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ordinário ou ao prelado maior da missão. Pois só consiste a sua santificação e utilidade em estarem sujeitas a um- prelado estrangeiro superior? Só assim é que podemos colher o fructo d'esta intituição? Parece-me que não; e um digno par que se senta do lado direito, e que tanto argue o governo, já annunciou que n'esse ponto estava divergente dos seus amigos politicos, porque queria irmãs da caridade, sujeitas ao prelado diocesano. Estamos então completamente de accordo; pois é justamente por isso que sempre tenho pugnado, e o governo não quer outra cousa; mas o que não desejo é que se faça uma arma politica d'aquella instituição. Desejo esta instituição religiosa com caracter nacional e não estrangeiro.

O que quer o governo? O governo quer reorganisar o instituto das irmãs da caridade; já apresentou no anno passado um projecto n'este sentido e ha de renovar a sua iniciativa, creio eu, mas entendo não dever permittir que ellas se eximam da sujeição ao seu superior ordinário.

Disse-se aqui hontem, que se queria armar á popularidade das classes baixas. Eu julgo que se não quer fazer desta questão uma questão de classes; a lei só reconhece as differentes classes para assegurar a todas o livre exercicio das suas profissões; nada mais.

Fallou-se também aqui em complicações em que o governo está envolvido. Não sei que complicações essas sejam, mas sejam quaes forem as complicações em que o governo se encontre, elle não deve de modo algum recuar no cumprimento do seu dever, e se porventura encontrar difficuldades insuperáveis, em logar de ceder deve antes cair com honra e dignidade, expondo ao paiz com toda a lealdade a rasão por que o faz.

O sr. Conde da Taipa:—Pediu a palavra sobre a ordem para rectificar algumas idéas, porque lhe parece que a discussão vae progredindo sobre bases falsas. Fallou se sobre entidade juridica, ou não juridica; mas, elle orador, declara que a entidade juridica é uma cousa de que se pôde prescindir n'este caso. Muito bem se sabe que em França ha cem ou duzentas congregações, e só quatro são reconhecidas como entidades jurídicas. Na constituição de 1848 lá appareceu um provincial dos dominicanos de habito preto que não tem capacidade juridica; não ha senão as irmãs da caridade ou lazaristas, as missões estrangeiras, os irmãos da doutrina christã, e outra que n'esta occasião se não recordava.

Em Portugal não ha legislação, nem governo, a legislação administrativa não existe. Pegue cada um no código francez, procure no index das congregações religiosas, e veja a legislação que ha para seguir no modo de estar das sociedades, tanto das reconhecidas como das não reconhecidas, e verá que a vantagem em serem ou rião reconhecidas é tão pouca, que ha apenas quatro que são reconhecidas.

Quando lhe couber a palavra na matéria mostrará ao digno par o sr. Soure, a inquisição, e a respeito da religião sempre dirá n'esta occasião que ao sairem as creanças das fabricas, dirija-se a ellas, pergunte-lhes os mandamentos da lei de Deus e verá os que lhe respondem.

Como tem a palavra sobre a ordem, reservar-se-ha para outra occasião.

O sr. Presidente:—V. ex.a quer a palavra sobre a ordem?

O sr. Conde da Taipa:—Sim, senhor, para responder ao sr. Joaquim Filippe de Soure.

O sr. Visconde de Balsemão: — Sr. presidente, quando hontem o digno par o sr. conde de Thomar veio com esta questão á camará, entendia e parecia-me curial, que s. ex.a, concluindo o seu discurso, terminasse com alguma proposta; e foi a rasão por que não tendo succedido assim, e tendo-se a discussão tornado immensamente vaga, eu pedi a palavra sobre a ordem, e pedia a v. ex.a que me explicasse qual era a ordem da discussão, porque se estavam tratando duas questões importantes. Uns tratavam do mérito das irmãs da caridade,_em quanto que outros ao mesmo tempo tratavam da questão: se o governo tinha ou não cumprindo a lei.

Este ultimo objecto, sr. presidente, parece-me que é o assumpto de que nos devemos oceupar; porque, o que pelo discurso do sr. conde de Thomar se tratava de saber, era se o governo tinha ou não exhorbitado; por isso pedi a palavra para trazer a questão a este terreno, para se ver que o governo estava dentro dos limites da lei.

Não entrarei agora, porque não é do meu dever, visto que se não trata d'esta questão, na apreciação da utilidade e merecimento das irmãs da caridade, porque quando chegar essa occasião hei de ser eu que o prove, mas o que quero é que esse instituto seja essencialmente portuguez.

Estou persuadido, sr. presidente, qué não é necessária uma importação estrangeira d'esta natureza para um paiz tão catholico como ó Portugal, porque seria renegar o passado do meu paiz, dos meus avós e de mim próprio, se entendesse que este paiz necessitava para ser catholico que viesse uma importação estrangeira de irmãs de caridade; pelo contrario, nós temos grandes provas de que este paiz sempre foi eminentemente catholico, e para o ultramar pó-de-se dizer afoutamente que foi Portugal quem levou a civilisação juntamente com a cruz de Christo; portanto, era desconhecer a indole portugueza quem desconhecesse que nós éramos catholicos fervorosos.

A questão pois de que se vae tratar é sobre se o governo está ou não auctorisado para fazer o que acaba de praticar, e, na minha opinião, o que já ha mais tempo devia ter feito; porque entendo que o decreto de 1833, que aboliu os prelados maiores, abrangia na sua letra e espirito todas as corporações que os tinham.

Posta a questão n'estes termos,"resta-nos saber se ellas, as irmãs da caridade, não estão ou estão sujeitas a um pre-

lado maior. Se o estão, como ninguém duvida, e se tem mostrado d'esta discussão, estão na letra e no espirito do decreto de 1833, e por esta occasião direi também que não entro agora na apreciação d'este decreto, porque como lei do estado é nosso dever mante-lo, e acata-lo.

Veio porém aqui alguém com um argumento que pretendeu fazer valer de que essa lei estava revogada, e disse o digno par o sr. conde de Thomar que já tinha apresentado esse argumento e que não tinha sido destruído; peço perdão, comtudo, a s. ex.* para lhe dizer que o ministério então lhe respondeu na minha opinião cabalmente, se s. ex.* se não deu por satisfeito, a camará de certo o estava, por que o governo apresentou muitos e vários documentos para mostrar que tinha obrado em conformidade da lei, e que era feito um d'esses documentos no tempo em que s. ex.a formava parte da administração.

Disse também s. ex.a que ha um decreto de 1851 que deroga o de 1833, e passarei a ler alguns trechos d'esse mesmo decreto á camará para mostrar que não ha relação alguma com a actual corporação (leu).

Esta lèi de 1851 refere-se ao decreto de 1833, na parte em que por elle estão sujeitas aos prelados portuguezes quaesquer corporações religiosas que existam no paiz, e não podia tal lei senão referir-se ás disposições da legislação anterior na parte em que não soffreu modificação, por lei posterior, e que abrangia as irmãs de caridade, porque as irmãs de caridade, quando o decreto de 1851 foi publicado, estavam sugeitas ao prelado portuguez, unicamente.

A lei do 1851 sr. presidente, não podia olhar senão para as disposições anteriores, e regular o exercicio de corporações que existiam em conformidade das leis, e querer ad-duzir o contrario para invalidar uma lei anterior, a respeito de um facto muito posterior não sei como se possa admittir, esta não me parece a hermenêutica juridica, porque tenho visto esta questão tratada por jurisconsultos distinctos, e observo que todos elles estão conformes em opinião neste ponto, aliás seguir-se-ía o absurdo, porque se a lei aboliu os prelados maiores não podia a lei regulamentar posterior approvar o contrario, som por disposição expressa a derrogar.

O que eu também achava muito mais curial, era que o digno par o sr. conde de Thomar requeresse a intelligencia da lei interpretada n'esta camará pela sua distincta commissão de legislação, se é que entendia que ella era duvidosa, ao menos para s. ex.a As irmãs da caridade portuguezas se algum tempo estiveram sujeitas a superior estrangeiro, nos últimos tempos estavam sujeitas ao prelado diocesano, depois é que se subjeitaram novamente ao prelado maior, e esta sujeição não foi expontânea, mas sugerida como ellas mesmo o confessam; também aqui se disse que a sujeição ao prelado maior estrangeiro era tolerada, mas se assim era, para que vieram ellas pedir auctorisação ao em.mo cardeal patriarcha? Ellas porém, o que confessam é que pessoas tementes a Deus é que as aconselhavam a pedir esta sujeição, por consequência, o que se vê é que ellas próprias reconheciam, que deviam estar sujeitas ao prelado diocesano, e ainda o estariam se não fossem as sugestões em contrario feitas por pessoas, cuja piedade e boa fé não contesto.

Disse-se igualmente que o governo exorbitou, porque tinha apresentado um projecto na outra camará para orga-nisar o instituto, mas esse projecto caducou, e ainda quando não caducasse, emquanto não fosse approvado, o governo tinha obrigação de fazer cumprir a lei, a quem se negava a cumpri-la; e o era.™ patriarcha é o próprio que diz, que ellas resistiram a sua auctoridade, porque sendo intimadas para se sujeitarem á obediência do prelado diocesano, ou a dissolverem-se, recusaram e disseram que até á morte não se sujeitariam senão ao seu prelado maior, no que dizia respeito aos negócios da ordem, e emquanto aos que não fossem da sua regra não tinham duvida, comtanto que o seu prelado não mandasse o contrario, porque então não obedeceriam ao prelado portuguez; por consequência, á vista d'isto, o governo obrou e obra dentro dos limites constitucionaes, emquanto não for revogado o decreto de 1833.'

Quando se creou um instituto de irmãs de caridade no Porto, lá vem a clausula da obediência ao prelado diocesano, e isto passou-se em 1845, quando o sr. conde de Thomar estava no ministério, o que mostra que s. ex.a então entendeu a lei do mesmo modo que o ministério actual, sendo assim um dos primeiros que reconheeeíi a lei de 1833, applicavel a similhantes corporações.

A minha opinião portanto é que o governo não exorbitou e cumpriu a lei, e quando se tratar da questão das irmãs de caridade, pedirei novamente a palavra para dizer qual é a minha opinião a respeito da sua utilidade e merecimento, do qual ninguém duvida, segundo me parece, n'esta camará, mas só se mostra divergência no modo da sua constituição futura.

O sr. Marquez de Ficalho: — Sr. presidente, memoria e vontade tenho eu, entendimento é que me falta ás vezes; mas eu recordo-me bem das palavras que proferi: eu disse que aceitava esta questão como catholico, como liberal e como soldado; não alludi a ninguém, pois nunca faço allu-sões; todos sabem que sou um homem immensamente tolerante, e por isso é que insisto em querer a liberdade para todos. Eu disse que queria a educação publica com religião porque a não entendo de outro modo; eu disse que como liberal queria deixar livre e respeitar a liberdade de consciência de cada um, eu disse que como soldado entendia que fazendo as irmãs da caridade parte de todos os exércitos, eu não podia deixar de ter uma certa ufania se entre nós as visse também marchar com tantas divisões, e tantas peças de artilheria; por consequência é claro que n'isto não offendi ninguém, nem provoquei a questão religiosa.

Agora o que é admirável na verdade, é o ver como esta questão se está tratando: eu ha tres annos que sou aceusado de lazarista completo, mas n'estes tres annos ainda lhes não fiz tantos elogios como os meus inimigos n'estes dois dias, começando pelos que se acham no relatório do decreto que hontem se publicou! Eu confesso que não entendo já esta questão; o que eu entendia era que podia haver-quem quizesse só o ensino civil, e quem o não quizesse desacompanhado do ensino religioso; de outra forma não sei para que nos cansamos em argumentar de um modo que podiamos gastar largos annos; pois nós todos concordamos em louvar o instituto, e ha de se criminar o instituto porque é de Paris; fica-se sempre a discutir que ó estrangeiro, que é portuguez, que pôde ser d'esta forma, que não pôde ser d'aquella." A questão é outra, muito mais elevada; extremem-se os campos; para um lado os que querem simplesmente o ensino civil, para outro os que querem o ensino com a religião: essa questão entendo eu; não digo que sei entrar n'ella, mas conheço-a perfeitamente. Façam um instituto portuguez segundo as regras de S. Vicente de Paulo (que sem isso não pôde ser a mesma instituição) e eu me comprometto a que em vinte e quatro horas haveis de ver do mesmo modo um instituto francez; por consequência esta questão é muito seria; é de querer, ou não querer: se o governo quer deveras formar um instituto de irmãs da caridade, segundo o espirito e regra de S. Vicente de Paulo, procure os meios competentes e traga essa questão ao parlamento, se não quer, acabe por uma vez com isto: são estas as minhas primeiras quatro palavras que já disse aqui ha tres annos; o mais é estar a sophismar a questão sem utilidade alguma.

Eu digo que fazem mal e muito mal em nos alcunharem de reaccionários religiosos, eu .não me hei de servir d'essas armas, mas posso dizer, que não conheço reacção sem acção (apoiados): so ha reacção religiosa, a acção não pôde ser muito religio-a; isto é o que eu podia dizer se me descuidasse do meu protesto de não atacar ninguém.

Concluo porque não quero tomar mais tempo á camará, porque já fallei hontem, e ha outros oradores muito mais competentes que se me hão de seguir.

O sr. Aguiar: — Qualquer que seja a minha opinião sobre a questão de que sc trata, não tenho necessidade de fazer uma profissão de fé religiosa, nem a declaração de que me conservo na mesma posição politica em relação ao ministério, apesar de não concordar em que elle usurpou uma attribuição do corpo legislativo, e commetteu assim uma grave violação da lei fundamental do estado, dissolvendo a corporação das irmãs da caridade admittida em Portugal por decreto de 19 de abril de 1819.

Entendo que n'esta questão não pôde haver opposição nem ministerialismo (apoiados), e que ella deve ser inteiramente livre, qualquer que seja a extensão que se lhe queira dar.

Invoco o principio já invocado por um dos oradores -que me precederam, ainda que mal applicado então, de que a liberdade dc consciência deve ser respeitada. A epinião que tenho é ditada pela minha consciência; acredito que a dós meus amigos e a dos meus adversários politicos é também consciência; não faço nem a uns nem aos outros a injustiça de attribuir as suas opiniões contrarias á minha,' a um espirito de reacção contra a liberdade. Aqui se senta perto de mim um dos illustres e esforçados cavalheiros, a quem a liberdade deve os maiores sacrifícios e importantes serviços. Fallo do nobre marquez de Ficalho. S. ex.a tem sobre a questão das irmãs da caridade opiniões, devidas talvez a um demasiado escrúpulo religioso. O digno par é em todo o caso incapaz de abandonar os principios liberaes, que tem constantemente seguido (O sr. Marquez de Ficalho: — Apoiado.) e ha de sustentar a causa da liberdade com a dedicação com que a tem sustentado sempre. Confio que elle me fará a justiça que eu lhe faço, respeitando a minha opinião n'uma questão que, no meu entender, nada tem com a religião que professamos.

Tem-se divagado muito, sr. presidente, e esta divagação tem complicado a questão, que ó muito simples; tem-se feito considerações estranhas e inopportunas, tem-se fallado em desmoralisação, e em muitas cousas de que me não recordo; lembro-me só de que a um dos oradores nem as fogueiras da inquisição escaparam. Appellou-se para a religião, e comtudo a religião nada tem com as irmãs da caridade, e mal lhe iria se d'esta instituição dependesse a sua existência ou a sua estabilidade (apoiados).

Se a religião pôde ser invocada aqui convenientemente é para sustentar que a sujeição das irmãs da caridade, qualquer que ella seja, ao superior da congregação ou seu delegado, sendo uma isenção da auctoridade do prelado diocesano, é pouco conforme com o espirito do evangelho, e com a ordem primitiva do estabelecimento da igreja.

A questão que aqui se deve discutir é esta. Podia o governo, sem usurpar as attribuições do corpo legislativo dissolver a corporação das irmãs da caridade? A proposição que o sr. conde de Thomar estabeleceu é que, sendo a dissolução de uma corporação que existe por lei, objecto legislativo, só pôde ser determinado por acto das cortes, e em consequência o governo procedeu com manifesta incompetência e commetteu um attentado aggravado pela circumstancia de se acharem ellas reunidas. E' portanto uma questão puramente juridica, é a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do decreto que determinou a dissolução. Esta questão depende essencialmente de outra, e a sua, resolução depende da resolução d'esta.

É applicavel ás irmãs da caridade a disposição do decreto de 9 de agosto de 1833 que extinguiu os prelados maiores dos conventos, mosteiros, casas religiosas e corporações que vivem congregadas em communidade, e determinou que ellas só podessem continuar a existir, ficando