614 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
combinou ou accordou com a China; isto é, que não acceitaria ou não se obrigaria á cooperação, sem que Portugal, por modo analogo nas suas possessões se obrigasse á cooperação com a China, e ficou o seu tratado, como o nosso, dependente d'esta condição reciproca.
Portanto, já á dignidade da Inglaterra não soffreu, nem de outro modo ella faria nenhuma convenção, por não poder fazer o tratado senão dependentemente d'esta condição, e portanto, tambem Portugal não póde fazer o tratado de outro modo, nem a sua dignidade será com isso offendida.
Mas é alem d'isso urgente e inadiavel, melhorar o porto de Macau.
Deve-se tambem dizer que ha uma grande necessidade de facilitar o desenvolvimento do commercio d'aquelle ponto do paiz.
Todos os governadores d'aquella nossa longiqua possessão são d'este parecer, porque a falta de um tratado com a China tem causado a decadencia do commercio de Macau e tem suscitado difficuldades, nos conflictos internacionaes e nas questões com os macaenses, respondendo sempre a China que Portugal não tem nenhum tratado.
Entendo eu, pois, que nós devemos concluir o tratado com a China para alargar as nossas relações commerciaes; e particularmente as de Macau que absorverá, pela portecção dada á nossa bandeira, o commercio do sul da China e cujas vantagens se estenderão ainda até ao commercio de Sião
Alem d'isso a colonia de Macau está pelo territorio em que se acha encravado na China, e tão afastado da metropole que é de toda a vantagem fazer com que a China reconheça eficazmente a posse e os direitos de Portugal.
Se a fórma diplomatica não segue ás regras da diplomacia á europea, perguntem aos inglezes quantas formalidades e exigencias da diplomacia chineza, satisfizeram para com aquelle celeste imperio, que elles se lembrarão que para ter ingresso na audiencia de Aureng Zehe tiveram que lá ir com as mãos atadas atraz das costas. Que Macartuey fez a cerimonia do Koton em Tien-Tsing perante o throno, achando-se o imperador a 40 leguas distante.
A fórma ou maneira por que se devera resolver esta negociação, isso é questionavel; mas quanto á essencia da questão, ella é de tal magnitude, que é forçoso concluir que ninguem a contesta, e o que é verdade, o que é um facto, é que as negociações estão pendentes e que é necessario concluil-as, no mais curto praso, porque addial-as é de mau effeito e póde representar uma certa má fé as circumstancias que se alleguem, como em 1862, deram occasião a que as nações européas tivessem duvidas em acreditar na nossa boa fé, na dupla interpretação dada ao texto de uma das clausulas d'aquelle tratado.
Os mais factos importantes relativos a Macau, não são desconhecidos n'esta camara. E são relevantes os serviços prestados por Ferreira do Amaral e por Vicente Nicolau de Mesquita, e este foi quem tornou o forte de Passaleão, já depois da morte de Amaral, forte que estava na posse dos chins, e que o sr. Mesquita quando lh'o tomou fez acobardar os chinezes que levantaram o cerco, e retiravam ficando por esta occasião bem reivindicada a posse de Macau! No governo de Amaral foram os mandarins expulsos, despedidas, as alfandegas, e as portas abertas, e a posse de Macau ganhou novos fundamentos.
Sr. presidente, eu não podia deixar de dizer á camara as rasões do meu voto. A minha posição especial n'esta casa, demonstra que voto segundo a minha convicção porque não estou filiado em partido algum.
Pertenci a uma parcialidade dirigida por um chefe, cujos altos dotes todos reconheceu], mas que hoje acabou, porque no meio das nossas descrenças politicas, e de principio? de escola mal definidos e muito confusos, é difficil congregar doutrinarios e fortalecer crenças e manter programmas e energia. Desde então o meu procedimento é perfeitamente livre de quaesquer prisões partidarias.
Posso errar, mas o meu erro individual não tem ao menos consequencias graves, como a iniciativa individual, tão necessaria, está sem alento.
Voto pois o projecto, porque, em minha consciencia, o acho bom para o paiz, e terminando mando para a mesa a minha moção.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do digno par o sr. conde do Bomfim.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Moção de ordem
A camara, considerando que o governo ratificará o tratado depois d'elle ser firmado pelo governo chinez, e deixaria de o ratificar se elle não viesse nos termos da auctorisação que lhe concede, e attendendo á urgencia e necessidade de ultimar as negociações pendentes porque ellas interessam aos direitos de soberania de Portugal e á prosperidade de Macau, approva o projecto de lei em discussão.
Sala das sessões em 7 de julho de 1887.== Conde do Bomfim.
Foi admittida á discussão.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Camara Leme.
O sr. Camara Leme: - Cedo da palavra.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Moreira de Rey.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Reputa difficil a sua posição começando a fallar quando a hora vae já tão adiantada, e previne a camara, para os effeitos que ella tiver por convenientes, de que vae demorar-se em algumas considerações, porque entende que a questão não só não está exgotada, mas começa agora.
Da primeira vez que fallára não quiz ficar com a palavra reservada, porque não liga importancia á colonia de Macau. Pede aos srs. tachygraphos que registem esta sua declaração.
Mas com referencia á moção que apresentara quando da primeira vez usou da palavra, diz que a formulára em termos claros, porque entende ser indispensavel pôr cobro a um estado que considera perigoso.
O governo faz e ratifica tratados sem estar auctorisado a fazel-os e ratificai-os. Melhor é então que de uma vez para sempre fique auctorisado a negociar e tratar. O governo que faça tudo, como aconteceu com a concordata. E, a proposito da concordata, diz que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, foi tão habil, que conseguiu lograr a Santa Sé, porque qualquer governo que venha depois póde annullal-a, querendo.
Quanto ao protocollo que se discute, extranha que se diga no artigo 2.° que a China confirma a occupação de Macau por Portugal, por isso que essa declaração official equivale a dizer que a occupação actual não é definitiva nem inquestionavel, visto que precisa a confirmação da China.
Acha deploravel tal declaração sob o ponto de vista do governo, porque, sob o seu ponto de vista, já declarou que não liga importancia a. Macau.
O governo deveria ter empregado o verbo reconhecer, nunca o verbo confirmar.
Quanto ao artigo 4.° do protocollo, acha-o tão infeliz, ou mais ainda, do que artigo 2.° Para a fiscalisação do opio em Macau adoptamos as mesmas disposições que a Inglaterra tiver em Hong-Kong, isto é, não será a nação portugueza que legisle para Macau, mas sim uma nação estrangeira! Considera este facto como a ultima das ignominias para Portugal. Seria capaz de dar o sou voto para a venda ou cedencia de Macau, mas jamais o daria para que numa possessão portugueza se acceitasse como bom, e se executasse, o regimen que a Inglaterra julgar conveniente estabelecer n'uma possessão sua.