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606 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

esse fim entabolára negociações com a China, cedendo-lhe de bom grado a somma d'aquella contribuição de guerra. Mas o governo chinez tinha-se recusado a similhante transacção, e a Inglaterra vira-se obrigada a entregar aquella ilha em 1846.

Em confronto d'estes factos narrou o assassinato, nunca vingado, do intrépido governador de Macau, Ferreira do Amaral, de inolvidavel memoria. Apoiando-se no testemunho de D. Sinibaldo de Mas, ministro plenipotenciario da Hespanha na China, que presenceara aquelle tragico acontecimento, e muito auxiliára o governo de Macau n'aquellas difficeis circumstancias, mostrou quanto importava á dignidade de Portugal e á tranquillidade de Macau que se fixasse definitivamente a situação juridica d'aquella possessão portugueza.

Ora, este era o fim principal do projecto em discussão. Em seguida passou a responder ás criticas feitas em relação á fórma diplomatica por que tinha sido realisado este convenio. Disse que o direito das gentes, reconhecido pelas potencias occidentaes, não só não era acceito pelos chinezes, mas era até incomprehensivel para elles. Elles não têem na sua lingua nenhuma palavra que traduza exactamente o sentido ligado á qualidade de plenipotenciario, e os interpretes têem sido obrigados a forjar uma expressão para dar satisfação ás exigencias da Inglaterra, a qual tem sido, a ferro e1 a fogo, o grande mestre escola da China no ensino do direito das gentes europeu. No celeste imperio a delegação de plenos poderes entre as mãos de um subdito não se coaduna com o caracter divino da soberania. Mas, visto que os mandarins chinezes, para se amoldarem ás regras da nossa diplomacia, têem de fazer violencia aos seus principios de governo, ao genio da sua lingua, e até ao seu senso commum, as potencias européas nunca exigiram uma rigorosa observancia das formulas usuaes no occidente, e têem-se contentado com documentos que lhes assegurem que o governo chinez entende obrigar-se pelos actos dos seus mandatarios. A este proposito historiou as difficuldades, nascidas d'esta divergencia de idéas, que tinham occorrido na assignatura dos tratados referidos; e como os plenipotenciarios da Inglaterra e da França se tinham satisfeito, ora com cartas, ora com decretos imperiaes, ora com sellos dos mandarins, logo que esses plenipotenciarios estavam convencidos que o governo chinez se consideraria obrigado pela assignatura dos seus enviados.

Em seguida o orador passou a demonstrar que o artigo 10.° do primeiro acto addicional era fielmente observado no projecto em discussão.

Disse que os oradores da opposição, usando de uma fallacia muito transparente, argumentavam que as côrtes ordinarias não podiam revogar este artigo, que era constitucional. Que, no caso sujeito, não se tratava de nenhuma similhante revogação, mas de saber se a disposição d'esse artigo era ou não observada.

Ora, que a disposição desse artigo era fielmente observada, estava-o demonstrando a propria discussão em que a camara estava empenhada. Pois que estavam elles fazendo, senão discutindo, para final approvação ou rejeição, a convenção com a China?

Ora, era exactamente essa discussão que o referido artigo 10.° preceituava.

É verdade que n'essa convenção não estavam ainda precisados os pormenores commerciaes, mas envolvidos na clausula generica da nação mais favorecida. N'este ponto, de somenos importancia, havia uma auctorisação dada ao governo.

Mas um tratado, se era um contrato em relação á nação estrangeira, não era, para o proprio paiz que o fazia, senão uma lei.

Ora, ninguem podia suppor que ao poder legislativo competia fazer leis; não só de auctorisação parcial como esta era, mas até de auctorisação completa e incondicional. Isto era o que o parlamento estava fazendo todos os dias. A questão, pois, se reduzia a saber se a auctorisação era justificada.

O orador entende que, pelo condição especial do paiz com quem o tratado era feito, e do qual elle tentara dar uma idéa á camara, a auctorisação era perfeitamente legitimada.

Que se lembrasse a camara que o tratado de Tien-Tsin do 1862, incomparavelmente menos favoravel para Portugal do que este, que esse tratado assignado por parte dos dois governos, discutido em todos os seus pormenores por ambas as camaras de Portugal, quando, dois annos depois, esse tratado fóra proposto á ratificação do governo da China, este se recusou a dar-lhe a sua ratificação.

O orador concluiu fazendo votos por que mais feliz fosse a sorte d'esta convenção, que a commissão recommendava á approvação da camara; para que o direito de Portugal sobre Macau fosse definitivamente reconhecido pela China, e para que os cidadãos d'aquelle paiz que primeiro abriram os mares da China aos navegantes da Europa, gosassem n'aquelle imperio da mesma segurança e das mesmas garantias de justiça, de que gosam, em virtude dos seus tratados, os subditos das outras nações.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.}

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, serei breve como é o meu costume.

Assignei o parecer da commissão com declarações porque tenho alguns receios de um artigo a respeito do qual aqui pouco se tem fallado.

Quanto á questão da legalidade, ella tem sido amplamente discutida.

A respeito d'este assumpto, só direi que entrámos n'uma epocha de innovações e de surpresas diplomaticas.

Em primeiro logar, o sr. ministro dos negocios estrangeiros ratificou uma concordata com a Santa Sá contra a disposição clara e expressa da lei. E o proprio sr. ministro quem implicitamente o confessa no Livro branco.

S. exa. estava convencido, como se vê n'aquelle documento, de que devia a concordata ser submettida ao voto e approvação das camaras. Mas depois de algumas observações do nosso embaixador em Roma, ou porque desejou ser agradavel ao Santo Padre em abreviar a resolução d'este negocio, tomou o expediente "de ratificar a concordata, recorrendo-se ao subterfugio de que aquelle documento não era uma concordata, mas sim um regulamento da concordata anterior.

Agora temos uma hypothese completamente, differente. Agora vem o sr. ministro dos negocios estrangeiros pedir ao parlamento que o auctorise a ratificar um tratado que ainda não está feito.

E a este respeito devo confessar que o sr. ministro dos negocios estrangeiros e o sr. relator da commissão defenderam a questão com muita habilidade.

O que quer a lei? A lei quer que a camara tenha conhecimento do assumpto de que se trata, que conheça as disposições essenciaes que vão estabelecer-se entre duas nações, que se auctorise o governo a ratificar o tratado n'aquellas condições. Mas a constituição não diz isso, nem quer só isso.

A constituição quer que, quando se faça um tratado, este tratado seja submettido ás camaras para que possam ser analysadas todas as suas condições, e depois de approvadas, auctorisado o governo a ratifical-o.

Quem escreveu o artigo na constituição não podia ter na idéa outra cousa, não tinha em mente que se fizesse o que agora se faz, e o que nunca se tinha feito.

O sr. relator disse nos que nós estavamos dentro da constituição, dentro do artigo 10.°, porque o que estavamos fazendo ora discutir um tratado. Ora não é assim: o que se nos apresenta á discussão não é um tratado, é um pro-