DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 339
não ser demasiadamente apressado na construcção d'aquella ponte, porque eu já previa que, sem se resolver a questão do entroncamento do ramal da linha ferrea hespanhola com o caminho de ferro do Douro, não seria, talvez, prudente fazer aquella construcção.
Este negocio, torno a dizer, envolve graves interesses, sobretudo para a cidade do Porto. E direi mais, que a noticia de se ter mandado proceder á construcção da ponte internacional sobre o rio Minho causou grande sensação n'aquella cidade, que vê os seus interesses muito compromettidos. N'isto não ha exploração politica, ha apenas a referencia ao que hoje li em telegrammas dirigidos aos jornaes que são mais affectos ao governo. Portanto, muito desejaria que o sr. ministro das obras publicas nos dissesse algumas palavras de conforto e esperança, pelas quaes nos possamos convencer de que estas negociações não estão mal paradas.
Aguardo, portanto, a resposta de s. exa., para depois fazer as considerações que julgar opportunas.
O sr. Conde do Casal Ribeiro (sobre a ordem): - Lembro a conveniencia de serem tratados separadamente os dois assumptos sobre que o digno par chamara a attenção da camara.
O sr. Conde de Castro: - Estou de pleno accordo em que se trate separadamente de cada um dos assumptos a que me referi.
O sr. Presidente: - Mas eu não posso negar a palavra n'este momento ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que a pediu.
S. exa. regulará o seu discurso como entender.
Depois proporei á camara a indicação feita pelo sr. conde do Casal Ribeiro.
O sr. Ministro das Obras Publicas e interino dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Acatarei as resoluções da camara.
O digno par o sr. conde de Castro chamou a minha attenção sobre dois assumptos especiaes; sobre ambos me cumpre responder, sobre ambos estou prompto a responder.
Se a camara deseja tratar especialmente cada um de per si, tratarei; se pelo contrario entende que mais convem que responda de vez a ambas as perguntas que foram formuladas, desde já passarei a responder a essas perguntas.
O sr. Presidente: - Vou submetter á votação a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro.
Os assumptos que ha a discutir são primeiramente o que é relativo ao tratado de Lourenço Marques, e em seguida o que se refere ao ramal do caminho de ferro de Salamanca.
Supponho que é esta a ordem por que foram feitas as perguntas.
Os dignos pares que são de opinião que se separem estas duas questões, tratando de uma em seguida á outra, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Estavam inscriptos varios dignos pares, mas eu supponho que se inscreveram para fallar sobre assumpto diverso; por isso é talvez melhor seguir este incidente levantado pelo sr. conde de Castro, concedendo-se-lhes depois a palavra. (Apoiados.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Respondendo á primeira pergunta que me foi dirigida pelo sr. conde de Castro, relativamente ao tratado de Lourenço Marques, direi á camara que o governo, de inteiro accordo com o governo inglez, pede que se suste todo e qualquer procedimento parlamentar a respeito d'esse tratado.
Não está definitivamente regulada a questão do Trausvaal; a regularisação d'essa questão póde trazer comsigo a necessidade de modificações a attender, de negociações a encetar.
No interesse d'essas negociações, o governo julga inconveniente entrar por agora em mais amplas explicações; mas o que póde affirmar e affirma é que são cordialissimas as relações entre os dois governos.
Eu ficaria por aqui, se o digno par o sr. conde de Castro não tivesse alludido ao procedimento dos membros da outra camara, quando ali se discutiu o tratado de Lourenço Marques. S. exa., em termos, porventura demasiadamente asperos, referiu-se com desfavor ao procedimento dos que se haviam abstido de se pronunciar sobre o tratado, tendo aliás votado pelo seu adiamento.
É a primeira vez que me cabe a honra de fallar n'esta assembléa, que muito respeito; tenho mesmo pelo digno par que me interpellou toda a deferencia que lhe é devida; não desejando, por isso, afastar-me, de fórma alguma, dos deveres da mais stricta cortezia, limitar-me-hei a observar que a declaração, que acabo de fazer, está em inteira harmonia com o meu procedimento e o dos meus collegas por occasião da votação do tratado de Lourenço Marques na outra camara.
Pelo que toca ao negociador do tratado é me agradavel affirmar em nome do governo que a s. exa. prestâmos a alevantada consideração a que lhe dão innegavel direito os seus nobilissimos dotes de caracter, e os relevantissimos serviços, que s. exa. tem prestado ao paiz.
O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, v. exa. e a camara comprehendem que, depois de allusões tão directas a um assumpto em que eu tive parte tão importante e de que me cabe tão grande responsabilidade, não posso deixar de tomar a palavra.
Sr. presidente, o sr. conde de Castro, referindo-se á questão tão debatida de Lourenço Marques, encarregou-se da minha defeza com uma bondade e um zêlo que me lisongeiam muito e que muito lhe agradeço; mas isso mesmo me obriga a pedir a palavra. Fique socegado o digno par. Eu hei de justificar o meu procedimento, refutar as falsas accusações com que quizeram lançar um labéu sobre a minha honra: o digno par e o paiz hão de reconhecer que fiz o meu dever, como homem honrado que me prezo de ser.
Eu não sei se o tratado de Lourenço Marques é hoje na opinião publica bom ou mau, nem é esta a occasião de o discutir. A opinião publica julga-o mau, segundo s. exa. affirma; mas essa opinião publica, que o julgou mau, andava transviada e enganada por falsas apreciações, segundo tambem affirma o digno par. Ora, se a opinião andava transviada, quando julgou mau o tratado, é porque o tratado não é mau em si, na opinião tambem do sr. conde de Castro, opinião que eu altamente aprecio.
O tratado de Lourenço Marques foi negociado por mim, ad referendum, não como ministro dos negocios estrangeiros, mas como plenipotenciario, e tendo para isso recebido plenos poderes, assignados pelo presidente do conselho de ministros.
O negociador, porém, sendo o ministro dos negocios estrangeiros, não podia pedir instrucções ao ministro dos negocios estrangeiros. Tinha, comtudo, antes de concluir a sua missão de negociador do tratado, de consultar os seus collegas no gabinete; e a estes, depois, cumpria examinar o tratado e ver se merecia ou não a sua approvação; ou propor-lhe quaesquer modificações que julgassem necessarias.
Foi o que se fez: foi o que eu fiz. O tratado foi por mim apresentado em conselho de ministros, como o fôra o tratado da India; o conselho de ministros approvou-o, introduzindo-lhe algumas alterações. Essas alterações foram communicadas ao negociador inglez, que estava em Londres então, onde fôra á fim de destruir algumas objecções ponderosas que o gabinete britannico oppunha ao tratado, e foram acceitas pelo governo inglez.
O sr. Morier, ministro de Inglaterra, chegou a Lisboa, tres ou quatro dias antes de caír o ministerio de que eu fazia parte. Trazia a solução definitiva do seu governo so-