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N.º 44
SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa
Secretarios - os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta.}-Correspondencia.- Ordem do dia: protocollo entre Portugal e a China. - Usam da palavra os dignos pares Costa Lobo e Antonio de Serpa. - O digno par Barbosa du Bocage apresenta e sustenta uma proposta, que foi admittida á discussão. - É prorogada a sessão a requerimento do digno par Pereira Dias. - Usa da palavra o digno par Antonio Augusto de Aguiar. - O digno par conde do Bomfim apresenta e defende uma moção de ordem, que foi admittida á discussão. - O digno par visconde de, Moreira de Rey faz diversas considerações sobre o projecto. - É considerada questão previa, e rejeitada, a proposta do digno par Barbosa du Bocage. - O digno par Camara Leme requer votação nominal sobre a generalidade do projecto. A camara resolve affirmativamente. - O projecto é approvado na generalidade por 38 votos contra 10, e na especialidade sem discussão.- A moção do digno par conde do Bomfim fica prejudicada pela approvação do projecto. - O digno par Miguel Osorio Cabral participa que o sr. Teixeira de Queiroz tem faltado ás sessões por motivo de fallecimento de uma pessoa de familia. - O sr. presidente nomeia os dignos pares que hão de ir desanojar o sr. Teixeira de Queiroz. - Ordem do dia para a sessão seguinte: pareceres n.ºs 64, 65, 66, 67, 68, 69 e 71.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte:
Correspondencia
Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo copia da acta dirigida ao ministro de Portugal em Londres por lord Salisbury, em resposta á que lhe foi enviada, communicando ter a camara dos dignos pares do reino resolvido felicitar Sua Magestade a Rainha Victoria por occasião do seu jubileu.
Para o archivo.
(Estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros.}
O sr. Presidente: - Não se tendo inscripto nenhum digno par, vae passar-se á ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do protocollo entre Portugal e a China
O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par sr. Costa Lobo para continuar o seu discurso.
O sr. Gosta Lobo: - Continuando o seu discurso interrompido na sessão antecedente, disse que um dos elementos essenciaes para a apreciação do projecto de lei era o conhecimento da situação historica de Macau em relação á China. Que elle, ainda que era relator do projecto de lei, não podia dar á camara as informações necessarias, porque lhe vedava o sentimento da sua responsabilidade. Mas que já na sessão anterior tinha indicado um livro, onde, com meia hora de leitura, qualquer digno par podia obter um conhecimento correcto e sufficiente para a apreciação da questão. Que elle, portanto, presuppunha que eram conhecidas as relações historicas de Macau com a China.
Em seguida passou a analysar os differentes artigos do protocollo, respondendo ás criticas que contra elles tinham sido dirigidas pelos dignos pares da opposição. Disse que a China era um imperio de 400.000:000 de habitantes, governados por um despotismo acatado pelos seus subditos com os sentimentos de uma veneração filial; que a civilisação d'este paiz, cuja origem se perdia na noite dos tempos, era uma civilisação notavel, e, até em certos pontos, superior á civilisação occidental.
A desgraça d'essa civilisação era que ella tinha sido petrificada por Confucio em um molde inquebrantavel e immutavel; por isso que esse philosopho contemporeneo de Thales e de Pythagoras preconisou, como o ideal da vida e do governo, os costumes e as instituições de uma epocha ainda anterior dois mil annos áquella em que elle vivia. Disse que o valor era uma qualidade vulgar no soldado chinez. Que havia n'esse paiz um patriotismo tão ardente, uma fé tão viva na integridade e inviolabilidade territorial, como em qualquer paiz do occidente; e a camara teria occasião de assim o julgar em alguns factos que elle havia de narrar. A unica nação que, alem de Portugal, possuia na China duas pequenas parcellas de territorio, era a Inglaterra.
Essas duas parcellas de territorio eram a ilha de Hong-Kong, e a peninsula Kowlong, pouco mais ou menos do tamanho de Macau, peninsula que fica em frente de Victoria, a capital de Hong-Kong, e do outro lado do seu porto.
De passagem diria que a fiscalisação do commercio do ópio não seria mais difficil em Macau do que em Hon-Kong, como tinha sido asseverado por aquelles que suppunham que a Inglaterra não possuia mais que a ilha de Hon-Kong.
Disse que a ilha de Hong-Kong tinha sido cedida á Inglaterra pelo tratado de Nankin de 29 de agosto de 1842, e a peninsula de Kowlong pelo tratado de Pekim de 24 de outubro de 1860.
Esses dois tratados tinham sido o resultado de duas guerras despendiosas e sanguinolentas. Na primeira guerra a Inglaterra tinha luctado só, e essa guerra durára de 1839 a 1842. Narrou os principaes factos d'essa campanha. Na segunda guerra a Inglaterra tinha combatido de alliança com a França, e estas duas potencias tinham alcançado o tratado de Tien-Tsin de 26 de junho de 1858.
Mas, terminada a lucta, a China recebeu a tiros de canhão os plenipotenciarios encarregados de ratificar o tratado; e foi necessaria uma nova campanha, que levou até dentro de Pekim o exercito alliado, composto de 20:000 homens, que tinham sido transportados ao golpho de Petch-li em 300 navios, dos quaes 100 eram navios de guerra.
Disse que a Inglaterra, depois de terminada a primeira guerra, tinha occupado a ilha de Chusan, como garantia do pagamento de 42.000:000 de cruzados, que, como contribuição de guerra, tinham sido impostos á China. Muito desejara a Inglaterra reter definitivamente essa ilha; e para
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esse fim entabolára negociações com a China, cedendo-lhe de bom grado a somma d'aquella contribuição de guerra. Mas o governo chinez tinha-se recusado a similhante transacção, e a Inglaterra vira-se obrigada a entregar aquella ilha em 1846.
Em confronto d'estes factos narrou o assassinato, nunca vingado, do intrépido governador de Macau, Ferreira do Amaral, de inolvidavel memoria. Apoiando-se no testemunho de D. Sinibaldo de Mas, ministro plenipotenciario da Hespanha na China, que presenceara aquelle tragico acontecimento, e muito auxiliára o governo de Macau n'aquellas difficeis circumstancias, mostrou quanto importava á dignidade de Portugal e á tranquillidade de Macau que se fixasse definitivamente a situação juridica d'aquella possessão portugueza.
Ora, este era o fim principal do projecto em discussão. Em seguida passou a responder ás criticas feitas em relação á fórma diplomatica por que tinha sido realisado este convenio. Disse que o direito das gentes, reconhecido pelas potencias occidentaes, não só não era acceito pelos chinezes, mas era até incomprehensivel para elles. Elles não têem na sua lingua nenhuma palavra que traduza exactamente o sentido ligado á qualidade de plenipotenciario, e os interpretes têem sido obrigados a forjar uma expressão para dar satisfação ás exigencias da Inglaterra, a qual tem sido, a ferro e1 a fogo, o grande mestre escola da China no ensino do direito das gentes europeu. No celeste imperio a delegação de plenos poderes entre as mãos de um subdito não se coaduna com o caracter divino da soberania. Mas, visto que os mandarins chinezes, para se amoldarem ás regras da nossa diplomacia, têem de fazer violencia aos seus principios de governo, ao genio da sua lingua, e até ao seu senso commum, as potencias européas nunca exigiram uma rigorosa observancia das formulas usuaes no occidente, e têem-se contentado com documentos que lhes assegurem que o governo chinez entende obrigar-se pelos actos dos seus mandatarios. A este proposito historiou as difficuldades, nascidas d'esta divergencia de idéas, que tinham occorrido na assignatura dos tratados referidos; e como os plenipotenciarios da Inglaterra e da França se tinham satisfeito, ora com cartas, ora com decretos imperiaes, ora com sellos dos mandarins, logo que esses plenipotenciarios estavam convencidos que o governo chinez se consideraria obrigado pela assignatura dos seus enviados.
Em seguida o orador passou a demonstrar que o artigo 10.° do primeiro acto addicional era fielmente observado no projecto em discussão.
Disse que os oradores da opposição, usando de uma fallacia muito transparente, argumentavam que as côrtes ordinarias não podiam revogar este artigo, que era constitucional. Que, no caso sujeito, não se tratava de nenhuma similhante revogação, mas de saber se a disposição d'esse artigo era ou não observada.
Ora, que a disposição desse artigo era fielmente observada, estava-o demonstrando a propria discussão em que a camara estava empenhada. Pois que estavam elles fazendo, senão discutindo, para final approvação ou rejeição, a convenção com a China?
Ora, era exactamente essa discussão que o referido artigo 10.° preceituava.
É verdade que n'essa convenção não estavam ainda precisados os pormenores commerciaes, mas envolvidos na clausula generica da nação mais favorecida. N'este ponto, de somenos importancia, havia uma auctorisação dada ao governo.
Mas um tratado, se era um contrato em relação á nação estrangeira, não era, para o proprio paiz que o fazia, senão uma lei.
Ora, ninguem podia suppor que ao poder legislativo competia fazer leis; não só de auctorisação parcial como esta era, mas até de auctorisação completa e incondicional. Isto era o que o parlamento estava fazendo todos os dias. A questão, pois, se reduzia a saber se a auctorisação era justificada.
O orador entende que, pelo condição especial do paiz com quem o tratado era feito, e do qual elle tentara dar uma idéa á camara, a auctorisação era perfeitamente legitimada.
Que se lembrasse a camara que o tratado de Tien-Tsin do 1862, incomparavelmente menos favoravel para Portugal do que este, que esse tratado assignado por parte dos dois governos, discutido em todos os seus pormenores por ambas as camaras de Portugal, quando, dois annos depois, esse tratado fóra proposto á ratificação do governo da China, este se recusou a dar-lhe a sua ratificação.
O orador concluiu fazendo votos por que mais feliz fosse a sorte d'esta convenção, que a commissão recommendava á approvação da camara; para que o direito de Portugal sobre Macau fosse definitivamente reconhecido pela China, e para que os cidadãos d'aquelle paiz que primeiro abriram os mares da China aos navegantes da Europa, gosassem n'aquelle imperio da mesma segurança e das mesmas garantias de justiça, de que gosam, em virtude dos seus tratados, os subditos das outras nações.
(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.}
O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, serei breve como é o meu costume.
Assignei o parecer da commissão com declarações porque tenho alguns receios de um artigo a respeito do qual aqui pouco se tem fallado.
Quanto á questão da legalidade, ella tem sido amplamente discutida.
A respeito d'este assumpto, só direi que entrámos n'uma epocha de innovações e de surpresas diplomaticas.
Em primeiro logar, o sr. ministro dos negocios estrangeiros ratificou uma concordata com a Santa Sá contra a disposição clara e expressa da lei. E o proprio sr. ministro quem implicitamente o confessa no Livro branco.
S. exa. estava convencido, como se vê n'aquelle documento, de que devia a concordata ser submettida ao voto e approvação das camaras. Mas depois de algumas observações do nosso embaixador em Roma, ou porque desejou ser agradavel ao Santo Padre em abreviar a resolução d'este negocio, tomou o expediente "de ratificar a concordata, recorrendo-se ao subterfugio de que aquelle documento não era uma concordata, mas sim um regulamento da concordata anterior.
Agora temos uma hypothese completamente, differente. Agora vem o sr. ministro dos negocios estrangeiros pedir ao parlamento que o auctorise a ratificar um tratado que ainda não está feito.
E a este respeito devo confessar que o sr. ministro dos negocios estrangeiros e o sr. relator da commissão defenderam a questão com muita habilidade.
O que quer a lei? A lei quer que a camara tenha conhecimento do assumpto de que se trata, que conheça as disposições essenciaes que vão estabelecer-se entre duas nações, que se auctorise o governo a ratificar o tratado n'aquellas condições. Mas a constituição não diz isso, nem quer só isso.
A constituição quer que, quando se faça um tratado, este tratado seja submettido ás camaras para que possam ser analysadas todas as suas condições, e depois de approvadas, auctorisado o governo a ratifical-o.
Quem escreveu o artigo na constituição não podia ter na idéa outra cousa, não tinha em mente que se fizesse o que agora se faz, e o que nunca se tinha feito.
O sr. relator disse nos que nós estavamos dentro da constituição, dentro do artigo 10.°, porque o que estavamos fazendo ora discutir um tratado. Ora não é assim: o que se nos apresenta á discussão não é um tratado, é um pro-
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tocollo: e um protocollo, que póde ficar obrigando-nos, porque o approvâmos, mas que não obriga a China? O protocollo não obriga em cousa alguma a China.
O tratado não ha de conter só á doutrina do protocollo, ha de ter muitas outras cousas.
Na parte propriamente commercial ha de trazer a clausulada nação mais favorecida; esta condição já hoje figura em todos os nossos tratados, ha poucos annos ainda a não tinhamos com a Inglaterra, agora, porém, já mesmo no ultimo tratado que se fez com esta potencia esta condição ali está; mas esta clausula que tem de figurar no novo tratado não é a unica, é apenas uma clausula, mas muitas outras figuram nos tratados de commercio e hão de figurar n'este, e não sabemos quaes ellas serão. Na questão da fiscalisação do ópio, tambem sabemos que temos de fazer em Macau o que a Inglaterra fizer em Hong-Kong. O tratado deve conter o artigo que se refere á questão de territorio, deve tratar da questão consular, deve conter por tanto um grande numero de condições e clausulas, que não conhecemos.
O legislador quando escreveu o artigo 10.° da constituição quiz justamente quedas camaras podessem avaliar todas as condições dos tratados, nem outras illações se podem tirar da sua clara disposição,
Sr. presidente, o meu amigo e antigo collega o sr. Bocage pronunciou uma phrase que melindrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros; foi quando fallou na mania das dictaduras. Eu tambem creio que a phrase não é applicada com toda a propriedade.
A mania é uma alteração no estado mental e eu creio que as faculdades mentaes de s. exa. e dos collegas no governo, estão no mais perfeito estado. Não é a mania da dictadura, é peior do que isso, do influxo de uma corrente que hoje domina, é o desprezo por tudo que é legalidade. (Apoiados.) Este desprezo pela legalidade já não está só nos senhores ministros, se ella estivesse só no governo era em meia duzia de homens que podiam ser substituidos, mas parece que vae creando escola, e é d'isso que eu tenho receio. (Apoiados).
O sr. ministro dos negocios estrangeiros fez uma concordata e tencionava trazel-a aqui, visto que a lei diz que os tratados e as concordatas não podem ser ratificados senão depois de approvados pelo parlamento.
Mas o nosso embaixador entendeu que não seria conveniente que houvesse demora, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros achou logo um subterfugio para ratificar a concordata, declarando que ella não era mais do que o regulamento da concordata anterior. Trata-se agora de uma convenção com a Asia. O sr. ministro dos negocios estrangeiros, ficou satisfeito com o protocollo, entendeu que tinha feito uma cousa muito bem feita, e para se apressar a colher os louros do que julgou um grande triumpho, vem pedir auctorisação para ratificar um tratado que não está feito, mas que ha de conter as clausulas que estão no protocollo. Ainda isto não é mais do que o desprezo pela legalidade. Pela minha parte não tenho senão que louvar o sr. ministro pela maneira intelligente como negociou até á assignatura do protocollo. Mas o protocollo não é o tratado, e nós não sabemos o mais que elle ha de conter.
Eu peço licença para contar uma historia. Uma das vezes que fui ministro e havia poucos dias que tinha tomado a gerencia de uma das pastas, despachava no meu gabinete com um dos empregados superiores do ministerio, e elle apresentou-me diversos negocios, e eu ía despachando conforme as informações, minuciosas e completas que aquelle empregado me ía dando sobre os diversos assumptos.
Chegou-se a um negocio um pouco mais grave, o empregado leu-me os documentos, deu-me todas as informações, e pediu uma decisão.
Eu, como disse, havia poucos dias que tinha entrado para o ministerio, não podia conhecer a legislação que vigorava ácerca de todos os assumptos, e perguntei-lhe muito naturalmente o que dizia a lei áquelle respeito. Elle mostrou-se maravilhado da pergunta, e respondeu- me: "A lei? Ora a lei! A lei não se póde executar." E podia, e executou-se.
Mas isto mostra simplesmente o desprezo pela legalidade. Ora os srs. ministros estão exactamente no caso d'aquelle empregado.
Mas antes de ir a diante direi uma cousa ao sr. ministro dos negocios estrangeiros. Parece-me que s. exa. não tem rasão para receiar de que havendo alguma demora, o governo da China mude de opinião, e não queira ratificar o tratado. É possivel que o tratado se não faça por qualquer motivo superveniente; mas se se fizer, se os chinas chegarem a assignal-o, não será por causa do reconhecimento ou da confirmação dos nossos direitos em Macau que elles deixarão de ratifical-o, uma vez que lhes asseguremos que não cederemos d'aquelles direitos a favor de nenhuma outra potencia.
A China de hoje não é a China de ha trinta annos. O governo chinez sempre teve homens muito intelligentes, e em geral os chinezes são desconfiados mas intelligentes. Porém, até ha pouco tempo tinham uma grande cultura intellectual, mas dentro dos limites do que se sabia na China.
Os chinas sabiam tudo, menos o que se passava fóra da China, e apesar do sr. Costa Lobo nos contar, de que em 1842 os chinas já sabiam que na Europa havia nações pequenas e nações grandes, ignoravam comtudo a importancia verdadeira d'essas nações.
No principio do seculo, quando se tratou de uma questão de que se occupa áquelle livro, a que tambem se referiu o sr. Costa Lobo, e que é o volume 15.° da collecção dos tratados, quando os francezes invadiram Portugal, quando o rei foi para o Brazil, e que nós fizemos alliança com a Inglaterra, os inglezes n'esta occasião, mandaram forças para Macau, para obstarem a qualquer tentativa por parte da França.
Por essa occasião escrevia um mandarim china ao procurador de Macau, pouco mais ou menos, o seguinte:
"É possivel que os pequenos francezes tenham invadido Portugal, mas a que se não atreverão de certo, é a virem cá invadir o imperio chinez."
Mais tarde, porém, os chinas aprenderam á sua custa, que os taes pequenos francezes podiam invadir a China, e chegar até Pekim. Depois disto a China resolveu mandar á Europa os seus diplomatas, e nos ultimos tempos tem mandado alguns dos seus homens mais intelligentissimos e eu tive occasião de conhecer alguns, como por exemplo o ministro que esteve em França, quando houve o conflicto, ha cerca de tres annos, e áquelle celebre Chen-Kin-Tong, que era conselheiro da legação, ou addido militar, que residiu alguns annos em Paris, e que não só assimilou a cultura intellectual da Europa, mas até o espirito francez. Todos sabem que elle escreveu num dos jornaes litterarios mais apreciados da Europa, La Revue des Deux Mondes, um artigo intitulado, se bem recordo, Les chinois peints par eux mêmes, que é cheio de finas observações e de apreciações espirituosas.
Estes homens foram para a China dizer o que tinham observado na Europa, por exemplo, que Portugal valia pouco, que não tinha grande importancia politica na Europa, e de que não havia receio de que invadissemos a China, nem mesmo de que lhe roubassemos alguma provincia; mas ao mesmo tempo ficaram sabendo que havia na Europa nações poderosas, que tinham força para isso.
Portanto, logo que nos compromettemos a não alienar os nossos direitos sobre Macau sem accordo com a China, podemos ter a certeza de que ella, se chegar a combinar nos outros pontos e a assignar o tratado, não é por causa d'este que deixará de o ratificar.
Este desprezo pela legalidade é o facto que caracterisa todos os actos do governo. Começou por fazer dictadura. Depois que o digno par o sr. Bocage fallou na mania da
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dictadura, levantou-se o sr. ministro dos negocios estrangeiros, cheio de indignação e de eloquencia, e declarou que elle só tinha acceitado um logar no ministerio com a condição da dictadura, porque a dictadura se tinha tornado uma necessidade constitucional, porque sem ella o poder se tinha tornado o monopolio de um partido.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros é um homem muito intelligente, mas ficou obrigado a demonstrar que a reforma da lei das aposentações, por exemplo, era uma necessidade constitucional, e que o poder se tornava o monopolio de um partido, se não se reformasse a lei das aposentações.
Seria tambem uma necessidade constitucional a reforma da secretaria das obras publicas, supprimindo ou augmentando certas classes de empregados? Seria para evitar que o poder se tornasse o monopolio de um partido, que se decretou em dictadura uma insignificante reforma judicial? Seria uma necessidade constitucional o decreto sobre os tabacos, que nem mesmo era necessario para o projecto sobre tabacos, que o governo apresentou ás camaras, e de que só resultou dar o monopolio de facto, durante muitos mezes á companhia nacional?
Depois dos decretos da dictadura seguiu-se a apresentação de propostas de lei, que todas estabelecem uma dictadura futura, dando amplas auctorisações ao governo. Em negocios diplomaticos temos o que se vê. Na questão da concordata, o governo ratifica-a sem a approvação previa das camaras, o que é simplesmente um acto de dictadura. Agora, no projecto que se discute, pede-se auctorisação para ratificar um tratado que não está feito, que é uma auctorisação para nova dictadura.
Passo agora a tratar do assumpto para que principalmente pedi a palavra, e direi os motivos por que assignei o parecer com declarações.
Sr. presidente, no protocollo ha um artigo que eu receio nos seja muito prejudicial. Este receio póde ser infundado, mas eu tenho-o.
É o artigo em que se declara que nós havemos de estabelecer em Macau as mesmas regras para a fiscalisação do rendimento do opio que a Inglaterra tem estabelecido em Hong-Kong.
Lembra-me a este respeito o que se deu com a questão da emigração dos chinas por Macau.
Esta emigração não era prejudicial á China, porque a China tem uma grande superabundancia de população.
D'esta emigração resultavam lucros importantissimos para a nossa colonia.
Havia, é facto, grandes abusos, e a Inglaterra por espirito de humanidade indignava-se contra esses abusos. E cumpre advirtir que os principaes abusos não eram praticados em Macau, nem em territorio chinez, antes dos emigrantes virem para Macau.
A culpa não era dos governadores d'aquella possessão, nem do governo da metropole. Os governadores empregaram sempre todos os esforços para que esses abusos não continuassem, mas os jornaes inglezes enchiam-nos de improperios, das maiores injurias, sempre por espirito humanitario.
Nós, portuguezes, que não somos inteiramente faltos de intelligencia, para inutilisarmos-as armas dos nossos detractores, estabelecemos em Macau um regulamento da emigração, como existia em Hong-Kong, sob o dominio inglez. Foi isto som resultado. Os jornaes inglezes continuaram a injuriar-nos. Nós, que somos desinteressados, e que muitas vezes sacrificamos os nossos interesses, a nossa dignidade, prohibimos generosamente a emigração em Macau.
Agora vamos estabelecer em Macau as mesmas regras em relação á fiscalisação do rendimento do opio, que os inglezes estabeleceram em Hong-Kong.
Compromettemo-nos a estabelecer ali exactamente as mesmas regras.
Ora, eu receio que nos aconteça, em relação á fiscalisação do opio, o que aconteceu a respeito da emigração.
Tanto o sr. ministro dos negocios estrangeiros como o sr. Costa Lobo dizem que a situação de Macau, em relação á China, é a mesma que a situação de Hong-Kong.
Ora as circumstancias nunca podem ser as mesmas. Serão similhantes, mas não podem ser exactamente as mesmas, e tanto que o sr. Costa Lobo disse que a fiscalisação era mais difficil em Hong-Kong.
É possivel que a China tire grande lucro de nos impor um certo systema de fiscalisação, e se assim for, e se der á Inglaterra outras compensações, póde talvez obter do governo inglez que elle admitta um modo de fiscalisação do opio em Hong-Kong, sómente para nos obrigar a adoptar o mesmo em Macau.
O caso é que ficâmos na mão da diplomacia chineza e da diplomacia ingleza.
Eu tenho todo o receio, toda a desconfiança da diplomacia chineza, e não deposito inteira confiança na diplomacia ingleza. Digo isto convicto e por experiencia propria. Não é porque eu não preste a maior homenagem ás elevadissi-mas qualidades da nação ingleza, mas, como vulgarmente se diz, os inglezes têem o defeito das suas qualidades.
A qualidade proveniente do povo e do governo inglez é o patriotismo, mas o defeito que anda ligado a esta qualidade é um extremo e feroz egoismo. A diplomacia ingleza, pelo proprio interesse, sacrifica o das outras nações; está no seu direito; porém, ás vezes sacrifica a justiça, sacrifica o direito, sacrifica a humanidade.
Ora, se a China tem interesse em estabelecer um regulamento que nos seja prejudicial em Macau, e se der uma compensação á Inglaterra para que ella consinta o mesmo regulamento em Hong-Kong, não respondo por que os nossos interesses não sejam sacrificados.
Isto, da minha parte, são apenas duvidas, porque a final de contas o governo é que ha de ratificar o tratado, e por vontade propria não ratificará um tratado, que nos seja evidentemente prejudicial. Mas póde enganar-se, em ser generoso, como pensei, na questão da emigração.
Temos obrigação de trazer ás camaras qualquer contrato antes de ratificado; e os inglezes não procedem de igual modo. Qual o motivo d'isto? E porque os inglezes não têem o mesmo enthusiamo que nós temos.
E por isso que eu receio que o governo, desejoso de firmar o tratado, porque n'elle está a condição favoravel do reconhecimento ou da confirmação da nossa occupação de Macau, acceite, por menos bem informado, um systema de cooperação que nos seja completamente desfavoravel.
Pela condição a que me refiro estamos nas mãos da diplomacia chineza e da diplomacia ingleza. Ora, eu não confio nada numa, e a outra não me inspira confiança completa.
Tenho dito.
O sr. Bocage: - Vou ser muitissimo breve. Creio que a camara concordará commigo em que a questão da inconstitucionalidade está completamente esgotada, e que tambem concordará, embora talvez o não queira confessar, expressamente que é este um ponto sufficientemente esclarecido.
Não ha tratado sobre que a camara possa emittir o seu juizo, e não se cumpre o preceito constitucional reservando para o momento opportuno a sancção do parlamento.
O digno par o sr. Costa Lobo quiz confundir com um certo engenho o protocollo e tratado, soccorrendo-se a subtilezas de argumentação.
Para o illustre relator da commissão desapparece a difficuldade logo que a camara tenha a condescendencia de substituir a palavra convenção á palavra protocollo. É obvio o nenhum valor d'esta argumentação.
O artigo 10.° do acto addicional diz expressamente que todos os tratados depois de concluidos devem ser apresentados ás camaras e approvados por ellas.
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Apresenta-se um projecto que auctorisa o governo a negociar um tratado com a China.
E em vez de um tratado apparece um simples protocollo, onde se contêem apenas as bases, incompletas e mal definidas, do tratado que se vae ainda negociar!
O tratado que se vae fazer com a China não ha de inserir unicamente as disposições a que se refere o parecer que está em discussão, ha do necessariamente conter muitas outras, e por isto eu entendo que a camara não póde anticipar o seu voto em assumpto que lhe é completamente desconhecido.
Eu não sou homem de lei, não sou jurisconsulto, e foi a convicção da minha incompetencia que me levou a pedir em uma das sessões passadas aos. jurisconsultos eminentes desta camara que nos dessem a sua opinião sobre um assumpto tão melindroso. Desejava que s. exas. me dissessem, se sim ou não o governo deroga artigos da constituição, mas essa explicação, ou antes a demonstração de que eu laboro num erro, infelizmente, não chegou. Ao meu appello responderam os meus illustres collegas da maioria com a sua ausencia ou com o seu silencio.
É certo que o sr. ministro, dos negocios estrangeiros, á falta de boas rasões, se contentou em affirmar que a auctorisação pedida não offendia o codigo fundamental do estado; mas eu que professo uma opinião diametralmente opposta, que a justifiquei e que ainda a não vi contradictada, pelos membros d'esta casa que mais auctorisadamente se podiam pronunciar em tão grave assumpto, peço a s. exa., em nome do respeito que a lei deve merecer-lhe, que não colloque a sua maioria n'uma situação tão desagradavel.
A maioria tem talvez de faltar á sua consciencia para cumprir um dever partidario; tem de desprezar os dictames da sua consciencia para acudir em defeza de um acto que não é realmente legal, nem justo, nem necessario.
Parece-me, sr. presidente, que está demonstrado até á saciedade, que não havia necessidade nenhuma de precipitar esta negociação, e que não é util, nem para o governo nem para o estado a auctorisação que se pede.
Se ha perigo em que a China não ratifique o tratado e falte ás condições que estão exaradas no protocollo, esse perigo não se evita de certo approvando-se com brevidade um tratado que não tem de se realisar. De mais, como muito bem disse um illustre orador que me precedeu, não ha rasão para acreditar que a China se negue a acceitar o tratado nas condições em que elle foi negociado, porque a China por uma das bases d'esse tratado obtem importantes vantagens.
Mas ha mais.
Nós damos á China a vantagem da cooperação na fiscalisação dos direitos do opio, cooperação que é para ella de uma vantagem absoluta.
Essa cooperação leva de certo a China a acceitar o tratado que não tem a nosso favor mais do que aquellas bases essenciaes de que nós já temos conhecimento.
Supponhamos que a China na negociação do tratado procede de um modo diverso d'aquelle que é de esperar. Supponha v. exa. e supponha a camara que na discussão que ha de ter logar a respeito das diversas disposições do tratado definitivo occorrem difficuldades com respeito ás garantias que devem ter os nossos consules ou com relação á redacção de quaesquer disposições e da sua interpretação. Tudo isto póde trazer difficuldades que tornem o tratado definitivo completamente inacceitavel.
Eu faço justiça ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, declarando que estou persuadido de que s. exa. não ratificará um tratado em que a China introduza algumas disposições que sejam contrarias á nossa dignidade e offensivas dos nossos interesses; mas ainda assim seria muito para lastimar que o sr. ministro tivesse de rejeitar um tratado, que nós antecipadamente tivessemos approvado.
Em que situação ficava o parlamento?
Para que é derogar uma disposição constitucional positiva?
Será porventura para que o parlamento soffra no seu decóro as consequencias de um acto tão precipitado?
Sr. presidente, eu não encontro justificação possivel do procedimento do governo.
Ora eu vou propor á camara e ao governo um meio de conciliação que me parece offerecer bom ensejo para se sair d'esta situação embaraçosa.
(Leu.)
Leu-se na mesa o proposta do digno par o sr. Bocage.
É a seguinte:
Proposta
Proponho que o projecto de lei n.° 15 seja enviado á commissão de legislação para dar parecer sobre a sua constitucionalidade.
Sala das sessões, 7 de julho de 1887. - B. Bocage.
Foi admittida á discussão.
O sr. Pereira Dias (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que se prorogue a sessão até votar-se o projecto.
Consultada a camara, foi approvado o requerimento do digno par.
O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Sr. presidente, v. exa. convirá commigo em que é de certo extremamente desagradavel tomar a palavra nesta altura do debate. Em primeiro logar, depois de um dos meus mais auctorisados collegas ter dito que esta questão está esgotada; em segundo logar, depois da votação que acaba de verificar-se para a prorogação da sessão até se votar o projecto. Eu não creio que haja situação mais difficil para um orador.
E, depois dos factos que venho de apontar, a não ter eu a convicção de que a questão não está ainda completamente esgotada, já não me levantaria para fallar.
Sr. presidente, a questão não está completamente esgotada; e uma das rasões por que o não está é porque o proprio sr. relator do parecer, defendendo o projecto, não fez mais do que narrar-nos os costumes dos chinezes: mas não oppoz rasões a rasões; não destruiu os argumentos com que o projecto tinha sido combatido; não defendeu por fórma alguma o procedimento do governo. (Apoiados.}
A questão não está completamente esgotada porque, embora a muita consideração que professo pelo digno ministro dos negocios estrangeiros, a minha opinião é que este protocollo representa o começo da concessão do que nós temos recusado sempre aos chinezes e que d'aqui a algum tempo se tornará numa completa realidade.
Os chinezes são voluveis, têem uma diplomacia capciosa e o seu espirito subtilissimo suggere-lhes as mais ardilosas interpretações. Alguns publicistas os collocam, em diplomacia, ainda acima de uma côrte que tem a reputação de illudir e cançar a paciencia aos mais habeis diplomatas de todo o mundo.
Eis o que eu a este respeito, para exemplo, leio num escripto de Lucas Falcão, que governou Macau em 1809.
(Leu.)
Não se póde dizer melhor em menos palavras.
Mas, voltando ao assumpto, ha muitos annos que os portuguezes se têem opposto ás exigencias dos chinezes relativamente a Macau. Essas exigencias têem sido arredadas até agora pela nossa parte e quasi sempre pela energia de alguns governadores de Macau. Mas voltam agora, como se vê d'este projecto; e senão, vamos a ver.
Eu não possuo documentos sobre a maneira por que tem sido dirigida a negociação; apenas tenho aqui o relatorio do illustre ministro dos negocios estrangeiros.
Parece que um dos empregados das alfandegas chinezas foi a Macau, em 1886, para entabolar uma negociação com o sr. Thomás Rosa, mas, chegado o momento em que o sr. Thomás Rosa acabava o tempo do seu governo, e quando
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as negociações estavam em circumstancias favoraveis € prestes a terminar, a fazer-se a ratificação, foi então que aquelle funccionario foi substituido.
O sr. Henrique de Macedo: - Se v. exa. me permitte, eu desejo dar uma simples explicação.
Como o facto a que s. exa. acaba de alludir se passou commigo, entendo que devo dizer a v. exa. que o sr. Thomás Rosa se retirou por sua vontade, e tendo eu insistido com aquelle cavalheiro para continuar as negociações, o sr. Thomás Rosa insistiu tambem em retirar-se por motivos de familia.
O Orador: - Eu agradeço ao digno par, o sr. Henrique de Macedo a sua explicação, e a declaração que s. exa. acaba de fazer de que o sr. Thomás Rosa allegára motivos de familia para não continuar as negociações. Mas o sr. Thomás Rosa foi substituido, e muito bem substituido, por um homem que eu folgo ter occasião de elogiar n'esta camara. Todavia, por isso mesmo que o sr. Thomás Rosa foi dignamente substituido por um cavalheiro competentissimo, poderiam muito bem ter continuado as negociações, dando o governo para isso as instrucções necessarias.
0 sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - As instrucções do governo foram dadas no sentido de se continuarem as negociações. A China, porém, entendeu que mais facilmente se poderiam concluir em Lisboa, e enviou um seu agente a esta cidade, onde realmente ás negociações foram de novo encetadas.
O Orador: - Eu agradeço ao sr. ministro a sua explicação, que ainda assim não altera o fio do meu raciocinio.
A China deslocou as negociações para Lisboa, e veiu aqui um cavalheiro, que o sr. ministro dos negocios estrangeiros nos disse ser o sr. Campbell, apresentado pelo sr. major Rosa; esse agente, segundo nos diz o mesmo sr. ministro, era officioso. Como é, pois, que s. exa. explica ter tratado officiosamente com um agente, acompanhado pelo sr. Thomás Rosa. que, só depois do protocollo assignado, é que soube pelo governo inglez ser realmente um enviado da China com quem tratara?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - As negociações foram a principio pura e simplesmente officiosas mas quando se tratou de conceder por parte de Portugal a cooperação fiscal provisoria, exigi que, para chegar a esse ponto, a China procedesse como procedeu quando negociou, com a França, isto é, que se fizesse um protocollo e que o agente tivesse caracter official.
O Orador: - Quando começou então a ter caracter official esta negociação?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Começou no dia em que, para se conceder a cooperação da fiscalisação provisoria, eu declarei que precisava de um documento no qual ficassem bem determinadas as bases do tratado que se tratava de estipular, da mesma fórma como se procedeu com a França, ficando no documento bem definida a situação das negociações.
O Orador: - Ámanhã, quando vier o tratado, e se elle for rasoavel, como espera o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a sua maioria não lhe negaria um bill de indemnidade por s. exa. ter ratificado esse tratado independentemente da sancção parlamentar.
Ora isto era muito mais logico, e mais constitucional.
O que agora se está fazendo é que é uma cousa inteiramente nova. Felizmente nós não estamos na China e como nunca lá estive, não sei quaes são os seus costumes.
Todavia isto parece bem um costume chinez, que impera sobre nós e sobre todas as clausulas do tratado.
Se o sr. ministro dissesse eu ratifiquei este tratado, punha em pratica todas as theorias do sr. Costa Lobo.
No projecto diz o sr. ministro da negocios estrangeiros.
(Leu.)
Assim, sr. presidente, chegamos a uma conclusão extraordinaria, se é que a negociação foi dirigida lentamente e não com rapidez.
Em primeiro logar, por que foi que, tendo-se posto em primeiro plano um tratado, se poz depois de parte o tratado para fazer um protocollo, mandando ao mesmo tempo o nosso representante a Pekim para negociar o tratado?
Nunca fiz, politica em questões d'esta natureza, e se fallo, não é por ter prazer em fallar; mas porque tenho necessidade de dizer o que a minha consciencia me dicta, e o que n'este momento estou dizendo só a minha consciencia mo inspira.
Continuarei, portanto.
É depois do protocollo de 26 de março, que s. exa. diz ter sido parallellamente negociado com as clausulas definitivas do tratado, que no meu relatorio o sr. ministro declara que opportunamente publicará os documentos!
Ora eu nunca vi palavra cujo sentido fosse mais deploravelmente deturpado, do que este adverbio opportunamente.
Opportunamente era agora; não serão opportunamente publicados os documentos quando a opportunidade tiver passado. E a opportunidade quando era?
Repito: agora.
O resultado da falta dos documentos é ver-me eu continuamente interrompido pelos dignos pares, que vão combatendo os meus raciocinios, mas que sabem que eu não possuo os documentos necessarios para poder basear e seguir uma argumentação rigorosa.
Depois de feito o protocollo, como nós temos pressa, o que faz o governo?
Nomeia outra vez o sr. Thomás Rosa, já não impedido de fazer serviço por motivos de familia, para ir a Pekim ultimar o tratado!
Ora, na verdade, o caminho mais curto para ir a Pekim é vir de Macau a Lisboa e partir de Lisboa para a China?!
Diz o sr. ministro:
(Leu.)
Primeiramente o trabalho encetado em Macau era puramente officioso, depois transferem-se para Lisboa as negociações e faz-se um protocollo!
Mas, como houve negociações em Lisboa, o que eu concluo é que o tratado está feito, e se está feito, porque não apparece aqui?
Agora creio que o sr. ministro se não levantará para me responder.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - O protocollo é a unica cousa que está feita, e no protocollo estabelece-se que se ha de fazer um tratado, e que esse tratado ha de ser leito em Pekim, e não em Lisboa, porque nós não poderiamos conseguir o que a França, a Inglaterra, e outras nações não têem conseguido.
O Orador: - Então o nosso ministro não foi d'aqui, com um projecto de tratado, foi só com o protocollo?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Foi com o protocollo e com as instrucções necessarias para celebrar o tratado. E se o digno par me pergunta se elle levava comsigo algum projecto de tratado, respondo que sim. Mas o que eu procurei fazer desde logo foi negociar com o sr. Campbell aqui em Lisboa, as clausulas do protocollo definindo a situação de Macau, e com ellas a clausula de nação mais favorecida para o tratado.
O Orador: - Perfeitamente. Ha um tratado proposto pelo governo, e póde haver outro tratado proposto pela China.
Com isto fica demonstrado simplesmente o que eu disse, que não havia um verdadeiro seguimento n'esta negociação, porque foi preciso vir de Pekim a Lisboa para negociar o protocollo. E agora pergunto eu se, para negociar o tratado, será tambem necessario vir novamente de Pekim a Lisboa?
Fez-se um protocollo em que estão consignadas as bases para o tratado de commercio.
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SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1887 611
Ora eu desejava que me dissessem quem é que determinou todo este movimento a favor do tratado?
Quanto a mim foi a Inglaterra, e isto prova-se pelas seguintes palavras.
(Leu.)
Não ha nada mais claro. Foi a Inglaterra que disse á China quando esta lhe expoz que acabasse com o contrabando: "Estabeleça-se em Macau o mesmo systema que está vigorando em Hong-Kong, e applique-se o meu regulamento.
Ora este ponto é importantissimo.
O artigo 4.° do protocollo diz o seguinte.
(Leu)
Este ponto é importantissimo, repito, e não se diga que a questão está esgotada; que não ha mais nada a discutir.
O sr. Pereira Dias: - Quando fiz o requerimento para que a sessão fosse prorogada, foi para ter o prazer de ouvir o digno par, e não por se achar esgotada a questão.
O Orador: - Agradeço ao digno par o seu elogio, mas parece-me que s. exa. está em contradicção com o que acaba de dizer.
(Interrupção, do sr. Pereira Dias, que não se ouviu.)
Eu não me estomaguei com o sr. Bocage, mas realmente achei extraordinario que se dissesse que a questão estava esgotada.
O sr. Pereira Dias: - O elogio foi sincero.
O Orador: - Não tenho rasões para suppor o contrario. O digno par é meu amigo.
Não me estomaguei com o meu amigo o sr. Bocage, mas realmente achei extraordinario, peço licença para dizel-o, que, estando a tratar-se d'esta questão, se declarasse que ella estava completamente esgotada, quando havia ainda inscriptos alguns membros da opposição.
O sr. Bocage: - Eu disse que considerava completamente esclarecida a questão da illegalidade commettida pelo governo.
O Orador: - Mesmo essa talvez não esteja completamente esgotada.
Continuarei, porém, na minha ordem de idéas.
O governo tem o protocollo;. ainda não tem o tratado. Vae agora negociar.
Em beneficio dos inglezes e dos chinezes, desdobra-se a fiscalisação.
(Leu.)
Isto é desconhecer as theorias do sr. relator da commissão.
S. exa. disse que, nas alturas diplomaticas em que nos encontramos, ha de ser extremamente difficil para todos obter uma fatia da China. (Riso.)
Vamos pois negociar um tratado.com a China, já com animo feito para não apanhar sequer uma fatia!
O sr. relator da commissão fez o elogio da China, dizendo que era um paiz de grandes recursos.
S. exa. exaltou o Celeste Imperio nos termos apropriados que lhe acudiram á imaginação, e sendo a China o paiz da louça, não se esqueceu de dizer que uma carta de D. Manuel foi mandada por um Pires. (Riso.)
Ora o protocollo tem um artigo em que Portugal se obriga a cooperar com a China na fiscalisação da cobrança do rendimento do opio.
E nós, sem termos em consideração o que o sr. relator disse dos costumes da China, confiamo-nos á China!
É por isto que eu digo que melhor seria que o governo ratificasse o tratado e viesse pedir depois á camara um bill de indemnidade.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - V. exa. dá-me licença?
O Orador: - Sei o que v. exa. vae dizer.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: -Mas dá-me licença?
O Orador: - Pois não.
O sr. Ministro dos Negocios. Estrangeiros:- Estabeleceu-se a cooperação provisoria, com o direito de a retirar quando ao governo convenha, e todas as clausulas estão devidamente consignadas em documentos que existem na secretaria do meu ministerio.
O Orador: - S. exa. argumenta com os documentos que existem na sua secretaria. Façam favor de me dizer se eu posso trabalhar com os documentos que existem na secretaria do sr. ministro! Já se viu uma cousa similhante?! V. exa. diz-me que os individuos que vieram a Lisboa por parte dos chinezes pozeram como preço do protocollo a fiscalisação.
Tem carradas de rasão o digno par, o sr. Serpa, em receiar que nós vamos no caminho de fazer um mau tratado, pois que o sr. ministro antecipadamente se obrigou a cooperar definitivamente na fiscalisação com os chinezes.
Para que largou s. exa. das mãos o melhor argumento que tinha para assegurar o tratado?
(Interrupção do digno par o sr. Costa Lobo que não se percebeu.)
Permitta-me o digno par que lhe diga que desconfio do provisorio.
S. exa. defendeu este projecto de lei com tudo que sabia do mundo chinez.
Eu não sei cousa alguma dos costumes chinezes, mas dos costumes inglezes, e dos portuguezes estou ao facto.
V. exa. não sabe que tudo que é provisorio é perpetuo?
Não ha emprego nenhum que, sendo provisorio, não se torne definitivo. O secretario da academia das sciencias, que é interino, é... perpetuo.
Deus nos livre que a minha voz chegasse até á China. Não tenho essa pretensão, mas, se chegasse lá, e se a China, que está tão adiantada, como nos disse o digno par, soubesse que tudo o que é provisorio entre nós se torna definitivo, estavamos arranjados! Então a China não precisava de mais nenhum tratado, porque tinha este protocollo provisorio, que se tornaria tratado definitivo.
(Interrupção, do sr. Henrique de Macedo, que não se ouviu.)
O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares que não estabeleçam dialogo.
O Orador: - Sr. presidente, eu não quero privar o digno par e meu amigo, o sr. Henrique de Macedo, de me interromper. Tenho muito prazer n'isso, especialmente quando este dialogo serve até certo ponto para mostrar que não se deu conhecimento á camara dos documentos que estão na secretaria.
É que é preciso não ter um patriotismo exaltado.
Apesar das declarações do illustre ministro, de que se fará para Macau o mesmo que a Inglaterra admittir para Hong-Kong; e de que não teremos um mandarim junto do palacio do governador de Macau, eu não estou satisfeito, porque vejo que teremos outra cousa: teremos canhoneiras chinezas com alfandegas volantes. Teremos consul.
Quando se tratava da execução do tratado de 1862, não se queria o consul, mas agora teremos consul.
Disse o sr. Barros Gomes que o protocollo está para o tratado como a fiscalisação provisoria para a definitiva, ou a fiscalisação provisoria para o protocollo como a fiscalisação definitiva para o tratado, o que vem a dar na mesma. Como se trata de uma proporção, na qual o producto dos meios é sempre igual ao producto dos extremos, se o illustre ministro quizer pôr a proporção em equação, teremos como resultado, em qualquer dos casos, o protocollo com a fiscalisação definitiva e o tratado com a fiscalisação provisoria, o que leva ao contrario do que s. exa. pretendia demonstrar.
Eu queria ver como haviamos de tirar a fiscalisação provisoria das aguas de Macau, se por um simples decreto quizessemos abolir o protocollo!
Na minha opinião, sobre o que se está discutindo, o que o sr. ministro devia ter feito era não apresentar similhante
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projecto, nem similhante protocollo ás côrtes, porque isto é um documento muito incompleto.
(Interrupção gue não se percebeu,)
Então o sr. Campbell vinha já auctorisado?
O sr. Ministro da Negocios Estrangeiros: - Vinha, sim, senhor.
O Orador: - Muito bem, mas nem isso corta o fio do meu discurso, nem contradiz que tivessemos, começado a fazer um tratado em Macau officiosamente.
As negociações foram suspensas porque a China as havia deslocado para, Lisboa.
Agora o governo pede um bill de indemnidade á priori, se assim se póde dizer, mas depois de ter deixado suspensas as negociações do tratado em Macau pela deslocação para Lisboa.
Ora, estando já o emissario officialmente encarregado de negociar, como é que o governo em vez de um tratado faz um protocollo?
Se a China não tem pressa, se não ratificar o tratado tem muita rasão, a não ser que o sr. ministro dos negocios estrangeiros se levante e nos diga: É porque a China deslocou as negociações para Pekim.
Vem o sr. Campbell para fazer alguma cousa, traz os poderes necessarios para realisar o tratado e, em logar do tratado, apparece o protocollo!
Eu não posso deixar de repetir estas cousas.
A camara está fatigada e a hora adiantada. Não faço politica, repito, n'esta questão.
Uso apenas dos meus direitos, e é preciso que a maioria o comprehenda, ou pelo menos os que me conhecem, mas todos sabem tambem que nunca me levanto para fazer questões facciosas que possam ir de encontro a uma questão de interesse nacional.
Lamento apenas que o governo se abandonasse ás suas proprias inspirações.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - É o que eu dizia na minha moção.
O Orador: - Será; mas permitta-me o digno par que eu diga que profundamente me desgostou ver apresentar no parlamento uma moção como a de s, exa., porque denuncia o desprestigio do systema parlamentar, proclamado por um dos seus proprios membros. (Apoiados.)
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - A minha moção contem a verdade dos factos. E a realidade, é a fiel expressão do estado do nosso parlamentarismo.
Não vejo motivo para s. exa. estranhar que se diga a verdade, reconhecida por todos.
O Orador: - Pois o digno par não quer que eu lamente a apresentação de uma tal proposta?
(Susurro na sala.)
Sr. presidente, eu não costumo estar fóra da ordem.
Sinto, apenas que o sr. visconde de Moreira de Rey tivesse apresentado a sua moção, porque o digno par sabe perfeitamente o que faz, e nunca pratica uma acção sem pensar bem antes de a praticar.
(Interrupção, do sr. Costa Lobo, que se não ouviu.)
Bem sei que este facto é bastante desagradavel.
Mas, sr. presidente, passemos agora a fazer algumas observações sobre os artigos do protocollo.
Artigo 1.° Um tratado de commercio e amisade com a China. Ora um tratado de commercio com á China não é o mesmo que um tratado de commercio com outra qualquer nação. Nós temos com a China relações particularissimas que não temos com outro qualquer paiz, e não estamos no mesmo caso em que está a Inglaterra, que possue uma ilha, para fazer um tratado de amisade. Nós precisamos de um tratado de amisade e de commercio.
Emquanto ao artigo 2.°-, tambem não sympathiso com a palavra confirmação, que vem no protocollo; quizera antes reconhecimento.
Agora quaes são estas dependencias de Macau?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - São as ilhas de Calowane, D. João e da Taipa. A da Lapa é excluida.
O Orador: - O que eu vejo é que vamos auctorisar o estabelecimento de alfandegas chinezas junto a Macau, as quaes, primeiro que tudo, hão de atacar a questão do opio, depois a do chá e da seda, etc.
A hora está, porém, bastante adiantada, para que eu faça mais extensas considerações sobre este assumpto.
Temos tambem a industria da pesca, que tem augmentado consideravelmente.
O que farão a este respeito os chinezes? Tudo são duvidas, sr. presidente!
Aqui tem v. exa. o motivo por que não julguei a questão esgotada, e porque pedi a palavra para chamar a attenção da camara para as extraordinarias clausulas que se encontram no protocollo.
Pedir auctorisação para ratificar um tratado, que ainda ha de fazer-se e sem que se apresentem os documentos relativos aos actos diplomaticos que precederam o protocollo, não me parece rasoavel.
Estou convencido de que não .tendo apresentado este projecto, o sr. ministro dos negocios estrangeiros ficava em muito melhor situação do que aquella em que hoje se encontra.
Para que foi que o sr. ministro apresentou este projecto?
Foi para mostrar ao mundo que tinha conseguido o reconhecimento da posse de Macau por parte da China?
Se foi para isso, esteja s. exa. certo de que tudo se conseguirá. .. sómente quando se tiver obtido.
Esta questão da cooperação é muito seria e nós veremos se me illudo.
Com respeito á questão constitucional nada direi, porque foi ella já muito bem tratada, tanto pelo sr. Hintze Ribeiro como pelo sr. Bocage.
Em um mez, sr. presidente, temos visto n'esta camara as cousas mais extraordinarias, e tudo a proposito de tratados com potencias estrangeiras.
Primeiro appareceu a concordata, que até pag. 272 do Livro Branco o sr. ministro é de opinião que fosse apresentada ás côrtes, e que todavia o não foi!
E agora vem o governo pedir ao parlamento a approvação de um protocollo, pedindo ao mesmo tempo que seja dispensado o cumprimento do que manda a carta constitucional a respeito de tratados!
Estamos quasi sob o regimen militar: Faça o serviço e depois queixe-se; vote, e depois reclame.
(O digno par não reviu.)
O sr. Conde do Bomfim (sobre a ordem): - Vou apresentar a minha moção e em seguida exporei as rasões que tenho para defender o projecto.
(Leu.)
A camara pela minha moção já comprehende a rasão por que preteri a inscripção, do que peço desculpa aos oradores inscriptos; mas, porque elles combatiam o projecto1 e vinham já dois fatiado no mesmo sentido, pareceu-me conveniente intercalar-me.
Sr. presidente, já em 1880, a primeira vez que eu tive assento no parlamento na camara dos senhores deputados, eu instava pela conveniencia e resolvermos por meio de tratados? com as potencias estrangeiras as questões de limites e de direitos letigiosos ás nossas possessões de alem mar; e n'essa epocha tambem, se bem me recordo, o illustre deputado por Macau mais directamente pedia que se fizesse um tratado com a China, para melhorar a situação precaria d'aquella colonia, e comtudo são passados sete annos e ainda até ao presente nada tinhamos conseguido n'este sentido. D'aqui se conclue a urgencia de ultimar estas negociações, e o alcance proveitoso que ellas devem trazer aos nossos interesses nacionaes.
Comtudo se a negociação fosse feita de encontro aos principios constitucionaes, eu, como defensor das instituições,
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hesitaria em lhe dar o meu voto, mas d'isso não me convenço eu, e por isso pedi a palavra para demonstrar que o assumpto de que se trata não é inconstitucional, e que, portanto, póde bem apreciar-se á luz das conveniencias publicas, para que não offenda, como realmente se afigura a muitos dignos pares, as leis fundamentaes.
Com effeito o artigo 10.° do acto addicional diz o seguinte:
(Leu.)
Portanto, não diz nem se oppõe a que seja approvado sobre as bases que as côrtes julguem suficientes, porque isto seria restringir o seu direito, nem o artigo 75.° da constituição póde servir de argumento, porque o acto addicional ampliou o § 8.° d'esse artigo.
Logo a approvação das conclusões ao tratado de commercio com a China, pela fórma apresentada não envolve offensa á constituição. Ainda mais, o protocollo é evidentemente uma convenção, e por isso, como assumpto mais grave, as côrtes têem plena garantia para lhe dar o seu assentimento, porque elle fará parte integrante do tratado.
E, sr. presidente, este meu modo de apreciar o protocollo como convenção, tem para mim hoje maior grau de convicção, desde que, tendo eu esta idéa escripta nestes meus ligeiros apontamentos, vejo que se harmonisa com o pensamento apresentado pelo sr. Costa Lobo; porque para todos é por certo quasi uma prova quando duas idéas se encontram. Assim como eu pensei, igualmente houve mais alguem que pensasse.
Aquelle artigo não diz que seja vedado approvar um tratado cujas bases são claras e restrictas, e quando ao governo ainda fica reservada a ratificação. E, portanto, não se tratando de approvar antecipadamente uma cousa que se não conhece, acho-me perfeitamente no meu direito de votar segundo os principios estabelecidos, e pelo menos a minha convicção reforça-se quando penso que as minhas idéas sobre este assumpto, não assaltaram só o meu espirito, não são opiniões isoladas.
Disseram tambem alguns dignos pares que os artigos do protocollo são indecorosos para Portugal, e que a camara não podia decorosamente approval-os, e esta asserção feita por alguns dos meus collegas, obrigou-me a defender com argumentos o meu voto, para não ficar sob o peso de tão precipitadas affirmações, que por certo são erróneas e contradictaveis, com boas rasões.
O que diz o artigo 1.° do protocollo?
(Leu.)
Pois esta clausula de nação mais favorecida será para Portugal indecorosa?
Parece-me que não. E julgo aniomatico que não traz desdouro nem ao paiz, nem a ninguem a sua approvação e acceitação.
A camara está fatigada, e eu desejo concluir, mas já que pedi a palavra, é me absolutamente impossivel deixar de completar o meu pensamento, como se comprehende depois da posição em que ficaria quem approvasse sem destruir asserções tão graves e injustas.
Passarei porem rapidamente sobre os outros artigos.
O artigo 2.° diz.
(Leu.)
Pois não será util e de muita conveniencia até, que a China confirme a perpetua occupação de que se trata?
Pois não é esta confirmação por um tratado, por um documento, o reconhecimento, de um facto cujo direito já se tem posto em duvida, mas que Portugal de facto tem sustentado, e a China admittido. E a confirmação não põe em duvida o reconhecimento do facto da occupação, e se o tratado se não concluisse, não destruiria esse facto, pois confirmar não é senão affirmar o que está reconhecido. E se dissessemos apenas que a China reconhece, e o tratado não fosse levado a cabo, serviria esse prteexto para a China declarar que não o acceitou por nunca reconhecer um tal direito ou a occupação de Macau. Logo dizendo-se que a China confirma, se o tratado se conclue e ratifica o reconhecimento, tem mais um titulo, porque se confirma a perpetua occupação de Macau, isto é, o reconhecimento desse facto que nós defendemos.
E se não se concluisse o tratado, a China não podia allegar que não reconhecia o facto de occupação, que é o nosso direito a Macau, porque nós não lhe pedimos agora que o reconheça, e pelo contrario até hoje temos obrigado a China a reconhecer a nossa posse áquelle estabelecimento.
Acrescentando-se mais, n'esse artigo 2.°, que essa confirmação de direito iguala Macau ás outras possessões portuguezas, comprehende-se que o espirito do artigo é affirmar um direito absoluto de Portugal.
Vamos ao artigo 3.°:
A China é um paiz importante, e com tudo reconhecendo os serviços de Portugal áquelle vasto imperio, considerou esta nação como amiga e estimou a sua alliança mas por certo não ficaria satisfeita, nem nunca se tem mostrado, quando se preoccupa com a idéa de que outra nação que a deseja inutilisar nos substitue nas suas relações de vizinhança. Portanto esta clausula satisfaz as suas susceptibilidades, e para Portugal que não tem a idéa lamentavel de abandonar Macau, nada o prejudica. Porém, eu acho até que a clausula ainda tem uma grande vantagem, para o paiz, que é ser uma garantia, uma barreira contra aquelles que inconsideravelmente, ousam apregoar doutrinas, anti-economicas e que offendem os principios coloniaes, de alienação dos nossos dominios ultramarinos! Com esta clausula a hypothese é irrealisavel.
Eu já sustentei na camara dos senhores deputados que a alienação das nossas colonias seria um acto attentatorio dos verdadeiros principios constitucionaes, e contrario ás idéas professados por quasi todos os economistas e pelas differentes nações coloniaes.
As colonias são parte integrante da monarchia, é nosso dever dotal-as com os meios indispensaveis para chegarem ao estado da civilisação.
As metropoles que abandonam, descuram e alienam as colonias, são mães patrias desnaturadas, que votam ao ostracismo os seus filhos.
Os meus principios são agora os mesmos a este respeito, que eram hontem, e faço iguaes declarações ás que em tempo fiz.
Que a susceptibilidade da China é conveniente que seja satisfeita, não me parece duvidoso, porque é sabido que este receio não é vago e que já houveram factos que a obrigaram a intervir n'este sentido.
A camara sabe que quando Portugal esteve ameaçado na sua independencia pela invasão franceza, quando a familia real retirou para o Brazil, a Inglaterra, sob pretexto de auxiliar Portugal, occupou Macau, e na collecção de tratados do sr. Judice Bicker contam-se as peripecias d'essa occupação, e como a China obrigou os inglezes a deixarem Macau.
Portanto, é justo, que resalvemos estas susceptibilidades.
Eu direi á camara, que a Inglaterra e a França já foram á China e já combateram com os chinezes, e conseguiram levar-lhes vantagem, mas nem por isso a Inglaterra deixou de considerar a China como uma potencia importante.
Resta a quarta condição:
Argumenta-se que é indecoroso acceitar a cooperação com a China, inserindo n'um tratado que ella será de um modo analogo, ou do mesmo modo que a de Inglaterra, em Hong-Kong e reforça-se este argumento dizendo que a Inglaterra, não a inseria nem a acceitaria.
Mas essa objecção é que me parece destruida pela base, porquanto não me parece que não esteja já conhecido que a Inglaterra procedeu de modo similhante, desde o momento em que o sr. ministro dos negocios estrangeiros sabe já pelos seus documentos diplomaticos o que a Inglaterra
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combinou ou accordou com a China; isto é, que não acceitaria ou não se obrigaria á cooperação, sem que Portugal, por modo analogo nas suas possessões se obrigasse á cooperação com a China, e ficou o seu tratado, como o nosso, dependente d'esta condição reciproca.
Portanto, já á dignidade da Inglaterra não soffreu, nem de outro modo ella faria nenhuma convenção, por não poder fazer o tratado senão dependentemente d'esta condição, e portanto, tambem Portugal não póde fazer o tratado de outro modo, nem a sua dignidade será com isso offendida.
Mas é alem d'isso urgente e inadiavel, melhorar o porto de Macau.
Deve-se tambem dizer que ha uma grande necessidade de facilitar o desenvolvimento do commercio d'aquelle ponto do paiz.
Todos os governadores d'aquella nossa longiqua possessão são d'este parecer, porque a falta de um tratado com a China tem causado a decadencia do commercio de Macau e tem suscitado difficuldades, nos conflictos internacionaes e nas questões com os macaenses, respondendo sempre a China que Portugal não tem nenhum tratado.
Entendo eu, pois, que nós devemos concluir o tratado com a China para alargar as nossas relações commerciaes; e particularmente as de Macau que absorverá, pela portecção dada á nossa bandeira, o commercio do sul da China e cujas vantagens se estenderão ainda até ao commercio de Sião
Alem d'isso a colonia de Macau está pelo territorio em que se acha encravado na China, e tão afastado da metropole que é de toda a vantagem fazer com que a China reconheça eficazmente a posse e os direitos de Portugal.
Se a fórma diplomatica não segue ás regras da diplomacia á europea, perguntem aos inglezes quantas formalidades e exigencias da diplomacia chineza, satisfizeram para com aquelle celeste imperio, que elles se lembrarão que para ter ingresso na audiencia de Aureng Zehe tiveram que lá ir com as mãos atadas atraz das costas. Que Macartuey fez a cerimonia do Koton em Tien-Tsing perante o throno, achando-se o imperador a 40 leguas distante.
A fórma ou maneira por que se devera resolver esta negociação, isso é questionavel; mas quanto á essencia da questão, ella é de tal magnitude, que é forçoso concluir que ninguem a contesta, e o que é verdade, o que é um facto, é que as negociações estão pendentes e que é necessario concluil-as, no mais curto praso, porque addial-as é de mau effeito e póde representar uma certa má fé as circumstancias que se alleguem, como em 1862, deram occasião a que as nações européas tivessem duvidas em acreditar na nossa boa fé, na dupla interpretação dada ao texto de uma das clausulas d'aquelle tratado.
Os mais factos importantes relativos a Macau, não são desconhecidos n'esta camara. E são relevantes os serviços prestados por Ferreira do Amaral e por Vicente Nicolau de Mesquita, e este foi quem tornou o forte de Passaleão, já depois da morte de Amaral, forte que estava na posse dos chins, e que o sr. Mesquita quando lh'o tomou fez acobardar os chinezes que levantaram o cerco, e retiravam ficando por esta occasião bem reivindicada a posse de Macau! No governo de Amaral foram os mandarins expulsos, despedidas, as alfandegas, e as portas abertas, e a posse de Macau ganhou novos fundamentos.
Sr. presidente, eu não podia deixar de dizer á camara as rasões do meu voto. A minha posição especial n'esta casa, demonstra que voto segundo a minha convicção porque não estou filiado em partido algum.
Pertenci a uma parcialidade dirigida por um chefe, cujos altos dotes todos reconheceu], mas que hoje acabou, porque no meio das nossas descrenças politicas, e de principio? de escola mal definidos e muito confusos, é difficil congregar doutrinarios e fortalecer crenças e manter programmas e energia. Desde então o meu procedimento é perfeitamente livre de quaesquer prisões partidarias.
Posso errar, mas o meu erro individual não tem ao menos consequencias graves, como a iniciativa individual, tão necessaria, está sem alento.
Voto pois o projecto, porque, em minha consciencia, o acho bom para o paiz, e terminando mando para a mesa a minha moção.
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do digno par o sr. conde do Bomfim.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Moção de ordem
A camara, considerando que o governo ratificará o tratado depois d'elle ser firmado pelo governo chinez, e deixaria de o ratificar se elle não viesse nos termos da auctorisação que lhe concede, e attendendo á urgencia e necessidade de ultimar as negociações pendentes porque ellas interessam aos direitos de soberania de Portugal e á prosperidade de Macau, approva o projecto de lei em discussão.
Sala das sessões em 7 de julho de 1887.== Conde do Bomfim.
Foi admittida á discussão.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Camara Leme.
O sr. Camara Leme: - Cedo da palavra.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. visconde de Moreira de Rey.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Reputa difficil a sua posição começando a fallar quando a hora vae já tão adiantada, e previne a camara, para os effeitos que ella tiver por convenientes, de que vae demorar-se em algumas considerações, porque entende que a questão não só não está exgotada, mas começa agora.
Da primeira vez que fallára não quiz ficar com a palavra reservada, porque não liga importancia á colonia de Macau. Pede aos srs. tachygraphos que registem esta sua declaração.
Mas com referencia á moção que apresentara quando da primeira vez usou da palavra, diz que a formulára em termos claros, porque entende ser indispensavel pôr cobro a um estado que considera perigoso.
O governo faz e ratifica tratados sem estar auctorisado a fazel-os e ratificai-os. Melhor é então que de uma vez para sempre fique auctorisado a negociar e tratar. O governo que faça tudo, como aconteceu com a concordata. E, a proposito da concordata, diz que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, foi tão habil, que conseguiu lograr a Santa Sé, porque qualquer governo que venha depois póde annullal-a, querendo.
Quanto ao protocollo que se discute, extranha que se diga no artigo 2.° que a China confirma a occupação de Macau por Portugal, por isso que essa declaração official equivale a dizer que a occupação actual não é definitiva nem inquestionavel, visto que precisa a confirmação da China.
Acha deploravel tal declaração sob o ponto de vista do governo, porque, sob o seu ponto de vista, já declarou que não liga importancia a. Macau.
O governo deveria ter empregado o verbo reconhecer, nunca o verbo confirmar.
Quanto ao artigo 4.° do protocollo, acha-o tão infeliz, ou mais ainda, do que artigo 2.° Para a fiscalisação do opio em Macau adoptamos as mesmas disposições que a Inglaterra tiver em Hong-Kong, isto é, não será a nação portugueza que legisle para Macau, mas sim uma nação estrangeira! Considera este facto como a ultima das ignominias para Portugal. Seria capaz de dar o sou voto para a venda ou cedencia de Macau, mas jamais o daria para que numa possessão portugueza se acceitasse como bom, e se executasse, o regimen que a Inglaterra julgar conveniente estabelecer n'uma possessão sua.
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SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1887 615
Prefere dizer a verdade tal como ella é, a deixar-se embalar por illusões, quando nos tiram as colonias a troco de elogios de momento, e pela troca de condecorações que costumam acompanhar estes tratados.
(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. o devolver.)
O sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscripto, vae votar-se a proposta de adiamento do ar. Bocage.
Posta a votação, foi rejeitada.
O sr. Presidente: - Agora vae votar-se o projecto na sua generalidade.
O sr. camara Leme: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer votação nominal.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Em vista da resolução da camara, vae proceder-se á chamada.
Os dignos pares que approvam a generalidade do projecto dizem approvo, os que a rejeitam dizem rejeito.
Procedeu-se á chamada.
Disseram approvo os dignos pares: João Chrysostomo de Abreu e Sousa, marquez de Rio Maior, condes de Alte, do Bomfim, de Castro, de Linhares, de Magalhães; viscondes de Benalcanfor e de Borges de Castro; barão de Salgueiro, Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Quaresma de Vasconcellos, Silva e Cunha, Barros e Sá, Henriques Secco, Costa Lobo, A. J. da Cunha, Pinheiro Borges, Wan Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Candido de Moraes, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, J. J. de Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, José Horta, José Pereira, José Tiberio, Pereira Dias, Miguel Osorio Cabral, Sebastião Calheiros, Serra e Moura e Thomás de Carvalho.
Disseram rejeito os dignos pares: Andrade Corvo, conde de Ficalho, visconde de Moreira de Rey, Telles de Vasconcellos, Hintze Ribeiro, Coelho de Carvalho, A. A. de Aguiar, Barbosa du Bocage, Camara Leme, Vaz Preto e Luiz Bivar.
O sr. Presidente: - Está pois approvada a generalidade do projecto por 37 votos contra 11.
Em seguida foi approvada a especialidade sem discussão, ficando prejudicada a moção do digno par o sr. conde do Bomfim.
O sr. Miguel Osorio: - Participo a v. exa. e á camara que o digno par o sr. Teixeira de Queiroz não tem podido comparecer ás ultimas sessões em rasão do fallecimento de uma pessoa de familia.
Peço, pois, a v. exa. que, segundo é o costume em casos similhantes, mande desanojar aquelle nosso digno collega.
O sr. Presidente: - Em vista da participação que acaba de ser feita, nomeio para desanojarem o nosso collega sr. Teixeira de Queiroz os dignos pares os srs. Miguel Osorio e José Pereira.
A proxima sessão terá logar ámanhã, 8 do corrente, sendo a ordem do dia a discussão dos pareceres n.ºs 64, 65, 66, 67, 68, 69 e 71.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e vinte e cinco minutos.
Dignos pares presentes na sessão de 7 de julho de 1887
Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; João de Andrade Corvo; marquez de Rio Maior; condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de Linhares, de Magalhães, de Paraty; viscondes, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Moreira de Rey; barão do Salgueiro; Aguiar, Quaresma, Silva e Cunha, Barros e Sá, Henriques Secco, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles da Vasconcellos, Augusto Cunha, Carlos Bento Hintze Ribeiro, Margiochi, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Candido de Moraes, Valladas, Vasco Leão, Andrada Pinto, Coelho de Carvalho, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vae, Silva Amado, Lobo d'Avila, Ponte Horta, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Luiz Eivar, Pereira Dias, Vaz Preto, M. Osorio Cabral, Gonçalves de Freitas, Calheiros, Thomás de Carvalho, Antunes Guerreiro, Bandeira Coelho, Pinheiro Borges, Ornellas, Cardoso de Albuquerque, Serra e Moura, Adriano Machado.
Redactor: - Alberto Pimentel.