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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sessão de 21 de agosto de 1868

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. DUQUE DE LOULÉ

Secretarios, os dignos pares Marquez de Sabugosa

Visconde de Soares Franco.

(Assistiram os ex.mos srs. presidente do conselho e ministro da guerra, e ministro do reino.)

As duas horas e meia da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, declarou se aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu se conta da seguinte correspondencia: Officio da camara dos srs. deputados declarando que foram approvadas as emendas feitas n'esta camara sobre o contrato para aproveitamento das aguas sulphureas do arsenal de marinha.

Officio do director da alfandega municipal de Lisboa, enviando a esta camara um exemplar da estatistica e rendimento da mesma alfandega do anno economico de 1867-1868.

Officio da camara dos senhores deputados enviando a proposição sobre a approvação de uma alteração no § unico do artigo 1:023 do codigo civil.

Officio da camara dos senhores deputados incluindo a proposição sobre a approvação da convenção postal entre Portugal e a Belgica.

Officio da camara dos senhores deputados enviando, um exemplar da proposta do governo e do parecer da commissão de fazenda d'aquella casa sobre a subrogação dos bens desamortisados pelas leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866 que ainda não estiverem vendidos, com a copia de um additamento apresentado durante a discussão.

Officio da camara dos senhores deputados incluindo a proposição de lei para se auctorisar a camara municipal do Seixal a levantar um emprestimo com applicação a varias obras interessantes ao mesmo concelho.

Officio da camara dos senhores deputados enviando outra proposição de lei para se applicarem aos depositarios geraes. das comarcas judiciaes certas disposições da lei, quanto ao premio ou percentagem pela guarda ou conservação dos objectos levados aos depositos publicos de Lisboa e Porto.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte declaração de voto, que peço seja inserida na acta (leu).

Leu-se na mesa e mandou-se inserir na acta.

É do teor seguinte:

«Declaro que na sessão de 18 do corrente votei contra a especialidade dos artigos do projecto sobre o emprestimo de 3.500:000$000 réis.»

«Camara dos dignos pares, 21 de agosto de 1868. = Visconde de Fonte Arcada.»

O sr. Presidente: — A deputação que por esta camara foi encarregada de apresentar a Sua Magestade El-Rei os decretos das côrtes ultimamente apresentados, teve a honra de ser hontem recebida no palacio da Ajuda e cumpriu com sua missão, depositando nas mãos de El-Rei os referidos decretos.

O sr. Reis e Vasconcellos: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão especial, sobre o projecto n.° 16, vindo da camara dos senhores deputados. Peço a V. ex.ª que, depois de lido na mesa, o mande imprimir para se distribuir por casa dos dignos pares, a fim de ser dado para ordem do dia na conformidade do regimento.

Na qualidade de membro da commissão não me atrevo a pedir a dispensa do regimento; o objecto é gravissimo e simplicissimo: é sobre a auctorisação que o governo pede para reformar e melhorar o serviço nos differentes ramos de administração publica. Entretanto peço que se mande imprimir o parecer e distribuir por casa dos dignos pares, a fim de ser dado para ordem do dia o mais breve possivel.

Leu-se na mesa e mandou-se impremir.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, na penultima sessão entrei um pouco mais tarde, e por isso não ouvi o discurso aqui pronunciado pelo sr. visconde de Soares Franco, tendo apenas depois conhecimento de algumas palavras que se referiam a mim, pelas explicações particulares que s. ex.ª teve a delicadeza de me dar, palavras que, segundo a expressão de s. ex.ª, eram o mais benevolas possiveis a meu respeito; comtudo no Diario de Lisboa li hoje o discurso do digno par, o qual interpretei, pelo que se referia a mim, conforme as declarações que tinha recebido de s. ex.ª, e nem o podia fazer de outra fórma; comtudo como conheci, e sei que havia alguns periodos que podiam pela sua redacção serem no publico ou mal entendidos ou mal interpretados; eis o motivo por que pedi a palavra, não só para pedir ao digno par a rectificação d'aquelles periodos, assim como para explicar claramente o que eu aqui pronunciei, e declarar ao mesmo tempo que tomo a responsabilidade completa de tudo quanto disse e tenho asseverado n'esta camara, como é sempre ò meu costume e habito.

Diz o sr. visconde de Soares Franco no seu discurso o seguinte:

«Sr. presidente, faz hoje uma semana que eu entrava n'esta sala profundamente impressionado pela leitura que acabava de fazer do discurso do digno par Vaz Preto, onde se encontram algumas insinuações altamente offensivas á honra, á dignidade, e ao pundonor militar do individuos pertencentes á marinha, masque não têem voz n'esta casa.»

Sr. presidente, parece da leitura d'este trecho do discurso de s. ex.ª que as insinuações foram feitas por mim, quando pelo contrario eu o que fiz foi reclamar explicações do governo, para que esses rumores, boatos, ditos, ou accusações vagas, de que a imprensa periodica da capital se tem occupado, fossem dissipados, e que o desfavor que poderia talvez recaír sobre um ou outro não fosse recaír sobre uma corporação, que sem duvida censura e estigmatisa similhantes factos; o que fiz pois foi zelar a dignidade, a honra, o brio de empregados, e por isso mesmo que são portuguezes, não queria eu que lá fóra se dissesse quê uma corporação, ou alguns individuos d'ella tinham, não digo já commettido um crime, mas mesmo procedido pouco regularmente, e de um modo menos airoso. Eis o que disse, pouco mais ou menos, foi isto, e não fiz insinuação alguma, nem accusação a ninguem; e não o fiz, porque não tinha os documentos que o provasse, pois se os tivesse havia de apresenta-los com todo o desassombro. (O sr. Visconde de Soares Franco.' — Apoiado.) Dizer porém o que eu disse: «que corriam rumores desfavoraveis, boatos pouco lisonjeiros para alguns empregados, e que o publico e a imprensa se occupava d'elles, e que era preciso dissipa-los», não é fazer insinuações, tanto mais quando mostrei o desejo de ser informado pelo sr. ministro competente, para que as suas informações destruíssem os rumores vagos, e s. ex.ª castigasse os culpados se os ha.

No entanto repito que tomo a responsabilidade de tudo quanto disse.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Estimo que o digno par tome a responsabilidade do "que disse, porque tambem eu tomo a responsabilidade de tudo quanto aqui disse.

O Orador: — -Muito bem; mas o que eu disse então foi isto que agora repeti, e que a camara muito bem ouviu. Eu não desejo que as minhas palavras sejam interpretadas n'um sentido diverso d'aquelle que ellas têem e de que eu as pronunciei. De nenhum periodo do meu discurso se pôde concluir ou mesmo imaginar que eu pretendesse ou quizesse offender uma corporação, ou designadamente certos e determinados empregados d'ella, tanto mais que d'esta, a cuja corporação me referi, nenhum conheço nem sei quem são.

Emquanto a esta parte entendo que dei todas as explicações para esclarecer qualquer periodo do meu discurso que estivesse menos claro, apesar de estar convencido que qualquer pessoa que o analysasse fria e desapaixonadamente não seria necessaria pela clareza das suas phrases e das suas asserções interpretação authentica.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Apoiado, apoiado; eu tambem estou completamente de accordo n'essa parte.

O Orador: — Vê-se pois que eu não me referi senão ao que se dizia em publico e nos jornaes, e tanto mais necessarias se tornam as providencias e explicações que pedi, quanto esses rumores vão crescendo o divulgando-se: n'um dos penúltimos numeros do Diario popular dizia-se muito explicitamente que para se effectue essa deploravel compra tinham sido distribuidos 25:000$000 réis por quatro individuos, tendo um d'estes individuos recebido 10:000$000 réis e os outros os 15:000$000 réis restantes.

No entanto referindo-me ao' que diz o jornal, não tomei nem tomo a responsabilidade do que ali se escreve, porque não fiz nem assignei aquelle escripto.; se o tivesse feito e assignado, tomava a responsabilidade, e havia de provar as minhas asseverações. Muito folgo com os apoiados do digno par, porque ratificam o que eu disse, e combinam com a minha opinião, nem podia deixar de combinar, porque as minhas palavras eram bem claras. S. ex.ª o confessa mesmo n'esta parte do seu discurso:

«Em vista das explicações que acabo de dar, parece-me que tenho satisfeito e dito o sufficiente para bem se ajuizar d'este assumpto; no entanto ponho-me desde já á disposição do digno par o sr. Vaz Preto, a fim de o auxiliar no que poder para satisfazer ao que deseja o digno par.»

N'esta parte tambem estamos completamente de accordo Mas ha outro periodo que é o ultimo do discurso do digno par, e que pôde ser mal interpretado no publico, e por isso chamo a attenção da camara para as reflexões que vou fazer, e pediria mesmo ao digno par a sua interpretação authentica, se s. ex.ª não tivesse tido já a delicadeza de o fazer:

«Quem apresenta uma pretensão ou uma arguição deve faze-lo com franqueza e lealdade, pois do contrario mostra que é um cobarde, que tem medo de uma pitada de polvora ou do fio de uma espada, ou que não presta para nada. »

Também estou de accordo que quem apresenta arguições deve prova-las, e por isso tomo a responsabilidade de todos os meus actos, de todas as minhas palavras, de todos os meus escriptos, sem lhes tirar uma virgula, n'esta casa ou fóra d'ella, sem jamais receiar as pitadas de polvora nem os fios de espada afiada, embora seja ella brandida por official de mar ou terra, por mais bravo que seja.

Sr. presidente, quem presa a sua dignidade, quem tem a sua consciencia tranquilla, quem falla com convicções, apresenta-se sempre com todo o desassombro sem o mais leve receio, porque cumpre o seu dever, o não se recusa jamais a dar explicações em todos os campos a que a honra, o brio e pundonor o póde chamar. Estes são os meus sentimentos conhecidos por todos que avaliam o meu caracter, e que não ignoram os meus precedentes.

O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu declaro do mesmo modo e da mesma maneira.

O Orador: — Eu tenho aqui declarado, pelas rasões que a camara conhece e que eu manifestei n'outra sessão, que não era necessario mandar interpellação alguma ao sr. ministro da marinha ácerca d'este objecto; mas depois do discurso do sr. visconde de Soares Franco, e da fórma por que foram olhadas as minhas simples observações, mando para a mesa a seguinte nota de interpellação, porque a julgo hoje conveniente (leu).

Sr. presidente, aproveitando-me da palavra, como está presente o sr. ministro da fazenda dirigirei uma pergunta a s. ex.ª, pergunta que já fiz em outra occasião.

Eu desejava saber o estado em que se acha a questão da fabrica real da Covilhã. Esta questão é muito importante, são cento e tantos contos de réis pertencentes á fazenda publica e que andam extraviados! Estimarei que se não descuro este negocio, cuja resolução eu desejava que fosse o mais breve possivel.

O sr. ministro da fazenda da administração transacta já me havia dito que tinha mandado remetter o processo ácerca d'este negocio ao procurador geral da corôa para que este funccionario desse sobre elle parecer; até hoje porém creio que não ha resolução tomada a tal respeito, porque o sr. ministro tem tido que sei occupar de muito importantes e diversos assumptos.

O que eu pedia portanto a s. ex.ª era que não descurasse este negocio, porque se trata nem mais nem menos do que de fazer entrar nos cofres da fazenda publica quantias que a esta pertencem, e mesmo porque, em geral, quando se trata, como agora, de economisar e reformar, não se deve desprezar meio algum de embolsar a fazenda de quaesquer quantias que lhe pertençam, e de reclamar quaesquer bens que andem extraviados.

Se o sr. ministro me quizer dar agora mesmo algumas explicações a este respeito eu muito estimarei.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu não posso responder ao digno par como desejava, mas posso assegurar a s. ex.ª que o procurador geral da corôa se tem já occupado d'este negocio.

Direi tambem que as muitas e graves incumbencias que tenho a meu cargo me não permittiram ainda dar a devida attenção a este assumpto, aliás importante.

Leu se na mesa e mandou-se expedir a nota de interpellação do digno par Vaz Preto.

E a seguinte:

«Pretendo interpellar o sr. ministro da marinha ácerca da corveta que ultimamente foi comprada. = Vaz Preto.»

O sr. Visconde de Soares Franco: - Sr. presidente, no discurso que eu proferi aqui o outro dia, e no qual disse que sentia não estar presente o digno par, o sr. Vaz Preto, narrei eu, apoiado nos documentos officiaes, o que se tinha passado em relação á compra da corveta Hawk, disse tambem que sentia muito que o digno par se tivesse referido em especial aos empregados do arsenal: os empregados do arsenal é uma cousa certa e determinada, e eu estimaria mais que o digno par tivesse fallado indeterminadamente, por exemplo, correm no publico insinuações graves a proposito da compra da corveta Hawk, e é necessario que se proceda a um inquerito rigoroso em todas as estações por onde este negocio passou, então declaro que me não dava isso o menor abalo. E tambem os homens que espalham estes boatos deviam ter a coragem, ou pelo menos a lealdade de se chegarem ao ministro respectivo e dizerem-lhe: «diz-se isto assim, assim, V. ex.ª deve informar-se para mandar proceder como for mais justo e conveniente»; mas mandar publicar n'um jornal boatos tão offensivos da honra e dignidade dos empregados da marinha, é maldade, é calumnia, é vileza. Ora, eu servindo na marinha ha mais de quarenta annos com aquella honra e lealdade que de todos é bem. sabido, não podia deixar de ficar muito impressionado quando li o trecho do discurso do digno par, que se podia referir a amigos meus, mui particulares, e que nada tinham com este assumpto, isso deu causa a eu vir aqui pronunciar-me no sentido que consta do Diario de hoje; talvez', que me escapassem algumas expressões, mas isso acontece, quando se está impressionado como eu estava, e impressionado de mais a mais por insinuações gravissimas. O que eu queria comtudo dizer, era que se tinha feito um ataque á honra de certos e determinados empregados; e effectivamente, conforme eu disse, os empregados do arsenal não têem voz n'esta camara.