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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extracto da Sessão de 8 de Novembro de 1844.

(Presidiu o Sr. Silva Carvalho.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora e um quarto: presentes 50 D. Pares, e o Ministerio.

O Sr. SECRETARIO MACHADO leu a acta da Sessão anterior, que ficou approvada.

Mencionou-se um Officio pelo Ministerio da Guerra, acompanhando 50 exemplares da Memoria sobre a organisação antiga e moderna do Exercito Prussiano, pelo D. Par Barão de Renduffe.

— Distribuiram-se.

O Sr. V. de SÁ apresentou um requerimento do Coronel Luna, queixando-se de ter sido preterido em uma das ultimas promoções: observou que este Official era digno da maior consideraçao em consequencia dos serviços que prestara á Causa da Rainha; que o Sr. M. da Guerra lhe tinha dito (ao D. Par) que faria justiça, e que elle assim o esperava de S. Ex.ª

O Sr. Presidente do Conselho disse que tomaria em consideração o requerimento apresentado pelo D. Par.

- Foi remettido ao Governo.

ORDEM DO DIA.

Prosegue a discussão do Parecer da Commissão respectiva sobre o uso feito pelo Governo dos poderes extraordinarios e discricionarios.

O Sr. PRESIDENTE DO CONSELHO DE MINISTROS:

— Sr. Presidente, é sempre com repugnancia, e difficuldade que eu peço a palavra, e com muito mais difficuldade ainda a peço nesta occasião depois de terem fallado tão illustres Oradores de um e outro lado da Camara; mas sendo Ministro, não posso deixar de dar algumas explicações sobre factos do Governo a que se tem alludido na presente discussão.

Sr. Presidente, o meu nobre amigo, o D. Par, que encetou este debate, passou em revista (perdoe-se-me a expressão, que e um pouco militar) os Decretos que o Governo publicou, nos quaes S. Ex.ª entende que o Ministerio se excedeu, e principiou pelo Decreto das demissões. — Sr. Presidente, eu tambem reconheço que, entre todas essas medidas, o Decreto das demissões é um dos mais fortes, porém convenci-me, assim como os meus Collegas, de que pela Carta de Lei de 6 de Fevereiro deste anno o Governo estava authorisado a dar aquellas demissões: entretanto declaro a V. Ex.ª, e á Camara, que não foi sem muita pena, que eu referendei o mencionado Decreto. Eu não podia, Sr. Presidente, deixar de sensibilisar-me do acto que praticava por isso que ía entender com militares que quasi todos tinham servido comigo, no numero dos quaes havia muitos de quem era particular amigo (e ainda hoje sou, porque ponho a politica de parte); entre outros, um a quem por differentes vezes fiz elogios nesta Camara, fallo daquelle que se sentava n'uma daquellas cadeiras; (Aponta para a esquerda.) e, se me fosse agora licito divagar, eu diria as conversações que tive com elle, e os conselhos de verdadeiro amigo que lhe dei, conselhos que, se elle os houvesse seguido, talvez não tivesse sido obrigado a emigrar. — Mas eu puz de parte os sentimentos do meu coração, lembrei-me só de que era MINISTRO DA RAINHA, e que nesta qualidade um servidor do Estado, devia primeiro que tudo procurar os meios de debellar a revolta (apoiados). Torno a dizer, Sr. Presidente, eu estava convencido, e ainda hoje o estou (e se fosse preciso convencer-me-ia mais pelo que disse em uma das Sessões passadas o meu nobre amigo, o Sr. Duque de Palmella, quando fallou nessa questão) do direito que o Governo tinha para exercer aquella authoridade. — Tenho por tanto dito, Sr. Presidente, quanto me parece essencial ácerca das demissões.

O mesmo D. Par, áquem no principio me referi, passou a examinar o Decreto dos arrestos. Eu, Sr. Presidente, depois do que o meu collega, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, disse hontem a respeito desse Decreto nada posso accrescentar, e reconheço que sou o menos apto para fallar em similhante materia; mas o que posso dizer, é que elle não foi executado com aquella severidade, despotismo, e barbaridade com que aqui se tem figurado que o fóra, e eu desejaria que se perguntasse ás familias a quem taes arrestos foram postos, que dissessem o modo porque elles haviam sido executados, e os incommodo se crueldades que tinham soffrido (apoiados).

Em quanto ao Decreto das deportações, tambem senti que a necessidade exigisse que ellas se ordenassem: o Sr. Ministro dos Negocios do Reino fallou já largamente sobre este objecto, declarando a época em que ellas se mandaram executar; o que eu posso dizer á Camara é que esse rochedo, esse ilheo inhospito, horroroso, tractou tão mal os deportados, que alguns delles, desejam lá ficar (apoiados). Além disto, as instrucções que levou o Commandante do navio que os conduziu, e as ordens que recebeu o General que commanda naquella Provincia, mostram bem que o Governo estava muito longe de querer fazer mal a esses individuos; e a elles mesmos é que eu (em nome do Governo) me dirijo; que digam como foram tractados.

Tenho por tanto respondido, do modo que julgo sufficiente, relativamente aos Decretos mais censurados; resta-me só dar algumas explicações a respeito da continuação da prisão de dous militares.

É verdade que se conservam ainda presos dous militares, que o foram em consequencia da suspensão das garantias. Eu já esperava, Sr. Presidente, que se dissesse aqui que um delles fóra 1 Ajudante de Campo de Sua Magestade Imperial,

e tinha gosado da sua benevolencia e protecção; mas parece-me que era motivo de mais para que esse Official evitasse todas as occasiões de se tornar suspeito. Sr. Presidente, antes mesmo de se ler verificado a revolta de Torres Novas, recebi eu mais de uma participação confidencial, em que me preveniam sobre as opiniões daquelle Official superior, em que se manifestava a sua pronunciada tendencia para a revolta. Confiado porém no Coronel Bastos, (pois é elle de quem estou fallando) confesso que nenhum receio tinha de que elle fizesse cousa alguma contra a ordem estabelecida, e deixei-o ficar onde estava: rebentou depois a revolta, em Torres Novas, e o General da 8.º Divisão mandou-me dizer que as suas desconfianças, e suspeitas ácerca do mesmo Coronel se tornavam mais fortes principalmente depois de uma conversação que tinha tido com elle, pedindo por tanto que o tirasse d'alli: foi então, por uma medida preventiva, e em virtude da Carta de lei de 6 de Fevereiro, que o mandei prender, assim como fiz a outros militares. Conservou-se preso até á queda de Almeida, que foi no dia 1 de Maio, e em 3 mandei soltar esses presos; mas a Authoridade Civil escreveu-me dizendo que aquelle Coronel, e outro Official estavam implicados na revolta (do que tinha graves suspeitas), e supplicava que não fossem soltos: trago isto para mostrar que nenhuma vontade tinha de os conservar presos (apoiados). Esses dous militares fizeram seus requerimentos ao Ministro da Guerra para serem soltos, requerimentos que eu remetti ao Ministerio da Justiça, o qual mandou ouvir o Presidente da Relação que deu a resposta que vou lêr á Camara. (Leu e proseguiu:) Aqui esta por tanto a razão porque eu, Ministro da Guerra, não mandei soltar aquelles dous Officiaes.

Terminarei, Sr. Presidente, dizendo que muito sinto que o meu antigo e nobre amigo, o Sr. Thomás de Mello, declarasse que não votava pelo parecer da Commissão, censurando assim o Governo por ter empregado os meios fortes que julgou indispensaveis para acabar a revolta. O Sr. Thomás de Mello, o voluntario da Rainha a Senhora Dona Maria II, o homem a quem Sua Magestade Imperial, quando desembarcou no Mindello, entregou a bandeira que nos serviu de pendão!... Não era delle que eu devia esperar esta censura 1 (Apoiados.) Nada mais direi.

O Sr. V. de Sá disse que ia occupar-se com algumas das asserções do D. Par Trigueiros e do Sr. M. do Reino.

Que «primeiro sustentava que a Carta se podia suspender para preserverar a mesma Carta: que (o Orador) não podia entender similhante doutrina; mas reflectia que, se para defender uma instituição fosse preciso destrui-la, então de que serviria essa instituição?... Entre tanto (como não via presente o Sr. Trigueiros) que não insistiria naquella idéa.

Quanto aos arrestos, e outras medidas tomadas pelo Governo, que deveriam ter sido cumpridas segundo a authorisação dada pelas Camaras, disse que mal as poderia avaliar, por isso que o Governo não tinha dado ainda resposta a uns quesitos que a esse respeito lhe haviam sido dirigidos por aquella Camara; todavia que lhe constava haverem sido mandados para as Provincias ultramarinas muitos dos soldados provenientes da capitulação de Almeida, e que elle (Orador) estava informado — não obstante poder o Sr. Ministro da Marinha dizer que se tinham offerecido — de que para Cabo-Verde houvera sido mandada a recommendação de se conservarem na Ilha de S. Tiago, que é uma Ilha mortífera, mas que o Governador Bastos (homem cavalheiro) permittira que elles fossem para sitios menos doentios.

Sobre ler o Sr. P. do Conselho dito que alguns dos deportados para tão más partes tinham ido, que alguns delles requereram para lá ficarem, respondeu que eram gostos... Observou então que S. Ex.ª, em circumstancias analogas não fóra tractado assim: que o seu posto, assim como o dos outros Officiaes, lhe haviam sido conservados, e que se não tocara nos seus bens, annuindo-se a uma convenção, que não era precisa para nada: que por tanto S. Ex.ª não fóra coherente com aquillo que a seu respeito se tinha praticado.

Que não podendo separar-se os precedentes das pessoas, tambem se não podia prescindir de comparar a revolta de 1844 com a revolta de 1842: que aquella tinha sido feita por Officiaes que não estavam empregados, é esta por um Ministro da Corôa, e por Officiaes que se achavam em effectivo serviço; perguntava por tanto, qual era mais escandalosa?... Que a resposta do costume, vinha a ser — que se tractava de restaurar a Carta; mas perguntava tambem se isto se não poderia conseguir por um acto legislativo, em vista da influencia que o Ministerio tinha tanto na Camara dos Senadores como na dos Deputados? Mas que os Sr.s Ministros haviam preferido impor a lei á Corôa, porque esta havia sido atraiçoada, não só por elles, como tambem por muitos outros individuos que lhe deviam obediencia, e a quem cumpria mostrar que lhe tinham respeito.

Em relação ao Decreto de 10 de Fevereiro, disse que este era tão legal como a Carta: a sua natureza a mesma que a da promessa do Sr. D. João 6.° em Villa Franca, e similhante ao Decreto de 1836, que mandára vigorar a Constituição de 1822. Disse que esta não podia sustentar-se, por ser impropria, no estado de civilisação em que nos achâmos, para conservar a força necessaria ao Governo nem ás instituições liberaes, pois que uma Constituição com uma só Camara, residindo todo o poder no chefe da maioria, póde trazer em resultado a tyrannia, isto é, ser o mesmo corpo, ou individuo, quem faça e execute as leis: que as pessoas então chamadas pela Soberana para porem um termo á revolução, haviam aconselhado a Sua Magestade que, adoptando a Constituição de 1822, ao mesmo tempo estabelecesse a clausula de ser modificado, o que fôra executado, tendo os homens chamados revolucionarios, a firmeza necessaria para se cumprir o promettido. Que outro tanto não tinham feito os denominados cartistas de 1842, revogando o Sr. M. do Reino, por uma sua Portaria, um Decreto da Rainha. Narrou que nas Instrucções dadas por S. Ex.ª para as eleições, ahi se dizia que as procurações dos Deputados seriam em conformidade do Modêlo A, mas que esse Modêlo não havia sido publicado no Diario do Governo: que em vista disso o Orador dissera logo comsigo latet anguis in herba, porém obtendo da Imprensa Nacional um exemplar das Instrucções, achara que a tal serpente escondida era a suppressão do Decreto de 10 de Janeiro — tactica ministerial.

Que se tinha feito um grande alarido contra aquelle Decreto, dizendo-se que elle abolia a Carta, mas que o Sr. M. do Reino era o mesmo que reconhecia que a Carta precisava reformada, o que provava um masso de Decretos legislativos do Governo, remettidos a Camara para serem approvados, n'um dos quaes submetterá a si o Poder Judicial. Que portanto se o D. Par Conde do Bomfim era da opinião do Governo (quanto á necessidade da reforma), perguntava para que se lhe fizera a guerra, e senão seria melhor dizer — façamos todas essas reformas de accôrdo? — Observou que as palavras que se liam n'uma proclamação do Sr. Conde do Bomfim — Costa Cabral é o unico poder do Estado— eram a expressão de uma convicção em que muita gente estava, postoque o Sr. Ministro o negasse: que S. Ex.ª era o autocrata do seu proprio Ministerio, o que se provava por haver eliminado delle todos os seus Collegas, continuando sempre a conservar-se, sendo portanto o unico manipulador, ou alchimista destas operações; e exercendo por este modo uma certa faculdade do Poder Moderador. Que por consequencia o Sr. Conde do Bomfim, ao menos na apparencia, tinha toda a razão para dizer o que disse. Observou que não era certamente para que o Sr. M. do Reino fosse o unico Poder do Estado que nós os portuguezes combatiamos ha vinte e quatro annos; que o que se desejava era um Governo em que esses poderes estivessem divididos, pois a Nação estava cançada de soffrer por seculos Ministros imbecis, por quanto todos o Unham sido, com excepção do Marquez de Pombal e do Conde da Ericeira, visto que todos, ou tinham obrado mal, ou não tinham feito o bem.

Alludindo ás deportações, perguntou de que servira ao Ministerio fazer uma cousa similhante á setembrisada de 1810? Notou que nesse anno era Portugal invadido por um exercito de milhares de homens, em quanto que em 1844 havia só alguns centos de homens em guerra aberta com o Governo, o qual podia debela-los facilmente com o exercito disciplinado e sufficiente que tinha.

E relativamente aos limites dos poderes discricionarios, disseque, quaesquer que esses fossem, era sem questão que o Governo no uso delles devia restringir-se ao simplesmente necessario; e que por tanto, se se provasse que Governo havia tomado medidas, sem as quaes podia acabar com a revolta, provado ficava que elle tinha ultrapassado as suas faculdades.

Comparando então as circumstancias da revolta de 37 com as da de 44, disse que se achavam á testa da primeira dous Marechaes do Exercito, e alguns Commandantes de Divisões Militares, assim