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344 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Sr. presidente, eu desejo que as questões sejam, tratadas com toda a franqueza e que se diga claramente ao Porto qual é a sua situação hoje com respeito ao caminho de ferro do Douro, e que nada tem a esperar d'este governo, porque elle não tem a força nem rasão, em vista dos seus precedentes e das suas faltas n'esta questão, para levar o governo hespanhol a dar uma solução conveniente ao entroncamento de caminho de ferro do Douro. Esta minha convicção é tanto mais profunda, quanto ella nasce do erro praticado pelos differentes partidos acceitando a solução do caminho de ferro da Beira Alta.

O sr. conde do Casal Ribeiro mencionou á camara os esforços que tem feito e o zêlo que tem desenvolvia o para resolver favoravelmente para Portugal esta questão, e confessou que nada tem conseguido.

Devo dizer a s. exa. que, por mais talento que possua, não conseguirá jamais uma solução favoravel para Portugal hoje nas condições em que os respectivos governos collocaram este assumpto. E nós não nos podemos queixar da Hespanha nem dos seus governos, porque nos manifestaram clara e precisamente quaes eram as suas aspirações. Porque nos disseram franca e lealmente que proferiam a todas as soluções a linha do Douro que seguindo por Fregeneda, Vitigudino por Ledesma entroncasse com a de Salamanca; mas que, se porventura, o governo portuguez contra os seus interesses concedesse um caminho de ferro que, atravessando a Beira Alta transpozesse a fronteira nas immediações de Almeida a Hespanha, acceitaria tambem esse alvitre.

Contra todas as previsões, contra todos os interesses nacionaes esse caminho de ferro foi concedido. É o actual caminho de ferro da Beira Alta que passa a fronteira em Villar Formoso, e que pelo ramal hespanhol que foi agora posto a concurso se vae ligar com o caminho de ferro de Salamanca.

O mais notavel no meio de tudo isto é o alarido de todos os que commetteram este grande erro, como procurando por seus lamentos penitenciar-se! O mais notavel são as exclamações dos deputados do Porto e do seu partido, quando ainda no anno passado aggravaram mais a situação d'aquella cidade com a concessão do ramal da Figueira á linha da Beira Alta! O peior no meio de tudo isto é que a Beira Baixa, cujos interesses estavam ligados aos do Porto, foi tambem prejudicada!

Aqui está, e vejo por acaso diante de mim o cavalheiro que praticou o grande erro da concessão do ramal de Caceres. O sr. Barros e Cunha, levado pelo prurido de fazer um caminho de ferro de graça sem estudar a questão, praticou a grande falta de conceder á companhia de norte e leste o ramal de Caceres.

S. exa. caíu antes de eu lhe pedir estreitas e severas contas. S. exa. concedeu o que não podia conceder; concedeu como ramal uma linha internacional. S. exa. parece que ignorava que havia duas leis que garantiam o caminho do Valle do Tejo, uma portugueza e outra hespanhola, e não obstante s. exa. nada attendeu para praticar essa monstruosidade que para ahi está, e a que se chama hoje linha de Caceres.

S. exa. por esta concessão fez mais - invalidou todos os esforços do illustre general o patriota Sá da Bandeira, que fez passar a linha de leste sob as muralhas de Elvas. S. exa. abriu a uma invasão hespanhola o Alemtejo, e tornou mais difficil a defeza de Lisboa. Eis aqui estão as vantagens que o sr. Barros e Cunha tirou de fazer a linha de Caceres de graça.

A concessão era tão arrojada e inconveniente, que os proprios regeneradores, com quem eu tinha rompido por terem faltado á sua promessa emquanto á linha do Valle de Tejo, - linha da Beira Baixa; os proprios regeneradores, a quem eu fazia uma guerra tenaz e violenta, não se atreveram nunca a fazer essa concessão.

Mas deixemos o que já lá vae e que não tem, remedio.

A camara e o paiz sabem e conhecem bem os motivos e as rasões que me determinaram a mim e aos meus amigos a separar-nos da regeneração. São muito honrosos para nós porque aos interesses de paiz sacrificámos o socego a tranquilidade, e as affeiçoes pessoaes.

O dever descreveu-nos o caminho a seguir, não hesitamos um só momento embora tivessemos serios desgostos a soffrer, e grandes sacrificios a partilhar. Lancemos um véu sobre o passado e voltemos á questão que se debate.

Sr. presidente, não sei se feliz, se infelizmente eu conheço bem a historia dos caminhos de ferro em Portugal. Quando se apresentou o primeiro projecto para a construcção da linha do Douro era então ministro das obras publicas o sr. Andrade Corvo. N'esse projecto fazia-se uma promessa á Beira Alta. Achei tão exquisito, e tão excentrico o procedimento, que apesar de apoiar aquella situação não pude deixar de manifestar durante a discussão o meu desgosto, e com phrases acres combati a opinião do ministro. Já então eu presentia o que mais tarde havia de acontecer. Passados annos a promessa do caminho de ferro da Beira Alta traduziu-se em factos. Foi votada pela camara uma auctorisação ao governo para poder construir dois caminhos de ferro, um pela Beira Alta, que ligasse com a linha de Salamanca, outro pela Beira Baixa, que entroncando com a linha de Malpartida fosse directamente a Madrid. Então, como já disse, o governo regenerador, deputados reformistas e historicos ligaram-se todos contra o pequeno grupo que representava os interesses da Beira Baixa, e praticaram o monumental erro de conceder a uma companhia a construcção do caminho de ferro da Beira Alta, pondo de parte o da Beira Baixa e sacrificando assim a linha do Douro.

Agora, sr. presidente, conhecem-se os resultados; faz-se justiça a esse grupo de homens, que defendendo os interesses da Beira Baixa defendiam ao mesmo tempo os interesses do paiz e do Porto, e o que era justo e rasoavel. Eramos nós que tinhamos rasão, o tempo encarregou-se de nol-a dar. No meio de tudo isto o que ha de peior, o que ha a lamentar, é que seja o povo, é que seja o paiz que não tem culpa, que pague os desvarios, os erros e as faltas dos partidos e dos governos. Ao menos confessem esses erros; não se reneguem ás suas faltas, e para o futuro resgatem por uma administração esclarecida o seu passado, que nada tem de invejavel.

Concluo o que tinha a dizer, repetindo que hoje o actual governo nada póde fazer a este respeito, e que se deve dizer francamente á cidade do Porto, que nada ha a esperar do governo hespanhol com relação á questão de que nos occupâmos.

O governo hespanhol, tendo em vista os seus interesses commerciaes, de politica interna, internacionaes, attende sobretudo aos que dizem respeito á defeza do paiz. No entroncamento com as linhas portuguezas elles olham primeiro que tudo para as condições estrategicas, e por isso querem que as linhas sejam construidas de fórma que passem por baixo da artilheria de alguma praça forte. Elles não prescindem que a linha da Beira Alta passe por baixo das muralhas de Ciudad Rodrigo.

Sr. presidente, supponhamos mesmo que não eram fallazes as esperanças do sr. conde do Casal Ribeiro, e que se levava a effeito o entroncamento das linhas portuguezas do Douro e da Beira Alia com a de Salamanca no ponto de Boadilha. Ainda assim esta solução unica que julgam mais favoravel para o Porto na actualidade, ainda assim o Porto continuava a ser prejudicado, e só faria por aquella linha o commercio necessario para satisfazer as necessidades da cidade. Todo o commercio que tivesse de fazer-se de exportação seguiria a linha da Beira Alta que, alem de mais curta, é sem duvida construida em condições muito superiores á da Beira Alta.

Isto não são asserções meramente gratuitas, não é opinião minha, é a opinião dos homens de sciencia, é a opi-