos escrupulos.

Tambem não é meu fim, Sr. Presidente, o louvar o projecto do acto addicional: eu lamento o acto addicional pelo precedente que estabelece, e incontestavel pretexto, que dá, para novas revoluções ou reacções. A historia do passado devia-nos servir de lição para o futuro; a queda da Carta trouxe a reacção a favor da Carta, e quem sabe se esta reforma da Carta trará ainda a reacção a favor de uma cousa, que sirva de bandeira, ou pretexto para nova revolução; são receios de que o meu espirito se acha dominado, e a que eu não posso ser superior.

Sr. Presidente, vou entrar na materia, mas antes disso é indispensavel precisar, estabelecer bem as circumstancias em que nos achamos.

É facto incontestavel, que houve no paiz uma revolução, e que de envolta com esse movimento houve uma invocação, um grito. Esse grito foi o de Carta reformada: negar esse facto é negar aquillo que nós vimos e ouvimos, e que eu vi e ouvi em differentes logares.

Pouco me importa que esta idéa nascesse n'um theatro, que partisse de uma creança, ou que fosse o illustre Marechal, que concebesse o mesmo pensamento. A esses gritos ha sempre alguem que dê o começo; o facto é que o grito foi repetido, e que, em resultado dessa proclamação, adopte da pela nação, e pelo Throno, veio a promulgação do Decreto eleitoral, ordenando que os Srs. Deputados tivessem poderes para reformar a Carta; em consequencia do que o Governo apresentou o acto addicional na outra Camara. ' Estabelecido este facto, não me julgo competente para o moralisar, nem para negar a sua nacionalidade, porque não tenho provas que me convençam do contrario, e contra o argumento de não terem vindo representações a favor da reforma, volto o mesmo argumento, dizendo que se não vieram a favor, tambem não tem vindo contra. Posto isto, digo eu, sobre a questão da competencia da Camara, e respeitando a opinião dos dignos Pares que a negam, que essa incompetencia se não dá, e que nem ha violação de Carta; porque a Carta, na parte em que parece não ter sido observado não tem applicação ás circumstancias extraordinarias, em que nos achamos.

Passo a fazer a demonstração desta proposição, e para isto não careço de apresentar aqui, nem um zêlo de fariseu pela observancia litteral da Carta, como se disse com allusão á observancia litteral da mesma Carta; nem careço de rasgar ou sophismar este nosso pacto fundamental; tambem não careço de me soccorrer ao principio da omnipotencia parlamentar; igualmente não preciso de fazer valer as considerações de temor dos inconvenientes que resultariam de não passar o acto addicional; tão pouco posso carecer de chamar para aqui considerações que reputo estranhas á questão, quaes são as allusivas aos clamores antigos, que já passaram, e que se não cumpriram sobre este objecto para a reforma da Carta.

Tendo-se fallado do zêlo dos fariseus, e com. uma certa intimativa, eu devo dizer a V. Em.ª, que bem sei o que esta seita era entre os hebreus; na sua primeira instituição era composta de homens, que passavam uma vida austera, caprichando de muito exactos e rigorosos observadores dos preceitos da lei, e com este intuito traziam pendentes grandes tiras de pergaminho, a que chamavam = phylacterias = palavra grega, que quer dizer = custodia amoris — porque nesses pergaminhos, diziam elles, guardavam o amor de Deos, e os preceitos da lei divina.

Para este mesmo fim, usavam de outros estimulos, já cingindo os rins com grossas cordas, já dormindo sobre taboas cheias de calhaus, já trazendo nas faldas da vestidura espinhos, que lhes picassem as pernas, para que tudo isto lhes lembrasse, e despertasse constantemente o fiel e exacto cumprimento dos mandamentos divinos. Neste sentido não tenho por grande deshonra o ser fariseu, e assim hei-de desculpar os Ministros passados, presentes e futuros de serem fariseus, mas não quero o zêlo dos fariseus degenerados, contra quem Jesus Christo fulminou o anathema de hypocritas, porque traziam as tiras de pergaminho, ou — phylacterias — sómente para que lhes fossem vistas, mas não porque fossem por elles cumpridas; neste sentido não quero eu que os Srs. Ministros tenham zêlo farisaico; não quero que a Carta, e o acto addicional, sejam meras —

phylacterias = e não passem de uma illusão, do um sophisma.

Sr. Presidente, do modo como eu formulei a minha proposição, e como homem da ordenação, hei-de seguir para a sua demonstração as regras de hermeneutica juridica.

Não careço de recorrer á omnipotencia parlamentar, embora seja de importação ingleza. Não posso admittir esse principio na nossa maneira de existir: como homem da ordenação, repito, não posso deixar de me cingir á letra da lei fundamental que nos rege.

Essa omnipotencia, ou seja em relação ás pessoas, que tem de a exercer, ou seja. em relação aos objectos que são do dominio do legislador, é certo, que a Carta define as attribuições dos poderes politicos, e o parlamento não póde invadir essas attribuições, exorbitando das que lhe competem; não póde ser judiciario, moderador, nem executivo; por consequencia não póde haver aqui a omnipotencia parlamentar (apoiados); e em quanto mesmo aos objectos legislativos, lá tem o parlamento na mesma Carta os principios constitucionaes, que os Srs. Deputados juram guardar, e os dignos Pares tambem; contra os quaes se não póde legislar; e, em singular quanto á reforma da Carta, lá está ella mesmo a marcar os termos que devem seguir-se; logo como se ha-de admittir esse principio transcendental, da omnipotencia parlamentar, que tanto repugna com a nossa constituição? (apoiados.)

A Carta, Sr. Presidente, disse eu que não era violada. Os artigos 140.º, 141.°, 142.º e 143.º contêem o processo da reforma.

Este processo tem duas partes, como os nossos processos crimes, uma preparatoria, e outra definitiva; a preparatoria tem o resultado de reconhecer a necessidade da reforma, e terminar pela indiciação della. Na parte definitiva tracta-se definitivamente da mesma reforma. Ora vejamos em que parte do processo não foi observada a constituição. Antes de tudo, cumpre estabelecer o seguinte principio.

Eu accredito, como dogma politico, como razão de decidir para este ponto, na soberania nacional; accredito, digo, na existencia, não do pacto social, porque nós achámo-nos em sociedade, sem facto nosso, visto que não está na nossa mão deixar de nascer e viver em sociedade, mas accredito no pacto civil e politico, porque todos temos o direito de regular as condições da nossa existencia, e é neste direito que verdadeiramente eu vejo o principio da soberania nacional, ou uma certa razão e vontade propria para o exercicio do mesmo direito.

A soberania pois reside essencial e habitualmente na nação; nunca sae della, e os poderes politicos constituidos não são mais que delegações de poder emanados dessa soberania. Assim se achava expressamente declarado na Constituição de 1822, e ainda melhor na de 1838, e ainda que o não esteja assim explicitamente na Carta, ahi se acha tambem virtualmente; pois lá se reconhece essa soberania, desde que aos Deputados, e aos Pares, e ao Rei, se attribue, a qualidade de representantes da nação. Portanto quaesquer que sejam os artigos de uma Constituição, mais ou menos fundamentaes, todos ficam subordinados este grande principio, e se devem intender com a clausula virtual, de ser guardados, em quanto a nação não quizer, ou não mandar o contrario.

.Estabelecendo pois este principio, e voltando á questão, digo eu agora, a nação pronunciou-se pela reforma da Carta (O Sr. Visconde de Algés — Como se prova); não tenho razões para accreditar o contrario, e o que vejo são os factos; por mim, por todos, materialmente sentidos; portanto se a nação se pronunciou pela reforma da Carta, prejudicou a primeira parte do processo, por isso mesmo que a exerceu por si. Os delegados da nação já não podiam ser chamados ao Parlamento, para dizer aquillo mesmo que a nação já tinha dito; o Governo cumprio a Carta promulgando um Decreto eleitoral em harmonia com a necessidade da reforma declarada pela nação; e por esta fórma esse Decreto, que se tem appresentado, como causa da reforma que discutimos, não foi mais que o effeito, ou execução da manifesta vontade nacional; em consequencia de uma necessidade creada pela revolução.

Em taes circumstancias, foi ainda observando a Carta que o Governo ordenou que os Deputados viessem munidos de poderes especiaes.

A Carta tambem quer, como thema da discussão, quando se tracta da sua reforma, que se apresentem certos e determinados artigos, e então o Governo nascido da revolução, encarregado de tirar della as legitimas consequencias, apresentou pela proposta do acto addicional aquelles artigos, que intendeu serem os convenientes para as circumstancias.

Eis-aqui pois completa a primeira instancia, ou a primeira parte do processo da reforma, em que se conciliou a observancia da Carta com as necessidades da situação.

Agora, Sr. Presidente, em que grão, em que parte do processo estamos nós? — Que faz o parlamento nesta segunda e ultima parte do processo? Precisamente o que, para tal caso, dispoz a Carta: os Srs. Deputados tractaram definitivamente de votar sobre a reforma, e esta Camara tracta agora de confirmar, ou de rejeitar, de apresentar ou não apresentar o seu voto. A nação podia ir mais longe; assim como se contentou em proclamar a reforma da Carta, podia proclamar outra Constituição e dizer: não haja Camara de Pares, e, desde esse momento, nós não teriamos competencia para tractar da reforma da Carta; mas a nação parou na primeira parte do processo, limitou se a -exprimir a necessidade de reformar a Carta existente, e por consequencia ficaram salvas as outras suas disposições, para serem observadas no processo da mesma reforma. Os poderes especiaes deram-se á outra Camara, e sómente foram ordenados para ella porque, sejam

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do a Carta, nem esta Camara, nem o Rei precisam de poder especial para conceder, ou negar a sua sancção, ou confirmação ás reformas da mesma Carta.

Estas reformas são feitas ou directamente pela nação, ou indirectamente pela mesma nação, quando as Côrtes com a sancção do Rei, como representantes della exprimem a vontade nacional. Mas aqui a reforma realisa-se tanto directa como indirectamente; directamente quanto á necessidade da reforma, quanto á primeira parte do processo: e indirectamente, quanto á segunda parte do mesmo processo.

A iniciativa que o Governo tomou em apresentar á discussão determinados artigos, foi um acto complementar, fazendo o que teriam feito as Côrtes, por uma lei, promulgada em fórma ordinaria, se fossem as Côrtes, e não a nação, as que tivessem reconhecido e decretado a necessidade da reforma na primeira instancia.

E nem póde por tanto dizer-se que a iniciativa da parte do Governo repugna com o veto, que a Carta attribue ao poder moderador; porque tendo-se a Corôa manifestado já pela approvação do acto addicional, não póde a Soberana responder, que quer meditar sobre elle.

Pois que a mesma repugnancia se daria então mesmo se a primeira parte do processo tivesse corrido precisamente, em tudo e por tudo, segundo a Carta; por isso que ã Corôa se teria tambem já manifestado pela reforma de certos e determinados artigos, concedendo a sancção á lei, que reconhecesse a necessidade da mesma reforma.

E tanto mais que a apresentação do acto addicional não importou mais, que um thema para a discussão, e agora o que temos presente é o projecto que veio da Camara dos. Srs. Deputados, que traz muitas alterações á proposta do Governo, o que demonstra ter havido liberdade na discussão deste objecto, e não se poder allegar o perigo de contradicção.

Estes são pois os fundamentos, pelos quaes eu intendo que a Carta não tem sido violada, e que muito, pelo contrario, ella tem sido fielmente cumprida, em tudo quanto podia ser, nas circumstancias em que nos achamos. Tambem não posso acceder á opinião dos dignos Pares, que pretendem desprender ou destruir os escrupulos de consciencia dos outros, dizendo — que no acto addicional se não contêem provisões, que sejam constitucionaes, á excepção do primeiro artigo que falla da regencia (O Sr. Conde da Taipa — apoiado]; que se póde votar porque já ha lei a esse respeito, e o voto não faz mais que confirma-la.

Sr. Presidente, percorrendo os artigos do acto addicional vejo nelles muitas cousas que são constitucionaes. O artigo 144.º da Carta, definindo o que é constitucional, e que assim não póde ser alterado, sem as devidas formalidades, pelas legislaturas, ordinarias, declara comprehender tudo quanto diz respeito a limites, e attribuições respectivas, dos poderes politicos, e individuaes dos cidadãos

Ora, Sr. Presidente, a constituição dos poderes politicos é essencialmente ligada com a attribuição e limites dos mesmos poderes; e, segundo a Carta, o poder politico, legislativo, é exercido por duas Camaras, sendo uma de eleição, verificada com certas e determinadas condições, ex-pressas na mesma Carta, que assim respeitam essencialmente aos limites e attribuições desse poder: assim como respeita essencialmente aos limites e attribuições dos poderes politicos, moderador e executivo, a designação da Augusta Dynastia da nossa Rainha, garantida neste nosso pacto fundamental.

Mudar pois as eleições de indirectas, para directas, é alterar as bases da Constituição de um dos poderes do Estado, o que não póde ser feito pelas legislaturas.

O Sr. Conde da Taipa — É um direito social, senão era um privilegio.

O Orador — Sr. Presidente, o digno Par póde ter essa opinião, eu tenho outra, os direitos politicos são estes, e direitos civis são outros; direitos politicos não são senão estes (O Sr. Visconde de Laborim — Apoiado). Na Carta é um direito politico votar e ser votado, a Carta falla de empregados publicos sem distincção, e exige o rendimento havido por ordenados ou por agencia, e o acto addicional restringe esse direito. Eu não entro nas conveniencias (O Sr. Conde da Taipa — Não é conveniencia). Tambem não seria attribui cão do poder politico, a determinada na Carta, para que se votem annualmente os impostos directos, e não já assim os indirectos?

Não será por tanto alterar um artigo constitucional, alterar-se pelo acto addicional o que dispõe a Carta a similhante respeito, para que nessa attribuição de votação annual pelas Côrtes se comprehendam os impostos indirectos, e um limite posto ás attribuições do executivo, que, pela Carta, os podia arrecadar, sem dependencia dessa votação? Responda o digno Par (O Sr. Conde da. Taipa — Não é: logo direi). Mas, Sr. Presidente, eu intendo o contrario, e penso, que nisto hei de ser seguido pela maioria desta Camara; e direi mais que é fazer uma gravissima injuria ao Governo, defender por tal fórma o seu acto addicional, porque então será preciso concluir, que o Governo sophismou completamente o facto da revolução, e que nessa beira foi acompanhado pelos Srs. Deputados; é preciso concluir que o Governo, para melhor illudir a nação, ordenou que os Srs. Deputados trouxessem nas procurações poderes especiaes, sómente exigiveis, quando se tracta de alterar artigos constitucionaes.

O mesmo facto pois do Governo repelle uma similhante doutrina, e. ou tenho já por mim i conceito que formou o Governo, ou hei de admittir contra o Governo, e contra a outra Camara, que eu respeito e devo respeitar, a terrivel ar guião de sofisma e simulação. Ainda outro exemplo. Pois não será um artigo constitucional o que respeita á previa rectificação dos tractados? O Governo tinha uma attribuição de fazer os tractados, antes da rectificação pelo poder legislativo, e agora não, e talvez que deste principio possam resultar grandissimos inconvenientes (apoiados). Por tanto, Sr. Presidente, não é por este lado que devo tranquilisar a minha consciencia.

Demais, não me julgo competente, para dizer que tal ou tal artigo da Carta, é ou não é constitucional; e pela mesma razão eu reputo constitucional tudo quanto se acha no acto addicional, e á excepção de tres ou quatro cousas, que vinham na proposta originaria do Governo, todas as mais são constitucionaes, porque é o Parlamento, e em ambas as Camaras, com a Sancção do Rei, quem póde decidir se um objecto se póde reformar, e se é ou não constitucional; se a reforma se ha de fazer por um acto legislativo, ordinario, ou pelos tramites marcados na Carta constitucional.

É por isso, Sr. Presidente, que eu tambem não posso admittir, pelas razões que produzo do meu voto, a doutrina apresentada pelo Sr. Ministro do Reino a este respeito. Disse S. Ex.ª (como argumento para mostrar corroborado o facto da revolução, que eu não ponho em duvida, e é meu voto) que tinha sim ordenado aos collegios eleitoraes, os poderes especiaes para a reforma, mas que os collegios eram livres de os conceder ou não.

Mas eu digo que os collegios eleitoraes não tinham, nem podiam ter essa liberdade. O facto da revolução estava consumado, o Governo tinha restricta obrigação e necessidade de tirar desse facto as legitimas consequencias, e por tanto o Decreto eleitoral sendo o desempenho de uma obrigação governamental, produziu o direito á obediencia, e uma obrigação correlativa para com os ditos collegios, que haviam necessariamente conformar-se com essa parte do Decreto, que é uma formalidade que a Carta exige (apoiados).

Sr. Presidente, reservo-me para a especialidade dos artigos, e então apresentarei algumas observações a respeito de alguns que eu rejeito, por altas considerações, e que lamento estejam no acto addicional. — Por ora digo que a minha convicção é que as opiniões dos dignos Pares são sempre dignas de louvor, assim como o seu zêlo pela guarda inviolavel dos preceitos consignados na Carta constitucional da monarchia.

Neste desejo, nessas intenções estou eu, e por isso não posso deixar de approvar a emissão do seu voto; eu manifestaria um voto similhante, com igual coragem e franqueza, se tivesse a mesma convicção dos dignos Pares.

E tendo dado a hora o Sr. Presidente disse que continuaria a mesma ordem do dia na sessão de quarta feira (30), levantou apresente sessão. — Eram quatro horas.

Relação dos dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 26 do corrente. Os Srs. Cardeal Patriarcha, Silva Carvalho Duque de Saldanha, Duque da Terceira, Marquez de Ficalho, M. de Fronteira, Marquez de Loulé, Marquez das Minas, Marquez de Ponte de Lima, Arcebispo Bispo Conde, Arcebispo de Palmyra, Conde das Alcaçovas, Conde de Alva, Conde de Avilez, Conde de Bomfim, Conde do Casal, Conde de Linhares, Conde de Mello, Conde da Ribeira Grande, Conde de Rio Maior, Conde de Semodães, Conde do Sobral, Conde da Taipa, Conde de Tavarede, Bispo do Algarve, Visconde de Algés, Visconde de Almeida Garrett, Visconde Benagazil, Visconde de Castellões, Visconde de Castro, Visconde de Fonte Arcada, Visconde de Laborim, Visconde de Sá da Bandeira, Barão de Chancelleiros, Barão de Porto de Moz, Barão da Vargem da Ordem, Pereira Coutinho, D. Carlos de Mascarenhas, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Tavares de Almeida, Aguiar, Larcher, Duarte Leitão, Fonseca Magalhães, Margiochi.

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