DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 9
Sr. presidente, depois que caíu a communa em Paris, levantaram-se os homens serios e disseram: Vejam lá onde levam certas idéas! Vamos para o absolutismo. Isto quer dizer, que querem substituir o communismo de uns poucos de especuladores, acompanhados de uns poucos de ambiciosos, pelo communismo de luva branca, pelo communismo hypocrita, que é peior que o outro - o anarchico, e por isto mais facil de debellar, emquanto que aquelle se disfarça e por consequencia consegue durar mais tempo, porque illude o povo.
Entendo que a causa principal dos males que affligiram o povo francez foi o communismo das camarilhas de Bonaparte. Mandava se pôr nos documentos officiaes do exercito um certo numero de homens, quando tal effectivo não existia; mencionavam-se 70:000 homens a mais, porém este quadro era sómente em papel, porém o effectivo eram as rações e as forragens comidas pelos communistas da côrte. Foi d'este communismo que nasceu o outro, que eu não posso deixar tambem de reprovar, pelas suas idéas nefastas e pelos seus actos tão condemnaveis, pois não cre em Deus, não quer a familia, não admitte nenhum dos bons principios que são a base da ordem social, e não recua ante a execução de obras que sómente são merecedoras da maior reprovação. Mas se não posso de modo algum applaudir a communa, não é isto rasão para querer o absolutismo, e tente elle embora levantar-se, que baldados serão os seus esforços. O templo abateu as suas columnas, e já não é possivel ergue-las novamente!
N'este caso se encontrou tambem o partido conservador, partido que tinha rasão de ser; partido que se compunha de classes, que postas nos seus devidos logares, umas com relação ás outras, mantinham o equilibrio social.
Este partido tambem abateu columnas, e foram os seus proprios membros que para isso concorreram. Acabaram os prazos, acabaram os vinculos, e foi assim que alluiram o partido conservador pelos seus fundamentos. E querem alguns uma resurreição do absolutismo, não attendendo a que em toda a parte os povos caminham e avançam, no proposito de não retrocederem, porque assás são conhecidos os seus directores e os seus instinctos e desejos!
Apontarei para a Hespanha e para os actos do rei Amadeu ultimamente: lá está o sr. Zorrilla, que não pertencia ao partido dos homens serios, mas hoje pertence, é progressista; lá tambem ha communistas.
A respeito de veto, na discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa hei de tratar a questão do veto popular.
Foi um áparte do digno par, o sr. Vaz Preto, que me levou a fazer esta digressão; mas volto de novo á questão principal.
O sr. presidente do conselho não quer que lhe imponham o veto, porque quer continuar a governar.
Eu sempre receiei do apoio do partido historico ao governo, porque nunca se póde dizer que se apoia o governo em todas as medidas tendentes á resolução das questões de fazenda e administração sem saber quaes serão essas medidas, e por conseguinte se o modo por que ellas hão de resolver as questões de finanças e de administração será ou não satisfactorio; o que se póde prometter é que se ha de apoiar o governo na boa resolução d'essas questões. Este é o facto.
Comtudo entendo que todos os governos carecem da lei de meios na gestão dos negocios publicos.
Quanto á questão do direito que os dignos pares do reino têem para negar o seu concurso á approvação da lei de meios, entendo que não o ultrapassam
recusando-a; e se acaso se diz que não podemos pôr veto ou coagir o poder real, tambem o poder real não póde coagir-nos.
Apresentei estas considerações, porque tenho como prejudicial a continuação da politica do sr. presidente do conselho de ministros.
O sr. marquez d'Avila e de Bolama tem muito boas qualidades como cavalheiro particular, como diplomata e mesmo como homem de governo; mas a sua politica tem sido ultimamente errada, porque s. exa. ora se entrega nos braços do sr. bispo de Vizeu, ora nos dos regeneradores, ora nos dos historicos, sem saber por fim em qual d'estes partidos se deva confiar: e isto porque a s. exa. falta a sufficiente confiança em qualquer d'elles, e tambem elles por sua parte nutrem desconfiança pela politica de s. exa.
Feitas estas considerações, declaro, que não quero estar ao lado de homens publicos em quem não tenho confiança alguma, como acontece com o sr. presidente do conselho. E esta pouca confiança, da minha parte, não existe por que eu duvide da sua probidade. S. exa. é um cavalheiro muito distincto e um homem de bem; confiava-lhe mesmo toda a minha fortuna, se preciso fosse, sem lhe pedir contas; entendo todavia que o sr. marquez d'Avila e de Bolama como, homem publico, não deve merecer a confiança de ninguem; e por isso declaro que não posso aceitar s. exa. como um guia, porque o nobre ministro não sabe para onde vae, e não sabendo para onde vae, não podemos nós presuppor para onde nos deseja conduzir.
A vida do governo tem já os seus dias contados. Não póde elle adiar a discussão do orçamento, embora o queira ou não. Esta é a questão que lhe ha de dar a morte. O sr. presidente do conselho já declarou que queria essa discussão, mas como s. exa. costuma dizer que quer muita cousa que nunca chega a realisar, por isso acredito pouco nos desejos de s. exa.
Mas, sr. presidente, quando se tratar de apreciar a politica do governo hei de então mais largamente entrar n'esta questão; apreciarei, como o merecem, muitos actos por elle praticados, por exemplo, os actos eleitoraes que ultimamente tiveram logar, a respeito dos quaes chamarei a attenção da camara e do paiz, patenteando o modo como o sr. presidente do conselho de ministros, na qualidade de ministro dos negocios do reino, procedeu n'este assumpto.
E, todavia, não devo deixar de declarar que estou satisfeito com os acontecimentos que se têem dado; porque, justamente, os homens que promoveram a ultima dissolução, já foram recompensados pelos seus esforços. Elles queriam a dissolução para darem n'aquelles que tinham tido o atrevimento de querer discutir o orçamento, e enrseguida, o sr. presidente do conselho, para recompensar tanta dedicação, apoiava a eleição do sr. Braamcamp em um circulo, ao passo que a guerreava n'outro?! Isto é: o sr. Braamcamp era ministerial num circulo e opposição em outro! Tratarei tambem mais largamente este assumpto, quando se discutir a questão politica.
Das circumstancias, porém, em que nos achâmos, a probabilidade é que o partido historico, que se encontra actualmente em mais força, venha finalmente subir ao poder. É de presuppor que entrem agora no governo os srs. duque de Loulé, Lobo d'Avila, Luciano de Castro, etc.
Reservo-me para n'essa occasião me dirigir a s. exas., a fim de lhes perguntar como se póde comprehender a politica de um partido que, apoiando um ministerio, vae em seguida succeder-lhe na gerencia dos negocios publicos, quando esse ministerio deixa o poder! Declaro com toda a franqueza que ha muita cousa que não posso comprehender.
Como é que o governo, depois de apresentar uma medida e contar com o apoio de um certo partido, leva um quinau d'esse partido e continua depois caminhando de accordo com elle?!
Já disse, sem ser propheta na propria terra, que esta camara é que ha de derrubar do poder o sr. marquez d'Avila e de Bolama; tenho d'isso quasi a certeza. Mas quando chegar essa occasião hei de pedir aos ministros que succederem a s. exa., estreitas contas a respeito das decantadas reformas que deviam apparecer no orçamento do estado, e que o sr. presidente do conselho não se atreve a fazer, porque não é reformista, apegar de ter sido já cotado como fa-