342 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO
partilho nem as doces illusões do sr. ministro das obras publicas nem as esperanças fallazes do sr. conde do Casal Ribeiro.
Não creio hoje na possibilidade de se alcançar do governo hespanhol um entroncamento conveniente que ligue a nossa linha do Douro com a de Salamanca. Impede-o hoje, impedil-o-ha sempre a quasi construida linha da Beira Alta.
Commetteram um grande erro os poderes publicos votando a construcção do caminho de ferro da Beira Alta nas condições em que o fizeram. D'esse erro imperdoavel, e que hoje já não tem remedio, são culpados os partidos politicos que se colligaram a despeito dos seus odios e rancores.
Os regeneradores, que estavam então no poder, os historicos e reformistas ainda não fundidos, que estavam na opposição, colligaram-se todos contra mim, que era o unico que advogava então os interesses do Douro, conjunctamente com os da Beira Baixa: que era a voz que clamava no deserto a favor do Porto. Os deputados da cidade invicta, esses que hoje a representam, e que parecem querer provar-lhe ainda a sua dedicação, faziam calorosos discursos a favor da linha da Beira Alta, e uniram-se todos sem distincção de partidos para fazerem votar a construcção d'aquella linha, apesar de eu mostrar ao governo de então com documentos irrefragaveis que os hespanhoes, desde o momento que fosse votado o caminho de ferro da Beira Alta, julgavam prejudicado o caminho de ferro do Douro.
É melhor confessar estes erros indesculpaveis, e que já não têem remedio, do que continuar a illudir a cidade do Porto e o paiz.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: - O que eu sustentei foi que não tinha havido erros na negociação nem da parte d'este governo, nem da do transacto.
O Orador: - Conheço bem a historia d'estes caminhos de ferro, e conheço os erros que se praticaram, que foram, muitos e grandes.
Não me refiro ás negociações de que fallou o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, mas sim aos erros e faltas dos partidos politicos que se colligaram para commetterem um dos maiores attentados aos interesses da nação, e sobretudo aos interesses do Porto, empenhando-se á porfia ta concessão do caminho de ferro da Beira Alta. E dizendo isto, faço historia simplesmente, refiro os factos sem intuito de fazer censura a ninguem, porque respeito as intenções de todos. O que eu quero, o que eu pretende hoje, e o que eu desejo apenas, é que ao menos confessem esses erros, e não continuem a illudir o paiz, nem tão pouco a lançar poeira aos olhos dos portuenses.
Sr. presidente, se eu podesse regosijar-me com os erros dos meus adversarios, seria esta a occasião, porque as minhas predicções realisaram-se, as minhas prophecias estão dando os seus funestos resultados. Não me regosijo, porém, porque não me posso regosijar com os males do meu paiz; lamento apenas que os partidos e os governos estivessem tão obsecados que não vissem o que era obvio e intuitivo. A mim, que fui sem duvida o illuminado d'aquella occasião, parecia-me tudo limpido e claro como a luz do sol. Clamava então, clamava constantemente, e elles cerravam os ouvidos para não ouvirem a minha voz, e fechavam os olhos para não verem os documentos irrefragaveis, que eu lhes apresentava.
Contra a minha opinião todos os partidos, e o do proprio digno par que acabou de fallar, se levantaram! Fui vencido, mas o tempo encarregou-se de me fazer justiça. Vá, pois, a responsabilidade a quem compete.
A culpa é de todos aquelles que tinham o dever de estudar maduramente as questões serias e graves do paiz, e não as estudaram. A culpa é de todos aquelles que decretaram caminhos de ferro ás cegas, sem terem placo nem systema, sem terem estudado a rede dos caminhos de ferro peninsulares, nem terem comprehendido os interesses reaes da nação.
Sr. presidente, o erro foi tanto maior, a falta foi tanto mais grave, quanto os hespanhoes foram claros e precisos no que pretendiam e no que desejavam. As suas aspirações eram bem conhecidas e bem manifestas n'esse importantissimo trabalho elaborado pelos melhores engenheiros hespanhoes, trabalho em que está traçado o plano de todos os caminhos de ferro de Hespanha, e o seu entroncamento com Portugal.
Em logar de decretarem linhas ferreas sem conhecimento dos interesses internacionaes, commerciaes e estrategicos e de politica interna, era melhor que tivessem seguido tão louvavel exemplo, e fizessem primeiro estudo serio e consciencioso.
A culpa, o erro cabe aos portuguezes unica e exclusivamente. Não nos podemos queixar dos hespanhoes, que foram bem explicitos, e deixaram ver-nos bem claramente as suas aspirações. O seu objectivo era Lisboa e Porto. Differentes soluções apresentavam elles no seu plano para ligação dos caminhos de ferro peninsulares. Acceita uma d'essas soluções declaravam formalmente, que as outras ficavam prejudicadas. N'esta questão o sr. ministro das obras publicas não tem responsabilidade, porque o seu brilhante talento não se tinha entremettido ainda nas lides parlamentares, e por isso, felizmente, está livre das accusações justificadas que se fazem ao seu partido.
Eu creio, e com solidos fundamentos, que esta questão já não tem remedio, que é uma questão perdida, e por isso estou convencido que o sr. ministro das obras publicas, apesar dos seus bons desejos e patriotas intenções, nada poderá fazer. É melhor, pois, fallar claro ao paiz e desiludir o Porto.
Sr. presidente, eu vou avivar na memoria da camara o que por differentes vezes aqui tenho repetido, o que ainda no anno passado disse quando se tratou d'esta questão; apontarei os argumentos solidos em que me baseei, e referirei a opinião d'essa importantissima commissão hespanhola de engenheiros escolhidos e competentes.
Sr. presidente, os hespanhoes têem tido sempre como objectivo Lisboa e Porto, e n'este intuito apresentaram no seu plano de caminhos de ferro os differentes alvitres pelos quaes se podia realisar a ligação das linhas portuguezas com as hespanholas. Eis o que diz essa commissão com respeito ao Porto:
«La conveniencia de enlazar con el norte de Portugal á Salamanca, Zamora y el centro de Espana, está reconocida e comprobada por el tráfico ya estabelecido en dicha direccion, como lo demonstran patentemente los productos que rindem las aduanas situadas en esa parte de la frontera.
«Y esta circunstancia indujo á la comision a décir, al comparar la linea de Bégar á Avila con la de la misma poblacion á Zamora, que no podria prescindir-se de construir el trozo de ferro-carril de la ultima capital á Salamanca: es evidente, en effecto, que si ambas provincias han de quedar enlazadas con el norte de Portugal en vez de á cabo dos lineas distinctas, que penetrem en la nacion vicina, y portan respectivamente de Salamanca y Zamora, convenderá, atendiendo á la proximidad de estas capitales, enlazarlas por una via ferrea, de uno de cuyos puntos se dirive un solo ferro-carril que cruce la frontera.
«Las diferentes soluciones propuestas en la informacion son las seguientes:
«De Salamanca a la frontera de Portugal, aproximando-se le possible a la sierra de Gata;
«De Salamanca á aldea del Obispo;
«De la linea directa de Salamanca a Zamora, a entrar en Portugal por Fermosello;
«De Ledesma, por Vitigudino á la Fregeneda;
«De Zamora a Braganza.
«La primera, la tercera y la sexta, deben desde luego