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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 22 DE ABRIL DE 1864

PRESIDÊNCIA DO EX.mo SR. CONDE DE CASTRO

VICE PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares Conde de Peniche

Conde de Mello

(Assistiam os srs. ministros da guerra e da fazenda.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo se verificado a presença de 40 digno» pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou: Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando uma proposição sobre a fixação dos limites do concelho da Gollegã. À commissão de administração.

O sr. Xavier da Silva: — Eu pedia a V. ex.ª que consultasse a camara se dispensa o regimento para entrar em discussão o parecer n.º 356 a respeito da pretensão do sr. Manuel Vaz Preto, sobre que a commissão hontem deu o seu parecer.

A camara assim o resolveu.

O sr. Conde de Thomar: — Um dos objectos para que tinha pedido a palavra era este sobre que acaba o digno par, o sr. Augusto Xavier da Silva, de fazer um requerimento. Mas ainda tem de fazer outro.

Parece-lhe que está distribuido o parecer da commissão que regula a ordem porque n'esta casa devem fallar os pares e os ministros, quando se trata de discussões importantes, o que é uma grande necessidade e da resolução da qual viria grande proveito, se esse parecer fosse tomado em consideração.

Portanto pede que, depois de votado o parecer n.º 356, se consulte a camara sobre se dispensa tambem o regimento para o parecer n.º 355 entrar já em discussão. A camara concedeu a dispensa pedida. Leu se e entrou em discussão o

PARECER N.° 356

Senhores. — A commissão que a sorte designou para examinar a representação que a esta camara dirigiu o ex.mo Manuel Vaz Preto Geraldes, filho do fallecido par do reino o ex.mo João José Vaz Preto Geraldes, a fim de ser admittido a tomar n'ella assento, como herdeiro por varonia de legitimo matrimonio na linha recta descendente; depois de ter apreciado os documentos por elle apresentados e outros que julgou necessario exigir e compulsar, vem patentear-vos o fructo do seu exame, e sujeitar á vossa deliberação o seu parecer.

Por carta regia de 3 de maio de 1842 foi elevado á dignidade de par do reino o ex.mo João José Vaz Preto Geraldes, que prestou juramento e tomou assento na camara em sessão de 19 de janeiro de 1843.

Em officio datado de 26 de novembro de 1844 participou aquelle digno par á camara, que no dia anterior tinha dirigido á Soberana a sua renuncia ao pariato; e igual participação foi feita á mesma camara por officio do ministerio do reino datado de 29 do dito mez e anno.

Uma commissão especial foi encarregada de dar o seu parecer sobre este objecto, e esta, considerando que qualquer deliberação que a camara tomasse sobre o assumpto importava o exercicio de um direito que ainda senão achava legalmente definido, e que só poderia derivar da expressa disposição de uma lei que marcasse explicitamente as attribuições d'esta camara, que podessem de qualquer modo affectar a successão do pariato por direito hereditário; considerando mais que sobre o objecto se achava na camara um projecto de lei em que mais competentemente se podiam estabelecer as regras e preceitos, segundo os quaes houvessem de ser decididas as differentes hypotheses relativas ao modo de adquirir, conservar ou perder a dignidade de par, assim como o direito á sua successão; foi de parecer que, emquanto a dita lei não fosse discutida e sanccionada, não se devia tomar resolução alguma sobre a participação de que se tratava, e que fosse guardada no archivo da camara; pois quem todo o caso e em qualquer hypothese era eó a esta camara que competia pronunciar sobre os motivos da exclusão de cada um dos seus membros. Este parecer nunca foi discutido.

Publicou-se posteriormente a lei de 11 de abril de 1845, em que se consignaram varias disposições relativas á hereditariedade do pariato; mas onde nem se definem os motivos da exclusão, nem o modo e formalidades da renuncia.

Dos documentos apresentados pelo requerente, consta que seu pae o ex.mo João José Vaz Preto Geraldes, que havia sido par do reino, fallecera em 7 de janeiro de 1863; que elle é o filho primogenito havido de legitimo matrimonio, nascido em 4 de setembro de 1828; que é dotado de sentimentos de moralidade na vida publica e particular, tendo sempre uma conducta exemplar; que se acha inscripto no anno de 1863 com o rendimento collectavel de 3:165)5000 réis e com 3460080 réis de contribuição predial e addicionaes, alem de 15$010 réis de contribuição pessoal; e finalmente que é bacharel formado em direito pela universidade de Coimbra.

A commissão tendo em vista que a camara nunca tomou uma resolução sobre a exclusão do pae do requerente, e que ainda quando tivesse tomado a renuncia do pae não podia prejudicar o direito de hereditariedade do filho, direito adquirido no acto por aquelle praticado, da aceitação do pariato; e considerando que se acham satisfeitos todos os requisitos estabelecido» no artigo 2.º da citada lei de 1845; é de parecer que elle seja admittido a prestar juramento e a tomar assento na camara.

Sala das sessões, 21 do abril de 1864. = Conde de Castro = Marquez de Ficalho = Luiz de Castro Guimarães = Augusto Xavier da Silva — Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco —Luiz do Rego da Fonseca Magalhães = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

O sr. Presidente: — Se não ha quem peça a palavra vae proceder-se á distribuição das espheras, para se votar.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Em conformidade com o requerimento feito pelo digno par, Miguel Osorio, por occasião da admissão do digno par, marquez de Sabugosa, tenho a observar á camara que as espheras brancas significam approvação, e as espheras pretas significam rejeição; que a uma que fica á direita do sr. presidente serve para deitar as espheras que exprimem o voto, e a que fica á esquerda é para as que não o exprimem.

Distribuidas as espheras, correu o escrutinio, e foi o parecer approvado por 63 espheras brancas contra 2 pretas.

O ar. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.º 355.

O sr. Vellez Caldeira (sobre a ordem): — O sr. conde de Thomar, julgo que eó pediu a discussão do artigo do parecer n.º 355, que diz respeito á inscripção dos oradores; não podia ser outra cousa. Eu apoio o requerimento do digno par, mas é só sobre este ponto.

O sr. Conde de Thomar: — Disse que por bem da discussão tinha feito um requerimento que foi approvado pela camara. O seu fim era unicamente que se tomassem votos a respeito do artigo 46.º do nosso regimento a que a commissão propõe uma alteração; mas se a camara entende que os outros objectos contidos no mesmo parecer, por serem de pouca importancia, podem ser discutidos já, não se oppõe. O seu fim é que se admitta uma resolução a bem da discussão.

A camara decidiu que se tratasse só das alterações propostas pela commissão ao artigo 46° ão regimento.

Leu se em seguida na mesa o novo artigo e seus paragraphos.

Art. 46.° Nenhum par usará da palavra sem a pedir e lhe ser concedida pelo presidente. Os pares no acto de pedir a palavra deverão declarar se é pró ou contra o assumpto que se discute.

§ 1.° A palavra será concedida alternadamente aos oradores inscriptos contra ou a favor, abrindo o debate o primeiro orador inscripto contra.

§ 2.° Quando pedirem a palavra, em nome do governo, os ministros terão o direito de fallar immediatamente; mas em nenhum caso poderá dar-se por finda a discussão sobre o seu discurso, sem que primeiro seja ouvido o orador inscripto contra, que se lhe seguir na ordem do debate.

Foi approvado sem discussão.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECER N.° 351

O sr. Conde d'Avila: — Sr. presidente, começo por pedir a V. ex.ª que me inscreva para fallar segunda vez, porque estou hoje muito incommodado, e receio por isso não poder expor á camara todas as considerações que tenho ainda a fazer. Alem d'isto é uma prevenção que tomo para o caso em que me seja necessario, como é muito provavel, dar algumas explicações sobre alguns pontos do meu discurso.

Sinto ter incommodado a camara por tanto tempo, mas a materia que se discute é de tal importancia que, na minha posição, eu não podia deixar de manifestar á camara, com toda a franqueza, o modo como encaro esta questão.

Antes de entrar nas considerações sobre as quaes quero chamar a attenção da camara, sendo uma dellas a historia do que de passou n'este paiz, em relação ao monopolio do

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tabaco do fim do seculo XVII, a qual tem uma applicação immediata á questão que nos occupa, e tanto que o sr. ministro da fazenda julgou dever inserida no seu relatorio, ainda que com alguma inexactidão, sendo outro assumpto sobre que quero chamar a attenção da camara, ainda que sem o profundar muito, a questão do orçamento, porque me parece que a questão de que nos occupamos não se póde separar d'aquella, e é propriamente uma questão do imposto; e pelo desejo que tenho de chamar a attenção da camara sobre estes dois objectos é que eu hontem não terminei o meu discurso; antes de entrar, digo, nas considerações que desejo submetter á camara sobre estes dois assumptos, preciso completar uma idéa que aqui enunciei hontem quando disse que apesar de haver o mesmo pessoal para a fiscalisação não havia comtudo os mesmos meios de fiscalisar. Pôde se-me objectar que se o governo não póde fiscalisar efficazmente com o systema da liberdade, tambem o não póde fazer com o systema da régie. Esta objecção é porém mais apparente do que real; porque ao governo succede o mesmo que aos contratadores nas mesmas circumstancias em que está o contrato, e o governo exerce a fiscalisação, e pelos mesmos meios que os contratadores a exercem. A respeito dos estanqueiros despede-os, como fazem os contratadores, sem carecer de lhes fazer um processo, e só pelo facto de não ter confiança n'elles. E quanto ás qualidades de tabaco que se podem encontrar nos estancos, tambem se dá precisamente o mesmo, porque sendo estes fornecidos só pelas fabricas do estado, os fiscaes os distinguirão facilmente dos tabacos estrangeiros, alem da circumstancia de serem fornecidos em quantidades determinadas; o que tambem facilita o descobrimento da introducção de tabacos estranhos, se esta teve logar, nos mesmos estancos. Nada d'isto poderá ter logar com o regimen da liberdade, havendo muitas fabricas, e sendo permittida a introducção do tabaco fabricado nos outros paizes.

Preciso tambem, sr. presidente, dizer ainda em relação ao que disse hontem quanto ao augmento dos preços, que leu me não esqueço de que no projecto que te está discutindo foi reduzido o direito dos charutos de 20800 réis por kilogramma a 20$000 réis. Esta circumstancia nada tem porém com a folha em bruto, e não tem por consequencia applicação nenhuma aos charutos de 10 réis fabricados n'este paiz. E quanto aos charutos estrangeiros, que os poderiam substituir aquella reducção de direitos, não os convida ainda a vir, porque se aos 20$000 réis de imposto que ficam pagando, se juntaram os 3 por cento de emolumentos, o imposto total equivalerá para cada charuto approximadamente a 10 réis, isto é, ao preço porque se vendem, do que se segue que, as despezas com a compra da materia prima, com o fabrico, o transporte, e o lucro que deve ter o fabricante, hão de necessariamente elevar estes charutos a um preço superior ao de 10 réis, e portanto não póde a reducção do direito influir no preço d'este genero, porque não ha concorrencia. Fica portanto de pé o que eu disse, referindo-me aos calculos do illustre relator da commissão, emquanto a esta especie de charutos. Aquella reducção de direitos só póde comprehender os charutos superiores, que só são consumidos pelas classes elevadas; o que torna ainda mais sensivel a indole d'esta reforma, que é a de elevar os preços dos generos consumidos pelas classes pobres, e de reduzir os dos generos consumidos por áquelles que os poderiam pagar mais caros.

Ora, sr. presidente, o systema de liberdade que se quer agora estabelecer n'este paiz, já tem sido ensaiado em differentes estados, e tem sido ensaiado sempre com meus resultados. Foi ensaiado na Hespanha, como a camara sabe, pelo relatorio do sr. Bruil, que o sr. ministro da fazenda teve a bondade de mandar publicar no Diario de Lisboa, para illucidar esta questão. Todos os dignos pares vêem por esse relatorio, que está impresso no Diario de Lisboa de 28 de dezembro de 1863, que na Hespanha já se estabeleceu aquelle systema, e que o governo foi obrigado a voltar ao monopolio. Esse relatorio parece-me ainda um argumento que vou submetter á camara.

O sr. Bruil preoccupado com a idéa de que nós íamos estabelecer a liberdade em Portugal, projecto a que comtudo já havia renunciado n'essa epocha quanto ao tabaco o illustre ministro que tomára a iniciativa d'elle, propoz tambem a abolição do monopolio do tabaco na Hespanha. A sua proposta foi mandada a uma commissão, que a approvou. Pois apesar disto, ainda até hoje não foi convertida èm lei. Decorreram já oito annos depois que esse projecto foi apresentado á camara dos deputados, e approvado pela commissão respectiva, e felizmente esse projecto não é ainda lei para aquelle paiz, e está completamente posto de parte! Digo felizmente, porque o facto é que no anno de 1855 em que o sr. Bruil quiz abolir o monopolio do tabaco, o seu rendimento estava descripto no respectivo orçamento em 206.000:000 reales, e em 1863, oito annos depois, foi já descripto em 355.000:000 reales. Quer dizer que, no curto espaço de oito annos, houve um augmento de 150.000:000 sobre 200.000:000 reales, ou de 75 por cento. Ora, este augmento nunca teve logar em Inglaterra, aonde o nobre ministro sustenta que o tabaco produz um tamanho rendimento como se não vê em nenhum outro paiz. Se nós fossemos por consequencia procurar como motivo para a adopção deste systema os bons resultados que delle tem pro vindo á Inglaterra, deviamos antes seguir o exemplo da Hespanha que nos offerece um augmento de rendimento tão consideravel como nunca houve' na Inglaterra, n'um espaço de tempo tão curto.

O systema da liberdade foi tambem ensaiado por duas vezes em França, de 1719 a 1721, e de 1791 a 1811. Em 1719. foi (substituído o monopolio por direitos muito pesados de importação. O resultado foi que, no espaço de dois annos, já esse systema estava posto de parte, e restabelecido o monopolio. Os resultados do estabelecimento da liberdade de 1791 a 1811 são mais conhecidos de nós e mais instructivos, é cousa notavel! N'essa epocha esse systema ou essa modificação no meio de cobrar o imposto do tabaco foi combatido por um dos homens mais importantes d'aquelle paiz, que foi Mirabeau, que comprehendeu os inconvenientes que haviam de resultar á receita publica do estabelecimento d'esse systema. Mas perdeu o seu tempo. Decretou-se ampla liberdade para o tabaco, liberdade de cultura, liberdade de importação, liberdade de fabricação e liberdade de venda, exigindo-se unicamente direitos de importação pela entrada do tabaco pelas fronteiras. Quer a camara saber quaes foram os resultados da adopção d'esse systema?

Desde 15 de março em que começou a execução da lei de 27 de fevereiro de 1791, que estabeleceu o systema da liberdade em toda a sua plenitude até 12 de novembro de 1798, produziram os direitos de importação do tabaco, isto é, produziu o rendimento do tabaco em toda a França no espaço de sete annos e meio, proximamente 1.800:000 francos, quando o monopolio que existia antes d'esta lei produzia para o thesouro annualmente 32.000:000 francos, e isto só n'uma parte da França, que comprehendia uma população de 22.000:000 de habitantes, como eu já disse hontem! Procurou-se então augmentar os direitos de importação, e estabeleceram se os direitos de fabricação e de venda, a fim de preencher da maneira possivel aquelle consideravel deficit. Tenho aqui todas as leis que se fizeram a este respeito, e que não lerei para não tomar tempo á camara, mas ellas mostram que os direitos de importação não eram tão insignificantes como se tem pretendido inculcar.

A ultima lei que se fez para estes direitos foi a de 8 de fevereiro de 1810. Por essa lei os direitos de importação que pela lei anterior de '26 de fevereiro de 1806 eram para os tabacos importados em navios francezes de 198 francos os 100 kilogrammas, e em navios estrangeiros de 220 francos oí 100 kilogrammas, foram elevados para os primeiros a 396 francos, e para os segundos a 440 francos. Isto é, foram pela lei de 8 de fevereiro de 1810 elevados ao dobro os direitos estabelecidos pela lei de 26 de fevereiro do 1806. Pagavam se alem d'isto direitos de fabrico e venda, o que não obstou a que o rendimento do tabaco, que tinha sido no anno de '1809 do 15.262:097 francos, só attingisse nos dezoito mezes de 1810 e 1.° semestre de 1811 a cifra de 25.698:300 francos. Napoleão perdeu então a esperança de obter resultados vantajosos por este systema, e restabeleceu pelo decreto de 29 de dezembro de 1810 o monopolio, creando a régie. Eu tambem podia lêr agora esse decreto, mas não o faço porque elle é bem conhecido da camara. Só direi que o imposto do tabaco que nos cinco annos de 1806 até 1810, que foram os de maior rendimento, não chegou a produzir, termo medio, com a liberdade 17.000:000 francos, isto é, pouco mais de metade da receita do monopolio, restabelecido este produziu logo nos tres annos e meio de julho de 1811 a dezembro de 1814, 93.000:000 francos de rendimento liquido, isto é, 27.000:000 francos approximadamente, termo medio por anno, rendimento que augmentou progressivamente, e que em 1860 foi já de francos 137.000:000; isto é, cinco vezes o rendimento que tinha dado quarenta e nove annos antes.

Mas nós temos exemplos de casa, que me parece conveniente aproveitar; tanto mais quando eu sigo o exemplo que nos deu o sr. ministro da fazenda, que te referiu a elles, e com toda a rasão no seu relatorio.

Sr. presidente, já por duas vezes foi entalada a liberdade do tabaco em Portugal, e com os mesmos resultados que em França. A primeira vez não chegou a durar dois annos; a segunda não chegou a durar quinze mezes.

Eu não quero alardear erudição ante uma camara que conhece esta materia muito melhor do que eu. Não examinarei pois desde quando o tabaco começou a ser tributado em Portugal; referir me hei, como ponto de partida, á epocha que o nobre ministro cita no seu reino, quando diz que a primeira arrematação do monopolio de tabaco, de que ha conhecimento, foi feita em 1639, em Madrid, o que em 1642 foi publicado o alvará de 23 de agosto, que extinguiu este monopolio, estabelecendo o regime da liberdade. Essa liberdade era completa, comprehendia á liberdade de cultura, a de introducção, fabricação e venda, com á reitor de importação, fabricação e venda. Ignora-se quando acabou este systema, mas sabemos positivamente que em 26 de junho de 1644 já o monopolio estava estabelecido, porque por alvará dessa data foi commettida, a Bartholomeu Dias Ravasco a cobrança dos direitos do tabaco emquanto esteve extincto o estanco.

Seguiram-se umas poucas de arrematações até 1670, em que o monopolio foi arrematado pela quantia annual de 80:000 cruzados, por seis annos, a começar em outubro de 1671.

Em 1674 D. Pedro II, então principe regente convocou os tres estados, a fim de lhes fazer obedecer as necessidades em que se achava o reino, com relação ás despeza» dos presídios, conquistas, embaixadas e outros empenhos, os quaes exigiam que os estados concorressem com um subsidio extraordinario para lhes fazer face. Os tres estados resolveram votar para esse fim 1.000:000 cruzados por seis annos descontando-se a ultima contribuição que importava em 500:000 cruzados; o que reduzia assim o subsidio a 500:000 cruzados.

Os tres estados pensaram muito seriamente no modo de crear um imposto que rendesse este milhão e cruzados com o menor vexame dos povos. Muitos alvitres lhes foram suggeridos, e muita cousa se passou a este respeito. Esta historia é muito curiosa, mas julgo que a camara não quererá que eu a exponha agora em todo o seu desenvolvimento.

Entre as pessoas que offereceram alvitres representou um grande papel um certo Balthazar de Guadalupe, natural de Villa Real, que tinha ido para Hespanha em 1635, e que apesar da restauração do reino em 1640 se deixou ficar por lá, empregado em differentes ramos da administração das rendas publicas, especialmente na do tabaco. Este homem que tinha conhecimentos especiaes ácerca deste objecto, dirigiu memoriaes sobre memoriaes aos tres estados, sustentando que o tabaco só por si poderia dar o subsidio que se pretendia, quando até então só tinha servido para locupletar os contratadores. Tantas foram as instancias deste homem, que o governo nomeou uma junta composta de membros dos differentes braços das côrtes para examinai em os differentes projectos apresentados a este respeito. Essa junta pronunciou se a favor do alvitre aconselhado por Balthazar Guadalupe quanto a poder fornecer o tabaco a somma que se precisava. Restava estabelecer o meio de a obter. Novos alvitres foram lembrado?. Balthazar propunha o imposto de 100 réis por arrátel de todo o tabaco, vindo do Brazil. Montando este tabaco a 120:000 arrobas, como se verificou pelas certidões dos livros das alfandegas, só este imposto dava approximadamente o milhão de cruzados que se pretendia.

Oppoz-se a este alvitre, que sendo o consumo do tabaco no remo de 40:000 arrobas, e exportando-se 80:000, aquelle direito de 100 réis por arrátel faria cessar o commercio d'este genero, e que os estrangeiros o não exportariam, aproveitando se do que elles mesmos cultivavam nas suas conquistas; do que resultaria grande prejuizo á agricultura do Brazil e ao commercio do reino, que não poderia consumir todo o tabaco que se cultivava no Brazil. Que seria pois melhor estabelecer um direito de entrada de 20 réis por arrátel, e o imposto de 200 a 300 réis por arrátel sobre o tabaco que se consumisse no reino. Esta maneira de impor o tabaco daria effectivamente na primeira hypothese 832:000 cruzados, e na segunda 1.152 000 cruzados.

Contestou—se este novo expediente entre outras razões com a seguinte: que se o tabaco pagasse só 20 réis de imposto de exportação por arrátel, e 200 a 300 réis por arrátel de imposto de consumo, esta differença daria logar a um grande contrabando, exportando-se o tabaco e introduzindo-se depois furtivamente no reino.

Estas diversas opiniões foram discutidas na junta, a qual parece que te inclinava á opinião de se imporem 100 réis por arrátel no tabaco á sua entrada no reino sem nenhuma distincção entre o que se consumisse no paiz e o que se reexportasse. Ha tambem motivos para crer que esta mesma opinião chegou a ser approvada pelos tres estados. O que se sabe porém com certeza é que os tres estados, convencidos de que se o tabaco não podia fornecer todo o 1.000:000 cruzados de que se precisava, podia comtudo dar já um rendimento muito superior ao que d'elle se obtinha pela ultima arrematação; resolveram a 19 de julho d'aquelle anno offerecer um subsidio annual de 1.000:000 cruzados, levantada a contribuição doa 500:000 cruzados que se pagava até ali, devendo o mesmo subsidio durar seis annos, a contar de 1 de janeiro seguinte em diante, e sendo lançado por usuaes, em que havia de entrar o tabaco por 500:000 cruzados, tomando o governo por sua conta a arrecadação d'elle, e ficando o lançamento d'este imposto ao seu arbitrio, havendo os povos por absolvidos d'esta somma. Os outros 500:000 cruzados haviam de ser obtidos pelos usuaes offerecidos, que consistiam era 3 réis na carne e vinho, alem do real das fortificações, continuando-se na cidade de Lisboa com 4 reaes no vinho e 3 na carne.

Para se levar a effeito esta resolução foi creada a junta do tabaco, a qual, em consulta de 31 de julho, propoz que se estancasse e contratasse o tabaco, pagando o direito de 20 réis por arrátel. Esta consulta foi resolvida a 4 do agosto, declarando-se que depois de ouvidos sobre a mesma consulta ministros, que se reuniram na secretaria d'estado, se resolvêra que o estanco do tabaco fosse administrado por conta da fazenda.

Por decreto de 4 de setembro seguinte foram removidos os contratadores, e ordenou-se que se lhes tomassem contas, e que te lhes exigisse a entrega das escripturas dos arrendamentos das communas do reino, para que se soubesse com que quantias deveriam os rendeiros d'estas contribuir para a real fazenda. Mandou-se igualmente proceder ao inventario dos tabacos e fabricas que se lhes achassem, para que fossem entregues á ordem da junta, satisfazendo-se tudo aos contradores na fórma das condições do seu contrato.

Em consulta de 4 de outubro declarou a junta que tendo procurado obter do tabaco por arrendamento 580:000 cruzados só conseguira 520:000. Em consequencia do que tinha resolvido fazer o estanco por couta da fazenda; mas que lhe parecia, que separando-se o estanco da índia, se deveria fazer o arrendamento do estanco do reino e ilhas por 480:000 cruzados em cada anno, por pessoas seguras que já tinha buscado alem de 10:000 cruzados para as despezas da mesma junta.

Tendo sido mandados remover os contratadores só do dia 31 de dezembro daquelle, anno em diante começou a administração da junta em 1 de janeiro da 1675. Estavam feitos varios arrendamentos, que deviam começar n'esse mesmo dia, sendo o systema da junta arrematar as comarcas e administrar os estancos que não podesse arrendar com vantagem. Esses arrendamentos eram feitos por tres annos.

O primeiro triennio foi pois de 1675 a 1677; o segundo de 1678 a 1680, e o terceiro de 1681 a 1683. Cito estas datas para que se possa entender a consultada junta de 12 de janeiro de 1682 em que ella diz: «Que mandando proceder á arrematação das comarcas se offereceram preços tão excessivos que se não imaginava que houvesse quem quisesse, dar por ellas tanto dinheiro. Já se vê pois que o preço da arrematação foi muito alem dos 490:000 cruzados que ajunta esperava obter pelo estanco, do reino é ilhas,

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porque, se não fosse assim, não havia motivo para esta admiração. «Apesar d'isso, continua a consulta, no segundo arrendamento subiram os preços a ponto tal, que excederam os do primeiro triennio em 185:000 cruzados por anno» E no terceiro arrendamento, que comprehendia aquelle anno, de 1682, houve um novo augmento de 80:000 cruzados, o que dava um augmento de 265:000 cruzados por anno sobre o primeiro arrendamento».

Referi todas estas circumstancias para mostrar que o sr. ministro não foi muito exacto no seu relatorio quando disse que o systema mixto de régie e arrematação, que vigorou n'este paiz, e a phrase é exacta, de 1674 (mais exactamente 1675) a 1698, produziu um pequeno augmento. Não, senhor, teve um augmento tamanho, que nos primeiros annos produziu aquelles 265:000 cruzados; augmento, que continuou por certo, porque o Senhor D. Pedro II, tendo convocado de novo os tres estados no fim do anno de 1697 para reconhecerem o principe real e revogar o capitulo 3.° das leis de Lamego sobre a successão, e tendo aproveitado esta occasião para pedir um novo subsidio de 600:000 cruzados, os tres estados votando esse subsidio sustentaram que elle podia saír do tabaco, alem dos 500:000 cruzados que já dava e do usual de 500:000 cruzados que deveria ser abo lido por se ter por certo que isto póde caber ainda no seu rendimento, mudando-lhe a fórma que agora tem e extinguindo os estanques. São as palavras formaes da consulta do congresso da nobreza de 13 de janeiro de 1698.

A esta consulta respondeu El-Rei nos seguintes termos:, «Porque desejo muito o alivio dos meus vassallos approvo o arbitrio que me propõem o estado da nobreza de que «se procure dar nova fórma ao tabaco, da qual se possa esperar que produza os 500:000 cruzados que ao presente «saem d'aquelle effeito, os 130:000 dos juros, a que originalmente está obrigado, os 600:000 com que o reino de «novo me serve e os 500:000 impostos nas usuaes, tirando use for possivel os estanques.»

Esta resposta de Sua Magestade é de 21 de janeiro de 1698; mas no decreto de 6 de abril d'esse mesmo anno que resolvia definitivamente esta questão, ordenou El-Rei que se desse nova fórma á administração do tabaco a começar do 1.° de janeiro de 1699, abolindo se os estanques a fim de que o tabaco póde se produzir não os 1.600:000 cruzados já designados, porém ainda a importancia dos juros o a composição da liberdade da rainha; o que tudo elevava o rendimento que se esperava do tabaco a 1.800:000 cruzados.

A nova fórma que se deu á administração do tabaco e que começou no 1.º de janeiro de 1699, foi a seguinte:

A junta tinha o monopolio da importação e venda do tabaco em bruto; mas era livre a quem quizesse compra-lo a sua manipulação e venda. Era um systema de liberdade, mas com restricções como o actual. Havia a liberdade do fabrico e da venda do tabaco manipulado, mas a venda do tabaco em bruto reservava a a fazenda para si. Ajunta com tudo fabricava tambem o tabaco e o vendia fabricado por conta do estado.

Quer a camara saber qual foi o resultado d'esta reforma? Foi que emquanto o rendimento do tabaco era calculado em 1.800:000 cruzados, desceu por tal fórma que seis mezes depois da mesma reforma a junta foi obrigada a dirigir ao governo a consulta de 4 de julho, de que vou lêr á camara o extracto seguinte:

«Consulta em 4 de julho de 1699 —Dando conta de ter «a junta tratado e com todo o cuidado da nova administração mandada dar ao tabaco, ordenando a sua venda em rolo, assim no estanco real a rolos inteiros, como por pesos miudos em lojas particulares; mostrando em poucos «dias a experiencia que era necessario haver tabaco de pó, «o tinha mandado fazer para se vender por conta da fazenda, sem prejuizo da liberdade permittida a todos os que quizessem fazer tabaco de pó comprando á fazenda o rolo.»

Se houvesse alguma duvida ácerca da nova fórma, da administração do tabaco aqui está ella explicada e bem explicada n'esta consulta da junta:

«E por ser notorio que muitas pessoas usavam de fabricas e vendas de outros tabacos, por o venderem por taes preços, que não era possivel que o comprassem a 600 réis; prohibiu se o venderem-se por menos preço; e para haver n'este particular toda a vigilancia e cautela para se evitarem os descaminhos, passou a junta ordens a todos os ministros do reino. Apesar de tudo, nos termos em que este negocio se achava, era infallivelmente certo que não havia produzir o tabaco, por este caminho, o que d'elle se pretendia; o que com toda a clareza se ía vendo pela conta que se estava tirando do que tinha rendido nos primeiros seis mezes, com as vendas nas comarcas, supposto que pelo tabaco vendido no estanco real d'esta cidade, que era o mais, se visse que abatidos os gastos das compras e mais despezas do fabrico, não chegava, nem podia chegar a dar de si o tabaco, o computo necessario para se acudir ás consignações que estavam impostas sobre o seu rendimento.

«Em vista do que, pareceu ajunta dever dar conta, para se considerar esta materia e dar ao tabaco outra fórma de que se tirasse maior conveniencia, visto que, da que existia não se podia tirar a utilidade que se pretendia.»

Note a camara. A junta pediu já que se desse ao tabaco outra fórma, visto que o systema adoptado, o da abolição dos estancos, com a liberdade do fabrico e venda, não tinha dado os resultados, que d'elle se esperavam.

Querem os dignos pares saber qual foi a idéa que occorreu logo ao governo, para remediar os inconvenientes expostos n'esta consulta! Foi a de derramar esses 1.800:000 cruzados, que se não podiam obter do tabaco, por todos os fogos do reino! (Apoiados.)

Vozes—É verdade

O Orador: — Aqui está a carta regia de 20 d'esse mesmo mez de julho, que bem claramente o manifesta. Se eu não receiasse incommodar a camara com a leitura d'este documento, ver-se ía que conto a historia com ella é. Vozes: — Não incommoda, leia, leia.

O Orador: — Pois então eu o vou lêr (leu).

«Juiz, Vereadores e procurador da camara da villa de Barcellos: eu El Rei vos envio muito saudar. Extinguindo-se o estanco do tabaco, e levantando se os usuaes no ultimo dia do anno passado na fórma que o reino me tinha pedido em côrtes, e começando no primeiro d'este anno a praticar se o novo modo de administração que se deu ao tabaco que foi a que pareceu mais util e conveniente aos deputados dos tres braços do reino, pelos quaes na secretaria do estado mandei ver, e conferir todos os arbítrios que se haviam offerecido para se tirar pelo genero do tabaco o computo do 1.800:000 cruzados em cada anno promettido na mesmas côrtes; tem mostrado a experiencia que o rendimento do tabaco não corresponde ao que se esperava, e representando me a junta d'elle a falta que havia no seu rendimento, e a dos tres estados a necessidade que tinha de se lhe fazerem certas as consignações para os pagamentos da gente de guerra, e sus tento da cavallaria; fui servido mandar ver o considerar novamente esta mataria com alguns arbítrios que ultimamente se haviam offerecido sobre o mesmo tabaco, e entendendo-se que todos eram impraticáveis e que ainda sendo de embaraço para o commercio e de. perigo para o genero, nunca produziria o tabaco o 1.800:000 cruzados, e que os outros meios subsidiariamente apontados nas coites não seriam de importancia, havendo de ser qualquer imposição n’elles do maior prejuizo que do utilidade aos povos,; pareciam que se havia chegado aquelle termo em que era preciso passar se á repartição do tabaco pelos fogos do reino, pela qual se poderá tirar todo o computo necessario; e promettido porque feita a repartição com justiça e igualdade, será este tributo moderado, suave e rendoso; o desejando eu em tudo o maior bem e alivio da meus vassallos e mostrar lhes quanto procuro por todos os meios possiveis que o genero do tabaco seja tributado, como repetida e instante mente me pediu o reino em côrtes; fui servido resolver que se tratasse de examinar o que poderia produzir a reparti cão do tabaco pelos fogos, para que achando-se que com maior suavidade que outro qualquer tributo dava de si o computo promettido se pode-se reduzir a pratica e execução; como esta meteria é a de maiores consequencias pira o meu serviço, porque d'ella totalmente depende haver sete oppressão dos povos o que se considerou necessario para sua conservação e defensão, ou ser preciso tirar se por outro tributo que opprima com maior paro a meus vassalo, porque o computo do 1.800:000 cruzados cada anno, indispensavelmente se ha de tirar do reino, pois o escudo premente da Europa não permitte se alterem as disposições militares com que o reino deve estar armado e previnido para qualquer acidente que o tempo offereça; e assim fui ser vido encarregar a todos os ministros de letras das diligencias necessarias para averiguação dos fogos que tiverem as cidades, villas e logares da sua repartição, e o rendimento que poderá ter cada anno a cabeça de Cada fogo por qualquer genero de fazenda ou de lucro, como se vê do formulario, de que com esta se vos remette a copia, e n'essa villa ha de fazer estas diligencias e averiguações o juiz de fóra, tendo por adjuntos os dois procuradores das côrtes passadas, nomeados por essa villa, porque do seu zêlo e cuidado confio, que procurarão se ficam com tal exacção e verdade como convem em materia do tanta importancia e quando algum feito, esteja ausente, ou se ache impedido, nomeareis outra pessoa que seja da sã consciencia, conhecida verdade, e intelligente nos cabedaes tratos grangeorios […] e fazendas dos moradores d'essa villa e seu termo, e na falta ou impedimento de ambos os procuradores nomeareis duas pessoas que tenham as qualidades referidas, e espero de tão bons e leais vassallos que pela vossa parte ajudeis e concorraes com tudo o que for possivel para que n'estas diligencias se executem as minhas ordens, como convem a meu serviço e ao maior bem dos povos, porque da verdade e exacção com que se fizerem, resultará poder praticarão a repartição do tabaco, ou ser necessario passar-se sem impor outro tributo que renda 1.800:000 cruzados.

«Escripto em Lisboa a 20 de julho de 1699. = REI.=»

Direi de passagem, antes que me esqueça, que o tabaco que se esperava que rendesse 1.800:000 cruzados por anno, apenas rendeu no anno de 1699, comprehendendo a índia 489:000 cruzados, isto é, a quarta parte do que se esperava que havia de render.

A carta regia que acabo de lêr, não ordenou pois, como diz o sr. ministro no seu relatorio, a repartição do imposto do tabaco pelos fogos do reino, ordenou só um trabalho preparatório para se conhecer se era possivel effectuar essa repartição. Não ha documento algum que mostre, que este trabalho se concluisse, nem ao menos que tivesse sido começado.

O que se sabe é que, oito mezes depois d'esta carta regia, já estava restabelecido o estanco, e poucos mezes depois arrematado o tabaco por 1.536:000 cruzados.

Eis-aqui o que nos diz a historia n'uma situação analoga aquella era que nos achamos. O rendimento do monopolio crescia todos os dias. De 80:000 cruzados, porque fóra arrematado em 1670, chegou a render dez annos depois cerca de 1.000:000 cruzados, posteriormente continuou a crescer a ponto que em 1698 os tres estados e o governo entenderam que elle podia render 1.800:000 cruzados. Mas em logar de se seguir e melhorar o systema que tinha tido tão bons resultados, quiz-se fazer uma experiencia de liberdade, e aboliu-se o estanco. Essa experiencia durou pouco; porque o desengano não tardou com uma diminuição espantosa no rendimento. Occorreu então, obter pelas contribuições directas o que deixava de produzir o tabaco; porém felizmente renunciou-se a esse expediente, e estabeleceu-se o monopolio. E exactamente o que está acontecendo, e o que ha de continuar a acontecer. O rendimento do tabaco ía em augmento (apoiados), e era logar de se manter e melhorar o systema da sua cobrança, que dava tão bons resultados, vae substituir-se pelo systema de liberdade, mas liberdade rachitica como foi a de 1699. D'essa substituição ha de resultar, como n'aquella epocha, uma grande diminuição na receita, e as contribuições directas é que o hão de pagar (apoiados). Lá está o principio estabelecido já para as ilhas (apoiados), principio que depois lembrará tambem para o continente (apoiados). Ninguém se deve admirar de que a camara me apoie, porque o principio que se vae applicar ás ilhas é a demonstração de que não se achou outro meio de supprir a falta da receita do tabaco senão as contribuições directas, e por consequencia que no reino se ha de recorrer a esse mesmo meio (apoiados). Mas finalmente é esta a minha convicção profunda, ha de se voltar, como em 1700, ao monopolio depois de se terem perdido alguns milhares de contos na malfadada experiencia que se vae fazer.

E note a camara que para evitar esse retrocesso, que julgo inevitavel, apesar de tudo, as tres commissões, ou, para melhor dizer, o seu illustre relator, foram ainda muito alem do governo, porque vieram propor a venda da fabrica em que não pensava o governo. Pois não seria melhor conservar o estado, por ora, essa fabrica, e arrenda la como até aqui? Se a experiencia vingasse, não lhe faltaria occasião para a vender, e por melhor preço do que a venderá agora. Se não vingasse, lá tinha a fabrica prompta, e evitaria o grande desembolso que será obrigado a fazer se quizer administrar o monopolio por sua conta. Eu não vejo vantagem alguma n'essa venda desde já, e por isso hei de votar contra ella, se for approvada a abolição do monopolio.

O sr. ministro julga que ha de ganhar uma grande gloria com esta reforma. Oxalá que assim seja, porque será uma prova de que se realizaram as vantagens que a. ex.ª d'ella esperava obter, com o que muito ganhará este paiz. Mas eu que estou persuadido de que d'esta proposta ha de resultar uma grande diminuição de receita, e o seu preenchimento por novos encargos sobre a propriedade, vejo a questão de uma maneira inteiramente diversa. Não é a abolição de monopólios, como o do tabaco, que fazem a reputação de um ministro. Nenhum economista quebra lanças pela abolição de taes monopólios. O tabaco nem é um artigo indispensavel á alimentação publica, nem satisfaz nenhuma necessidade real. Os que o não consomem passam pelo menos tão bem como aquelles que fazem uso d'elle. E pois um imposto que paga quem quer. Maior gloria ganharia s. ex.ª se podesse inventar outro monopolio d'esta natureza, de que lhe resultasse a creação de uma receita de 2.000:0000000 réis com que substituisse as nossas contribuições directas (riso.—Apoiados.) Se tal fizesse, merecia o sr. ministro da fazenda que lhe levantassem estatuas em todas as terras do reino (apoiados).

Esquecia me dizer uma cousa, que não quero que me esqueça, e é que se for necessario voltar ao monopolio ha de custar a repor as cousas no estado em que se achavam antes do estabelecimento do systema da chamada liberdade, precisamente como aconteceu na epocha a que já me referi. O paiz ha de achar se inundado de tabaco, em grande parte introduzido por contrabando, e a cultura da herva santa ha de ter feito tambem grandes progressos, e ha de ser difficil extirpa la. O monopolio não ha de produzir pois nos primeiros annos o que poderia produzir e o que rendia antes do regimen da liberdade. Assim aconteceu em 1700, em que o monopolio do tabaco fui arrematado por 1.536:000 cruzados, mas em que por aquelles motivos taes perdas teve o arrematante que o estado foi obrigado a tomar-lhe contas como se elle tivesse sido mero administrador; e em 1701 só pois ser arrematado o monopolio por 800:000 cruzados. Ainda assim foi este preço o dobro do se tinha obtido com o systema ria liberdade dois annos antes.

Nós vamos agora renovar esta experiencia e vamos renova la com os mesmos resultados. E minha convicção de que o rendimento do tabaco não chegará por este systema a 1.000:000$000 réis, e que a perda annual será por consequencia, pelo menos de outros 1.000:000$000 réis. Esta perda não se notará no primeiro anno em vista dos depositos, que têem os contratadores actuaes, e que pagarão a differença dos direitos; mas preparem se para ella do segundo anno em diante.

Agora, sr. presidente, vou dizer duas palavras a respeito da nossa situação financeira, e do deficit do nosso thesouro; porque me parece que esta era uma das considerações, que as tres illustres commissões deviam ter em vista. São estas as lições que nos dão 03 homens d'estado na Inglaterra, cujo exemplo aqui se tem citado. Quando sir Robert Peel tez a sua reforma, porventura levou-a, á execução sem garantir o thesouro contra a diminuição de receita, que essa reforma poderia produzir? Não, senhoria, recorreu ao incometax. Mr. Gladstone reconheceu no discurso que fez no parlamento a 8 deste mez, e que já citei, que havia tributos que careciam de, ser reduzidos, porque eram vexatórios, e o acrescentou «agora que temos 3 000:000 de excedente, vou tratar de propor algumas reducções, principalmente no assucar». Mas se o orçamento não mostrasse, que havia esse excedente, de certo que não fallava n'essa reducção, como o tinha feito até ali.

Eu não quero estar aqui a architectar cifras; contento me com as que se encontram no parecer da commissão do orçamento da camara dos srs. deputados. Essas cifras mostram que o deficit ordinario para o anno de 1864-1865 é de 439:0000000 réis, e o deficit extraordinario de réis 2.646:0000000, total 3,085:0000000 réis. Não nos tranquillisemos por se chamar, a uma parte d'este deficit deficit

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ordinario, e a outra deficit extraordinario, porque ambos esses deficits hão de ser preenchidos por meios extraordinarios! (Apoiados.) E que meios hão de ser? Ha de ser por força uma grande emissão de titulo de divida fundada, que hão de augmentar todos os annos, e progressivamente, a nossa despeza. Se na feitura deste orçamento o sr. ministro tivesse cumprido as determinações do seu proprio regulamento de contabilidade, como deverá cumprir no anno seguinte, o deficit seria de mais do 4.200:000$000 réis, ou mais exactamente ainda de mais de 4.600:000$000 réis, porque desde que foi apresentado aquelle parecer na camara dos senhores deputados as novas propostas de despezas apresentadas pelos srs. ministros importam em mais de réis 400:000$000.

Eu faço votos para que se realize as experanças do sr. ministro, quanto ao rendimento das alfandegas; mas não creio que esse rendimento possa ter todos os annos o augmento que s. ex.ª calcula. Esse augmento em relação ao anno de 1864-1865 foi calculado em 1.000:000$000 réis approximadamente, sobre o rendimento de 1862-1863, o que equivale a um augmento annual de 500:000$000 réis. E a experincia dos nove primeiros mezes d'este anno já demonstra, que tal augmento não terá logar este anno, e que por consequencia não poderá ter logar no anno seguinte, em vista das proprias bases do nobre ministro, na cifra calculada por s. ex.ª a alfandega municipal, em logar de augmento, nem ao menos tem tido o rendimento do anno ultimo. A alfandega grande de Lisboa, e a do Porto, tambem não têem rendido o que o nobre ministro esperava, e é minha opinião, que se essas tres alfandegas renderem este anno, em logar dos 500:000$000 réis imaginados por e. ex.ª; réis 250:000$000 sobre o rendimento do anno ultimo, nos devemos dar por muito felizes. Mas só por este lado o deficit do orçamento de s. ex.ª deve augmentar em 500:000$000 réis.

Para o augmento consideravel que o rendimento das alfandegas, e com especialidade as de Lisboa e Porto, teve nos ultimos dois annos, concorreram circumstancias extraordinarias que não é licito desconhecer.

O oidium tukeri que tem devastado as nossas vinhas tem dado logar a uma importação extraordinaria de aguardente, cujos direitos figuram na receita da alfandega do Porto numa cifra que orça por 600:000$000 réis. Acabado esse flagelo desapparecerá essa receita.

O sr. ministro da fazenda contratou dois emprestimos, n'estes dois ultimos annos, para fazer frente ás subvenções doa caminhos de ferro, e esses emprestimos deram logar a que entrassem n'este paiz 14.000:0000000 réis de receita extraordinaria, de que a maior parte foi empregada em jornaes. Desta circumstancia resultou um beneficio consideravel para as classes laboriosas, e um grande melhoramento na sua situação. Mas esse beneficio e esse melhoramento estendeu-se tambem aos outros operarios; porque os jornaes não augmentaram só para os operarios dos caminhos de ferro, augmentaram para todos (apoiados). Esse augmento de salarios que representa muitos mil contos derramados no paiz, e derramados em proveito das classes operarias traduz-se n'um augmento de consumo, e por consequencia n'um augmento do rendimento dos direitos cobrados nas alfandegas (apoiados). Hão de ter logar todos os dois annos emprestimos de 14.000:000$000 réis? Deus nos livre que tal acontecesse, porque estavamos perdidos (apoiados).

Eu acredito pois no augmento do rendimento das alfandegas, e necessariamente a prosperidade que se está derramando n'este paiz, ha de traduzir se num augmento de receita.

O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.

O Orador: — Mas o que não creio é que esse augmento tenha logar na progressão rapida, e indefinida que s. ex.ª calcula. Faço votos para que seja eu que me engane; porque o paiz nada perde em que sejam inexactas as apreciações de um membro do parlamento; mas perderá muito se em vista de apreciações inexactas do governo se votarem medidas inconvenientes e que comprometiam altamente o seu futuro (apoiados).

Eu aceito porém, torno a dizer, os calculos do nobre ministro a respeito do rendimento das alfandegas, e calculo o deficit como o calculou a commissão do orçamento da outra camara em 3.085:000$000 réis, eu mais exactamente em 3.600:000$080 réis, em vista das novas despezas propostas pelo governo depois do parecer d'aquella commissão. Para fazer frente a esse deficit o sr. ministro ha de fazer uma emissão de 8.000:0000000 réis de divida fundada.

O sr. Ministro da Fazenda: — Oito mil contos?

O Orador: — Oxalá que fossem 7.000:000$000, que fossem 6.000:000$000 réis! Em todo o caso é uma emissão que augmenta a despeza publica, e ainda que a receita vá augmentando todos os annos, como a despeza publica tambem augmenta, esse augmento de receita não é todo real, porque uma parte delle, senão o todo, é absorvida pela despeza.

Ora, sr. presidente, este deficit de 3.600:000$000 réis excede a quarta parte da nossa receita. Examinando com toda a attenção o relatorio do nobre ministro, vejo que no anno de 1862-1863 a receita não chegou a 14.000:000$000 réis; eu tenho aqui a cifra exacta. Segundo o documento n.º 95 desse relatorio foi a receita de 14.564:000$000 réis, cifra redonda. Mas n'esta receita ha uma verba, que não é verdadeiramente receita, é a de 680:000$000 réis de juros das inscripções, que pertencem ao thesouro. Deduzida essa verba a receita real é de 13.884:000$000 réis. Não façamos essa deducção: é ainda, apesar disso, o deficit approximadamente a quarta parte da nossa receita.

E tambem verdade que o rendimento do tabaco, que anda hoje por 1.758:000$000 réis, é proximamente a oitava parte do rendimento do nosso thesouro, e excede a! proporção que ha entre este rendimento e a respectiva receita, na Hespanha, na França, na Austria e na Inglaterra. Em Portugal, como disse, este rendimento é 1/8 da nossa receita, na Hespanha 1/9, na Austria 1/10, na Inglaterra 1/12 e na França 1/13.

Se tivessemos um orçamento, como na Inglaterra, com uma receita de 70.000:000 libras, a nossa receita do tabaco equivaleria approximadamente a 9.000:000 (1/8 de 70.000:000), e o deficit (a quarta parte) seria de 17.000:000 libras d'esse orçamento. Chamo a attenção da camara para este ponto, que é muito importante. Imagine a camara que o chanceller do exchequer, mr. Gladstone, se apresentava diante do parlamento britannico, e dizia: «tenho um deficit de 17.000:000, que ha de durar ainda uns poucos de annos; apesar d'isso quero fazer uma experiencia n'uma das principaes receitas do thesouro, uma receita que produz 9.000:000 libras.» Peço aos dignos pares que me respondam, com a mão na consciencia, se julgam que haveria um só membro d'aquelle parlamento que votasse por tal medida? Estou certo que os dignos pares me responderão, que nem um (apoiados).

Eu já referi á camara o que disse o Economist de 14 de fevereiro de 1863, procurando desvanecer a impressão que tinha feito em. Inglaterra a reducção de direitos proposta por mr. Gladstone n'aquelle anno sobre o tabaco manufacturado depois de provar que este não era nem um por cento do tabaco despachado para consumo, e que por consequencia o principal rendimento, que o thesouro auferia do tabaco provinha do tabaco em bruto, acrescentou aquelle esclarecido jornal: «Nenhum financeiro em seu juizo perfeito ousaria tocar n'um rendimento tão consideravel sem ter meditado muito, e sem ter feito proceder a inqueritos muito bem elaborados» (apoiados). Se nós queremos adoptar tudo quanto se faz em Inglaterra, imitemos tambem a prudencia e circumspecção com que ali se resolvem estas questões.

Do exemplo da Inglaterra e do da França tiro eu, porém, uma outra consequencia, e é que cada paiz deve conservar o seu systema de impor o tabaco, uma vez que se dê bem com elle. A França conserva o seu, apesar dos seus inconvenientes, porque delle aufere um grande rendimento. A Inglaterra conserva o seu pelo mesmo motivo, apesar dos rigores de fiscalisação que é obrigada a empregar, e nós deveríamos tambem conservar o nosso, sobretudo agora, em que elle nos offerecia todos os dias melhores resultados e não deveríamos comprometter por uma experiencia pouco reflectida uma das mais valiosas receitas do thesouro, quando tamanhos encargos pesam sobre elle.

E já que fallei dos rigores da fiscalisação era Inglaterra, onde as menores faltas são punidas com as penas mais severas, perguntarei se a suavidade dos nossos costumes, se a nossa actual organisação social permittirão esses rigores? E se apesar delles em Inglaterra o contrabando é tamanho, o que não acontecerá entre nós, em que a severidade fiscal se não póde exercer como se exerce n'aquelle paiz?

E agora occorre me uma circunstancia, a que me parece que se não deu bastante attenção. É a condição 56 do contrato de arrematação, que diz o seguinte:

«Nos crimes do contrabando do tabaco cessa a acção criminal havendo o perdão dos contratadores.»

D'esta condição resulta que não ha nunca grande rigor nas penas impostas por estes crimes; porque os contratadores ou a pedido de pessoas influentes, ou pelos impulsos do seu proprio coração, estão sempre promptos, como eu disse já, a conceder o perdão, contentando se com uma pequena multa, que os indemnise do damno que lhes foi feito. Mas de hoje em diante o delinquente vae para a cadeia, ninguem o póde mandar soltar, é necessario que o processo siga os seus tramites, que haja sentença condemnatoria, e que esta tenha transitado em julgado para que o poder moderador possa perdoar. Ora pergunto eu, não é possivel, passando este projecto, que um desgraçado esteja preso annos, por uma falta insignificante, antes que possa obter o perdão que é ainda a hypothese a mais favoravel em que se póde achar? Tiveram as commissões em attenção esta circumstancia? Não o creio. E que resultará d'aqui? Resultará que a parte penal do projecto não ha de ser executada (apoiados).

O que isto prova é que as questões subsidiarias á solução deste grande problema ainda não estão estudadas (apoiados) Por isso é que cada vez mais me persuado da necessidade de uma commissão de inquerito, que estudasse esta questão debaixo de todas as relações, que inquirisse debaixo de juramento os homens mais competentes, como por exemplo o digno par o sr. Izidoro Guedes, o digno par o sr. Eugenio de Almeida, os contratadores actuaes, e os dos contratos precedentes, os directores das fabricas, os homens que têem feito o commercio do tabaco, os funccionarios, por cujas repartições tem corrido os negocios do contrato (apoiados) Essa commissão deveria tambem estudar a questão nos outros paizes, e ouvir os homens competentes que por lá se encontram, e se não recusam nunca a dar os esclarecimentos, que se lhes pedem. Só assim se poderia julgar habilitado o parlamento a resolver uma questão de tamanho alcance.

Dirá o sr. ministro, que fez esse estudo, e que baseou sobre elle a sua proposta; mas como eu já estive por bastante tempo na situação de s. ex.ª, peço-lhe licença para lhe dizer, que apesar da sua muito boa vontade e elevada intelligencia, um homem só não póde fazer todo este estudo, vendo se sobretudo impreterivelmente obrigado a attender a tantos negocios do estado, como são áquelles que têem sempre de occupar a attenção de um ministro. Este estudo carece de ser feito por homens especialíssimos, embora debaixo da direcção do ministro. E o proprio relatorio de s. ex.ª, e o debate que teve logar na outra camara, e está tendo logar n'esta, provam de sobejo que esse estudo não está feito.

Antes de concluir, e é tempo de o fazer, peço licença para lêr um trecho de um artigo que já foi publicado n'um dos jornaes desta capital, e que tem uma applicação palpável á questão que nos occupa: é o artigo monopole que vem na 10.º caderneta do diccionario geral da politica de Mauricio Block, que chegou ha pouco a esta capital. N'esse artigo que é de mr. C. Lavollée, lê se o seguinte:

«Estabelecendo-se o imposto do tabaco (e não ha imposto que melhor se justifique), toda a questão consiste em saber qual é o modo mais seguro de o cobrar. Na Inglaterra a cultura do tabaco é prohibida, e a importação do tabaco estrangeiro sujeita a direitos muito elevados. Com estas condições o commercio e a venda ficam livres. Em França a cultura do tabaco é auctorisada com certas restricções, porém o estado reserva se a compra dos productos nacionaes e estrangeiros, e a venda aos consumidores. Sob duas formas differentes é o monopolio em ambos os casos, mas a julgar-se pelos preços de venda e pelos productos vendidos ao publico é o systema porém que parece mais vantajoso ao consumidor e ao estado. Emquanto existirem as necessidades do thesouro o tabaco parecerá um dos meios de as satisfazer, e a régie uma das melhores formas de administração de uma materia essencialmente fiscal. E esta a opinião de mr. Wolowski, partidista muito decidido da liberdade de commercio ».

Veja a camara como esta questão é encarada por um economista tão distincto, e de opiniões tão liberaes como aquelle, cujo nome acabo de citar.

Em conclusão, sr. presidente, julgo ter provado que esta chamada liberdade é o monopolio.

Que ainda que fosse a liberdade deveria ser repellida logo que compromettesse a receita do thesouro, porque não ha nenhum imposto mais justificado do que o que recáe sobre o tabaco.

Que compromette a receita do thesouro augmentando o contrabando, enfraquecendo a acção fiscal, e augmentando o cultivo da herva santa.

Que basta que o contrabando seja igual ao que ha na Inglaterra, e deve ser maior nas nossas peculiares circumstancias, para que haja uma diminuição na nossa receita de muitos centos de contos.

Que segundo os calculos do illustre relator, a adopção da proposta do governo importa o augmento dos preços da maior parte dos productos, com especialidade dos que hão de ser consumidos pelas classes pobres.

Que a liberdade tem sido ensaiada na Hespanha, na França e entre nós com muito maus resultados.

Que o desfalque da receita do thesouro, que ha de provir da adopção desta proposta, ha de ser supprido por contribuições sobre a propriedade.

Finalmente que a querer-se estabelecer o systema da liberdade a transicção que se deveria adoptar não é a que está no parecer, porém seria a administração por conta do estado, porque é este o unico meio de fazer reverterem beneficio do thesouro todas as vantagens a que elle tem direito, vantagens muito consideraveis, de que será privado, ou no todo ou na maior parte, com a adopção do mesmo parecer.

São estas as rasões que me levam com muita pena minha a votar contra a medida que está em discussão; mas antes hei de votar pela proposta do digno par o sr. Sebastião José de Carvalho (muitos e repetidos apoiados), proposta muito curial n'uma questão d'esta ordem, e nas circumstancias em que nos achamos (apoiados). Infelizmente porém hoje que tudo se attribue a politica, que se faz politica de tudo, ha de se dizer que essa proposta tem um fim politico, e que eu estou tambem agora aqui a fazer politica, quando a verdade é que estou até prejudicando a minha saude só pelo desejo de expor conscienciosamente as minhas idéas, fructo de muito estudo e meditação, sobre uma questão tão grave, e que tanto póde comprometter a situação do nosso thesouro. Se essa proposta for rejeitada ver-me-hei tambem obrigado a rejeitar o parecer.

Vozes repetidas: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Agora vou dar a palavra ao digno par o sr. marquez de Ficalho.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu já tinha pedido a palavra, e desejava obte-la por parte do governo, quanto mais que a camara dos dignos pares resolveu que se attenda a esta circumstancia.

O er. S. J. de Carvalho: — Eu peço a V. ex.» que me conceda a palavra sobre a ordem, e simplesmente para usar agora d'ella nesta conformidade, sem entrar em dicussão.

O sr. Presidente: — Em vista da declaração expressa e formal, feita pelo digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, não posso deixar de dar a palavra agora a s. ex.ª, para expor o que tem a dizer sobre a ordem (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: — Pediu a palavra sobre a ordem para se dirigir ao illustre ministro da fazenda, pedindo-lhe que nos declare em nome do governo, quaes são as disposições do projecto que se discute, ás quaes s. ex.ª liga importancia tal, que faça questão essencialmente politica; diz isto sem fazer outras considerações, agora n'este logar, pois que está inscripto para fallar ainda sobre a materia.

Aguarda as explicações ou declarações do illustre ministro, reservando-se o direito a qualquer resposta para logar opportuno, esperando tambem que a camara comprehenderá a grande rasão e muito interesse com que insiste n'este pedido.

O sr. Marquez de Ficalho (sobre a ordem): — Sendo aquelle que se seguia na ordem da inscripção, mas vendo que o sr. ministro da fazenda quer fallar, em nome do governo,

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pelo que deve preferir segundo está já resolvido pela camara, não se anima a tomar n'este logar a palavra sem saber se s. ex.ª convem em que elle sr. marquez se explique primeiro visto que s. ex.ª terá de fazer um discurso longo, quando elle orador apenas gastará de cinco até dez minutos (o sr. Ministro da Fazenda: — Eu cedo com muito gosto para fallar depois de s. ex.ª), e isto pela rasão que obriga a todo o homem publico em occasião tão solemne como está; e pela muito especial de estar assignado no parecer que se discute.

O sr. Presidente: — A regra que a este respeito foi ultimamente estabelecida pela commissão do regimento acaba hoje de ser votada pela camara; mas em vista do pedido do digno par e da annuencia do sr. ministro, póde V. ex.ª fallar n'este logar, conforme eu lhe havia já annunciado ao tempo em que o sr. ministro pediu a palavra.

O sr. Marquez de Ficalho: — Má sorte foi a sua em ter a palavra immediatamente depois de um dos principaes oradores d'esta camara. Não tencionava fazer um discurso e agora muito menos, porque não deseja tomar tempo á camara, que deve estar anciosa de ouvir o sr. ministro da fazenda; por consequencia será breve e lacónico; poucas palavras dirá e todas simples, pois o que tem a dizer não passa de uma explicação franca do que se tem passado comsigo n'esta questão.

O orador não queria o monopolio; ha trinta annos que contra elle protesta; e se assim não tivesse acontecido, pro testava agora, depois das observações que fez o sr. conde d'Avila, em relação ao poder dos contratadores, que é superior aquelle que tem o soberano e é conferido ao poder moderador. Quando não tivesse milhares de rasões, bastava esta, para rejeitar o monopolio, voltar-se para a nação e pedir-lhe que pagasse antes maiores contribuições. Também cão queria a régie; e pede ser despensado de expor todos os motivos, e entrar em maiores detalhes: e apenas fará uma observação ao seu antigo e constante amigo, o sr. conde d'Avila, cuja palavra tem por muito auctorisada.

S. ex.ª defendendo a régie, esqueceu-se de que as queixas são immensas nos paizes onde ella existe, e que em algum d'elles se diz que a centralisação tem produzido tal quantidade de dependentes que hoje ali os ministerios caem nos corredores do palacio. O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra. O sr. Presidente: — Pró ou contra? O sr. Marquez de Vallada: — Contra! O Orador: — Quer que o ministerio caía perante o parlamento e não nos corredores do palacio. E de outro paiz que s. ex.ª citou, o orador inveja muito a sua sabia e judiciosa administração, mas não a sua liberdade.

Já disse que não queria o monopolio; disse já que não queria a régie, e agora diz que não podia votar esta liberdade, porque a liberdade como a entendo, é o direito commum, era isso o que queria. Estes sustos e terrores que se estão proclamando ácerca do augmento do imposto, não influiram no orador: força maior foi a que o obrigou a não rejeitar o projecto na commissão, e lhe obsta a apresentar n'esta occasião uma substituição a esse mesmo projecto. Esse terror do desfalque que póde soffrer a fazenda publica tenho agora mais do que teria pelo verdadeiro systema livre.

Ha escolas differentes. A sua tem sido constantemente a liberdade; liberdade como a entende e tem pedido n'esta camara para todos e para tudo.

Ha perto de doze annos que se tratou aqui a questão da liberdade do commercio dos cereaes. O sr. presidente era já antigo membro d'esta camara, e sabe como o orador a tratou. N'essa occasião o sr. conde de Thomar, homem que considera e estima muito (ha de dize-lo diante de todos, porque tem a coragem das suas opiniões) disse-lhe: e Julgo que é cedo e o orador respondeu: é tarde. Se se examinar bem, se hoje essa questão vier ao parlamento, alguem se ha de levantar e dizer que não está ainda estudada; e entretanto ha doze annos que se tratou d'isso, e ha sete que vivemos com essa lei de liberdade, mas com um regulamento horrivel, como explicará alguma vez.

Tornando ao tabaco o que succede agora n'esta questão? A mesma cousa. Não está estudada; e não o está por desgraça nossa, porque muito se estuda em inglez, em allemão e em francez, e muito pouco se estuda na lingua portugueza (riso).

Expoz o seu procedimento n'esta questão, e disse que o governo teve a iniciativa n'um projecto de lei, e entendeu que elle era um justo meio. Em outro logar, como se diz nas casas do parlamento inglez, foi elle approvado e reputado justo. Elle, orador, teve a honra de pertencer ás commissões reunidas da camara dos pares, e não achou que o projecto fosse nem meio, nem justo. Não era meio pois, lhe parece, que a liberdade que se propunha era a excepção (muitos apoiados); não era justo nas suas innumeraveis restricções, porque a igualdade desapparecia, e só se via o privilegio (apoiados repetidos). O que fizeram as commissões reunidas? Quanto possivel approximaram o projecto o mais possivel á liberdade; não pozeram uma só restricção mais, e pelo contrario reduziram as que havia. A difficuldade do justo meio está em achar o equilibrio, e por isso é com muita repugnancia que ainda deixa de mandar do seu logar uma substituição para a perfeita liberdade. Todas as concessões que se fizeram foram-n'o á liberdade. Ali as licenças eram arbitrarias; aqui é quem estiver habilitado. Ali o direito que pagava o tabaco era exagerado; aqui diminue-se 20 por cento. Fez-se tudo quanto podia fazer-se a favor da liberdade e da igualdade, e não esqueceu o meio de augmentar na praça os preços. E aqui vem a famosa questão da expropriação.

Confessa ingenuamente que quando ouviu fallar da expropriação por utilidade publica tremeu! Ouviu com muita attenção os homens que reputava auctoridade; mas teve a infelicidade de não se poder convencer.

Não quer dar agora aqui as rasões que tiveram as commissões, porque tiraria o merecimento que ellas devem ter quando outros se explicarem a este respeito; lembra simplesmente uma cousa. É zeloso pelo direito de propriedade como talvez não haja nenhum outro; mas observa que as expropriações se fazem todos os dias.

De passagem dirá não ter nenhuma antipathia com os actuaes contratadores, é até intimo amigo de alguns; mas não deve occultar que isso de que se queixam é aquillo que praticam e muito peior, pois chegam a uma cavalgadura que está na cavalhariça de seu dono, e dizem: «Está expropriada até á noite, para levar uma carga de tabaco». Isto é cem vezes mais odioso! «Está expropriada, e á noite lhe darei seis tostões». Isto tendo estragado uma besta, que custou umas poucas de moedas! D'estas expropriações ha aos milhares no paiz.

Disso que era opposição antes de assignar o parecer, e é opposição depois de o ter assignado. Se ha alguma irregularidade na sua conducta, é por certo, por não se haver combinado sobre a decisão que se havia de tomar. Podia ter consultado os seus amigos; roas consulta-los em que?

Rejeita o projecto porque não quer a régie, nem quer a liberdade do modo como ella vem no projecto.

Quando diz que é opposição os motivos não são para aqui; terá occasião opportuna de os declarar; mas declara desde já que não é opposição aos homens, porque a todos deve favores, e no governo está o homem de quem é mais amigo n'este mundo—é o sr. general Passos: nem podia deixar de o ser, porque entre os braços de ambos morreu um rei, um amigo, um justo!... e depois d'isto a separação já é impossivel!

É opposição porque vê que se não respeita o governo constitucional, porque se lhe não attende a toda a hora e a todo e instante; e por isso tem o presentimento de que o governo constitucional não acabará bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Sr. presidente, a questão que nos occupa é grave, importante, exige toda a attenção da camara, e da minha parte a concentração de todas as minhas faculdades, e principalmente quando tenho de responder a um orador tão distincto e notavel como é o digno par, o sr. conde d'Avila.

Sr. presidente, o governo teve a honra de apresentar este projecto e sustenta as suas disposições, apesar da voz auctorisada do digno par, que o combate com todas as suas forças. Não me póde demover nenhuma das asserções apresentadas por s. ex.ª, e não acho fundamento algum nos argumentos que adduziu, e até alguns d'elles me parecera contradictorios.

O digno par, o sr. conde d'Avila, para incutir uma opinião n'esta casa do parlamento e no paiz, era necessario que to mostrasse convicto; porém 8. ex.ª não o está, fluctua: apesar de ter estudado a questão não tem um systema determinado.

Sr. presidente, com quanto se não apresente esta questão debaixo de aspecto politico, no fundo d'ella existe effectivamente alguma cousa de politica, e alguns oradores mais novéis e menos experimentados assim o tem demonstrado em algumas preguntas dirigidas ao governo, como aquella que me dirigiu o digno par Sebastião José de Carvalho. Que importa ao digno par saber qual o ponto em que o governo faz questão politica? Pois o digno pare a camara querem discutir esta questão como questão economica e de conveniencia publica, ou como questão politica? Isto denuncia o pensamento politico que preside a esta discussão; deseja-se saber o ponto em que o governo colloca a questão politica, a fim de ser atacado por esse lado. Eu não tratarei a questão n'esse campo; a significação politica que ella tem está na consciencia de todos; ha muita gente que nesta occasião procura levantar um conflicto entre as duas camaras para fazer caír o governo. Esta situação todos a percebem embora se lhe queira dar um outro colorido. Eu não faço injustiça ás intenções dos dignos pares: estou convencido que os que têem fallado sobre este assumpto, têem no feito Rogando a? suas convicções. Parece-me que fallando por esta fórma sou imparcial. Faço igualmente justiça ás intenções do digno par o sr. conde d'Avila e suppondo que s. ex.ª não aconselharia uma medida que reputasse nociva ao seu paiz, e por esta occasião não posso deixar de declarar que me admiro do modo como s. ex.ª se tem dirigido n'esta questão, porque na verdade não tem andado com muita coherencia. Antes de seguir a questão em todos os pontos e de confutar as idéas apresentadas pelo digno par, permitta-me a camara que eu lamente uma objecção com que se quiz impressionar o espirito d'esta assembléa. Disse te que este projecto ía prejudicar a receita publica, e obrigava por consequencia o governo a lançar novos impostos para preencher o deficit, porque deveria haver um grande desfalque no thesouro. Se o governo entendesse que esta medida affectava os interesses do paiz, que diminuía ou arriscava uma receita publica importante, de certo não a trazia ao parlamento; mas elle está exactamente convencido do contrario.

O governo tem a convicção e a certeza que se póde ter em assumptos d'esta ordem, baseado sobre informações exactas, e eu hei de demonstrar que são exactas, de que não só não ha de haver diminuição de receita para o thesouro, mas que essa receita ha de crescer immediata e successivamente e que portanto longe d'este projecto, se for approvado, ser motivo para se lançarem novos impostos, póde antes ser causa para evitar que se acrescentem as contribuições directas sobre a propriedade; esta é a minha convicção profunda, é a convicção do governo.

O governo não lançou mão d'este projecto unicamente para acabar este monopolio, para abrir novo campo ás industrias e ao commercio, para melhorar as condições dos consumidores, para dar satisfação aos principios economicos respeitados por todos os governos illustrados, não foi só esse o seu pensamento, se bem que elle professe estas doutrinas da liberdade, não iria comtudo ás cegas encetar este caminho que podia ser perigoso para a fazenda publica, nem iria dar um passo arriscado senão tivesse a convicção profunda de que por esta fórma não iria sacrificar a receita publica, antes pelo contrario ía ter a probabilidade de que ella cresceria successivamente; demonstrarei por dados positivos que ha todas as probabilidades de que a receita publica ha de crescer, e que o regimen do monopolio, tanto do contrato como da régie, é aquelle que promette menos ao estado auferir pelo tabaco maior rendimento.

Sr. presidente, o digno par propõe-nos o adiamento d'esta questão para 1 de julho de 1865; mas nós não podemos aceitar este adiamento, porque elle importa a rejeição de uma medida e o sacrificio d'ella, sem proveito nenhum para preparar a concorrencia. O governo n'esta questão o que quiz foi dar um golpe de morte no monopolio, estabelecer o regimen de liberdade, manter todas as disposições do projecto que garantem ao estado maior rendimento, e não fazer questão dos pontos secundários em presença d'estes pontos capitães. Eis-aqui está explicada a situação do governo em referencia a este projecto de lei. Torno a repetir, o governo faz questão de todos os pontos essenciaes da lei, de todos os pontos que garantem a em execução e a renda do estado; nos outros pontos que o governo reputa secundários não tem o capricho de fazer questão, nem se julga a isso obrigado, quer moral quer constitucionalmente, porque um governo que está convencido da proficuidade de um principio, das vantagens de uma lei, se por um capricho não transigisse nos pontos secundários, sacrificaria o pensamento principal de uma medida que julga util para o seu paiz (apoiados).

O sr. S. J. de Carvalho: — Se V. ex.ª me dá licença direi, que o que eu desejava saber do governo é, se fazia questão ministerial das disposições que julgou mais importantes, taes como a adopção da régie no caso que se não possa fazer nova arrematação em rasão de não exceder o preço minimo estabelecido pelo governo; mas desejo tambem saber se liga a mesma importancia a outras disposições como a que auctorisa o governo a expropriar por utilidade publica a fabrica, machinas e instrumentos do actual contrato.

O Orador (continuando): — A explicação que o governo tem a dar, já está dada; está comprehendida na declaração que ha pouco fiz.

Sr. presidente, o governo faz questão do principio da lei, de todas as suas disposições que garantem a sua execução; portanto não póde admittir um praso tão longo como propunha o sr. conde d'Avila, porque vem outra camara de deputados que póde alterar essa lei. O governo, sr. presidente, faz questão de todas as disposições que segurem um rendimento ao estado.

Emquanto ao systema de transição e ao modo de a fazer, já se vê que o governo não faz questão, não a podia nem a devia fazer nem moral nem constitucionalmente. Não a podia fazer constitucionalmente porque um governo que pretende, como deve pretender, dotar o paiz com uma lei que julga util e conveniente, se sacrificasse essa lei por um capricho sob pontos secundários, incorria n'um erro constitucional e faltava á sua missão (apoiados). O governo não a podia fazer, porque depois de uma camara dizer: «Que quereis vós governo? Quereis o principio da liberdade? Ahi o tendes, concede-vo-lo. Quereis assegurar a sua execução? Dou-vos as garantias para isso. Quereis todas as disposições que assegurem a renda do estado? Ahi as tendes. Agora o que pedimos 6 um praso para a transição.» O governo podia rejeitar esse praso quando a questão fosse posta assim? Se o governo a rejeitasse quantas não seriam as insinuações d'esses homens que constantemente forjam calumnias contra aquelles que se occupam doa negocios publicos, mas que não servem senão para nos lastimarmos que os nossos costumes publicos ainda se não tenham corrigido de modo que só se faça politica n'um terreno decente e decoroso (apoiados), sem se recorrer a similhantes expedientes, condemnados pela moral, e que não serveria senão para lançar o descredito sobre quem os emprega.

Portanto, sr. presidente, quando se apresentava a questão n'este terreno, quando se dizia que o principio e as disposições capitães do projecto seriam approvadas, e só se pedia um praso para a transição, o governo não podia fazer questão d'isso, embora estivesse convencido de que se podia passar rapidamente do monopolio para a liberdade, sem se incorrer nos inconvenientes que se allegavam.

Digamos com franqueza perante o nosso paiz, porque elle tem lido todas essas calumnias que tenho visto sempre caír aos pés, se o governo não transigisse sobre o praso de transição, dir-se-ía que elle obtinha tudo que podia obter para o triumpho do seu projecto; obtinha a queda do monopolio, obtinha a liberdade, obtinha todas as disposições que garantem o rendimento do estado; mas que não obtendo que deixa-se de haver praso para a transição, e como isso não convinha a alguem, o governo faria questão d'esse ponto, e que portanto era altamente suspeito; e esta era a argumentação com que se havia de atacar o governo, sr. presidente. Antes do governo ter tratado a questão n'este terreno já se tinham propalado estas calumnias; e se elle julgasse necessario arrostar com todas ellas, por mais pérfidas e torpes que fossem; se julgasse necessario arrostar com todas essas suspeitas infundadas para fazer triumphar o principio do seu projecto, tinha coragem e consciencia para o fazer, porque estava certo que cumpria o seu dever; mas se o governo só pelo espirito de affrontar, sem vantagem nenhuma publica, essas suspeitas e calumnias, tendo obtido o triumpho do seu principio, e de todas as

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disposições essenciaes} da lei, fizesse questão de pontos secundários, collocando-se assim no risco de sacrificar o seu principio, havia de ser arguido da mesma maneira, e então havia rasão para isso; não havendo pois vantagem alguma, para o triumpho do seu pensamento e para a causa publica, em catar a fazer questão desses pontos secundários, e não sendo necessario affrontar todas as insinuações para fazer triumphar a lei; o governo, procedendo como procedeu, cumpriu o seu dever... Vozes: — Deu a hora.

O Orador: — Sr. presidente, ouço dizer aos dignos pares que deu a hora; portanto peço a V. ex.ª que me reserve a palavra par» a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — Teremos sessão ámanhã, sendo a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 22 de abril de 1864.

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Vallada, de Sabugosa; Condes, das Alcaçovas, de Alva, d'Avila, da Azinhaga, de Campanhã, de Fonte Nova, da Lousã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Sampaio, de Samodães, de Sobral, de Thomar; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fornos do Algodres, de Ovar, da Vargem da Ordem; Barões, de Ancede, das Larangeiras, de S. Pedro, de Foscoa; Mello e Carvalho, Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Barreto Ferraz, Cunha Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Felix Pereira de Magalhães, Ferrão, Faustino da Gama, Margiochi, Pessanha, Osorio e Sousa, João da Silva Carvalho, Aguiar, Soure, Pestana, Braamcamp, Silva Cabral, Pinto Basto, Ferreira Passos, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, J. L. da Luz, Baldy, Eugenio de Almeida, Matoso, Silva Sanches, Luiz de Castro Guimarães, Rebello da Silva, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Miguel do Canto, Menezes Pita, Sebastião de Almeida e Brito, Sebastião José de Carvalho e Vicente Ferrer Neto Paiva.

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