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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO. N.° 45

EM 2 DE ABRIL DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Francisco José Machado

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pela morte do Conde de Campo Bello, antigo Par electivo. Associam-se a esta proposta os Dignos Pares Srs. Ministro da Marinha, em nome do Governo, Ernesto Hintze Ribeiro, Luiz Bandeira Coelho e Teixeira de Sousa. A proposta é approvada por acclamação. - O Digno Par Sr. Costa Lobo insta com o Governo para que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, mande a esta Camara todos os jornaes não portuguezes que se tenham occupado da questão dos sanatorios da Ilha da Madeira e hajam sido enviados pelas nossas legações áquelle Ministerio. O Sr. Ministro das Obras Publicas promette communicar este assumpto ao seu collega dos Negocios Estrangeiros, e manda para a mesa uma nota do arrolamento dos vinhos generosos, que tinha sido requerida pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa. O Digno Par Sr. Ernesto Hintze Ribeiro pede seja consultada a Camara sobre se permitte a publicação d'esse documento no Diario do Governo. A Camara resolve affirmativamente. - O Digno Par Sr. Mattozo Santos requer a nota do estado da divida fluctuante em 31 de março do corrente anno.- O Digno Par Sr. Alpoim, referindo-se ás considerações apresentadas pelo Digno Par Sr. Costa Lobo. pede explicações ao Governo sobre a questão dos sanatorios da Madeira. - O Digno Par Sr. Palmeirim manda para a mesa, por parte da commissão de guerra, os pareceres sobre os projectos de lei relativos aos contingentes de recrutas em 1906 e 1907 e afixação da força armada em 1906-1907 e 1907-1908. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa requer esclarecimentos sobre a tributação do centeio pela Camara Municipal do concelho de Chaves e sobre os motivos da syndicancia ordenada á repartição de Fazenda de Miranda do Douro.

Ordem do dia. Entra em discussão o projecto de lei (parecer n.° 39) referente á crise duriense. - O Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos, relator, propõe uma substituição á base 7.ª e o addicionamento de uma nova case ao projecto. Estas duas propostas são admittidas e ficam em discussão juntamente com o mesmo projecto. - Usa da palavra o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, e, tendo dado a hora, S. Exa. declara que continuará as suas considerações na sessão seguinte. - A Camara auctoriza a publicação de algumas representações. - É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 22 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Deu-se conta do seguinte expediente:

Officio do Ministerio do Reino, remettendo o decreto de 30 de marco que proroga as Côrtes até 30 de abril.

Mensagem da camara dos Senhores Deputados, acompanhando as proposições de lei que teem por fim:

- mandar proceder á revisão da classificação das estradas reaes e districtaes e fixação das verbas para a sua conservação, e outras;

- garantindo ao tenente de artilha na Antonio Lopes Baptista o direito de reclamar de um castigo.

Officios:

- Do Ministerio do Reino dois, relativos a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado:

- Do Ministerio das Obras Publicas, um relativo a documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.

Representações:

Das Camaras Municipaes dos Concelhos de Freixo-de-Espada á Cinta, Torre de Moncorvo, Murça e Alijó; do Syndicato Agricola do concelho de Alijó e dos viticultores dos concelhos de Villa Flor e Carrazeda de Anciães, contra o disposto nas bases 3.ª § 14.°, 6.ª, § 19.ª e 15.° do projecto em discussão.

O Sr. Presidente: - Ao conhecimento da Camara certamente já chegou a noticia de ter fallecido o nosso antigo collega Sr. Conde de Campo Bello, que foi Par electivo.

O illustre titular foi um professor muito notavel, que pelo seu saber e methodo de ensino soube conquistar a sympathia e estima dos seus discipulos e dos seus collegas no magisterio, bem como a consideração geral pelas suas nobres qualidades, entre as quaes avultava uma extrema modestia e affabilidade.

A Camara decerto quererá que se mande lançar na acta da sessão de hoje um voto de profundo pesar pela perda d'este nosso antigo collega. (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Sr. Presidente: cabe-me a honra, como membro do Governo, de me associar á proposta de V. Exa. para que seja lançado na acta um voto de pesar pelo fallecimento do Sr. Conde de Campo Bello, que foi membro d'esta casa, onde deixou as melhores recordações.

Os seus serviços como professor e a sua elevada intelligencia deram-lhe direito a que o paiz guarde d'elle uma honrosa e grata memoria.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: em meu nome e no dos meus amigos politicos associo-me sentidamente ao voto de pesar que V. Exa.

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acaba de propor pelo fallecimento do Sr. Conde de Campo Bello.

Conheci pessoalmente o illustre extincto, que alliava a um caracter nobre uma intelligencia lucida, e foi professor muito distincto.

Por todos estes motivos o nosso sentimento é de verdadeira magna.

O Sr. Bandeira Coelho: - Sr. Presidente: em nome do partido progressista associo-me á proposta de V. Exa. em homenagem á memoria do Conde de Campo Bello, que foi Par do Reino electivo, e meu correligionario politico.

Pronunciando estas singelas palavras, faço-o com a maior saudade, porque com o Conde de Campo Bello mantive desde as aulas da Universidade aquellas cordiaes relações que facilmente se estabelecem entre condiscipulos.

Elle foi um estudante laureado e, como professor na Academia Polytechnica do Porto, correspondeu ás distincções que obteve na Universidade.

A sua alma era boa; as suas maneiras distinctas, e o seu caracter affavel.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: o meu querido amigo e eminente chefe, a quem eu incondicionalmente acompanho pelo coração e pela intelligencia, fez declarações sobre o modo de pensar do partido regenerador relativamente á proposta de V. Exa. para que na acta se lançasse um voto de sentimento pela morte do Sr. Conde de Campo Bello.

Sr. Presidente: ouvi o Digno Par Sr. Bandeira Coelho referir-se com muito louvor ás qualidades do Sr. Conde de Campo Bello, que foi um laureado estudante da Universidade.

Tive a honra de ser seu discipulo em physica na Academia Polytechnica do Porto, e por isso pude apreciar os primores da sua intelligencia e saber no exercicio do magisterio e no convivio particular a bondade e affabilidade do seu caracter.

Recebi do Sr. Conde de Campo Bello, como estudante d'aquelle estabelecimento, as maiores provas de consideração que se podem dar a um discipulo.

Faltaria, pois, a um dever sagrado se não viesse, como membro d'esta Camara, concorrer pessoalmente para a homenagem prestada á memoria de tão illustre cidadão.

(Os Dignos Pares não reviram os seus discursos).

O Sr. Presidente: - A Camara certamente quer approvar por acclamação a proposta que apresentei. (Apoiados geraes).

Está pois approvada.

O Sr. Costa Lobo: - Sr. Presidente: eu associo-me fervorosamente aos testemunhos de respeito e saudade prestados pelos oradores que me precederam á memoria do Conde de Campo Bello.

Entrando agora no assumpto particular para que pedi a palavra, estranho amargamente que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros nenhum deferimento tenha dado ao requerimento em que, ha mais de um mez, pedi com urgencia a remessa para a secretaria d'esta Camara dos jornaes estrangeiros, sobretudo allemães, que se hajam occupado da questão dos sanatorios da Madeira.

Não pedi nenhum documento confidencial, nenhuma communicação com os Governos Estrangeiros, porque sei perfeitamente que as negociações sobre um negocio pendente, de caracter internacional, não podem ser divulgadas.

Mas o que se conta nos jornaes, o que toda a Europa sabe, por que é que somente Portugal o ha de ignorar?

E para que servem ao Sr. Ministro uns velhos jornaes que- não lhe podem dar outras informações senão as que elle deve conhecer pela via diplomatica?

Mas, se lhe servem para alguma cousa, elles ficam á sua disposição na secretaria d'esta, Camara, porque eu não os vou levar para casa, irei lê-los na secretaria.

Sr. Presidente: por que é que eu peco esses jornaes?

É porque, amestrado por longa experiencia politica, tremo de susto todas as vezes que vejo a nossa, chancellaria defrontada com a chancellaria de qualquer grande potencia.

É porque desejo que o nosso paiz seja quanto possivel elucidado sobre o curso d'estes negocios internacionaes, e sei que d'ahi te em advindo incalculaveis prejuizos aos nossos interesses. (Apoiados).

Entretidos com as questões internas, descuramos completamente as questões internacionaes, e só pensamos n'ellas quando já não temos remedio.

As questões internas são muito importantes, mas incomparavelmente mais importantes são as questões externas; n'aquellas qualquer leviandade ou desatino pode ser facilmente reparado, mas uma nota assignada pelo Ministro dos Negocios Estrangeiros é irrevogavel.

E esta consideração da perigosa gravidade das negociações externas para uma pequena nação que possue um vasto dominio colonial cobrou muito maior importancia depois que as grandes potencias adoptaram o systema da chamada politica mundial termo que teve a sua origem na Allemanha.

Basta a questão de Marrocos para exemplificar perfeitamente a significação d'esta politica mundial, e as complicações a que ella pode dar origem.

Como plena justificação do meu requerimento, li no jornal o Dia, de 7 de março, a relação de uma entrevista que um dos seus redactores teve com um dos interessados na questão dos sanatorios, o qual por acaso passou pelo porto de Lisboa.

Por ella se vê que tem havido dois processos de diffamação, um em Berlim, outro em Hamburgo, e que nos autos d'esses processos é que se encontram aquelles documentos reproduzidos pelos nossos jornaes, e que tão justificada surpresa causaram a toda a gente.

É esta surpresa um facto identico aos que geralmente se teem dado nas nossas questões diplomaticas.

Essa mesma entrevista nos fornece ainda outra informação que, somente por um feliz acaso, ficamos sabendo: que o julgamento definitivo do processo de Berlim se effectuará no dia 8 do corrente mez de abril, e que então o entrevistado produzirá outros documentos igualmente interessantes.

Sr. Presidente: julgo impossivel que algum jornal politico, ou sobretudo juridico, na Allemanha, não haja reproduzido, ou reproduza ainda, as peças d'estes processos; e impossivel julgo tambem que no Ministerio dos Negocios Estrangeiros não exista um exemplar d'esse jornal ou jornaes.

São os jornaes que dão conta d'esses processos que. pelo menos, eu peço sejam enviados a esta Camara.

Não vejo nenhuma razão que se possa allegar contra esta minha pretensão; mas se alguma ha, desejo e solicito que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros se digne vir enunciá-la perante a Camara.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Sr. Presidente: aproveito o ensejo para declarar ao Digno Par Sr. Costa Lobo que transmittirei ao meu collega dos Negocios Estrangeiros a reclamação feita por S. Exa., para que ella seja considerada por aquelle meu collega, que, no caso de não poder mandar á Camara os jornaes de que se trata, virá dar a razão da impossibilidade, se a houver.

Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para mandar para a mesa um documento, que julgo satisfaz os desejos manifestados pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

Refiro me á nota do arrolamento dos vinhos generosos feito nos termos da lei de 3 de novembro de 1906.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte

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que os documentos mandados para a mesa pelo Sr. Ministro das Obras Publicas sejam immediatamente publicados.

O Sr. Presidente: - A camara ouviu o requerimento do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.

Peço-lhe que se manifeste sobre elle.

Os Dignos Pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O documento apresentado pelo Sr. Ministro das Obras Publicas é do teor seguinte:

Nota do arrolamento dos vinhos generosos feito nos termos da lei de 3 de novembro de 1906

Vinho do Porto existente em Villa Nova de Gaia, Porto, Leixões ou região do Douro (artigo 1.° da carta de lei de 3 de novembro de 1906) 131.584:688

Vinho do Porto existente em qualquer outro ponto do país (§ unico do artigo 1.° da referida carta de lei) 1.132:761

Vinhos generosos existentes em quaesquer outros pontos do continente do reino (artigo 2.° da referida carta de lei) 16.397:860 149.145:309

Quantidade de vinho arrolado por concelhos

Villa Nova de Gaia 92.499:275
Regua 11.492:148
Setubal 5.814:075
Alijó 5.253:106
Sabroja 4.909:051
Lisboa 3.578:586
Santa Marta de Penaguião 2.729:896
Lamego 2.067:428
S. João da Pesqueira 1.750:955
Mesão Frio 1.384:115
Villa Nova de Fozcoa 1.360:153
Alemquer 1.147:433
Bouças 1.144:057
Almeirim 1.130:847
Carrazeda de Anciães 1.019:868
Tabuaço 922:153
Murça 819:584
Alcacer do Sal 800:000
Villa Real 772:334
Armamar 730:121
Figueira da Foz 724:480
Aldeia Gallega 653:796
Resende 650:275
Santarem 503:990
Freixo de Espada-á-Cinta 494:053
Torres Vedras 494:053
Moncorvo 423:165
Thomar 403:000
Rio Maior 391:000
Lagoa 380:150
Meda 352:522
Bombarral 291:991
Villa Flor 280:037
Faro 209:522
Mirandella 207:479
Leiria 205:000
Porto 193:337
Silves 181:500
Cartaxo 114:766
Alcobaça 110:370
Ovar 110:370
Figueira de Castello Rodrigo 96:250
Almada 76:000
Salvaterra de Magos 68:852
Azambuja 56:823
Villa Nova de Famalicão 45:755
Oliveira do Bairro 27:000
Villa Nova de Portimão 24:000
Oliveira de Azemeis 21:850
Tarouca 20:350
Marco de Canavezes 17:400
Oeiras 14:150
Alfandega da Fé 13:750
Borba 12:000
Cascaes 10:300
Trancoso 1:250 149.115:309

Vinhos generosos existentes na Ilha da Madeira (artigo 2.° da lei de 3 de novembro de 1906) 13.333:943

Quantidade por concelhos:

Funchal 12 548:000
Camara de Lobos 783:743
S. Vicente 2:200 13 333:943

Lisboa, Direcção da Fiscalização dos Productos Agricolas, em 30 de março de 1907. = Pelo Presidente da Direcção, João Soares Branco.

O Sr. Mattozo Santos: - Mando para a mesa um requerimento pedindo com urgencia pelo Ministerio da Fazenda diversos documentos. É o seguinte:

«Requeiro que pelo Ministerio da Fazenda me seja enviada com urgencia nota do estado da divida fluctuante em 31 de março do corrente anno, bem como a indicação das entidades com quem foram feitos os respectivos contratos e condições d'esses mesmos contratos.

Sala das sessões da Camara dos Pares, em 2 de abril de 1907. = Mattozo Santos».

Peço a V. Exa. a fineza de recomendar a maior brevidade.

Este requerimento foi lido na mesa e mandado expedir.

O Sr. José de Alpoim: - Acompanho o Digno Par Sr. Costa Lobo na reclamação que fez acêrca da remessa de jornaes estrangeiros que se hajam occupado da questão dos sanatorios da Madeira.

Mo me alargarei em considerações a este respeito, por não estar presente o Sr. Presidente do Conselho, nem o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Tenho recebido jornaes da Madeira em que se diz que são falsos os documentos publicados na imprensa acêrca da questão dos sanatorios.

Alguns jornaes de Lisboa teem repetido esta accusação, que é da maior gravidade.

Deve, porem, suppor-se que o Governo não julga falsos esses documentos, porque retrocedeu na proposta de lei que tinha apresentado ao Parlamento sobre o assumpto.

Mas, se os documentos são falsos, é indispensavel que o Governo use do maior rigor para com os jornaes que publicaram esses documentos, os quaes poderiam trazer complicações internacionaes.

Se são verdadeiros, praticou-se um crime que está impune, havendo da parte dos poderes publicos o proposito de o não fazer castigar.

É necessario que o Governo tome uma resolução sobre o assumpto e dê conta ao Parlamento do seu procedimento a esse respeito.

Aguardo a presença do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e do Sr. Presidente do Conselho para, mais larga e demoradamente, me referir a esta questão.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Carlos Palmeirim: - Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra, os pareceres sobre os pro-

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jectos de lei relativos aos contingentes de recrutas para o exercito, armada e guardas municipaes, nos annos de 1906 e 1907 e a fixação da força armada nos annos economicos de 1906-1907 e 1907-1908.

Foram a imprimir.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

«Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, sejam enviadas a esta Camara copias das resoluções no mesmo Ministerio tomadas nos ultimos cinco mezes em relação á tributação do centeio pela Camara Municipal de Chaves. = O Par do Reino, Teixeira de Sousa».

«Requeiro copia da queixa ou de quaesquer documentos sobre que assentou a syndicancia ordenada á repartição de fazenda de Miranda do Douro. - O Par do Reino, Teixeira de Sousa».

Lidos na mesa, foram expedidos.

ORDEM DO DIA.

Discussão do projecto de lei n.° 39 (parecer n.° 34) referente á crise duriense

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto.

Foi lido na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 34

Senhores: - Á vossa commissão de agricultura foi presente o projecto de lei vindo da Camara dos Senhores Deputados e referente á crise duriense.

Longo e cheio de difficuldades foi o trabalho preparatorio para a organização do projecto e bases annexas, como larguissima foi a discussão sobre elle havida na Camara dos Senhores Deputados.

Forçoso é confessar que por parte do Governo todas as opiniões foram escutadas, todos os conselhos tiveram accesso junto d'elle, e que por si e pelas suas diligencias, ponderadas e cautelosas, os interesses mais oppostos lograram, dentro do razoavel e do possivel, a satisfação mais justa e equitativa que era licito esperar.

As crises economicas, quando surgem sob o aspecto gravissimo do desequilibrio entre a offerta e a procura, são sempre para os Gozemos um problema eriçado de difficuldades e, muitas vezes, de solução difficil, se não duvidosa; mas no caso presente as circumstancias permittem esperar que da approvação d'este projecto algum allivio venha para a região duriense, sem que elle importe prejuizos insanaveis para as outras regiões vinicolas do paiz.

N'estas circunstancias, é a vossa commissão, de accordo com o Governo, de parecer que deis a vossa approvação ao seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a regular a exportação e o commercio de vinho, a fiscalização dos productos agricolas e o estabelecimento de estações experimentaes de agricultura, nos termos das bases annexas, que d'esta lei ficam fazendo parte integrante, decretando as providencias necessarias para a sua completa execução.

Art. 2.° É prorogado até 31 de dezembro de 1911 o disposto no artigo 29.° do decreto com força de lei de 9 de dezembro de 1886, considerando-se como terminado n'aquelle dia o prazo de 10 annos no mesmo decreto marcado, e applicada a todas as vinhas, que existam na area de que trata o § 2.° da base l.ª, a isenção da contribuição predial por vinhas, que, á data d'esta lei, estiver em divida nos mesmos concelhos.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, 2 de março de 1907. = Henrique da Gama Barros = Luciano Monteiro = Gonçalo de A. Garrett = Visconde de Tinalhas = José Maria dos Santos = José Luiz Ferreira Freire = Luiz Rebello da Silva = F. Tavares de Almeida Proença = Teixeira de Vasconcellos.

Bases a que se refere a lei d'esta data

Base 1.ª

Para todos os effeitos legaes, são considerados vinhos generosos de typo regional privativo os que a tradição firmou com as designações usuaes de Porte, Madeira, Carcavellos e Moscatel de Setubal.

§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou exportados:

Vinho do Porto: os vinhos generosos provenientes da região do Douro;

Vinho da Madeira: os vinhos generosos provenientes da região da Madeira;

Vinho de Carcavellos: os vinhos generosos provenientes da região de Carcavellos;

Vinho moscatel de Setubal: o vinho generoso d'esta qualidade proveniente do concelho de Setubal.

§ 2.° Para os effeitos legaes são consideradas:

Região do Douro: a comprehendida nos concelhos de Mesão Frio, Santa Marta de Penaguião, Villa Real, Régua, Sabrosa, Alijó, Carrazeda de Anciães, Mirandella, Murça, Valpaços, Villa Flor, Alfandega da Fé, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada-á-Cinta, na margem direita do rio Douro; na freguesia de Barro do concelho de Resende, e nos concelhos de Lamego, Armamar, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Meda, Figueira de Castello Rodrigo e Villa Nova de Fozcoa, na margem esquerda do mesmo rio.

As freguesias que ficam situadas no contorno da região demarcada ou a parte de qualquer freguesia situada na peripheria da mesma zona poderão ser excluidas d'esta quando o requeiram quatro quintos dos proprietarios das respectivas areas, representando mais de tres quartas partes da producção, de forma porem que se não altere a continuidade da região demarcada.

A exclusão das freguesias será decretada pelo Governo, ouvido o Conselho Superior de Agricultura e a commissão de viticultura da região, quando funccione.

Região da, Madeira: a comprehendida no districto do Funchal.

Região de Carcavellos: a comprehendida nos concelhos de Oeiras e de Cascaes.

Região productora do vinho Moscatel de Setubal: a comprehendida no concelho de Setubal.

§ 3.° Para os effeitos d'esta lei poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos generosos regionaes.

Para serem legalmente authenticados, os novos typos de vinho generoso deverão ser apresentados, pelos proprietarios viticolas das regiões que os produzam, perante um jury composto de commerciantes, productores e technicos.

Quando a decisão d'este jury for favoravel á authenticação do typo de vinhos apresentado, o Governo fará publicar, em decreto, o reconhecimento official do novo typo de vinho generoso.

Base 2.ª

Serão criadas commissões de viticultura, em cada uma das regiões productoras de vinhos generosos regionaes, com os seguintes fins:

l.º Exercer a mais rigorosa fiscalização sobre a entrada dos vinhos e aguardentes nas respectivas regiões;

2.° Fazer o registo das propriedades que produzam vinhos generosos, segundo as declarações dos proprietarios;

3.° Elaborar a estatistica da producção dos vinhos, em cada um dos concelhos e na freguesia de Barro, acceitando as declarações dos proprietarios que as desejarem fornecer, e empregando outros meios de informação ao seu alcance;

4.° Passar certificados de procedencia aos vinhos da região, quando lhes sejam pedidos pelos proprietarios, ou negociantes que os adquirirem;

5.° Dar baixa na estatistica do concelho, á saida dos vinhos, indicando, sempre que seja possivel, o local do destino, nome do destinatario e meio de transporte;

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6.° Elaborar um relatorio annual, em que apreciem os resultados do funccionamento da presente lei.

§ 1.° As commissões de viticultura terão legitimidade para accusar em juizo, gozando das regalias do Ministerio Publico as infracções d'esta lei commettidas pelos productores ou pelos commerciantes.

§ 2.° Os certificados a que se refere o n.° 4.° d'esta base são documento bastante para os productores serem inscriptos como exportadores no registo a que se refere a base 3.ª

§ 3.° As commissões de viticultura deverão communicar, á direcção do Mercado Central de Productos Agricolas, tudo o que possa interessar á boa execução das disposições d'esta lei. § 4.° As commissões de viticultura terão a seguinte composição:

Na região do Douro, dois representantes dos viticultores de cada um dos seguintes concelhos: Alijo, Régua, Santa Marta de Penaguião, Carrazeda de Anciães, Sabrosa, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Lamego, Villa Nova de Fozcoa, Mesão Frio, Villa Real, Murça, Freixo de Espada-á-Cinta, Torre de Moncorvo e Armamar, e um representante por cada um dos concelhos de Valpaços, Mirandella, Villa Flor, Alfandega da Fé, Figueira do Castello Rodrigo, Meda e Resende.

Na região da Madeira, dois representantes dos viticultores de cada um dos seguintes concelhos: Funchal, Santa Cruz, Camara de Lobos, Calheta e Ponta do Sol, e um representante por cada um dos concelhos de Porto Moniz, S. Vicente, Santa Anna, Machico e Porto Santo.

Nas restantes regiões, consideradas na base 1.ª, um representante dos viticultores, um delegado da Associação Commercial de Lisboa e o presidente da direcção do Mercado Central de Productos Agricolas.

Os representantes dos viticultores, nas regiões do Douro e da Madeira, serão eleitos pelos quarenta maiores viticultores de cada concelho, e, nas restantes regiões, pelos viticultores respectivos, não podendo ser eleitores nem eleitos commerciantes de vinhos nem seus commissarios, agentes e empregados de qualquer categoria.

O presidente da commissão de viticultura nas regiões do Douro e da Madeira será um representante dos concelhos, escolhido para esse cargo pelos membros da respectiva commissão.

§ 5.° É o Governo autorizado a despender até a quantia de 10:000$000 réis para fazer face ás despesas da commissão de viticultores duriense e posto de Barqueiros.

O Governo nomeará a primeira commissão de viticultores, que funccionará até 31 de dezembro de 1910.

Base 3 ª

Será organizado nas Alfandegas de Lisboa, Porto e Funchal um registo especial de exportadores de vinhos generosos regionaes.

A exportação d'estes vinhos só é permittida aos exportadores inscriptos nesse registo.

§ 1.° Podem ser inscritos no registo a que esta base se refere:

1.° Os productores dos respectivo vinhos generosos regionaes:

2.° Os commerciantes que adquirirem esses vinhos.

§ 2.° Cada um d'estes registos será organizado por uma commissão composta pelo director da alfandega respectiva e por dois funccionarios, um delegado da Administração Geral das Alfandegas e outro do Conselho de Fomento Commercial de Productos Agricolas.

§ 3.° A inscrição a que se refere o paragrapho anterior será, annualmente, publicada no Diario do Governo, e; sobre ella, será admittida reclamação ás entidades que, na mesma inscripção, tiverem direito a ser incluidas.

O prazo minimo das reclamações será de trinta dias, e o registo só se tornará definitivo depois de julgadas, pela commissão a que se refere o paragrapho anterior, as reclamações apresentadas. Da decisão sobre as reclamações haverá recurso para o Conselho da Administração Geral das Alfandegas.

§ 4.° A quantidade de vinhos generosos regionaes que e permittido exportar ás entidades a que se refere o 1.° d'esta base é limitada á equivalencia das quantidades que tiverem produzido ou adquirido, augmentada da quantidade de aguardente, na percentagem que o regulamento determinar, tendo em vista a beneficiação usual nos armazens, corrigida pelo desfalque geral de armazenagem.

Na quantidade a exportar deverá abater-se a entregue ao consumo nacional verificada pela forma que no regulamento se determinar.

A commissão a que se refere o § 2.° verificará, nos termos do regulamento, essas quantidades.

§ 5.° Todos os productores e exportadores, inscriptos nos termos d'esta base, são competentes para demandar e fazer punir, em juizo, os que exportarem, como vinhos generosos regiões legalmente reconhecidos, vinhos de outras proveniencias, com ou sem marca regional.

Á fiscalização do Estado compete averiguar se os vinhos generosos, exportados ou consumidos no paiz, correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei.

§ 6.° A lista dos exportadores com direito a exportar os vinhos generosos regionaes, a que se refere a base 1.ª, será annualmente publicada pelo Governo, em separata especial, e officialmente communicada aos representantes diplomaticos e consulares de Portugal no estrangeiro e ás camaras de commercio estrangeiras a que seja conveniente fazer essa communicação.

§ 7.° Os productores ou commerciantes, inscriptos no registo a que se refere esta base, poderão, livremente, exportar os vinhos regionaes respectivos, desde que, por termo de fiança ou por caução perante a alfandega, se obriguem a não exceder a quantidade que lhes é permittido exportar, nos termos do § 4.º d'esta base, e a pagar, como multa, 500 réis, por cada litro de vinho que tenham exportado a mais.

§ 8.° A exportação dos vinhos generosos do Douro só será permittida pela barra do Douro e porto de Leixões, podendo-o ser por qualquer outra barra do paiz, com certificado de procedencia passado pela Alfandega do Porto.

A exportação do vinho generoso da Madeira só será permittida pelo porto do Funchal, ou por qualquer outro porto com certificado da alfandega d'aquella cidade.

A exportação do vinho de Carcavellos e do Moscatel de Setubal só será permittida pelas barras do Tejo e do Sado, ou por quaesquer outras com certificado das Alfandegas de Lisboa ou de Setubal.

Os certificados da alfandega somente serão passados aos exportadores inscriptos no registo a que se refere esta base, deduzindo-se, na conta de cada um, as quantidades que, por outra forma, tenham exportado.

É expressamente prohibido exportar pela barra do Douro, porto de Leixões pelo porto do Funchal, quaesquer outros vinhos generosos que não sejam os mencionados n'este paragrapho, podendo porem exportar-se todos os vinhos, não generosos, com graduação alcoolica inferior a 14 graus centesimaes.

§ 9.° Os vinhos generosos nacionaes, as geropigas e os mostos de qualquer origem, não sendo do Douro, que entrarem a barra do Douro ou outra ao norte, ou ultrapassarem, no caminho de ferro, a estação de Aveiro, ficam sujeitos a uma fiscalização e deposito especial, que será regulamentado em decreto do Governo, com o fim de impedir que, sós, ou lotados com outros, possam ser exportados pela barra do Porto.

Será considerado descaminho, e punido com multa nunca inferior a 50$000 réis por cada hectolitro, qualquer desvio dos vinhos d'esses depositos a fim de serem introduzidos nos armazens de Gaia, Leixões ou outros, destinados a

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exportação de vinhos generosos do Douro.

§ 10.° Apenas será contado para os effeitos especificados no § 4.° o vinho do Douro saído da respectiva região com graduação não inferior a 16,5 centesimaes.

§ 11.° N.o extremo da região duriense, na proximidade de Barqueiros, será estabelecido um posto para verificar o numero de vasilhas, contendo vinho generoso, que forem transportadas pelo rio Douro, e para passar as respectivas guias, que serão entregues na Alfandega do Porto. Quando for superiormente determinado, deverão, nesse posto, tirar-se amostras do vinho a que se refere este paragrapho, devendo estas ser immediatamente remettidas á Alfandega do Porto, para os effeitos fiscaes d'esta lei.

A partir d'este posto e até os portos de destino será prohibida qualquer alteração ou substituição nos vinhos e vasilhas conduzidas, que, em caso de contravenção, serão apprehendidas e consideradas em descaminho. As multas a impor serão do duplo do valor do vinho e das taras, elevando-se no decuplo em caso de reincidencia, e serão applicadas, nos termos do decreto de 27 de setembro de 1894, pelas autoridades fiscaes competentes.

§ 12.° A verificação da quantidade da graduação alcoolica dos vinhos provenientes da região do Douro será feita, pela Alfandega do Porto, nas es tacões de caminho de ferro d'esta cidade que furem indicadas no regula mento, e em postos estabelecidos em Villa Nova de Gaia

Só serão verificados os vinhos a respeito dos quaes se apresentar guia do posto de Barqueiros, ou de alguma das estações do caminho de ferro situadas dentro da região duriense.

§ 13.° Em diplomas especiaes ser determinado como deve ser calculada para as restantes regiões de vinhos generosos, a quantidade de vinho que podem exportar os productores e os commerciantes, inscriptos no respectivo registo.

§ 14.° Os individuos que tiverem feito as declarações da existencia dos vinhos generosos do Douro, nos termo: da carta de lei de 3 de novembro ultimo, e que se inscreverem no registo a que se refere esta base, ficam auctorizados a exportar todo o vinho generos que declararam possuir nos armazens do Porto, Villa Nova de Gaia ou Leixões, assim como o que foi arrolado fora d'esses pontos, e se reconheceu em Gondomar e Bouças como proveniente do Douro. A estas quantidades se ajuntam todas as do vinho generoso do Douro que os seus possuidores provarem ter adquirido e armazenado nos depositos de Villa Nova de Gaia e Leixões, destinados á exportação, abatidas as porções que estiverem exportadas á data em que a lei entrar em execução com a publicação do respectivo regulamento, devendo então proceder-se á verificação das quantidades effectivas em deposito, e sendo aquelle saldo effectivo da escripta rectificado para menus, a fim de se creditar somente o que se encontrar, quando a cifra seja realmente menor.

Poderão tambem continuar a ser livremente exportados pela barra do Douro e pelo porto de Leixões os vinhos arrolados nas condições do artigo 2.° da referida carta de lei, logo que elles tenham sido recolhidos nos depositos de Gaia e de Leixões o mais tardar até 31 de julho de 1907, sendo, como no paragrapho anterior, igualmente creditados nas suas respectivas contas da alfandega os exportadores que se inscreverem ou já o houverem feito, pelas quantidades que tiverem sido recebidas naquelles depositos. As expedições d'estes vinhos cos locaes do continente onde foram arrolados só poderão effectuar-se logo que, verificada ahi a sua qualidade, graduação e forma oenologica, lhes seja passado certificado de transito, sendo a quantidade e graduação reverificada á chegada ao seu destino, e os documentos respectivos entregues á competente repartição da alfandega.

§ 15.° Os individuos que tiverem arrolado vinho do Douro, nos termos do § unico do artigo l.º da carta de lei de 3 de novembro ultimo, podem inscrever se no registo a que se refere esta base; e a quantidade de vinho generoso regional que poderão exportar será a mesma que demonstraram possuir, diminuida do que tiverem exportado posteriormente á data da respectiva declaração. A exportação de vinhos do Porto será permittida aos individuos que forem inscritos nas condições indicadas neste artigo, desde que provem que já exerciam esse commercio á data da apresentação das declarações, e que se sujeitem á fiscalização que o regulamento determinar para se impedir que o vinho do Douro possa ser lotado com vinho de outra procedencia.

A quantidade de vinho que esse: commerciantes podem exportar é limitada á que tiverem adquirido na respectiva região, comprovada por certificados passados pelas commissões de viticultura, e verificada pela alfandega do logar do destino.

Será communicada á Alfandega do Porto a quantidade de vinho que tiver entrado nos respectivos armazens e bem assim a que for exportada, competindo a verificação d'essas quantidades á commissão a que se refere o § 2.° d'esta base.

§ 16.° As entidades inscriptas no registo a que se refere esta base poderão ceder, entre si ou a outrem que se pretenda inscrever no mesmo registo o direito a exportar a totalidade ou parte do vinho cuja exportação lhes é permittida, participando-o á alfandega respectiva.

§ 17.° É prohibida a entrada na região demarcada do Douro aos vinhos generosos ou de pasto e aos mostos provenientes do resto do paiz, podendo, comtudo, ser ahi admittidos os vinhos engarrafados destinados ao consumo local.

Exceptuara se os vinhos dos concelhos ou freguesias limitrophes da região duriense, que dentro d'esta terão livre transito, com as precauções que no regulamento se determinarem.

§ 18.° É prohibido exportar, com a marca de Porto, Douro ou Madeira, ou com designação em que se contenha algum d'aquelles nomes ou semelhantes, vinhos que não sejam das respectivas regiões e exportados na conformidade d'esta lei.

§ 19.° A lei respeitante á exportação de vinhos generosos pela barra do Douro e porto de Leixões entrará em execução dentro de oito dias a contar da publicação do seu regulamento, e só então cessarão as disposições que, a fim de evitar abusos e para se poder cumprir o disposto nos §§ 14.° e 15.° d'esta base, se está provisoriamente a praticar na occasião da entrada de vinhos generosos em Gaia e Leixões.

§ 20.º A contravenção dos §§ 17.° e 18.° d'esta base será punida com a apprehensão do vinho e com a multa de 500 réis por cada litro de vinho apprehendido.

Base 4.ª

A exportação dos vinhos generosos, sem typo regional legalmente reconhecido, continuará a fazer se, livremente, por todas as barras e portos do paiz, com excepção da barra do Douro e porto de Leixões e do porto do Funchal.

Base 5.ª

Para todos os effeitos legaes são considerados vinhos de pasto de typo regional os que a tradição firmou com as designações usuaes de Collares, Bucellas, Dão, Bairrada, Borba, Torres, Cartaxo, Alcobaça, Douro (virgens), Minho (Verdes), Amarante, Basto, Fuzeta e Monção.

§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou exportados, com as designações indicadas, os vinhos de pasto provenientes das respectivas regiões.

§ 2.° A demarcação das regiões indicadas nesta base, a organização das respectivas commissões de viticultura,

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a organização do registo dos productores e dos exportadores, a fixação das quantidades que podem exportar e os meios indispensaveis para uma fiscalização rigorosa, serão determinados no regulamento.

§ 3.° Á fiscalização do Estado compete averiguar se os vinhos, de pasto, exportados ou consumidos no paiz, correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei.

§ 4.° Para os effeitos d'esta lei poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos de pasto regionaes, nos termos do § 3.° da base 1.ª

Base 6.ª

Será inscripta no orçamento do Ministerio das Obras Publicas, em artigo proprio, a verba annual de 180:000$000 réis, destinada a satisfazer não só os encargos provenientes dos descontos, °a taxa não superior a 5 por cento, de warrants sobre aguardente e alcool vinico, que tenham sido emittidos, nos termos dos decretos de 27 de fevereiro de 1902 e 25 de janeiro de 1906, mas tambem os restantes encargos indicados nos paragraphos seguintes:

§ 1.° A Caixa Geral de Depositos deverá, sempre, descontar os warrants a que se refere esta base, emquanto a importancia a empregar nesse desconto não exceder 1:2003000 réis.

§ 2.° Em casos excepcionaes, sob proposta do Conselho de Fomento Commercial de Productos Agricolas, e ouvido o Conselho Superior de Agricultura, o Governo poderá decretar que a Caixa Geral de Depositos empregue até 1.800:000$000 réis no desconto dos warrants sobre aguardente e alcool vinico.

§ 3.° A taxa do desconto na Caixa Geral de Depositos não será superior a 5 por cento.

§ 4.° A importancia precisa para o pagamento do desconto dos warrants não poderá exceder, annualmente, a verba de 60:000$000 ou de 90:000$000 réis, conforme se realizar o previsto no § 1.° ou no § 2.° d'esta base.

§ 5.° O desconto dos warrants será feito pela quantia correspondente a 60 por cento do valor da aguardente ou do alcool vinico, á razão de 2,62 réis por grau alcoolico e por litro, para os warrants emittidos nas condições do decreto de 27 de fevereiro de 1905, e pela quantia correspondente a 50 por cento do valor, calculado pela mesma forma, para os warrants emittidos nas condições do decreto de 25 de janeiro de 1906.

Para se auctorizar o desconto deduzir-se-ha, na quantidade depositada, a percentagem que no regulamento for fixada para quebras.

§ 6.° Somente poderá fazer-se o desconto de warrants sobre aguardentes, nos termos d'esta base, quando estas provierem da distillação de vinho e dos seus derivados, e tiverem graduação não inferior a 76° centesimaes á temperatura de 15° centigrados.

§ 7.° Para premio do risco da operação e para pagamento das despesas a effectuar será cobrado 1 por cento, ao anno, da quantia entregue em desconto do warrant, quando este for emittido sobre productos depositados em armazem geral, e 2 por cento sobre a mesma quantia quando o warrant for emittido nas condições do decreto de 25 de janeiro de 1906. Se, durante um anno, a liquidação do desconto dos warrants der prejuizo, que não seja compensado pelas taxas a que se refere este paragrapho, será, no anno seguinte, descontada a quantia precisa para cobrir esse prejuizo na verba de 180:000$000 réis indicada nesta base.

§ 8.° Os depositantes que descontarem warrants nos termos d'esta base e seus paragraphos, ficam obrigados a vender, em qualquer epoca, o producto depositado ao preço de 2,62 réis por grau alcoolico e por litro, desde que a Direcção do Mercado Central dos Productos Agricolas tenha compradores, a esse preço, para os referidos productos.

§ 9.° Nenhum depositante poderá fazer o desconto por uma quantidade de aguardente vinica superior a 500 hectolitros ou pela quantidade correspondente a esta em alcool vinico.

§ 10.° O desconto será feito por prazo não superior a um anno, mas, se o depositante assim o desejar e o deposito estiver feito em armazem geral, poderá ser prorogado por mais outro anno, tendo-se em attenção as quebras reaes que tenha havido no genero.

O Governo poderá, por uma providencia geral, prolongar o prazo de dois annos quando, ouvido o Conselho Superior de Agricultura, parecer necessario para evitar no mercado uma baixa de preço da aguardente ou alcool vinico

§ 11.° O desconto dos warrants a que se refere esta base apenas poderá ser feito para as aguardentes fabrica das e armazenadas nos districtos de Aveiro, Coimbra, Castello Branco e na parte restante do paiz ao sul d'estes districtos. Poderá, comtudo, fazer se o desconto dos warrants sobre as aguardentes depositadas no armazem geral do Porto quando for estabelecido.

§ 12.° Se, durante o prazo do desconto, o preço da aguardente ou do alcool vinico baixar de modo que haja margem, inferior a 10 por cento entre esse preço e o valor descontado, será intimado o depositante a reforçar o respectivo deposito, para que se mantenha a margem indicada.

§ 13.° Somente terão direito ao desconto dos warrants a que se refere esta base os possuidores de aguardentes fabricadas a partir de 1 de maio de 1907.

§ 14.° Da verba a que se refere esta base será destinada, annualmente, a quantia, de 15:000$000 réis á construcção de depositos de aguardentes ou de alcool vinico, estabelecidos nas regiões productoras de vinho para distillação, ou consumidoras de aguardente, até que se complete a capacidade de armazenagem de 100:000 hectolitros. Serão installados, em primeiro logar, depositos, que constituirão delegações do armazem geral de Lisboa, no districto de Leiria, nos concelhos de Torres Vedras e de Alemquer, e nos districtos de Santarem e de Faro. A capacidade de cada um dos depositos não deverá exceder 10:000 hectolitros. Nos mesmos termos será constituido o armazem geral do Porto, a que se refere o decreto de 27 de fevereiro de 1905. O regulamento determinará as condições de armazenagem no Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa e nas suas delegações, e bem assim a respectiva tarifa.

Os depositos a que se refere este paragrapho poderão, nos termos que o regulamento determinar, ser entregues a syndicatos ou a sociedades agricolas que dêem as necessarias garantias.

§ 15.° O excedente da verba consignada n'esta base será applicado a premios aos vinhos exportados para o estrangeiro e cuja graduação alcoolica não exceda 17° centesimaes. Dois terços d'esta quantia serão destinados aos vinhos cuja graduação esteja comprehendida entre 14° e 17°, e o terço restante aos vinhos de 11° a 14°. A importancia d'este premio não poderá exceder 1$000 réis por hectolitro de vinho exportado.

§ 16.° Quando os premios a conceder, nos termos do paragrapho anterior, não attingirem, para qualquer dos dois grupos, as verbas respectivas, o excedente, em qualquer d'esses grupos, será empregado em elevar o premio por hectolitro para os vinhos do outro grupo que receberem a menos.

§ 17.° Uma commissão composta pelo presidente da direcção do Mercado Central de Productos Agricolas e por dois vogaes, sendo um proposto pela Real Associação Central da Agricultura Portuguesa e o outro pela Associação Commercial de Lisboa, dirigirá, superiormente, a execução do disposto nesta base.

§ 18.° As estações de distillação que o Governo installou e as que vier a installar serão entregues a syndicatos e sociedades de productores de vinho, que ofiereçam as indispensaveis garan-

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tias, e serão dotadas de apparelhos moveis de distillação.

Esta cedencia será gratuita nos primeiros tres annos e por uma renda annual equivalente á annuidade precisa para o pagamento da instalação durante vinte annos, passado que seja aquelle periodo. Findo o prazo de vinte e tres annos, as installações ficam sendo propriedade dos syndicatos que as tiverem explorado.

No caso de não haver syndicatos de productores que explorem as estacões de distillação, serão estas arrendadas em hasta publica, ou exploradas por conta do Estado.

§ 19.° É prohibido distillar vinho dentro da região demarcada do Douro.

Exceptua-se a distillação dos vinhos alterados ou que tenham defeito que os torne improprios para o consumo, a qual poderá fazer-se nos pontos que o regulamento determinar, sob fiscalização do Governo.

§ 20.° São abolidos os premios criados pelos decretos de 16 de junho de 1901 e de 14 de janeiro de 1905 para os vinhos regionaes de consumo e de exportação.

§ 21.° É elevada a 13°, com a tolerancia que o regulamento determinar, a graduação alcoolica do vinho que fica sujeito ao pagamento do direito de consumo de 33,92 réis por kilogramma.

§ 22.° A verba a que se refere o § 2.° do artigo 1.° do decreto de 14 de janeiro de 1905 e o § 4.° do artigo 12.° do decreto de 5 de junho de 1905 será, em primeiro logar, destinada a satisfazer os encargos resultantes d'esta base, sendo o excesso, até a quantia de 20:000$000 réis, reservado para o fundo de fomento agricola.

Base 7.ª

É o Governo auctorizado a expropriar ás actuaes fabricas de alcool industrial do continente e Açores o direito de fabrica o referido alcool, autorizado pelo decreto de 14 de junho de 1901 e lei de 15 de julho de 1903, para o continente, desde que mais de metade das fabricas declarem sujeitar-se ás condições seguintes; e para os Açores desde que mais de metade da producção igualmente declare acceitar as ditas condições:

1.° O preço da indemnização para cada fabrica será fixado por arbitragem, tendo em vista as installações, a quantidade de alcool, não desnaturado, que estão autorizadas a fabricar e a que tenha produzido nos ultimos cinco annos;

2.° Logo que esteja fixado o preço da indemnização, as fabricas deixarão de laborar. Este preço, porem, só será pago, e sem qualquer acrescimo de juro, pelo lucro que o Estado auferir na importação de alcool estrangeiro, quando o preço da aguardente ou alcool vinico exceder o maximo fixado na lei vigente, sendo o preço da venda de 2,62 por grau alcoolico e por litro.

3.° Os arbitros que representam o Governo e o de desempate serão nomeados pelo Supremo Tribunal de Justiça.

4.° O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer d'esta autorização.

§ unico. Exceptua-se do que fica disposto nesta base o direito a distillar alcool dos melaços e residuos da fabricação do assucar, como dispõe a lei de 15 de julho de 1903. mas o alcool d'esta proveniencia só pode ser consumido nos Açores, e só desnaturado poderá ser importado no continente.

Base 8.ª

É o Governo auctorizado a estabelecer estacões experimentaes de agricultura nas regiões do Douro e da Madeira, e nos districtos de Aveiro, Leiria, Santarem, Faro, Viseu, Coimbra e Lisboa.

As estações experimentaes terão por fim o estudo technico da producção cultural, a preparação technologica dos productos agricolas da respectiva região e especialmente:

1.° Estudar a producção de frutas e de plantas hortenses na região:

2.° Estudar a cultura da vinha para uva de mesa e para o fabrico de passas, a preparação e embalagem distes productos, bem como das frutas da região;

3.° Produzir, fornecer- e seleccionar variedades das diversas plantas frutiferas e hortenses;

4.° Estudar o fabrico dos vinhos da região e bem assim as culturas mais apropriadas, fornecendo sementes ou plantas aos lavradores para experiencias, dirigindo-as e apreciando os seus resultados.

5.° Estabelecer, na sede, cursos para adultos e, na região, cursos ambulantes em que se diffundam as noções mais essenciaes da instrucção cultural.

§ 1 ° As installações da estação experimental, alem das culturaes indispensaveis, serão as precisas para preparação, conservação, secagem e. embalagem de frutas, e uma cave para estudo dos vinhos de pasto da região;

§ 2.° A direcção da estação será confiada a um agronomo nacional admittido em concurso de provas publicas.

Alem dos serviços da direcção e do ensino fixo e ambulante, incumbe ao director prestar os serviços da sua profissão aos particulares que os solicitarem, para o que será coadjuvado por práticos nacionaes ou estrangeiros devidamente habilitados, contratados pelo Governo.

Base 9.ª

O Governo poderá, auctorizar a constituição de companhias de exportação de vinho, concedendo-lhes as mesmas vantagens que a lei dá ás adegas sociaes, mas não podendo, quando o capital for superior a 500:000$000 réis, fazer a essas companhias quaesquer concessões que se não tornem extensivas aos negociantes exportadores de vinhos.

§ unico. É tambem auctorizado o Governo a conceder um bónus para transporte dos vinhos de pasto, produzidos na região vinicola do centro, composta dos districtos de Leiria, Castello Branco, Coimbra e Aveiro, e da parte dos districtos de Viseu e da Guarda que fica fora da região duriense, não podendo esse bonus ser superior a 50 por cento das respectivas tarifas, nem a despesa annual exceder a 10:000$000 réis.

Base 10.ª

O Governo reorganizará e fará executar os serviços officiaes de propaganda commercial, nos termos dos paragraphos seguintes.

§ 1.° Só poderá iniciar-se o serviço de propaganda de qualquer producto e para qualquer mercado quando productores ou negociantes, podendo alimentar um minimo de exportação de cada genero, que será fixado no regulamento, se tenham inscripto, para tal fim, no Mercado Central de Productos Agricolas, obrigando-se em contrato, devidamente assegurado, a:

1.° Fornecer os mostruarios que forem indispensaveis;

2.° Fornecer todas as encommendas, dentro dos limites que tiverem sido estabelecidos, com productos inteiramente iguaes ás amostras que tiverem enviado;

3.° Sujeitar todos os productos fornecidos, por intermedio dos serviços officiaes de propaganda, ás analyses indispensaveis;

4.º Indicar os preços de venda e os prazos de pagamento da sua mercadoria e manter estas condições durante o prazo que for convencionado;

5.° Pagar uma commissão de 5 por cento do valor do producto posto a bordo no porto de saida;

6.° Acceitar as penalidades que forem convencionadas para garantia dos compromissos tomados.

§ 2.° O Governo fará, por sua iniciativa, organizar mostruarios de mercadorias nacionaes, que distribuirá largamente pelos principaes mercados estrangeiros, quando d'ahi possam resultar incontestaveis vantagens publicas.

§ 3.° A propaganda será executada por caixeiros viajantes, admittidos em concursos de provas praticas, e por meio de contrato de execução temporaria.

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§ 4.° Nos institutos industriaes e commerciaes poderá ser aberto um curso especial de caixeiros viajantes.

Base 11.ª

O Fundo de Fomento Agricola., criado pelo decreto de 14 de janeiro de 1905; será constituido:

1.° Pelo excesso de receita a que se refere o § 22.° da base 6.ª;

2.° Pela receita proveniente da percentagem cobrada pulo desconto dos warrants, a que se refere o § 7.° da base 6.ª;

3.° Pelo producto das multas impostas pelo § 7.° da base 6.ª d'esta lei;

4.° Pelos 20 por cento provenientes das quantias cobradas, nos termos do artigo 312.° e seu § unico do decreto de 22 de julho de 1905;

5.° Pelas receitas do Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa.

Estas receitas, devidamente especificadas, serão inscriptas no orçamento sob a rubrica de receitas do fundo de fomento agricola.

§ 1.° O Fundo de Fomento Agricola é destinado a:

1.° Cobrir os prejuizos e as despesas a effectuar nos termos do § 7.° da base 6.ª d'esta lei;

2.° Custear os serviços do Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa;

3.° Fazer face aos encargos de fiscalização resultantes d'esta lei. Todas as despesas a que se refere este paragrapho, tanto as actuaes como as futuras, serão inscriptas no orçamento precedidas da designação «Pelo fundo de fomento agricola», e não poderão exceder os recursos disponiveis do referido fundo.

Base 12.ª

É o Governo auctorizado a modificar a legislação sobre propriedade industrial, tendo em consideração o que nesta lei se preceitua.

Base 13.ª

Em diploma especial serão definidas as condições em que, na Ilha da Madeira, se dará execução á presente lei, tendo em vista:

1.° Que, no actual estado da cultura da vinha, n'essa ilha, se devem, no regime de exportação do vinho regional respectivo, estabelecer disposições transitorias com as quaes se não cause uma brusca alteração nas praticas commerciaes hoje em uso, no que diz respeito ás castas de uva empregadas na preparação dos vinhos da Madeira;

2.° Que, para melhorar as condições do commercio d'este vinho, se deverão adoptar as providencias que se julgarem precisas para a mais completa garantia da genuinidade d'esse producto;

3.° Que para o effeito da inscripção no registo prescripto na base 3.ª se considerarão os vinhos arrolados nos termos da carta de lei de 3 de novembro de 1906, conforme as declarações já apresentadas pelos respectivos productores ou exportadores.

Base 14.ª

É o Governo auctorizado a reorganizar os serviços de fiscalização dos productos agricolas e generos alimenticios, dependentes do Ministerio do Reino e do das Obras Publicas, por forma a dar unidade a essa fiscalização, tornando-a mais rapida e efficaz, sem augmento de despesa orçamental.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, 2 de março de 1907. = Henrique da Gama Barros = Luciano Monteiro = Gonçalo de A, Garrett = Visconde de Tinalhas = José Maria dos Santos = José Luiz Ferreira Freire = Luiz Rebello da Silva = F. Tavares de Almeida Proença = Teixeira de Vasconcellos.

PARECEU N.° 34-A

Senhores. - A vossa commissão de legislação concorda com o projecto de lei n.° 39, vindo da Camara dos Senhores Deputados, na parte em que sobre elle teve de ser ouvida. = Antonio Emilio de Sá Brandão. = Eduardo José Coelho. = Campos Henriques (com declarações). = Gama Barros. = Moraes Sarmento. = D. João de Alarcão. = Jacinto Candido (com declarações).= Carlos Vellez Caldeira. = Luciano Monteiro.

PARECER N.º 34-B

Senhores. - A commissão de fazenda, na parte em que tem de ser ouvida acêrca do projecto de lei n.° 39, vindo da Camara dos Senhores Deputados, nada tem que oppôr.

Sala das sessões, 2 de março de 1907. = Hintze Ribeiro (com declarações). = Manoel Affonso Espregueira. = Henrique Gama Barros. = José Lobo. = Teixeira de Vasconcellos. = Luciano Monteiro. = Mello e Sousa.

PARECER N.º 34-C

Senhores. - A vossa commissão de commercio e industria concorda com o parecer da commissão de agricultura relativa ao projecto de lei n.° 39, vindo da Camara dos Senhores Deputados.

Sala das sessões, 2 de março de 1907. = A. Telles de Vasconcellos. = Antonio Costa. = Eduardo José Coelho. = Luciano Monteiro. = Teixeira de Vasconcellos. = Pedro Araujo (vencido). = Mello e Sousa.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 39

Artigo l.° É auctorizado o Governo a regular a exportação e o commercio de vinho, a fiscalização dos productos agricolas e o estabelecimento de estações experimentaes de agricultura, nos termos das bases annexas, que d'esta lei ficam fazendo parte integrante, decretando as providencias necessarias para a sua completa execução.

Art. 2.° É prorogado até 31 de dezembro de 1911 o disposto no artigo 29.° do decreto com força de lei de 9 de dezembro de 1886, considerando-se como terminado n'aquelle dia o prazo de 10 annos no mesmo decreto marcado, e applicada a todas as vinhas que existam na area de que trata o § 2.° da base 1.ª a isenção da contribuição predial por vinhas que, á data d'esta lei, estiver em divida nos mesmos concelhos.

Art. 3 ° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 1 de março de 1907. = Thomaz Pizarro de Mello e Sampaio, Presidente. = Conde de Agueda, 1.° Secretario. = Julio Cesar Cau da Costa, 2.° Secretario.

Bases a que se refere a lei d'esta data

Base 1.ª

Para todos os effeitos legaes, são considerados vinhos generosos de typo regional privativo os que a tradição firmou com as designações usuaes do Porto, Madeira, Carcavellos e Moscatel de Setubal.

§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou exportados:

Vinho do Porto: os vinhos generosos provenientes da região do Douro;

Vinho da Madeira: os vinhos generosos provenientes da região da Madeira;

Vinho de Carcavellos: os vinhos generosos provenientes da região de Carcavellos;

Vinho moscatel de Setubal: os vinhos generosos provenientes do concelho de Setubal.

§ 2.° Para os effeitos legaes são consideradas:

Região do Douro: a comprehendida nos concelhos de Mesão Frio, Santa Marta de Penaguião, Villa Real, Régua, Sabrosa, Alijó, Carrazeda de Anciães, Mirandella, Murça, Valpaços, Villa Flor, Alfandega da Fé, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada-á-Cinta, na margem direita do Rio Douro; na freguesia de Barro do concelho de Resende, e nos concelhos de Lamego, Armamar, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Meda, Figueira de Castello Rodrigo e Villa Nova de Fozcoa, na margem esquerda do mesmo rio.

As freguesias que ficam situadas no contorno da região duriense poderão ser excluidas d'esta, quando o requeiram mais de dois terços dos proprietarios viticolas das mesmas freguesias, representando mais de metade da pro-

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ducção, de forma, porem, que se não altere a continuidade da região demarcada.

A exclusão das freguesias será decretada pelo Governo, ouvido o Conselho Superior de Agricultura e a commissão de viticultura da região, quando funccione.

Região da Madeira: a comprehendida no districto do Funchal.

Região de Carcavellos: a comprehendida nos concelhos de Oeiras e de Cascaes.

Região productora de vinho Moscatel de Setubal: a comprehendida no concelho de Setubal.

§ 3.° Para os effeitos d'esta lei poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos generosos regionaes.

Para serem legalmente authenticados, os novos typos de vinho generoso deverão ser apresentados, pelos proprietarios viticolas das regiões que os produzam, perante um jury composto de commerciantes, productores e technicos.

Quando a decisão d'este jury for favoravel á authenticação do typo de vinhos apresentado, o Governo fará publicar, em decreto, o reconhecimento official do novo typo de vinho generoso.

Base 2.ª

Serão criadas commissões de viticultura, em cada uma das regiões productoras de vinhos generosos regionaes, com os seguintes fins:

1.° Exercer a mais rigorosa fiscalisação sobre a entrada dos vinhos e aguardentes nas respectivas regiões;

2.° Fazer o registo das propriedades que produzam vinhos generosos, segundo as declarações dos proprietarios;

3.° Elaborar a estatistica da producção dos vinhos em cada um dos concelhos e na freguesia de Barrô, acceitando as declarações dos proprietarios nas epocas que no regulamento se fixarem e empregando outros meios de informação ao seu alcance;

4.° Passar certificados de procedencia aos vinhos da região, quando lhes sejam pedidos pelos proprietarios, ou negociantes que os adquirirem;

5.° Dar baixa na estatistica do concelho, á saida dos vinhos, indicando, sempre que seja possivel, o local do destino, nome do destinatario e meio de transporte.

6.° Elaborar um relatorio annual, em que apreciem os resultados do funccionamento da presente lei.

§ 1.° As commissões de viticultura terão legitimidade para accusar em juizo, gozando das regalias do Ministerio Publico, as infracções d'esta lei, commettidas pelos productores ou pelos commerciantes.

§ 2.° Os certificados a que se refere o n.° 4.° d'esta base são documento bastante para os productores serem inscriptos como exportadores no registo a que se refere a base 3.ª

§ 3.° As commissões de viticultura deverão communicar, á direcção do Mercado Central de Productos Agricolas, tudo o que possa interessar á boa execução das disposições d'esta lei.

4.° As commissões de viticultura terão a seguinte composição:

Na região do Douro, dois representantes dos viticultores de cada um do seguintes concelhos: Alijó, Régua, Santa Martha de Penaguião, Carrazeda de Anciães, Sabrosa, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Lamego, Villa Nova de Fozcoa, Mesão Frio, Villa Real, Murça, Freixo de Espadaá-Cinta, Torre de Moncorvo e Armamar, e um representante por cada um dos concelhos de Valpaços, Mirandella, Villa Flor, Alfandega da Fé, Figueira de Castello Rodrigo, Mêda e Resende.

Na região da Madeira, dois representantes dos viticultores de cada um dos seguintes concelhos: Funchal, Santa Cruz, Camara de Lobos, Calheta e Ponta do Sol, e um representante por cada um dos concelhos de Porto Moniz, S. Vicente, Santa Anna, Machico e Porto Santo.

Nas restantes regiões, consideradas na base 1.ª, um representante dos viticultores, um delegado da Associação Commercial de Lisboa e o presidente da direcção do Mercado Central de Productos Agricolas.

Os representantes dos viticultores, nas regiões do Douro e da Madeira, serão eleitos pelos quarenta maiores viticultores de cada concelho, e, nas restantes regiões, pelos viticultores respectivos, não podendo ser eleitores nem eleitos commerciantes de vinhos nem seus commissarios, agentes e empregados de qualquer categoria.

O presidente da commissão de viticultura nas regiões do Douro e da Madeira será um representante dos concelhos, escolhido para esse cargo pelos membros da respectiva commissão.

§ 5.° É o Governo auctorizado a despender até a quantia de 10:000$000 réis para fazer face ás despesas da commissão de viticultores durienses e posto de Barqueiros.

O Governo nomeará a primeira commissão de viticultores, que funccionará até 31 de dezembro de 1910.

Base 3.ª

Será organizado nas Alfandegas de Lisboa, Porto e Funchal um registo especial de espertadores de vinhos generosos regionaes.

A exportação d'estes vinhos só é permittida aos exportadores inscriptos n'esse registo.

§ 1.° Podem ser inscriptos no registo a que esta base se refere:

1.° Os productores dos respectivos vinhos generosos regionaes;

2.° Os commerciantes que adquirirem esses vinhos.

§ 2.° Cada um d'estes registos será organizado por uma commissão composta pelo director da alfandega respectiva e por dois funccionarios, um delegado da Administração Geral das Alfandegas e outro do Conselho de Fomento Commercial de Productos Agricolas.

§ 3.° A inscripção a que se refere o paragrapho antecedente será, annualmente, publicada no Diario do Governo, e, sobre ella, será admittida reclamação ás entidades que, na mesma inscripção, tiverem direito a ser incluidas.

O prazo minimo das reclamações será de trinta dias, e o registo só se tornará definitivo depois de julgadas, pela commissão a que se refere o paragrapho anterior, as reclamações apresentadas. Da decisão sobre as reclamações haverá recurso para o Conselho da Administração Geral das Alfandegas.

§ 4.° A quantidade de vinhos generosos regionaes que é permittido exportar ás entidades a que se refere o § 1.° d'esta base é limitada á equivalencia das quantidades que tiverem produzido ou adquirido, augmentada da quantidade de aguardente, na percentagem que o regulamento determinar, tendo em vista a beneficiação usual nos armazens, corrigida pelo desfalque geral de armazenagem.

Na quantidade a exportar deverá abater-se a entregue ao consumo nacional, verificada pela forma que no regulamento se determinar.

A commissão a que se refere o § 2.° verificará, nos termos do regulamento, essas quantidades.

§ 5.° Todos os productores e exportadores, inscriptos nos termos d'esta base, são competentes para demandar e fazer punir, em juizo, os que exportarem, como vinhos generosos regionaes legalmente reconhecidos, vinhos de outras proveniencias, com ou sem marca regional.

Á fiscalização do Estado compete averiguar se es vinhos generosos, exportados ou consumidos no paiz, correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei.

§ 6.° A lista dos exportadores com direito a exportar os vinhos generosos regionaes, a que se refere a base 1.ª, será annualmente publicada pelo Governo, em separata especial, e officialmente communicada aos representantes diplomaticos e consulares de Portugal no estrangeiro e ás camaras de com-

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mercio estrangeiras a que seja conveniente fazer essa communicação.

§ 7.° Os p redactores ou commerciantes inscriptos no registo a que se refere esta base poderão, livremente, exportar os vinhos regionaes respectivos, desde que, por termo de fiança ou por caução perante a alfandega, se obriguem a não exceder a quantidade que lhes é permittido exportar, nos termos do § 4.° d'esta base, e a pagar, como multa, 500 réis, por cada litro de vinho que tenham exportado a mais.

§ 8.° A exportação dos vinhos generosos do Douro só será permittida pela barra do Douro e porto de Leixões, podendo o ser por qualquer outra barra do paiz, com certificado de procedencia passado pela Alfandega do Porto.

A exportação do vinho generoso da Madeira só será permittida pelo porto do Funchal, ou por qualquer outro porto com certificado da alfandega d'aquella cidade.

A exportação do vinho de Carcavellos e do Moscatel de Setubal só será permittida pelas barras do Tejo e do Sado, ou por quaesquer outras com certificado das Alfandegas de Lisboa ou de Setubal.

Os certificados da alfandega somente serão passados aos exportadores inscriptos no registo a que se refere esta base, deduzindo-se, na conta de cada um, as quantidades que, por esta forma, tenham exportado.

É expressamente prohibido exportar, pela barra do Douro, porto de Leixões e pelo porto do Funchal, quaesquer outros vinhos generosos que não sejam os mencionados n'este paragrapho, podendo, porem, exportar-se todos os vinhos, não generosos, com graduação alcoolica inferior a 14 graus centesimaes.

§ 9.° Os vinhos generosos nacionaes, as geropigas e os mostos de qualquer origem, não sendo do Douro, que entrarem a barra do Douro ou outra ao norte, ou ultrapassarem, no caminho de ferro, a estacão de Aveiro, ficam sujeitos a uma fiscalização e deposito especial, que será regulamentado em decreto do Governo, com o fim de impedir que, sós, ou lotados com outros, possam ser exportados pela barra do Torto.

Sendo considerado descaminho, punivel com multa nunca inferior a 50$000 réis por cada hectolitro, qualquer desvio dos vinhos d'esses depositos a fim de serem introduzidos nos armazens de Gaia, Leixões ou outros, destinados a exportação de vinhos generosos do Douro.

§ 10.° Apenas será contado para os effeitos especificados no § 4.° o vinho do Douro saido da respectiva região com graduação não inferior a 16,5 centesimaes.

§ 11.° No extremo da região duriense, na proximidade de Barqueiros, será estabelecido um posto para verificar o numero de vasilhas, contendo vinho generoso, que forem transportadas pelo rio Douro, e para passar as respectivas guias, que serão entregues na Alfandega do Porto. Quando for superiormente determinado, deverão, n'esse posto, tirar-se amostras do vinho a que se refere este paragrapho, devendo estas ser immediatamente remettidas á Alfandega do Porto, parados effeitos fiscaes d'esta lei.

A partir d'este posto e até os postos de destino será prohibida qualquer alteração ou substituição nos vinhos e vasilhas conduzidas, que, em caso de contravenção, serão apprehendidas e consideradas em descaminho. As multas a impor serão do duplo do valor do vinho e das taras, elevando-se ao decuplo em caso de reincidencia, e serão applicadas, nos termos do decreto de 27 de setembro de 1894, pelas auctoridades fiscaes competentes.

§ 12.° A verificação da quantidade e da graduação alcoolica dos vinhos provenientes da região do Douro será feita, pela Alfandega do Porto, nas estações de caminho de ferro d'esta cidade, que forem indicadas no regulamento, e em postos estabelecidos em Villa Nova de Gaia.

Só serão verificados os vinhos a respeito dos quaes se apresentar guia do posto de Barqueiros, ou de alguma das estacões do caminho de ferro situadas dentro da região duriense.

§ 13.° Em diplomas especiaes será determinado como deve ser calculada, para as restantes regiões de vinhos generosos, a quantidade de vinho que podem exportar os productores e os commerciantes, inscriptos no respectivo registo.

§ 14.° Os individuos que tiverem feito as declarações da existencia dos vinhos generosos do Douro, nos termos da carta de lei de 3 de novembro ultimo, e que se inscreverem no registo a que se refere esta base, ficam auctorizados a exportar todo o vinho generoso que declararam possuir nos armazens do Porto, Villa Nova de Gaia ou Leixões, assim como o que foi arrolado fora d'esses pontos, e se reconheceu em Gondomar e Bouças como proveniente do Douro. A estas quantidades se ajuntam todas as do vinho generoso do Douro que os seus possuidores provarem ter adquirido e armazenado nos depositos de Villa Nova de Gaia e Leixões, destinados á exportação, abatidas as porções que estiverem exportadas á data em que a lei entrar em execução com a publicação do respectivo regulamento, defendo então proceder-se á verificação das quantidades effectivas em deposito, e sendo aquelle saldo effectivo da escripta rectificado para menos, a fim de se creditar somente o que se encontrar, quando a cifra seja realmente menor.

Poderão tambem continuar a ser livremente exportados pela barra do Douro e pelo porto de Leixões os vinhos arrolados nas condições do artigo 2.° da referida carta de lei, logo que elles tenham sido recolhidos nos depositos de Gaia e de Leixões o mais tardar até 31 de julho de 1907, sendo, como no paragrapho anterior, igualmente creditados nas suas respectivas contas da alfandega os exportadores que se inscreverem ou já o houverem feito, pelas quantidades que tiverem sido recebidas n'aquelles depositos. As expedições d'estes vinhos dos locaes do continente onde foram arrolados só poderão effectuar-se logo que, verificada ahi a sua qualidade, graduação e forma oenologica, lhes seja passado certificado de transito, sendo a quantidade e graduação reverificada á chegada ao seu destino, e os documentos respectivos entregue á competente repartição da alfandega.

§ 15.° Os individuos que tiverem arrolado vinho do Douro, nos termos do § unico do artigo 1.° da carta de lei de 3 de novembro ultimo, podem inscrever-se no registo a que se refere esta base; e a quantidade do vinho generoso regional que poderão exportar será a mesma que demonstrarem possuir, diminuida do que tiverem exportado posteriormente á data da respectiva declaração. A exportação de vinhos do Porto será permittida aos individuos que forem inscriptos nas condições indicadas n'este artigo, desde que provem que já exerciam esse commercio á data da apresentação das declarações, e que se sujeitem á fiscalização que o regulamento determinar para se impedir que o vinho do Douro possa ser lotado com vinho de outra procedencia.

A quantidade de vinho que esses commerciantes podem exportar é limitada á que tiverem adquirido na respectiva região, comprovada por certificados passados pelas commissões de viticultura, e verificada pela alfandega do logar do destino.

Será communicada á Alfandega do Porto a quantidade de vinho que tiver entrado nos respectivos armazens e bem assim a que for exportada, competindo a verificação d'essas quantidades á commissão a que se refere o § 2.° d'esta base.

§ 16.° As entidades inscriptas no registo a que se refere esta base poderão ceder, entre si ou a outrem, que se pretenda inscrever no mesmo registo, o direito a exportar a totalidade

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ou parte do vinho cuja exportação lhes é permittida, participando o á alfandega respectiva.

§ 17.° É prohibida a entrada, na região demarcada do Douro, aos vinhos generosos ou de pasto e aos mostos provenientes do resto do paiz podendo, comtudo, ser ahi admittidos os vinhos engarrafados destinados ao consumo local.

Exceptuam-se os vinhos dos concelhos ou freguesias limitrophes da região duriense, que dentro d'esta terão livre transito, com as precauções que no regulamente se determinarem.

§ 18.° É prohibido exportar, com a marca do Porto, Douro ou Madeira, ou com designação em que se contenha algum d'aquelles nomes ou semelhantes, vinhos que não sejam das respectivas regiões e exportados na conformidade d'esta lei.

§ 19.° A lei respeitante á exportação dos vinhos generosos pela barra do Douro e porto de Leixões entrará em execução dentro de oito dias a contar da publicação do seu regulamento, e só então cessarão as disposições que, a fim de evitar abusos e para se poder cumprir o disposto nos §§ 14.° e 15.° d'esta base, se está provisoriamente a praticar na occasião da entrada de vinhos generosos em Gaia e Leixões.

§ 20.° A contravenção dos §§ 17.° e 18.° desta base será punida com a apprehensão do vinho e com a multa de 500 réis por cada litro de vinho apprehendido.

Base 4.ª

A exportação dos vinhos generosos, sem typo regional legalmente reconhecido, continuará a fazer-se, livremente, por todas as barras e portos do paiz, com excepção da barra do Douro e porto de Leixões e do porto do Funchal.

Base 5.ª

Para todos os effeitos legaes são considerados vinhos de pasto de typo regional os que a tradição firmou com as designações usuaes de Collares, Bucellas, Dão, Bairrada, Borba, Torres, Cartaxo, Alcobaça, Douro (virgens), Minho (verdes), Amarante, Basto, Fuzeta e Monção.

§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou exportados, com as designações indicadas, os vinhos de pasto provenientes das respectivas regiões.

§ 2.° A demarcação das regiões indicadas n'esta base, a organização das respectivas commissões de viticultura, a organisação do registo dos productores e dos exportadores, a fixação das quantidades que podem exportar e os meios indispensaveis para uma fiscalização rigorosa, serão determinados no regulamento.

§ 3.° A fiscalização do Estado compete averiguar se os vinhos de pasto, exportados ou consumidos no paiz, correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei.

§ 4.° Para os effeitos d'esta lei poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos de pasto regionaes, nos termos do § 3.° da base 1.ª

Base 6.ª

Será inscripta no orçamento do Ministerio das Obras Publicas, em artigo proprio, a verba annual de 180:000$000 réis, destinada a satisfazer não só os encargos provenientes dos descontos, a taxa não superior a õ por cento, de warrants sobre aguardente e alcool vinico, que tenham sido emittidos, nos termos dos decretos de 27 de fevereiro de 1905 e 25 de janeiro de 1906, mas tambem os restantes encargos indicados nos paragraphos seguintes.

§ 1.° A Caixa Geral de Depositos deverá, sempre, descontar os warrants a que se refere esta base, emquanto a importancia a empregar n'esse desconto não exceder 1.200:000$000 réis.

§ 2.° Em casos excepcionaes, sob proposta do Conselho do Fomento Commercial de Productos Agricolas, e ouvido o Conselho Superior de Agricultura, o Governo poderá decretar que a Caixa Geral de Depositos empregue até 1.800:000$000 réis no desconto dos warrants sobre aguardente e alcool vinico.

§ 3.° A taxa do desconto na Caixa Geral de Depositos não será superior a 5 por cento.

§ 4.° A importancia precisa para o pagamento do desconto dos warrants não poderá exceder, annualmente, a verba de 60:000$000 ou de 90:000$000 réis, conforme se realizar o previsto no § 1.° ou no § 2.° d'esta base.

§ 5.° O desconto dos warrants será feito pela quantia correspondente a 60 por cento do valor da aguardente ou do alcool vinico, á razão de 2,62 réis por grau alcoolico e por litro, para os warrants emittidos nas condições do decreto de 27 de fevereiro de 1905, e pela quantia correspondente a 50 por cento do valor, calculado pela mesma forma, para os warrants emittidos nas condições do decreto de 25 de janeiro de 1906.

Para se auctorizar o desconto deduzir-se-ha, na quantidade depositada, a percentagem que no regulamento for fixada para quebras.

§ 6.° Somente poderá fazer-se o desconto de warrants sobre aguardentes, nos termos d'esta base, quando estas provierem da distillação de vinho e dos seus derivados, e tiverem graduação não inferior a 76° centesimaes á temperatura de 15° centigrados.

§ 7.° Para premio do risco da operação e para pagamento das despesas a effectuar será cobrado 1 por cento, ao anno, da quantia entregue em desconto do warrant quando este for emittido sobre productos depositados em armazem geral, e 2 por cento sobre a mesma quantia quando o warrant for emittido nas condições do decreto de 25 de janeiro de 1906. Se, durante um anno, a liquidação do desconto dos warrants der prejuizo, que não seja compensado pelas taxas a que se refere este paragrapho, será, no anno seguinte, descontada a quantia precisa para cobrir este prejuizo na verba de réis 180:000$000 indicada n'esta base.

§ 8.° Os depositantes que descontarem warrants, nos termos d'esta base e seus paragraphos, ficam obrigados a vender, em qualquer epoca, o producto depositado ao preço de 2,62 réis por grau alcoolico e por litro, desde que a Direcção do Mercado Central dos Productos Agricolas tenha compradores, a esse preço, para os referidos productos.

§ 9.° Nenhum depositante poderá fazer o desconto por uma quantidade de aguardente vinica superior a 500 hectolitros ou pela quantidade correspondente a esta em alcool vinico.

§ 10.° O desconto será feito por prazo não superior a um anno, mas se o depositante assim o desejar e o deposito estiver feito em armazem geral, poderá ser prorogado por mais outro anno, tendo-se em attenção as quebras reaes que tenha havido no genero.

O Governo poderá, por uma providencia geral, prolongar o prazo de dois annos quando, ouvido o Conselho Superior de Agricultura, parecer necessario para evitar no mercado uma baixa de preço da aguardente ou alcool vinico.

§ 11.° O desconto dos warrants a que sé refere esta base apenas poderá ser feito para as aguardentes fabricadas e armazenadas nos districtos de Aveiro, Coimbra, Castello Branco e na parte restante do paiz ao sul d'estes districtos. Poderá, comtudo, fazer-se o desconto de warrants sobre as aguardentes depositadas no armazem geral do Porto quando for estabelecido.

§ 12.° Se, durante o prazo do desconto, o preço da aguardente ou do alcool vinico baixar de modo que haja margem inferior a 10 por cento entre esse preço e o valor descontado, será intimado o depositante a reforçar o respectivo deposito, para que se mantenha a margem indicada.

§ 13.° Somente terão direito ao desconto de warrants a que se refere esta base os possuidores de aguardentes fabricadas a partir de 1 de julho de 1907.

§ 14.° Da verba a que se refere esta base será destinada, annualmente, a

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quantia de 15:000$000 réis á construcção de depositos de aguardente ou de alcool vinico, estabelecidos nas regiões productoras do vinho para distillação, ou consumidoras de aguardente, até que se complete a capacidade de armazenagem de 100:000 hectolitros. Serão installados, em primeiro logar, depositos, que constituirão delegações, do armazem geral de Lisboa, no districto de Leiria, nos concelhos de Torres Vedras e de Alemquer, e nos districtos de Santarem e de Faro. A capacidade de cada um dos depositos não deverá exceder 10:000 hectolitros. Nos mesmos termos será constituido o armazem geral do Porto, a que se refere o decreto de 27 de fevereiro de 1905. O regulamento determinará as condições de armazenagem no Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa e nas suas delegações, e bem assim a respectiva tarifa.

Os depositos a que se refere este paragrapho poderão, nos termos que o regulamento determinar, ser entregues a syndicatos ou a sociedades agricolas que dêem as necessarias garantias.

§ 15.° O excedente da verba consignada n'esta base será applicado a premios aos vinhos exportados para o estrangeiro e cuja graduação alcoolica não exceda 17° centesimaes. Dois terços d'esta quantia serio destinados aos vinhos cuja graduação esteja comprehendida entre 14° e 17° e o terço restante aos vinhos de 11° a 14°. A importancia d'este premio não poderá exceder 1$000 réis por hectolitro de vinho exportado.

§ 16.º Quando os premios a conceder, nos termos do paragrapho anterior, não attingirem, para qualquer dos dois grupos, as verbas respectivas, o excedente, em qualquer d'esses grupos, será empregado em elevar o premio por hectolitro para os vinhos do outro grupo que receberem a menos.

§ 17.° Uma commissão composta pelo presidente da direcção do Mercado Central de Productos Agricolas e por dois vogaes, sendo um proposto pela Real Associação Central da Agricultura Portuguesa e o outro pela Associação Commercial de Lisboa, dirigirá, superiormente, a execução do disposto nesta base.

§ 18.° As estações de distillação que o Governo installou e as que vier a installar serão entregues a syndicatos de productores de vinho, que offereçam as indispensaveis garantias, e serão dotadas de apparelhos moveis de distillação.

Esta cedencia será gratuita nos primeiros tres annos e por uma renda annual equivalente á annuidade precisa para o pagamento da installação durante vinte annos, passado que seja aquelle periodo. Findo o prazo de vinte e tres annos, as installações ficam sendo propriedade dos syndicatos que as tiverem explorado.

No caso de não haver syndicatos de productores que explorem as estações de distillação, serão estas arrendadas em hasta publica, ou exploradas por conta do Estado.

§ 19.° É prohibido distillar vinho dentro da região demarcada do Douro.

Exceptua-se a distillação dos vinhos alterados ou que tenham defeito que os torne improprios para o consumo, a qual poderá fazer se nos pontos que o regulamento determinar, sob fiscalização do Governo.

§ 20.° São abolidos os premios criados pelos decretos de 16 de junho de 1901 e de 14 de janeiro de 1900 para os vinhos regionaes de consumo e de exportação.

§ 21.° É elevada a 13°, com a tolerancia que o regulamento determinar, a graduação alcoolica do vinho que fica sujeito ao pagamento do direito de consumo de 33,92 réis por kilogramma.

§ 22.° A verba a que se refere o § 2.° do artigo 1.° do decreto de 14 de janeiro de 1905 e o § 4.° do artigo 12.° do decreto de 5 de junho de 1905 será, em primeiro logar, destinada a satisfazer os encargos resultantes d'esta base, sendo o excesso, até a quantia de 20:000$000 réis, reservado para o fundo do fomento agricola.

Base 7.ª

É o Governo autorizado a expropriar ás actuaes fabricas de alcool industrial do continente e Açores o direito de fabricar o referido alcool, autorizado pelo decreto de 14 de junho de 1901 e lei de 15 de julho de 1903, para o continente desde que mais de metade das fabricas declarem sujeitar-se ás condições seguintes, e para os Açores desde que mais de metade da producção igualmente declare acceitar as ditas condições:

1.° O preço de indemnização por cada fabrica será fixado por arbitragem, tendo em vista as installações, a quantidade de alcool, não desnaturado, que estão auctorizadas a fabricar e a que tenham produzido nos ultimos cinco annos;

2.° Logo que esteja fixado o preço da indemnização, as fabricas deixarão de laborar. Este valor, porem, só será pago, e sem qualquer acrescimo de juro, pelo lucro que o Estado auferir na importação de alcool estrangeiro, quando o preço da aguardente ou alcool vinico exceder o maximo fixado na lei vigente, sendo o preço de venda de 2,62 por grau alcoolico e por litro.

3.° Os arbitros que representam o Governo e o de desempate serão nomeados pelo Supremo Tribunal de Justiça.

4.° O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer d'esta auctorização.

§ unico. Exceptua-se do que fica disposto n'esta base o direito a distillar alcool dos melaços e residuos da fabricação do assucar, como dispõe a lei de 15 de julho de 1903, mas o alcool d'esta proveniencia só pode ser consumido nos Açores, e só desnaturado poderá ser importado no continente.

Base 8.ª

É o Governo auctorizado a estabelecer estações experimentaes de agricultura nas regiões do Douro e da Madeira, e nos districtos de Aveiro, Leiria, Santarem, Faro, Vizeu, Coimbra e Lisboa.

As estações experimentaes terão por fim o estudo technico da producção cultural, a preparação technologica dos productos agricolas da respectiva região, e especialmente:

1.° Estudar a producção de fructas e de plantas hortenses na região;

2.° Estudar a cultura da vinha para uva de mesa e para o fabrico de passas, a preparação e embalagem d'estes productos, bem como das fructas da região;

3.° Produzir e seleccionar variedades das diversas plantas fructiferas e hortenses;

4.° Estudar o fabrico dos vinhos da região e bem assim as culturas mais apropriadas, fornecendo sementes ou plantas aos lavradores para experiencias, dirigindo-as e apreciando os seus resultados;

5.° Estabelecer, na sede, cursos para adultos, e na região cursos ambulantes, em que se diffundam as noções mais essenciaes da instrucção cultural.

§ 1.° As installações da estação experimental, alem das culturaes indispensaveis, serão as precisas para preparação, conservação, secagem e embalagem, de fructas, e uma cave para estudo dos vinhos de pasto da região.

§ 2.° A direcção da estação será confiada a um agrónomo nacional admittido em concurso de provas publicas.

Alem dos serviços da direcção e do ensino fixo e ambulante, incumbe ao director prestar os serviços da sua profissão aos particulares que os solicitarem, para o que será coadjuvado por praticos nacionaes ou estrangeiros devidamente habilitados, contratados pelo Governo.

Base 9.ª

O Governo poderá auctorizar a constituição de companhias de exportação de vinho, concedendo-lhes as mesmas vantagens que a lei dá ás adegas sociaes, mas não podendo, quando o capital for superior a 500:000$000 réis, fazer a essas companhias quaesquer concessões que se não tornem extensi-

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vas aos negociantes exportadores de vinhos.

§ unico. É tambem auctorizado o Governo a conceder um bonus para transporte dos vinhos de pasto, produzidos na região vinicola do centro, composta dos districtos de Leiria, Castello Branco, Coimbra e Aveiro e da parte dos districtos de Vizeu e da Guarda, que fica fora da região duriense, não podendo esse bónus ser superior a 50 por cento das respectivas tarifas, nem a despesa annual exceder a 10:000$000 réis.

Base 10.ª

O Governo reorganizará e fará executar os serviços officiaes de propaganda commercial, nos termos dos paragraphos seguintes.

§ 1.° Só poderá iniciar-se o serviço de propaganda de qualquer producto, e para qualquer mercado, quando productores ou negociantes, podendo alimentar um minimo de exportação de cada genero que será fixado no regulamento, se tenham inscrito para tal fim, no Mercado Central de Productos Agricolas, obrigando-se em contrato devidamente assegurado a:

1.° Fornecer os mostruarios que forem indispensaveis;

2.° Fornecer todas as encommendas, dentro dos limites que tiverem sido estabelecidos, com productos inteiramente iguaes ás amostras que tiverem enviado;

3.° Sujeitar todos os productos fornecidos, por intermedio dos serviços officiaes de propaganda, ás analyses indispensaveis;

4.° Indicar os preços de venda e os prazos de pagamento da sua mercadoria e manter estas condições durante o prazo que for convencionado;

5.° Pagar uma commissão de 5 por cento do valor do producto posto a bordo no porto de saida;

6.° Acceitar as penalidades que forem convencionadas para garantia dos compromissos tomados.

§ 2.° O Governo fará, por sua iniciativa, organizar mostruarios de mercadorias nacionaes, que distribuirá largamente pelos principaes mercados estrangeiros, quando d'ahi possam resultar incontestaveis vantagens publicas.

§ 3.° A propaganda será executada por caixeiros viajantes, admittidos em concurso de provas praticas, e por meio de contrato de execução temporaria.

§ 4.° Nos institutos industriaes e commerciaes poderá ser aberto um curso especial de caixeiros viajantes.

Base 11.ª

O Fundo de Fomento Agricola, criado pelo decreto de 14 de janeiro de 1905, será constituido:

1.° Pelo excesso de receita a que se refere o § 22.° da base 6.ª;

2.° Pela receita proveniente da percentagem cobrada pelo desconto dos warrants, a que se refere o § 7.° da base 6.ª;

3.° Pelo producto das multas impostas pelo § 7.° da base 3.ª d'esta lei;

4.° Pelos 25 por cento provenientes das quantias cobradas nos termos do artigo 412.° e seu § unico do decreto de 22 de julho de 1905;

5.° Pelas receitas do Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa. Estas receitas devidamente especificadas serão inscritas no orçamento sob a rubrica de receitas do fundo de fomento agricola.

§ 1.° O Fundo de Fomento Agricola é destinado a:

1.° Cobrir o premio de risco e as despesas a effectuar nos termos do § 7.° da base 6.ª d'esta lei;

2.° Custear os serviços do Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa;

3.° Fazer face aos encargos de fiscalização resultantes d'esta lei. Todas as despesas a que se refere esta paragrapho, tanto as actuaes como as futuras, serão inscriptas no orçamento precedidas da designação «Pelo fundo do fomento agricola» e não poderão exceder os recursos disponiveis do referido fundo.

Base 12.ª

É o Governo auctorizado a modificar a legislação sobre propriedade industria], tendo em consideração o que n'esta lei se preceitua.

Base 13.ª

Em diploma especial serão definidas as condições em que, na Ilha da Madeira, se dará execução á presente lei, tendo em vista:

1.° Que, no actual estado da cultura da vinha, n'essa ilha, se devem, no regime de exportação do vinho regional respectivo, estabelecer disposições transitorias com as quaes se não cause uma brusca alteração nas praticas commerciaes hoje em uso, no que diz respeito ás castas de uva empregadas na preparação dos vinhos da Madeira.

2.° Que, para melhorar £s condições do commercio d'este vinho, se deverão adoptar as providencias que se julgarem precisas para a mais completa garantia da genuinidade d'esse producto.

3.° Que para o effeito da inscripção no registo prescripto na base 3.ª se considerarão os vinhos arrolados nos termos da carta de lei de 3 de novembro de 1906, conforme as declarações já apresentadas pelos respectivos productores ou exportadores.

Base 14.ª

É o Governo autorizado a reorganizar os serviços da fiscalização dos productos agricolas, para os tornar mais rapidos e efficazes e parta attender ás indicações da experiencia, mas sem que possa resultar augmento na despesa orçamental.

Palacio das Côrtes, em 1 de março do 1901. = Thomaz Pizarro de Mello Sampaio, Presidente = Conde de Agueda, 1.° Secretario = Julio Cesar Cau da Costa, 2.° Secretario.

N.º 2

Senhores. - A commissão de agricultura estudou, com demorada attenção e minucioso cuidado, a proposta de lei n.° 1-B, apresentada pelo Governo para debellar a crise duriense, e todas as representações e alvitres que, a proposito da mesma proposta, foram apresentados e suggeridos.

Na longa discussão a que a commissão se entregou, em repetidas sessões, e na larga polemica travada na imprensa e nas reuniões dos interessados, não foi contestado o principio fundamental da proposta do Governo: reconhecer juridicamente e garantir á viticultura das respectivas regiões a propriedade dos nomes commerciaes dos vinhos regionaes.

A commissão acceitou o principio para os vinhos generosos, e, de acordo com o Governo, generalizou-o aos vinhos de pasto que a pratica oenologica definiu já e o commercio adoptou e fez reconhecer nos mercados internos e externos.

Assim se conserva, integralmente, no projecto de lei, a base 1.ª da proposta, e se introduziu de novo a base 5.ª

Pareceu, todavia, conveniente conceder, na base 1.ª, ás freguesias situadas no contorno da região duriense, a faculdade de sairem, do territorio demarcado, deixando á iniciativa dos interessados a fixação definitiva dos limites de uma região que não era possivel definir taxativamente na lei, sem moroso estudo, que não é compativel com a urgencia da resolução do instante problema proposto.

No que diz respeito aos pormenores do processo de execução das medidas propostas pelo Governo para garantia do seu pensamento fundamental, e aos meios indicados para attenuar a repercussão possivel da nova lei nos interesses vinicolas não abrangidos nos beneficios concedidos aos vinhos regionaes, as reclamações dos interessados vieram mostrar ao Governo e á commissão a necessidade de modificar a proposta e de amplial-a, em termos de lhe dar mais rapida acção e de conceder immediatas vantagens á vinicultura do centro e do sul do paiz, aproveitando e fazendo actuar mais efficazmente al-

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gumas disposições já consignadas na legislação vigente.

É assim que a commissão de agricultura, de accordo com o Governo, modificou algumas bases da proposta de lei sem lhes alterar o intuito, e introduziu novas bases, onde se condensaram e intensificaram leis já promulgadas, attendendo por este modo aos interesses vinicolas, receosos dos effeitos provaveis d'essa proposta.

Na base 2.ª, reconhecendo-se que o registo dos predios viticolas, de certo util e indispensavel á execução definitiva do regime proposto, só muito lentamente pode realizar-se, são instituidas commissões de viticultura, a que compete fazer aquelle registo, e são dadas attribuições fiscaes e de vigilancia bastantes para que os productores possam, por si mesmos, impedir a viciação dos preceitos legaes, e que sejam frustrados os intuitos do legislador.

A constituição d'estas commissões nas regiões do Douro e da Madeira é a que parece mais conveniente para se conseguir uma representação certa da viticultura, directamente interessada na conservação do alto credito dos vinhos que produzem e na garantia da sua genuidade.

A base 3.ª da proposta foi substituida pela base 13.ª do presente projecto de lei, parecendo, em vista das reclamações dos interessados, que é indispensavel não só modificar a nossa legislação sobre propriedade industrial, para acompanharmos a legislação similar estrangeira, mas ainda attender aos interesses reconhecidos no presente projecto de lei, e permittir marcas regionaes, já acceitas em principio, em diversos .congressos, mas ainda não introduzidas na legislação privativa dos países que adheriram á convenção de Berne.

Nos termos de simples auctorização, esta base deixava de fazer parte integrante do systema proposto pelo Governo, e por isto foi deslocada da sua posição primitiva.

A base 4.ª, terceira do presente projecto de lei, conservou a sua estructura inicial. Apenas se mudou dos tribunaes de commercio para as alfandegas a sede do registo dos exportadores, para ser mais rapida e mais facil a inscripção, e se procurou obviar, para o computo da capacidade exportativa de cada um d'estes, á falta immediata do registo dos proprietarios e das producções dos predios viticolas.

É assim que se propõe, agora para a região duriense, a criação do posto fiscal de Barqueiros, e a verificação de quantidades e graduações dos vinhos provenientes d'essa região, para se basear a conta corrente, na alfandega do Porto, dos exportadores inscriptos.

Pareceu ser este o processo mais facil, expedito e seguro de impedir que os vinhos de consumo da região duriense, ou outros estranhos á mesma região, possam vir substituir-se aos genuinos vinhos generosos do Douro.

Igualmente, e de accordo com os interessados, se elevou a graduação minima dos vinhos generosos, de 15°, que era na proposta de lei, para 16°,5, tornando assim menos facil que os vinhos baixos do Douro possam ser entregues ao consumo e substituidos por outros de proveniencia diversa.

A base 4.ª do presente projecto de lei não constitue materia nova. Foi apenas separada da doutrina da base 3.ª, por se tratar de vinhos generosos não regionaes.

Conservou-se a disposição que restringe a saida de vinhos generosos pela barra, do Douro e porto artificial de Leixões aos vinhos do mesmo typo provenientes da região duriense.

Foi esta disposição que mais reclamações originou, e mais energicamente foi contestada.

A verdade é, porem, que ao Governo e á commissão alvitre algum pareceu de efficacia equivalente para garantir perante os mercados externos ao vinho do Douro as vantagens da sua proveniencia commercial, desde que n'esses mercados, e muito especialmente em Inglaterra, o mais importante de todos, praticamente se reconhece como vinho do Porto somente o que sae pela barra do Douro.

Nenhum, outro meio pode impedir que vinhos portuguezes, produzidos fora da região duriense, possam tomar, com a saida pela barra do Douro, a proveniencia, que os confunda com os legitimos vinhos do Porto.

Pareceu indispensavel, porem, attenuar por disposições mais directas, o effeito deprimente que a restricção da barra do Douro pode causar aos interesses viticolas do centro e sul do paiz, já demasiadamente aggravados por uma crise de preços que dura ha dois annos.

A restricção da barra impede, embora transitoriamente, os vinhos licorosos do sul, mais baratos do que os do Douro, de luctar com vantagem nos mercados estrangeiros com as imitações do vinho do Porto de origem estrangeira.

A exportação d'esses vinhos fazia-se até agora quasi exclusivamente pelo Porto. Pode esta exportação derivar para o porto de Lisboa, mas esta mudança repentina noa habitos commerciaes estabelecidos implica uma solução de continuidade nas relações correntes com o estrangeiro e uma deslocação de parte do commercio do Porto para Lisboa, ou a criação n'esta praça de um novo commercio; factos que só morosamente podem realizar-se.

Entretanto a viticultura do centro e do sul do paiz veria aggravar-se a crise em que se debate e que é urgente fazer terminar.

Para evitar este resultado e fazer parar a decadencia geral em que vae caindo a viticultura do paiz indicam-se diversas disposições, especialmente na base 6.ª, que adeante serão particularmente justificadas.

A base 5.ª refere-se a vinhos de pasto regionaes, e, como foi já dito, é apenas, a generalização da proposta do Governo aos vinhos d'este typo. Não se limitam definitivamente as regiões, nem se estabelece o regimen de exportação, porque são indispensaveis estudos ulteriores e demorados para definir os territorios em que se produzem os vinhos typicos de Collares e Bucellas, e fixar o regimen mais conveniente da exportação d'estes vinhos sem prejudicar subitamente correntes commerciaes estabelecidas.

A base 6.ª representa a effectivação do regime de armazens geraes, criado pelos decretos de 27 de fevereiro de 1905 e de 25 de janeiro de 1906.

O regime estabelecido n'estes decretos é uma satisfação a reclamações antigas da viticultura do sul do paiz, e foi largamente justificado nos relatorios que os precedem.

É inutil portanto demonstrar aqui os beneficios de taes medidas legislativas, não só para a viticultura e para o commercio, mas ainda para o desenvolvimento dos nossos processos de credito geral e especialmente agricola.

É certo, porem, que o regime dos armazens geraes não teve até agora realização. Está ainda a construir-se o Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa, e o regime provisorio, criado pelo decreto de 25 de janeiro de 1906, com o fim de supprir transitoriamente os armazens geraes, não teve execução, em vista da reluctancia, que os bancos de Lisboa mostraram em descontar os warrants garantidos pela aguardente depositada nos armazens dos viticultores e commerciantes, sem garantias especiaes.

A commissão de agricultura, de accordo com o Governo, propõe que uma parte do excesso da receita do imposto de consumo em Lisboa, nos termos do decreto de 14 de janeiro de 1905, seja destinada aos descontos dos warrants sobre aguardente, na Caixa Geral de Depositos.

Não se trata de um novo encargo para o orçamento do Estado. É apenas uma applicação nova de receitas já especialmente consignadas á protecção dos interesses vinicolas, agricolas e commerciaes.

Poderá assim, constituir-se um stock

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regulador do mercado de aguardente, que evitará para o futuro uma extensa oscillação dos preços, que tão singularmente deprime a viticultura nos annos de abundantes colheitas, e embaraça o commercio, encarecendo a exportação nos annos de producção escassa.

Para evitar, porem, que o stock se avolume exaggeradamente, e levante excessivamente os preços, limita-se o desconto á importancia de 1:200 contos de réis, correspondente a cêrca de 20:000 pipas de aguardente, e só em casos excepcionaes, e mediante consulta das corporações determinadas, poderá elevar-se a 1:800 contos de réis, correspondente a 30:000, quantidade que difficilmente será attingida.

Estabelece-se tambem a venda obrigatoria da aguardente depositada, ao preço maximo de 2,62 réis por grau e por litro, o que dá ao commercio a garantia de obter sempre a aguardente de que precisar, dentro dos limites que a lei vigente lhe estabeleceu.

Mantem-se, é certo, o regime provisorio do deposito em poder dos productores e commerciantes, mas a commissão entendeu que é conveniente fazel-o cessar no mais breve espaço de tempo possivel, e por isso propõe que sejam construidos depositos especiaes, nas regiões mais productoras o nos centros de consumo.

Augmentará por este modo o credito do warrant, que, por todos os motivos, convem tornar de circulação facil e geral, independentemente de quaesquer favores do Governo, que não poderá dispensar emquanto a garantia do credito permanecer em poder do devedor.

O desconto dos warrants, obrigatorio na Caixa Geral dos Depositos, não é indicado somente para facilitar aos viticultores o mesmo desconto n'aquelle estabelecimento ou nas suas succursaes. Tem tambem por fim dar maior facilidade de circulação gerai aos warrants, que sendo de valor immediatamente realizavel para o seu portador, sem duvida serão acceites sem reluctancia em todos os Bancos e pelos particulares, fazendo derivar para os viticultores capitães que desconfiada mente evitam collocações agricolas, reduzindo assim as importancias immobilizadas pela Caixa Geral de Depositos.

As restantes disposições d'esta base são as mesmas que a proposta de lei continha e justificadas no respectivo relatorio.

A base 7.ª, na mesma ordem de ideias da base 6.ª, visa ainda a alliviar o mercado das aguardentes e a defender estas da concorrencia do alcool industrial, que deve para sempre ser banido do fabrico de vinho.

Não resulta maior encargo para o Estado, visto que a expropriação das fabricas será paga pela receita proveniente da importação do alcool estrangeiro.

A base 8.ª é uma explanação da base 7.ª da proposta de lei, com a qual o Governo concordou, para que, simultaneamente, nas diversas regiões de paiz se vão desenvolvendo culturas e fabricos concorrentes da vinha ou que podem melhorar a situação dos seus productos nos mercados internos e externos.

As bases 9.ª e 10.ª elo identicas ás 8.ª e 9.ª da proposta de lei e não carecem de maior justificação do que a que tiveram já no respectivo relatorio.

A base 11.ª é a consignação, na lei, de affirmações feitas pelo Governo no relatorio que precede a proposta de lei a que nos vimos referindo.

A restricção da plantação da vinha, por uma disposição directa e de realização immediata, reclamada pelos interessados, não pareceu á commissão conveniente pelas razões já adduzidas pelo Governo. É indispensavel averiguar, antes de tudo, onde se deve restringir a plantação, por um imposto compensador das excepcionaes vantagens da cultura em regiões especiaes onde outras culturas poderiam fazer-se com maior beneficio geral. A restricção pura e simples, pela sua uniformidade de applicação, determinaria, necessariamente, injustiças em casos particulares, intermedios ás regiões viticolas de producção cara e de alta qualidade e de producção barata e de inferior quilate. O imposto permitte graduar a intensidade da acção restrictiva ás diversas modalidades da economia viticola do paiz.

A base 12.ª estabelece, definitivamente, a criação do Fundo de Fomento Agricola e define as suas applicações. Veem, desde 1892, as tentativas de criar um fundo especial destinado ao fomento agricola, para que, sem aggravamento do orçamento, houvesse sempre disponibilidades capazes de fazer face ao custeio de instituições e encargos que não podem produzir receitas ou pelo menos as não podem dar em termos de a si proprios se sustentar temporaria ou permanentemente. O decreto de 14 de janeiro do passado anno fui a ultima d'essas tentativas e destinava ao seu objectivo uma parte do excesso da receita acima da que, pelo imposto de consumo de vinho em Lisboa, se realizara em 1904. Alliviada esta receita do encargo dos premios aos vinhos regionaes de consumo em Lisboa e de exportação, e depois de satisfeita a garantia do desconto dos warrants, que não excederá 90 contos de réis, uma parte do excedente ficará sendo o principal elemento do fundo de fomento.

A abolição dos premios dos vinhos regionaes é uma necessidade, demonstrada pela pratica de dois annos de execução, que evidenciou a sua influencia perniciosa concorrendo para a baixa de preços do vinho.

As outras origens de receita estavam já consignadas nas leis vigentes.

As applicações dadas ás quantias disponiveis são as que esta lei torna indispensaveis ou eram já adstrictas ás verbas que se encorporam no fundo de fomento agricola.

A base 13.ª é apenas uma auctorização já anteriormente justificada por ser indispensavel modificar a nossa legislação sobre propriedade industrial.

A base 14.ª foi destacada das bases em que estava incluida na proposta de lei, em attenção ao caracter particular da região da Madeira, e por não poder desattender-se a constituição actual da vinha n'aquella ilha, que não convem alterar, de subito, impondo-se antes a necessidade de a modificar successivamente.

A base 15.ª é apenas o corollario inevitavel da carta de lei de 3 de novembro d'este anno, que o Parlamento adoptou no declarado proposito de preparar a execução do presente projecto de lei.

Arrolados os vinhos generosos, indispensavel se torna assegurar-lhes o destino que é conveniente dar-lhes, conforme a sua qualidade e origem, nos termos da lei que temos a honra de propor, em inteira concordancia com o Governo.

Ao Parlamento cumpre agora completar e aperfeiçoar o que a vossa commissão, ao cabo de longo e fatigante trabalho, tem a honra de vos apresentar.

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a regular a exportação e o commercio de vinho, a fiscalização dos productos agricolas e o estabelecimento de estações experimentaes de agricultura, nos termos das bases annexas, que d'esta lei ficam fazendo parte integrante, decretando as providencias., necessarias para a sua completa execução.

Art. 2.° Fica revogada a legislação anterior sobre os assumptos a que essas bases se referem.

Sala das sessões da commissão de agricultura da Camara dos Senhores Deputados. = Francisco Augusto de Oliveira Feijão (com declarações) = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti = Matheus. Augusto Ribeiro de Sampaio (com declarações) = D. Luiz Pizarro da Cunha Portocarrero = Henrique Maria de Cimeiros Ferreira = Francisco Alberto Mendonça de Sommer = Francisco Miranda da Costa Lobo (com declarações) = Adriano Ca-

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valheiro = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco = Fernando de Carvalho = Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos = Salvador Manoel Brum do Canto = Ruy de Andrade = Conde de Arrochella = Antonio Homem de Gouveia = Carlos Augusto Pereira = Luiz da Gama (com declarações) = Julio de Carvalho Vasques (vencido em parte) = Aristides da Muita, relator.

Bases a que se refere o presente projecto de lei

Base 1.ª

Para todos os effeitos legaes, são considerados vinhos generosos de typo regional privativo os que a tradição firmou com as designações usuaes de Porto, Madeira, Carcavellos e Moscatel de Setubal.

§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou exportados:

Vinho do Porto: os vinhos generosos provenientes da região do Douro;

Vinho da Madeira: os vinhos generosos provenientes da região da Madeira;

Vinho de Carcavellos: os vinhos generosos provenientes da região de Carcavellos;

Vinho moscatel de Setubal: os vinhos generosos provenientes do concelho de Setubal.

§ 2.° Para os effeitos legaes são consideradas:

Região do Douro: a comprehendida nos concelhos de Mesão Frio, Santa Marta de Penaguião, Villa Real, Régua, Sabrosa, Alijó, Carrazeda de Anciães, Mirandella, Murça, Valpaços, Villa Flor, Alfandega de Fé, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada-á-Cinta, na margem direita do Rio Douro; na freguesia do Barro do concelho de Resende, e nos concelhos de Lamego, Armamar, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Meda, Figueira de Castello Rodrigo e Villa Nova de Fozcoa, na margem esquerda do mesmo rio.

As freguesias que ficam situadas no contorno da região duriense poderão ser excluidas d'esta, quando o requeiram mais de dois terços dos proprietarios viticolas das mesmas freguesias, representando mais de metade da producção, de forma, porem, que se não altere a continuidade da região demarcada.

A exclusão das freguesias será decretada pelo Governo, ouvido o Conselho Superior de Agricultura e a commissão de viticultura da região, quando funccione.

Região da Madeira: a comprehendida no districto do Funchal.

Região de Carcavellos: a comprehendida nos concelhos de Oeiras e de Cascaes.

Região productora de vinho Moscatel de Setubal: a comprehendida no concelho de Setubal.

§ 3.° Para os effeitos d'esta lei poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos generosos regionaes.

Para serem legalmente autenticados, os novos typos de vinho generoso deverão ser apresentados, pelos proprietarios viticolas das regiões que os produzam, perante um jury composto de commerciantes, productores e technicos.

Quando a decisão d'este jury for favoravel á authenticação do typo de vinhos apresentado, o Governo fará publicar, em decreto, o reconhecimento official do novo typo de vinho generoso.

Base 2.ª

Serão criadas commissões de viticultura, em cada uma das regiões productoras de vinhos generosos regionaes, com os seguintes fins:

1.° Exercer a mais rigorosa fiscalização sobre a entrada dos vinhos nas respectivas regiões;

2.° Fazer o registo das propriedades que produzem vinhos generosos, segundo as declarações dos proprietarios;

3.° Elaborar a estatistica da producção dos vinhos, em cada um dos concelhos, acceitando as declarações dos proprietarios que as desejarem fornecer, e empregando outros meios de informação ao seu alcance;

4.° Passar certificados de procedencia aos vinhos da região, quando lhes sejam pedidos pelos proprietarios, ou negociantes que os adquirirem;

5.° Elaborar um relatorio annual, em que apreciem os resultados do funccionamento da presente lei.

§ 1.° As commissões de viticultura terão legitimidade para accusar em juizo, gozando das regalias do Ministerio Publico, as infracções d'esta lei, commettidas pelos productores ou pelos commerciantes.

§ 2.° Os certificados a que se refere o n.° 4.° d'esta base são documento bastante para os productores serem inscritos como exportadores no registo a que se refere a base 3.ª

§ 3.° As commissões de viticultura deverão communicar á direcção do Mercado Central de Productos Agricolas tudo o que possa interessar á boa execução das disposições d'esta lei.

§ 4.° As commissões de viticultura terão a seguinte composição:

Na região do Douro, dois representantes dos viticultores de cada um dos seguintes concelhos: Alijó, Regua, Santa Marta de Penaguião, Carrazeda de Anciães, Sabrosa, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Lamego, Villa Nova de Fozcoa, Mesão Frio, Villa Real, Murça, Freixo, de Espada-á-Cinta, Torre de Moncorvo e Armamar, e um representante por cada um dos concelhos de Valpaços, Mirandella, Villa Flor, Alfandega da Fé, Figueira de Castello Rodrigo, Mêda e Resende.

Na região da Madeira, dois representantes dos viticultores de cada um dos seguintes concelhos: Funchal, Santa Cruz, Camara de Lobos, Calheta e Ponta do Sol, e um representante por cada um dos concelhos de Porto Moniz, S. Vicente, Santa Anna, Machico e Porto Santo.

Nas restantes regiões, consideradas na base 1.ª, um representante dos viticultores, um delegado da Associação Commercial de Lisboa e o presidente da direcção do Mercado Central de Productos Agricolas.

Os representantes dos viticultores, nas regiões do Douro e da Madeira, serão eleitos pelos quarenta maiores viticultores de cada concelho, e, nas restantes regiões, pelos viticultores respectivos.

O presidente da commissão de viticultura nas regiões do Douro e da Madeira será um representante dos concelhos, escolhido para esse cargo pelos membros da respectiva commissão.

Base 3.ª

Será organizado nas Alfandegas de Lisboa, Porto e Funchal um registo especial de exportadores de vinhos generosos regionaes.

A exportação d'estes vinhos só é permittida aos exportadores inscriptos nesse registo.

§ 1.° Podem ser inscriptos no registo a que esta base se refere:

1.° Os productores dos respectivos vinhos generosos regionaes;

2.° Os commerciantes que adquirirem esses vinhos.

§ 2.° Cada um d'estes registos será organizado por uma commissão composta pelo director da alfandega respectiva e por dois funccionarios, um delegado da Administração Geral das Alfandegas e outro do Conselho do Fomento Commercial de Productos Agricolas.

§ 3.° A. inscripção a que se refere o paragrapho anterior será, annualmente, publicada no Diario do Governo, e, sobre ella, será admittida reclamação ás entidades que, na mesma inscripção, tiverem direito a ser incluidas.

O prazo minimo das reclamações será de trinta dias, e o registo só se tornará definitivo depois de julgadas, pela commissão a que se refere o paragrapho anterior, as reclamações apresentadas. Na decisão sobre as reclamações haverá recurso para o Conselho da Administração Geral das Alfandegas.

§ 4.° A quantidade de vinhos generosos regionaes que é permittido exportar ás entidades a que se refere o

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§ 1.° d'esta base é limitada á equivalencia das quantidades que tiverem produzido que adquirido, augmentada da quantidade de aguardente, na percentagem que o regulamento determinar, tendo em vista a beneficiação usual aos armazens, corrigida pelo desfalque geral de armazenagem. A commissão a que se refere o § 2.° verificará, nos termos do regulamento, essas quantidades.

§ 5.° Todos os productores e exportadores, inscriptos nos termos d'esta base, são competentes para demandar e fazer punir, em juizo, os que exportarem, como vinhos generosos regionaes legalmente reconhecidos, vinhos de outras proveniencias, com ou sem marca regional.

Á fiscalização do Estado compete averiguar se os vinhos generosos, exportada ou consumidos no paiz, correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei.

§ 6.° A lista dos exportadores com direito a exportar os vinhos generosos regionaes, a que se refere a base l.ª, será annualmente publicada pelo Governo, em separata, especial, e officialmente communicada aos representantes diplomaticos e consulares de Portugal no estrangeiro, e ás camaras de commercio estrangeiras a que seja conveniente fazer essa communicação.

§ 7.° Os productores ou commerciantes inscritos no registo a que se refere esta base, poderão, livremente, exportar os vinhos regionaes respectivos, desde que, por termo de fiança ou por caução perante a alfandega, sé obriguem a não exceder a quantidade que lhes é permittido exportar, nos termos do § 4.° d'esta base, e a pagar, como multa, 100 réis por cada litro de vinho que tenham exportado a mais.

§ 8.° A exportação dos vinhos generosos do Douro só será permittida pela barra do Douro e porto de Leixões, podendo o ser por qualquer outra barra do paiz, com certificado de procedencia passado pela Alfandega do Porto.

A exportação do vinho generoso da Madeira só será permittida pelo porto do Funchal, ou por qualquer outro porto com certificado da alfandega d'aquella cidade.

A exportação do vinho de Carcavellos e do Moscatel de Setubal só será permittida pelas barras do Tejo e do Sado, ou por quaesquer outras com certificado das Alfandegas de Lisboa ou de Setubal.

Os certificados da alfandega somente serão passados aos exportadores inscriptos no registo a que se refere esta base, deduzindo-se, na conta de cada um, as quantidades que, por esta forma; tenham exportado.

É expressamente prohibido exportar pela barra do Douro e porto de Leixões, e pelo porto do Funchal, vinhos generosos sem typo regional legalmente reconhecido n'esta lei, podendo, porem, exportar-se todos os vinhos, não generosos, com graduação alcoolica inferior a 14°.

§ 9.° Os vinhos generosos nacionaes, as geropigas e os mostos de qualquer origem, não sendo do Douro, que entrarem a barra do Douro ou outra ao norte, ou ultrapassarem, no caminho de ferro, a estação de Aveiro, ficam sujeitos a uma fiscalização e deposito especial, que será regulamentado em decreto do Governo, com o fim de impedir que, sós, ou lotados com outros, possam ser exportados pela barra do Porto.

§ 10.° Na região do Douro apenas será contado, para a quantidade de vinho a que se refere o § 4.°, o que se verifique ter saido d'essa região com graduação alcoolica não inferior a 16°,5 centesimaes.

§ 11.° No extremo da região duriense, na proximidade de Barqueiros, será estabelecido um posto para verificar o numero de vasilhas, contendo vinho generoso, que forem transportadas pelo rio Douro, e para passar as respectivas guias, que serão entregues na Alfandega do Porto. Quando for superiormente determinado, deverão, n'esse posto, tirar-se amostras do vinho a que se refere este paragrapho, devendo estas ser immediatamente remetidas á Alfandega do Porto, para os effeitos fiscaes d'esta lei.

A partir d'este posto e até os postos de destino, será prohibida qualquer alteração ou substituição nos vinhos e vasilhas conduzidas, que, em caso de contravenção, serão apprehendidas e consideradas em descaminho. As multas a impor serão do duplo do valor do vinho e das taras, elevando se ao decuplo era caso de reincidencia, e serão applicadas, nos termos do decreto de 27 de setembro de 1904, pelas auctoridades fiscaes competentes.

§ 12.° A verificação da quantidade e da graduação alcoolica dos vinhos provenientes da região do Douro será feita, pela Alfandega do Porto, nas estações de caminho de ferro d'esta cidade, que forem indicadas no regulamento, e em postos estabelecidos em Villa Nova de Gaia.

Só serão verificados os vinhos a respeito dos quaes se apresentar guia do posto de Barqueiros, ou de alguma das estações do caminho de ferro situadas dentro da região duriense.

§ 13.° Em diplomas especiaes será determinado como deve ser calculada, para as restantes regiões de vinhos generosos, a quantidade de vinho que podem exportar os productores e os commerciantes, inscriptos no respectivo registo.

§ 14.° Os individuos, que tiverem feito as declarações acêrca da existencia de vinhos generosos regionaes, nos termos da carta de lei de 3 de novembro ultimo, e que se inscreverem no registo a que se refere esta base, ficam auctorizados a exportar a quantidade de vinho generoso regional que tiverem declarado possuir nos armazens do Porto, Villa Nova de Gaia ou Leixões, augmentada do que provarem ter adquirido e armazenado ou simplesmente armazenado, nos mesmos locaes, posteriormente á data da respectiva declaração, e diminuida do que tiverem exportado durante o mesmo periodo.

§ l5.° Os individuos que tiverem arrolado vinho do Douro, nos termos do § unico do artigo l.° du carta de lei de 3 de novembro ultimo, podem inscrever-se no registo a que se refere esta base; e a quantidade do vinho generoso regional que poderão exportar será a mesma que demonstraram possuir.

§ 16.° As entidades inscriptas no registo a que se refere esta base poderão ceder, entre si ou a outrem, que se pretenda inscrever no mesmo registo, o direito a exportar a totalidade ou parte do vinho cuja exportação lhes é permittida, participando o á alfandega respectiva.

§ 17.° É prohibida a entrada, na região demarcaria do Douro, aos vinhos generosos ou de pasto e aos mostos provenientes do resto paiz, podendo, comtudo, ser ahi admittidos os vinhos engarrafados destinados ao consumo local.

§ 18.° É prohibido exportar, com a marca de Porto, Douro ou Madeira, ou com designação em que se contenha algum d'aquelles nomes ou semelhantes, vinhos que não sejam das respectivas regiões e exportados na conformidade d'esta lei.

Base 4.ª

A exportação dos vinhos generosos, sem typo regional legalmente reconhecido, continuará a fazer-se, livremente, por todas as barras e portos do paiz, com excepção da barra do Douro e porto de Leixões e do porto do Funchal.

§ unico. Na Alfandega de Lisboa será organizado um registo especial de exportadores dos vinhos a que esta base se refere, no qual podem inscrever se productores e commerciantes.

Base 5.ª

Para todos os effeitos legaes, são considerados vinhos de pasto de typo regional os que a tradição firmou com as designações usuaes de Collares, Bucellas, Dão, Bairrada e Borba.

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§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou exportados com as designações indicadas, os vinhos de pasto provenientes das respectivas regiões.

§ 2.° A demarcação das regiões indicadas n'esta base, a organização das respectivas commissões de viticultura, a organização do registo dos productores e dos exportadores e a fixação das quantidades que podem exportar, serão determinadas no regulamento.

§ 3.° Para os effeitos d'esta lei, poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos de pasto regionaes, nos termos do § 3.° da base 1.ª

Base 6.ª

Será inscripta no orçamento do Ministerio das Obras Publicas, em artigo proprio, a verba annual de 180:000$000 réis, destinada a satisfazer não só os encargos provenientes dos descontos, a taxa não superior a 5 por cento, de warrants sobre aguardentes e alcool vinico, que tenham sido emittidos, nos termos dos decretos de 27 de fevereiro de 1905 e 25 de janeiro de 1906, mas tambem os restantes encargos indicados nos paragraphos seguintes.

§ l.º A Caixa Geral de Depositos deverá sempre descontar os warrants a que se refere esta base, emquanto a importancia a empregar n'esse desconto não exceder 1.200:000$000 réis.

§ 2.° Em casos excepcionaes, sob proposta do Conselho do Fomento Commercial de Productos Agricolas, e ouvido o Conselho Superior de Agricultura, o Governo poderá decretar que a Caixa Geral de Depositos empregue até 1.800:000$000 réis no desconto dos warrants sobre aguardente e alcool vinico.

§ 3.° A taxa do desconto na Caixa Geral de Depositos não será superior a 5 por cento.

§ 4.° A importancia precisa para o pagamento do desconto dos warrants não poderá exceder annualmente a verba de 60:000$000 réis ou de réis 90:000$000, conforme se realizar o previsto no § 1.° ou no § 2.° d'esta base.

§ 5.° O desconto dos warrants será feito pela quantia correspondente a 60 por cento do valor da aguardente ou do alcool vinico, á razão de 2,62 réis por grau alcoolico e por litro, para os warrants emittidos nas condições do decreto de 27 de fevereiro de 1905, e pela quantia correspondente a 50 por cento do valor, calculado pela mesma forma para os warrants emittidos nas condições do decreto de 25 de janeiro de 1906.

Para se auctorizar o desconto, deduzir-se-ha, na quantidade depositada, a percentagem que no regulamento for fixada para quebras.

§ 6.° Somente poderá fazer-se o desconto de warrants sobre aguardentes, nos termos d'esta base, quando estas provierem da distillação de vinho e dos seus derivados, e tiverem graduação não inferior a 76° centesimaes á temperatura de 15° centigrados.

§ 7.° Para premio do risco da operação e para pagamento das despesas a effectuar, será cobrado 1 por cento, ao anno, da quantia entregue em desconto do warrant, quando este for emittido sobre productos depositados em armazem geral, e 2 por cento sobre a mesma quantia quando o warrant for emittido nas condições do decreto de 25 de janeiro de 1906. Se, durante um anno, a liquidação do desconto dos warrants der prejuizo, que não seja compensado pelas taxas a que se refere este paragrapho, será, no anno seguinte, descontada a quantia precisa para cobrir esse prejuizo na verba de 180:000$000 réis indicada n'esta base.

§ 8.° Os depositantes que descontarem warrants, nos termos d'esta base e seus paragraphos, ficam obrigados a vender, em qualquer epoca, o producto depositado ao preço de 2,62 réis por grau alcoolico e por litro, desde que a Direcção do Mercado Central dos Productos Agricolas tenha compradores, a esse preço, para os referidos productos.

§ 9.° Nenhum depositante poderá fazer- o desconto por uma quantidade de aguardente vinica superior a 500 hectolitros ou pela quantidade correspondente a esta em alcool vinico.

§ 10.° O desconto será feito por prazo não superior a um anno, mas, se o depositante assim o desejar e o deposito estiver feito em armazem geral, poderá ser prorogado por mais outro anno, tendo-se em attenção as quebras reaes que tenha havido no genero.

§ 11.° O desconto dos warrants a que se refere esta base apenas poderá ser feito para as aguardentes fabricadas e armazenadas nos districtos de Aveiro, Coimbra, Castello Branco e na parte restante do paiz ao sul d'estes districtos. Poderá, comtudo, fazer-se o desconto de warrants sobre as aguardentes depositadas no armazem geral do Porto quando for estabelecido.

§ 12.° Se, durante o prazo do desconto, o preço da aguardente ou do alcool vinico baixar de modo que haja margem inferior a 10 por cento entre esse preço e o valor descontado, será intimado o depositante a reforçar o respectivo deposito, para que se mantenha a margem indicada.

§ 13.° Somente terão direito ao desconto de warrants a que se refere esta base os possuidores de aguardentes fabricadas a partir de 1 de julho de 1907.

§ 14.° Da verba a que se refere esta base será destinada, annualmente, a quantia de 15:000$000 réis á construcção de depositos de aguardente ou de alcool vinico, estabelecidos nas regiões productoras de vinho para distillação, ou consumidoras de aguardente, até que se complete a capacidade de armazenagem de 100:000 hectolitros. Serão installados, em primeiro logar, depositos, que constituirão delegações do armazem geral de Lisboa, no districto de Leiria, nos concelhos de Torres Vedras e de Alemquer, e nos districtos de Santarem e de Faro. A capacidade de cada um dos depositos não deverá exceder 10:000 hectolitros Nos mesmos termos será constituido o armazem geral do Porto, a que se refere o decreto de 27 de fevereiro de 1905. O regulamento determinará as condições de armazenagem no Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa e nas suas delegações e bem assim a respectiva tarifa.

Os depositos a que se refere este paragrapho poderão, nos termos que o regulamento determinar, ser entregues a syndicatos ou a sociedades agricolas que dêem as necessarias garantias.

§ 15.° O excedente da verba consignada n'esta base será applicado a premios aos vinhos exportados para o estrangeiro e cuja graduação alcoolica não exceda 17° centesimaes. Dois terços d'esta quantia serão destinados aos vinhos cuja graduação esteja comprehendida entre 14° e 17° e o terço restante aos vinhos de 11° a 14°. A importancia d'este premio não poderá exceder l$000 réis por hectolitro de vinho exportado.

§ 16.° Quando os premios a conceder, nos termos do paragrapho anterior, não attingirem, para qualquer dos dois grupos, as verbas respectivas, o excedente, em qualquer d'esses grupos, será empregado em elevar o premio por hectolitro para os vinhos do outro, grupo que receberem a menos.

§ 17.° Uma commissão composta pelo presidente da direcção do Mercado Central de Productos Agricolas e por dois vogaes, sendo um proposto pela Real Associação Central da Agricultura Portugueza e o outro pela Associação Commercial de Lisboa, dirigirá, superiormente, a execução do disposto nesta base.

§ 18.° As estações de distillação que o Governo installou e as que vier a installar serão entregues a syndicatos de productores de vinho, que offereçam as indispensaveis garantias, e serão dotadas de apparelhos moveis de distillação.

Esta cedencia será gratuita nos pri-

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meiros tres annos e por uma renda annual equivalente á annuidade precisa para o pagamento da installação durante vinte annos, passado que seja aquelle periodo. Findo o prazo de vinte e tres annos, as installações ficam sendo propriedade dos syndicatos que as tiverem explorado.

No caso de não haver syndicatos de productores que explorem as estações de distillação, serão estas arrendadas em hasta publica, ou exploradas por conta do Estado.

§ 19.° É prohibido distillar vinho dentro da região demarcada do Douro.

Exceptua-se a distillação dos vinhos alterados ou que tenham defeito que os torne improprios para o consumo, a qual poderá fazer-se nos pontos que o regulamento determinar, sob fiscalização do Governo.

§ 20.° São abolidos os premios criados pelo decreto de 14 de janeiro de 1905 para os vinhos regionaes de consumo e de exportação.

§ 21.° É elevada a 13°, com a tolerancia que o regulamento determinar, a graduação alcoolica do vinho, que fica sujeito ao pagamento do direito de consumo de 33,92 réis por kilogramma.

§ 22.° A verba a que só refere o § 2.° do artigo 1.° do decreto de 14 de janeiro de 1905 e o § 4.° do artigo 12.° do decreto de 5 de junho de 1900 será, em primeiro logar, destinada a satisfazer os encargos resultantes d'esta base, sendo o excesso, até a quantia de 20:000$000 réis, reservado para o fundo do fomento agricola.

Base 7.ª

É o Governo autorizado a expropriar ás actuaes fabricas de alcool industrial do continente e Açores o direito de fabricar o referido alcool desde que os fabricantes que podem produzir mais de metade da quantidade de alcool autorizada pelo decreto de 14 de junho de 1901 e pela lei de 10 de julho de 1903 declarem sujeitar-se ás condições seguintes:

1.° O preço de indemnização por cada fabrica será fixado por arbitragem, tendo em vista as installações, a quantidade de alcool, não desnaturado, que estão autorizadas a fabricar e a que tenham produzido nos ultimos cinco annos;

2.° Logo que esteja fixado o preço da indemnização, as fabricas deixarão de laborar. Este valor, porem, só será pago, e sem qualquer acrescimo de juro, pelo lucro que o Estado auferir na importação de alcool estrangeiro, quando o preço da aguardente ou alcool vinico exceder o de 2,62 por grau alcoolico e por litro, sendo o preço de venda o fixado na lei vigente;

3.° Os arbitros que representam o Governo e o de desempate serão nomeados pelo Supremo Tribunal de Justiça;

4.° O Governo dará contas ás Côrtes do uso que fizer d'esta auctorização.

Base 8.ª

É o Governo auctorizado a estabelecer estações experimentaes de agricultura nas regiões do Douro e da Madeira, e nos districtos de Aveiro, Leiria, Santarem e Faro.

As estações experimentaes terão por fim o estudo technico da producção cultural, a preparação technologica, dos productos agricolas da respectiva região, e especialmente:

l.° Estudar a producção de fructas e de plantas hortenses na região;

2.° Estudar a cultura da vinha para uva de mesa e para o fabrico de passas, a preparação e embalagem d'estes productos, bem como das fructas da região;

3.° Produzir e seleccionar variedades das diversas plantas fructiferas e hortenses;

4.° Estudar o fabrico dos vinhos da região;

5.° Estabelecer, na sede, cursos para adultos, e na região cursos ambulantes, em que se diffundam as noções mais essenciaes da instrucção cultural.

§ 1.° As installações da estação experimental, alem das culturaes indispensaveis, serão as precisas para preparação, conservação, secagem e embalagem de fretas, e uma cave para estudo dos vinhos de pasto da região.

§ 2.° A direcção da estação será confiada a um agronomo nacional admittido em concurso de provas publicas.

Alem dos serviços da direcção e do ensino fixo e ambulante, incumbe ao director prestar os serviços da sua profissão nos particulares que os solicitarem, para o que será coadjuvado por práticos nacionaes ou estrangeiros devidamente habilitados, contratados pelo Governo.

Base 9.ª

O Governo poderá auctorizar a constituição de companhias de exportação de vinho, concedendo-lhes as mesmas vantagens que a lei dá ás adegas sociaes, mas não podendo, quando o capital for superior a 500 contos do réis, fazer a essas companhias quaesquer concessões que se não tornem extensivas aos negociantes exportadores de vinhos.

Base 10.ª

O Governo reorganizará e fará executar os serviços officiaes de propaganda commercial, nos termos dos paragraphos seguintes:

§ 1.° Só poderá iniciar-se o serviço de propaganda de qualquer producto, e para qualquer mercado, quando productores ou negociantes, podendo alimentar um minimo de exportação de cada genero que será fixado no regulamento, se tenham inscripto para tal fim, no Mercado Central de Productos Agricolas, obrigando-se em contrato devidamente assegurado a:

1.° Fornecer os mostruarios que forem indispensaveis;

2.° Fornecer todas as encommendas, dentro dos limites que tiverem sido estabelecidos, com productos inteiramente iguaes ás amostras que tiverem enviado;

3.° Sujeitar todos os productos fornecidos, por intermedio dos serviços officiaes de propaganda, ás analyses indispensaveis;

4.° Indicar os preços de venda e os prazos de pagamento da sua mercadoria e manter estas condições durante o prazo que for convencionado;

5.° Pagar uma commissão de õ por cento do valor do producto posto a bordo no porto de saida;

6.° Acceitar as penalidades que forem convencionadas para garantia dos compromissos tomados.

§ 2 ° O Governo fará, por sua iniciativa, organizar mostruarios de mercadorias nacionaes, que distribuirá largamente pelos principaes mercados estrangeiros, quando d'ahi possam resultar incontestaveis vantagens publicas.

§ 3.° A propaganda será executada por caixeiros viajantes, admittidos em concurso de provas praticas, e por meio de contrato de execução temporaria.

§ 4.° Nos institutos industriaes e commerciaes poderá ser aberto um curso especial de caixeiros viajantes.

Base 11.ª

É o Governo auctorizado a mandar proceder a um inquerito directo para averiguar se é indispensavel, para salvaguardar os legitimos interesses da viticultura nacional, propor ao Parlamento a criação de um imposto especial destinado a restringir a plantação de novas vinhas no continente do reino.

§ unico. Se esse imposto vier a ser criado, poderá applicar-se ás vinhas que tiverem sido plantadas depois da promulgação d'esta lei.

Base 12.ª

O Fundo de Fomento Agricola, criado pelo decreto de 14 de janeiro de 1905, será constituido:

1.° Pelo excesso de receita a que se refere o § 22.° da base 6.ª;

2.° Pela receita proveniente da percentagem cobrada pelo desconto dos warrants, a que se refere o § 7.° da base 6.ª;

3.° Pelo producto das multas impostas pelo § 7.° da base 3.ª d'esta lei;

4.° Pelos 25 por cento provenientes das quantias cobradas nos termos do

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artigo 412.° e seu § unico do decreto de 22 de julho de 1905;

5.° Pelas receitas do Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa. Estas receitas devidamente especificadas serão inscriptas no orçamento sob a rubrica de receitas do fundo de fomento agricola.

§ 1.° O Fundo de Fomento Agricola é destinado a:

1.° Cobrir o premio de risco e as despesas a effectuar nos termos do § 7.° da base 6.ª d'esta lei;

2.° Custear os serviços do Armazem Geral Agricola de Alcool e Aguardente de Lisboa;

3.° Fazer face aos encargos de fiscalização resultantes d'esta lei. Todas as despesas a que se refere este paragrapho, tanto as actuaes como as futuras, serão inscriptas no orçamento precedidas da designação «Pelo fundo de fomento agricola», e não poderão exceder os recursos disponiveis do referido fundo.

Base 13.ª

É o Governo autorizado a modificar a legislação sobre propriedade industrial, tendo em consideração o que n'esta lei se preceitua.

Base 14.ª

Em diploma especial serão definidas as condições em que, na Ilha da Madeira, se dará execução á presente lei, tendo em vista:

1.° Que, no actual estado da cultura da vinha, n'essa ilha, se devem, no regime de exportação do vinho regional respectivo, estabelecer disposições transitorias com as quaes se não cause uma brusca alteração nas praticas commerciaes hoje em uso, no que diz respeito ás castas de uva empregadas na preparação dos vinhos da Madeira;

2.° Que, para melhorar as condições do commercio d'este vinho, se deverão adoptar as providencias que se julgarem precisas para a mais completa garantia da genuinidade d'esse producto.

Base 15.ª

Para os effeitos d'esta lei, são considerados como definitivamente arrolados os vinhos que o forem nas condições da carta de lei de 3 de novembro de 1906, e nos termos dos paragraphos seguintes:

§ 1.° Os vinhos arrolados nos armazens dos concelhos de Bouças e de Gondomar serão considerados como tendo-o sido nos termos do artigo 1.° da carta de lei de 3 de novembro de 1906.

§ 2.° Os vinhos arrolados no continente, nas condições do artigo 2.° da referida carta de lei, serão considerados em condições identicas aos que o tiverem sido na conformidade do § unico do artigo 1.° da mesma lei, logo que, verificada a sua qualidade, graduação e forma oenologica, lhes seja passado certificado de transito.

O deposito neste paragrapho apenas será applicavel até 31 de julho de 1907.

§ 3.° As declarações referentes a vinhos generosos, existentes no paiz, que tiverem sido entregues á Direcção da Fiscalização dos Productos Agricolas, fora do prazo marcado no artigo 3.° da citada carta de lei de 3 de novembro de 1906, produzirão effeitos iguaes ás declarações entregues dentro do prazo, quando se refiram aos vinhos indicados no artigo 1.° da mesma carta de lei, no continente e aos vinhos da Madeira.

Base 16.ª

É o Governo auctorizado a reorganizar os serviços da fiscalização dos productos agricolas, para os tornar mais rapidos e efficazes e para attender ás indicações da experiencia, mas sem que possa resultar augmento na despesa orçamental.

Sala das sessões da commissão, em 11 de janeiro de 1907. = Francisco Augusto de Oliveira Feijão (com declarações) = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Maziotti = Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio (com declarações) = D. Luiz Pizarro da Cunha Portocarrero = Henrique Maria de Cisneiros Ferreira = Francisco Alberto Mendonça de Sommer = Francisco Miranda da Costa Lobo (com declarações) = Adriano Cavalheiro = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco = Fernando de Carvalho = Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos = Salvador Manuel Brum do Canto = Ruy de Andrade = Conde de Arrochella = Antonio Homem de Gouveia = Carlos Augusto Pereira = Luiz da Gama (com declarações) = Julio de Carvalho Vasques (vencido em parte) = Aristides da Motta, relator.

Senhores. - A vossa commissão de commercio concorda com o parecer da commissão de agricultura.

Sala das sessões da commissão, 11 de janeiro de 1907. = Augusto Patricio Prazeres = Aristides da Motta = Carlos Augusto Pereira = Fernando Martins de Carvalho = Antonio Maria de Oliveira Bello = José de Oliveira Soares.

A commissão de legislação civil concorda com o parecer da commissão de agricultura sobre o projecto de lei n.° 2.

Sala das sessões, em 12 de janeiro de 1907. = Antonio Cabral = Aristides da Motta = Manoel Duarte = Joaquim Hilario Pereira Alves = Antonio José Teixeira de Abreu = Carlos A. Lopes de Almeida = Fernando Martins de Carvalho.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão de agricultura sobre a proposta de lei n.° 1-B, na parte que especialmente compete ao seu exame, reservando porem os seus membros a sua opinião sobre os outros pontos do projecto.

Não importa o regime proposto o augmento de despesa sobre a que é auctorizada pela legislação em vigor, offerece até a vantagem de diminuir os encargos de disposições que a experiencia já tem demonstrado não serem vantajosas para a economia nacional.

Do regimen dos warrants não pode resultar para o Estado nenhuma responsabilidade, que não caiba dentro dos precisos termos do § 7.° da base 6.ª, e por isso não pode a sua liquidação affectar directamente o orçamento do Estado, fora dos limites indicados no projecto.

É certo que, sendo a Caixa Geral de Depositos a entidade que descontará os warrants, quaesquer prejuizos que d'ahi proviessem se viriam a reflectir nos seus lucros e por isso interessariam a Fazenda Publica, mas as precauções indicadas no projecto, e a possibilidade de se assegurar contra o risco eventual d'estas operações, reduzem a proporções insignificantes essa possibilidade.

A expropriação da faculdade de producção limitada de alcool industrial, que algumas fabricas ainda possuem, pareceu ao Governo conveniente para favorecer a viticultura, e por isso consignou na proposta o pedido de auctorização a que se refere a base 7.ª

Como n'essa base se accentua expressamente que só pelos lucros de vendas de alcool realizadas pelo Governo, nos termos da legislação em vigor, virão a ser pagas as indemnizações que forem arbitradas a cada fabrica, pela cessação do fabrico do alcool industrial, o encargo que poderá provir da execução da base 7.ª não affectará o orçamento do Estado, visto que é compensado com uma receita eventual incerta, que se originaria precisamente no facto mesmo da expropriação.

Se calcularmos que de futuro possa o Governo importar e vender entre um terço a 50 por cento do alcool industrial, cuja fabricação é actualmente auctorizada, encontraremos nos lucros da venda uma receita bastante consideravel, sem prejuizo de igual beneficio para a vinicultura.

Ha ainda a considerar o aspecto economico da substituição da cultura da batata doce pela da beterraba e outras plantas saccharinas nas ilhas dos Açores, mas parece que para a agricultura regional não será inconveniente esta substituição, cujos effeitos futuros nos direitos de importação dos assucares te-

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rão provavelmente que ir alem do estabelecido pela legislação de 1903,

A expropriação é facultativa e só poderá ser decretada sendo acceita pela maioria dos fabricantes, classificada pela capacidade legal de producção.

Como a industria do alcool tem declinado sensivelmente nos ultimos tempos, haverá que ter muito em conta este facto, tanto para uso da auctorização, como para determinar as indemnizações.

Cria este projecto de lei duas receitas novas; a primeira é uma percentagem das sommas adeantadas sobre os warrants, a segunda é formada pelas multas a que se refere a base 3.ª. Ambas são destinadas a alimentar o Fundo de Fomento Agricola juntamente com outras receitas já criadas e das que são especificadas na base 12.ª

A inscripção de todas estas receitas e das despesas correspondentes no orçamento do Estado permittiria a fiscalização d'estes serviços, e a verificação dos seus beneficios e vantagens.

A base 8.ª cria estações experimentaes de agricultura.

A sua execução poderá importar algum augmento de despesa, mas, como ella depende da respectiva inscripção orçamental e como n'outros serviços da mesma natureza se podem fazer redacções, a sua execução, se d'ella resultar qualquer acrescimo de despesa, fica dependente da respectiva regulamentação e da lei orçamental, e por isso sob a alçada das Camaras.

Sala das sessões da commissão de fazenda, 11 de fevereiro de 1907. = Conde de Penha Garcia = Antonio Tavares Festas = Adriano Cavalheiro = José Maria de Oliveira Mattos == Alfredo Pereira = José Cabral Correia do Amaral = Augusto Patricio Prazeres = Antonio Maria de Oliveira Bello. = Pedro Mansinho de Mascarenhas Gaivão = Fernando Martins de Carvalho = Henrique Carlos de Carvalho Kendall (com declarações) = José de Oliveira Soares.

N.º 1-B

Senhores. - A analyse do estado economico em que o paiz se encontra revela, a par de um movimento geral de prosperidade evidente, a fraca resistencia da nossa constituição economica, rapidamente posta em crise nos seus principaes ramos de producção, logo que, nos mercados e preços de venda, se produz qualquer perturbação.

O trabalho nacional, preso ainda aos habitos e processos das velhas tradições industriaes, entra no periodo technico da producção e do commercio, fortemente amparado por uma protecção violenta - mal estudada e quiçá applicada erradamente - receoso, timorato, hesitante na iniciativa, dispondo de capital escasso e caro, bloqueado em mercados restrictos pela concorrencia intelligente e activissima de paizes que marcham na vanguarda de todos os progressos, com o audacioso arrojo das suas solidas estructuras productoras e mercantis.

Pareceu ao Governo que esta debilidade constitucional da economia da nação era a causa geral das diversas crises que affectam algumas das nossas principaes producções, independentemente das caracteristicas especiaes e, das causas privativas de cada uma d'ellas.

Ao mesmo passo depara-se ao Governo uma legislação profusa que de longa data se vem accummulando, com intuitos diversos e orientações divergentes, muito incompletamente realizada, mas tendo produzido já effeitos sensiveis e criado interesses e direitos que não podem ser contrariados e preteridos sem cuidadoso estudo e singulares precauções.

N'estas condições o Governo entendeu que lhe cumpria apresentar ao Parlamento não uma ou outra previdencia isolada de caracter singular, mas uma serie de medidas, coordenadas na mesma orientação, visando, pela convergencia da provavel acção de todas, ao revigoramento da vida economica da nação, agora demasiadamente sensivel ás perturbações dos mercados e dos preços, e baseando todo o seu processo de fomento n'um largo estudo da situação economica do paiz e da influencia que possa ter exercido a intervenção do Estado no exercido e no desenvolvimento da nossa actividade industrial e commercial.

N'este sentido iniciou, por todas as repartições do Ministerio das Obras Publicas, e utilizando a boa vontade de alguns distinctos funccionarios que teem dedicado a sua especial attenção a estudos economicos, um largo trabalho de investigação que possa habilitar o Parlamento a apreciar, com o maior numero de elementos de informação que seja possivel reunir, a verdadeira situação da producção nacional e a influencia que sobre esta, tenha exercido a legislação. Poderá em seguida emprehender-se a sua revisão, abandonando-se o velho processo de copiar o que se faz no estrangeiro, e buscando radicar na realidade viva da economia nacional as novas leis que o Governo proponha ou a iniciativa parlamentar formule.

Sem preoccupaç5es de fazer um estudo basilar e completo, para que estamos inteiramente carecidos de trabalhos de investigações, de estatisticas, que constituem a indispensavel anatomia dos orgãos vitaes cujo regular funccionamento se pretende encaminhar e cujos desvios importa corrigir, a tentativa, quando mais não seja, restará como traço orientador da attenção e do esforço de muitas das repartições do Estado e successivamente se irá apurando pelo concurso dos que, com maior valia intellectual, seguramente mais e melhor poderão fazer no futuro.

Em breve será presente ao Parlamento o relatorio geral d'esse longo estudo, acompanhado de alguns trabalhos especiaes verdadeiramente interessantes já apresentados ao Governo.

Mas se o Governo julgava e julga ainda que é este o unico processo a orientar a acção legislativa n'um sentido verdadeiramente nacional, é tambem infelizmente certo que a crise afflictiva que atravessa uma das nossas mais privilegiadas regiões, seguramente a que mais concorre para valorizar o commercio externo, não pode esperar que se completem longos estudos, nem que se elaborem planos definitivos do fomento. Exige uma intervenção rapida do Estado para que uma ruina decisiva não impossibilite a regeneração de uma grande riqueza e a reconstituição do bem estar de uma população em risco imminente de verdadeira miseria.

Já n'este sentido se publicou o decreto de 30 de julho do corrente anno, apenas no expresso intuito de attenuar momentaneamente a crise do Douro e dar tempo a que se realizasse a intervenção do Parlamento.

E não foram absolutamente improficuos os seus resultados, nem deixou de produzir a prevista intensificação de compras, que veio a traduzir-se em uma maior valorização de preços.

Até o dia 21 de setembro haviam entrado já no Porto, ao abrigo dos beneficios especiaes concedidos por aquelle decreto, 1.605:620 litros de vinho, sendo de presumir que ainda nos ultimos dias mais se tenha accentuado aquelle movimento.

Cumpre agora ao Parlamento formular a intervenção decisiva do Estado era medidas de mais funda influencia e de mais estavel e duradoura acção.

E intencionalmente se affirma que ao Parlamento cabe essa missão, porque a proposta de lei que tenho a honra de apresentar ao vosso esclarecido criterio e attenta apreciação é mais uma base de discussão do que um modo de ver definitivo sobre uma questão tão intrincadamente complexa, em que se debatem tão diversos interesses e que desejavel seria pudesse achar a sua ultima foi ma com a collaboração diligente de tocos os que teem interesses directos na questão e responsabilidades na direcção dos negocios publicos.

Era porem inadiavel dever do Go-

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verno, dada aquella sua maneira de apreciar o aspecto commum a todos os males da nossa economia, estudar a forma de attenuar a crise duriense por modo que não aggravasse a situação dos outros ramos de producção nacional ou impedisse a realização de qualquer plano geral de fomento que presumidamente haverá de adoptar-se no futuro.

A crise do Douro, embora pareça restricta e por mais privativos que possam suppor-se os seus caracteres, está travada intimamente não só com a crise vinicola geral que o paiz atravessa, mas ainda com os interesses de toda a agricultura, de muitas industrias e do commercio.

A sua resolução, indiscutivelmente urgente, tem portanto de ser estudada sob um duplo intuito, evitar que promova difficuldades a outros ramos de producção e impedir que crie embaraços á futura intervenção do Estado na remodelação geral da nossa legislação economica.

* * *

No estudo das aptidões culturaes do paiz e da nossa producção vinicola dois factos se apuram absolutamente incontestaveis e já incontestados:

Uma grande parte da nossa producção vinicola só pode encontrar valorização remuneradora na forma de vinho generoso;

Existem typos regionaes de vinho generoso perfeitamente caracterizados e inconfundiveis.

Entre as reclamações do Douro, uma ha igualmente indiscutivel:

O direito dos productores d'esta região a que, como vinho do Porto, designação commercial tradicional dos seus vinhos, se não apresentem nos mercados os que nem são d'essa região, nem teem a superioridade das suas qualidades ou a reputação do seu nome universal.

É n'aquelles factos e n'este direito, absolutamente fundamentaes, que o Governo baseou a proposta de lei que tenho a honra de apresentar-vos, na certeza de que, qualquer que seja, a linha de conducta que se adopte no futuro e qualquer que seja a natureza dos interesses correlativos, sempre se haverá de attender a taes factos e de reconhecer-se aquelle sagrado direito da producção duriense.

Na base 1.ª definem se os vinhos regionaes que teem já typo fixo e commercialmente reconhecido, as regiões que os produzem e regula-se com precisão a quem fica pertencendo o direito exclusivo de usar as designações respectivas, sanccionadas pela tradição e firmadas technicamente nas qualidades dos seus vinhos.

Legalizam-se por este modo os vinhos generosos que já se definiram em typos regionaes distinctos, reconhecidos pelo commercio, adoptados e acreditados nos mercados. A definição e legalização do vinho do Porto foi uma das conclusões a que chegou a commissão encarregada de estudar a crise duriense por portaria de 25 de janeiro de 1906, que unanimemente a adoptou: é a base inicial do systema que se propõe, e torna-se indispensavel para fundamentar as reclamações que seja preciso fazer perante os Governos estrangeiros, á quem não poderemos exigir que façam respeitar uma designação de proveniencia e qualidade, sem que nós mesmos a tenhamos rigorosamente definido e legalmente consignado.

A generalização d'este preceito aos outros vinhos generosos de typo regional resulta logicamente da identidade de condições da producção e commercio d'estes vinhos e dos do Douro. Identico dever temos a reconhecer-lhes o seu claro direito, a facilitar lhes a mesma indispensavel defesa.

O vinho da Madeira soffre em todos os mercados do mundo, sem exclusão do interno, a mesma desleal concorrencia de baratas imitações. É tambem um vinho de qualidades superiores que lhe dão uma individualidade perfeitamente caracteristica e especialmente derivada da região em que é produzido. Representa uma enorme riqueza nacional, ameaçada hoje pelas imitações grosseiras, e um nome acreditado entre os que mais recommendam e valorizara a oenologia portugueza.

Os outros vinhos, Carcavellos e Moscatel de Setubal, são igualmente individualidades distinctas e antigas da vinicultura nacional. Foram objecto de um commercio importante, actualmente diminuido em consequencia do descredito em que os fizeram cair as imitações que lhe usurparam o nome e lhe tomaram, nos mercados, o logar que occupavam antes da invasão phylloxerica. Não sendo a cultura da vinha tão importante e exclusiva nas regiões productoras d'estes vinhos, como no Douro e na Madeira, e sendo as areas da sua producção relativamente exiguas, não produziu a decadencia do commercio d'estes vinhos tão prejudicial e funda influencia economica e não levantou tão instantes e ruidosas e imperativas reclamações. Mas nem por isto é menos justificado todo o esforço que se empregue para os rehabilitar nos mercados, e promover a sua maior valorização.

As regiões productoras foram limitadas ás que a tradição marcou e, pelo que diz respeito ao Douro, usou-se talvez com largueza excessiva,, confiando em que a discussão parlamentar a definirá, em ultima analyse, na conformidade dos interesses que possam legitimar se.

O § 3.° estabelece a possibilidade e o modo do conceder a categoria legal de vinhos regionaes privativos a outros vinhos generosos que posteriormente se vão definindo e isolando na massa amorpha d'esta importante parte da riqueza vinicola do paiz. É o justo meio de apreciavelmente valorizar os vinhos que, pelas qualidades que os individualizem, a tal tenham justificado direito e que por completo se harmoniza com os factos que largamente se vão accentuando na oenologia e no commercio.

Muitos vinhos do Algarve, da Estremadura e do Alemtejo não poderiam encontrar facil valorização em qualquer outra forma oenologica. Só poderiam produzir maus vinhos de pasto, desequilibrados e improprios para entrar no consumo dos grandes mercados, e como vinhos de lote só encontraram emprego exactamente nas imitações que é preciso combater.

A applicação que o commercio tem dado a estes vinhos, servindo se d'elles para combater no estrangeiro as imitações hespanholas, francesas e allemãs, do vinho do Porto, mostra bem como praticamente o commercio confirmou já a verdade do que fica dito e a razão de ser do que se propõe.

O disposto na base 2.ª, combinado com o disposto na base 4.ª, define o systema que ao Governo pareceu mais efficaz e mais facilmente realizavel, para se conseguir o desideratum da região duriense - garantir a venda do seu vinho e só d'elle com o nome de Porto, e tornar solidarias a producção e a exportação no desenvolvimento da riqueza vinicola do Douro, não tornando possivel que uma se desenvolva sem que a outra a acompanhe.

A inscripção a que a base 2.ª se refere define, avalia e responsabiliza a producção do vinho regional. Combinada com a base 4.ª permute impedir que a exportação com o nome de determinados vinhos possa fazer-se com quaesquer outros a quem tal nome não pertença. Avaliada a producção e assumida a responsabilidade das declarações assim prestadas, a exportação não poderá exceder a importancia d'essa avaliação, dispondo-se de um meio facil e expedito de verificar qualquer prevaricação que se pratique. Não deve ficar por vender quantidade alguma de vinho regional genuino, por isso que, só comprando o, o exportador pode estabelecer e alargar a sua capacidade de exportação e é fora de toda a duvida que ninguem irá substituir na

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exportação um vinho caro, deixando-o desvalorizado nos seus armazens, para applicar o nome que o valoriza a qualquer vinho barato e anonymo. Seria contraproducente e portanto inexequivel para o commercio.

Entrega-se nos tribunaes do commercio o serviço de legalização dos vinhos regionaes e da manutenção do seu normal exercicio. Era indispensavel este foro especial para os negocios da exportação e não convinha separar por entidades diversas serviços tão intimamente connexos e solidarios. Criterios differentes, normas dessemelhantes, viriam na pratica, determinar conflictos de resoluções que acabariam, mais tarde ou mais cedo, por desconjuntar todo o systema proposto.

No § 1.° estabelecem-se as condições de admissão ao registo dos productores de vinhos regionaes.

Dá-se exclusivamente este direito aos proprietarios das respectivas regiões em cujas vinhas predominem as castas de videiras caracteristicas do vinho regional. Ficam assim reunidos os tres factores de que resulta a especialidade do vinho produzido - solo, clima e casta do vidonho. Em qualquer outra região as mesmas castas não produzirão vinho igual, outras castas não podem dar no solo e clima da região o seu vinho caracteristico. Na exigencia da predominancia de determinadas castas, bem conhecidas e reconhecidamente privativas das vinhas regionaes, está ainda o meio de impedir a baixa na distincção das qualidades dos vinhos de que se trata, e a possibilidade de os produzir em demasiada largueza.

Todos sabem como a concorrencia, determinando a baixa dos preços, e o commercio, não valorizando proporcionalmente as boas qualidades, estimularam a viticultura a substituir as castas finas, geralmente menos productivas, pelas castas ordinarias de grande producção.

O systema agora proposto provocará, sem duvida, o alargamento das plantações dentro das proprias regiões, onde pela sua extensão decerto se encontram solos e situações climatericas menos proprias para a producção dos. seus vinhos especiaes. A exigencia da predominancia de certas castas impedirá o exaggero d'essa tendencia, não podendo empregar-se onde as altas qualidades do vinho produzido não compensem a exiguidade da sua productividade e sempre, e em qualquer caso, a casta impedirá a completa desnaturação do typo de vinho, originando vinhos de 2.ª e 3.ª ordem, mas nunca permittindo productos em que de todo se tenham desvanecido as qualidades que originaram e manteem a reputação do vinho regional.

Sem duvida, o tratamento da vinha e o fabrico do vinho influem importantemente na qualidade do que se produzir e parecerá talvez injusto que só ao proprietario pertença o privilegio para cuja justificação concorre o productor.

Em primeiro logar, na exploração viticola raramente o proprietario e o productor são individuos diversos, quasi sempre o proprietario é ao mesmo tempo productor. Em segundo logar, o tratamento e o fabrico da vinha e do vinho é um acto voluntario que a cada momento pode variar e não pode portanto servir de base a um direito que só resulta de factos indissoluvelmente ligados ao solo e á situação climaterica em que o solo se encontra e que pertencem só ao proprietario. De resto, dadas as faculdades concedidas aos proprietarios, sempre será possivel a combinação dos interesses d'este com os do productor, quando estas duas qualidades, excepcionalmente, se encontrem em pessoas differentes.

Nos §§ 2.° e 3.° estabelece-se a forma, a legitimidade e o direito á reclamação, sobre a faculdade da inscripção e a verdade das producções declaradas. A publicidade e a fiscalização dos interessados são a melhor garantia da regularidade de execução do processo indicado. Cada um dos proprietarios é interessado em que não haja inscripções indevidas nem producções exageradas. O receio de que esta fiscalização mutua não venha a realizar-se, pela repugnancia que em geral inspira a delação aberta dos delicio s dos outros, não parece ter aqui cabimento, porque a isso incita a necessidade da propria defesa e ainda a disposição do § 4.°, que, permittindo a inscripção dos syndicatos e associações, tornará obrigação dos corpos gerentes d'estas collectividades a reclamação no tribunal contra a illegitimidade das inscripções e a falsidade das producções. A fiscalização do Governo, de outro modo interessado, completará a defesa do systema.

Nenhuma das disposições d'esta base encontra difficuldade grave na execução.

A verificação das castas predominantes nas vinhas pode fazer-se com toda a facilidade percorrendo as mesmas vinhas na epoca da maturação da uva. É trabalho bem singelo para quem mediocremente se instrua n'este genero de averiguações e por toda a parte se encontra, em todas as classes sociaes, quem conheça muito bem todas as castas de videira que se cultivam na sua região.

A averiguação das producções é imposta por todas as soluções propostas para a questão duriense. Qualquer que fosse o regime adoptado, o cadastro viticola do Douro impunha-se. Muito mais facil é nas outras regiões menos extensas e de menores areas viticolas. Mais facil será sempre averiguar a producção das propriedades viticolas, uma a unia, do que de uma região inteira.

Mais facil será igualmente fiscalizar responsabilidades individualizadas, do que as diluidas n'uma grande collectividade impessoal e dispersas por uma larga area, onde difficilmente podem distinguir-se e facilmente disfarçar-se.

Na base 3.ª cria-se a marca regional para os vinhos typicos.

Não é precisa uma legislação nova sobre este assumpto. A lei vigente sobre propriedade industrial é bastante, logo que se determine quem pode usar e requerer a marca e quem pode concedel-a. O resto está legislado.

As marcas regionaes são uma antiga aspiração dos viticultores de todas as regiões privilegiadas. As difficuldades da concessão impediram sempre a realidade d'este desideratum.

Seria agora grave erro, desde que o regime especial estabelecido á producção e ao commercio o permitte, não aproveitar o ensejo de adoptar as marcas regionaes, que são ao mesmo tempo uma garantia e uma recommendação, commercialmente aproveitavel, para os productos a que se concedam. A inscripção dos productores determina as pessoas a quem possa ser concedida a marca regional, sem receio de abuso. São bem definidas e certas as individualidades responsaveis.

A concessão deve naturalmente ser feita pelo Governo, visto como se trata de proteger uma propriedade nacional. A faculdade concedida aos proprietarios de ceder o uso da marca não impede a fiscalização da sua applicação, por isso que as responsabilidades continuam ficando bem discriminadas relativamente ás pessoas que podem applicar a marca e ás quantidades a que pode applicar-se.

Uma objecção fica ainda de pé, contra as marcas regionaes concedidas a productos sobre os quaes não podem directamente ser appostas aquellas marcas - o poder originar-se um commercio de vasilhas marcadas que podem mais tarde ser usadas fraudulentamente em productos de outra origem e qualidade. Ha só o recurso aos tribunaes quando esta fraude se der, recurso só applicavel nos países que adherirem ao convenio internacional para a protecção da propriedade industrial, recurso em todo o caso caro e de difficil realização.

É preciso notar porem que este inconveniente, resultante da natureza do producto e não do caracter da marca, tanto vale contra as marcas regionaes como contra as marcas de qualquer outra especie, de industria ou de com-

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mercio, concedidas a individuos ou a firmas. E todavia é bem certo que a possibilidade de illudir a lei da propriedade industrial, n'este ponto, não impede a adopção, cada vez mais geral das marcas de fabrica e de commercio.

A marca regional fica sendo facultativa, porque o Governo não a quer empregar como meio de fiscalização, mas somente concedel a como recommendação do producto.

O uso da marca por aquelles que a queiram experimentar mostrará a sua efficacia. E se esta for reconhecida decerto se generalizará, tornando-se obrigatoria pela força da vantagem pratica do seu uso.

A marca regional não é pois uma parte integrante do systema que o Governo propõe. É um aproveitamento e uma experiencia que a pratica mostrará se é util e é justificada.

Na base 4.ª determina-se a inscripção obrigatoria, em registo especial, dos exportadores que teem o exclusivo direito á exportação dos vinhos generosos regionaes. A ninguem se nega o direito de exportar, mas a todos se exigem condições especiaes para garantia da seriedade d'esse ramo de commercio, que actualmente constitue um verdadeiro interesse publico, que o Estado tem o direito de regulamentar. Os exportadores dos vinhos regionaes, que levantaram e sustentam o credito de producção vinicola, são verdadeiros portadores de um grande interesse nacional que a ninguem é licito desvalorizar, nem livremente usar ao sabor de exclusivos interesses particulares e transitorios.

Já fica consignado que o Governo espera da combinação do disposto n'esta base com o que se determina na base 2.ª: individualizar e determinar responsabilidades para garantir a genuinidade do que se exportar.

Só se exportará o que se produzir e com o nome que legitimamente lhe pertença, uma vez que o interesse de todos é não deixar usurpar o nome e a reputação dos vinhos genuinos.

É inevitavel porem abrir a exportação ás importantes reservas de vinhos, especialmente do Douro, que existem nos armazens dos productores e principalmente dos negociantes. Sem grave receio de erro pode affirmar se que a maior parte d'estas reservas é constituida por vinhos genuinos. São os que se conservam bem e os que se valorizam demorando-os no armazem.

Os vinhos baratos exportam-se rapidamente e nada teem a lucrar com prolongada armazenagem. Não será preciso, e não se justificaria, impedir a exportação das valiosissimas reserva de velhos vinhos de nobreza incontestavel.

Somente tomam precauções para impedir que a reserva se avolume fraudulentamente no intuito de augmentar a capacidade de exportação.

De resto estabelecem-se as mesmas, garantias de legitimidade de inscripção e de exactidão na capacidade exportadora, que se prescrevem para a inscripção dos productores e determinação da producção.

O § 8.° determina as barras por onde deve fazer-se a exportação dos vinhos regionaes, e prohibe a exportação de vinhos generosos vulgares pela barra do Douro e pelo porto do Funchal.

É o unico modo efficaz de evitar que os vinhos anonymos, sem designação especial, possam illudir os mercados externos tomando a origem do Porto e do Funchal, e levando marcas de casas commerciaes reconhecidamente exportadoras de Porto e de Madeira.

Esta disposição não prejudica interesses legitimos. A exportação pelo Porto dos vinhos generosos do sul é um encargo para vinhos, que só podem supportar os exportadores que obtenham a compensação de tal encargo, augmentando o valor dos mesmos vinhos, fazendo-os passar por vinhos do Porto. De outro modo só haverá vantagem em os exportar por Lisboa ou qualquer outro porto.

Parece ao Governo que com todas estas disposições fica garantido o direito incontestavel do Douro ao uso exclusivo da designação «Porto» para os seus vinhos.

Como fica affirmado, não é intento do Governo, que ao contrario julga dever attender igualmente a todos os interesses legitimos, provocar por effeito d'estas medidas uma nociva repercussão nos interesses geraes da viticultura do sul, que tanto se ligam com os de importação geral e consequentemente com as conveniencias publicas mais attendiveis. Vulgar é o ouvir affirmar se que a mor parte da actual exportação de vinho do Porto é constituida por vinhos de origens differentes, que ao Douro são estranhos.

Se assim fôra, o primeiro effeito das disposições tomadas, se em nada se attenuassem, seria diminuir a exportação geral, alem de ficar sem venda uma grande massa de vinhos do sul, aggravando-se de tal arte a situação precaria de toda a viticultura nacional.

Duas razões ha para que este effeito se não produza em toda a sua extensão: as existencias das importantes reservas de verdadeiro vinho do Porto nos armazens de Gaia - o facto de serem já acceites nos mercados estrangeiros os vinhos do sul, como taes e sem disfarces de qualquer especie.

Os stocks do vinho do Porto irão supprimindo a deficiencia do Douro, onde aliás o Governo está informado que estão por vender grande parte da colheita de 1904, a colheita de 1905, e onde vae começar a colheita d'este anno. Estas existencias poderão refazer as reservas diminuidas pela exportação.

É conhecido de todos o facto de ser já cotada em Londres, o principal mercado dos vinhos em questão, a marca Lisbon Wine. É sob esta designação que podem ser exportados os vinhos do sul, no interesse de todos e especialmente da viticultura.

N'esta proposta recorre-se, porem, ainda a outros meios de valorização dos vinhos generosos e para promover sua exportação. Aproveitando o caminho já aberto pelo commercio, e emquanto a producção se não define em vinhos regionaes, permitte-se a criação de um typo commercial de vinho generoso com uma designação geral, em que possam englobar se vinhos ião regionalmente individualizados, mas com todos os caracteristicos para constituirem um typo uno de exportação.

Assim, não só continuará a exportação do vinho com semelhante designação, que por nenhum titulo convem expropriar, mas ficará solemnemente confirmada pela lei a sua existencia e officialmente reconhecida para o commercio.

Por um modo analogo, com o preceito do § 7.°, se julgou conveniente authenticar perante os Governos estrangeiros a lista dos exportadores de vinho do Porto e congeneres. Uma especie de livro de ouro da elite da nossa exportação será publicado todos os annos e largamente distribuido nos mercados mais importantes. Não será de certo indifferente a nenhum dos exportadores o figurar ou não n'esse livro.

O § 10.° é apenas uma precaução fiscal para garantir a restricção da barra do Douro. Não se pode impedir a circulação e o consumo, aliás restricto, dos vinhos generosos do sul, nas regiões do norte do paiz. Mas é indispensavel impedir este vinho de passar á exportação usurpando nome e direitos alheios.

No proposito de auxiliar, quanto possivel, o desenvolvimento da exportação dos nossos vinhos e de todos os productos de industria nacional, propõe o Governo as disposições contidas nas bases 5.ª e 6.ª

A população portugueza, relativamente escassa e pobre, tem naturalmente uma capacidade de consumo limitada e restricta. O mercado interno é insufficiente para absorver e esgotar o poder productivo das nossas industrias principaes. A pesca, as conservas, os vinhos, a cortiça, o azeite, excedem em muito o limite da saturação nacional, deixando saldos importantes

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que é necessario collocar nos mercados estrangeiros.

Indubitavel é que a capacidade consumidora não attingiu ainda entre nós os seus limites naturaes e parallelos aos de outros povos, sendo intento do Governo apresentar opportunamente á vossa consideração providencias destinadas a desenvolvê-la, mas é licito prever que essa evolução só lentamente se irá realizando e será como que um indicador do nosso progredimento economico e valioso symptoma da nossa prosperidade.

Por entretanto a industria, produzindo activamente, tem que buscar a sua indispensavel expansão commercial na exportação, combatendo com todas as dificuldades dos mercados externos e defrontando-se com paizes incomparavelmente mais fortes industrialmente e superiormente apparelhados para todas as lutas de concorrencia. É para ellas que o Governo julga indispensavel armar o paiz, facultando-lhe por sua parte os meios para que vigorosamente dispute e reserve o seu logar.

Já alguns dos productores vinicolas, desolados pela forçada estagnação dos vinhos nos seus armazens, desanimados perante a manifesta deficiencia do commercio de exportação, teem pensado e pedido uma medida de restricção de plantio e cultura e numerosas reclamações chegaram até o Governo, aconselhando medidas coercivas, umas directas, prohibindo a cultura em todas ou algumas das terras, outras indirectas, por meio de uma escala annual, do imposto da producção. Não é nova a tentativa e perante ella hesitaram os Governos anteriores, não parecendo tambem ao actual que convenha dar-lhe seguimento.

A vinha é a mais expansiva das nossas culturas, a que melhor se adapta aos terrenos e climas portuguezes, e que absorve e demanda maior trabalho, sendo em consequencia a que sustenta e fixa uma maior população, e o seu constante desenvolvimento comprova que encontra ainda situações favoraveis ou que se afiguram remuneradoras. O problema mais se desenha por agora como imperiosa necessidade de patrocinar determinadas situações viticolas e qualidades distinctas de producção oenologica, que com o caracter de uma cultura totalmente em crise, e para soluções mais radicaes, é indispensavel uma mais larga e completa apreciação que o Governo não descurará.

De resto, em todos os paizes, as restricções de producção ou derivam de uma evolução duramente imposta por condições inevitaveis ou promanam de uma reacção meditada e intelligente dos productores reunidos em trusts, carlets, syndicatos de producção ou agrupamentos similares, sem que até hoje a intervenção directa do Estado se tenha exercido mesmo nos casos de superproducção industrial, phenomeno economico geral e mais antigo e ainda mais doloroso em outras nações do que entre nós.

A exportação é ainda o recurso a que devemos soccorrer-nos para a escoante do excesso dos nossos productos, e, alem de servir directamente para vasão para os nossos vinhos, poderá ainda concorrer para suster ou moderar o alargamento da cultura da videira.

Procurar restringir esta cultura pela adaptação de outras que passam ser mais proveitosas é emprehendimento e proposito que não pode razoavelmente encontrar impugnação. As culturas de plantas lenhosas teem em geral no nosso paiz a mesma possibilidade e facilidade de adaptação que para a vinha se encontra e a producção das fructas e plantas hortenses, logo que encontre facil saida e collocação remuneradora, mudará a orientação geral da industria agricola, desviando-a da sua economia tradicional, já hoje em conflicto quasi permanente com a situação geral do meio em que se desenvolve. Mas ainda para este intento do Governo é a exportação um meio indispensavel.

Inutil é o occultar que a exportação lucta entre nós com difficuldades graves, avultando singularmente o isolamento commercial em que nos encontramos, mercê da falta de convenções commerciaes e da deficiencia de communicações com o estrangeiro. Busca o Governo vencer estes obstaculos e algumas providencias modificadora vos foram já communicadas, e isto mostra quanto é indispensavel o concerto de toda a acção governativa para chegar á resolução de um problema que não é possivel localizar em aspectos singulares por miais individualizados que pareçam.

Conseguida porem que seja a igualdade de tratamento aduaneiro com os nossos competidores no estrangeiro, diminuida que seja a distancia commercial que nos separa dos mercados externos, resta ainda toda a porfiada e afanosa lide de tomarmos posição e fixarmos a nossa situação n'esses mercados. A conquista de mercados, a ardente competencia com que se disputam, a resistencia tenaz com que se defendem, constitue hoje uma verdadeira sciencia. Foi a Allemanha, cuja ingente expansão commercial alarmou e surprehendeu pela rapidez e decisão dos seus movimentos, quem iniciou esta sciencia, a estratégia commercial - se assim pode dizer-se - imprimindo o caracter scientifico vigoroso com que o seu methodo assignala todos os seus commetimentos.

É inspirado em taes ensinamentos e exemplos que o Governo adopta as entidades commerciaes que a Allemanha, e seguidamente todos os paizes, criou como os meios mais poderosos e uteis para realizar o seu formidavel trabalho de expansão - as sociedades de exportação e o caixeiro viajante. As sociedades de exportação são organismos destinados a exercer exclusivamente a sua acção nos mercados externos, não vindo em consequencia alterar ou perturbar a situação interna com a sua concorrencia. Estranhas e independentes do lucro industrial ou commercial dos productos, isoladas das condições dos negocios internos, representam a concentração dos concorrentes já existentes, aniquilam a lucta com que uns aos outros se entorpeciam e condensam e multiplicam, pela convergencia do esforço collectivo, a vigorosa energia dá sua acção.

Não se cura de provocar novas agremiações que mais difficultem e embarguem a area de influencia dos elementos commerciaes existentes, cerceando-lhes ainda pelo augmento de concorrencia a venda e os lucros; mas ao contrario enfeixam-se todas em uma associação dispondo de uma energia superior á de cada um, capaz de uma força mais viva de penetração, dotada de arte e poder para lutar com as fortes organizações commerciaes que nos mercados estrangeiros lhes tomam o passo. Diminuição consideravel de encargos, aproveitamento efficaz de esforços, harmonia e coordenação de movimentos, são vantagens que em commercio representam o segredo do successo.

O caixeiro viajante é hoje o agente de propaganda adoptado por todo o mundo commercial. De todos os paizes irrompem estes pioneiros do commercio, audazes, impertinentes, astutos, criando relações commerciaes, lançando productos, acreditando marcas, recommendando artigos, e das cidades mais civilizadas ás paragens inexploradas a invasão não afrouxa, nem se detem um momento.

O singularissimo valor, cada dia mais reconhecido, d'esta funcção commercial absolutamente nova iniciou verdadeira especialidade profissional que a Allemanha e a Belgica educam e habilitam em. escolas especiaes. É das mais recentes e modelar a organizada no Instituto Commercial de Hainaut, com a sede em Mons, na Belgica, fundada em 1900 por iniciativa de M. Dutrieux, engenheiro em chefe dos caminhos de ferro belgas.

Não precisamos de recorrer a novas escolas, podemos iniciar nas existentes este curso especial, sem apreciavel gravame do Thesouro e apenas com o insignificante augmento de despesa que um ensino essencialmente pratico determine. É um beneficio geral para o

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commercio, que não ignora já hoje quaes são as verdadeiras causas da superioridade allemã, e ainda ha pouco em um congresso inglez se reconhecia que ella emanava principalmente da educação e intelligente competencia do agente commercial allemão.

Na base 5.ª se estabelecem providencias, a nosso juizo, da mais alta importancia para a exportação, de uma reconhecida conveniencia para os interesses do Thesouro. Longe estamos de tirar todas as vantagens dos sacrificios impostos á Fazenda Publica para favorecer e auxiliar o incremento do commercio de vinhos e outros productos, e se em toda a parte se deixa aos interessados o pugnarem efficazmente pelos seus interesses, a inercia arraigada dos nossos justifica que o Estado tambem n'isto intervenha directa e principalmente, mas é essencial que ao menos se faça pela forma por que proveitosamente o praticam as casas commerciaes.

É mester que taes serviços se não considerem cargos e collocações do Estado, mas desempenho de funcções commerciaes em que os encarregados d'ellas nem teem deveres differentes nem maiores do que pelo exercicio de taes commissões adquirem para com as casas particulares de exportação. Do mesmo passo não se iniciará a dispendiosa propaganda de productos que não demonstrem previamente acharem-se collocados em situação de poderem sustentar um commercio regular.

Conserva por isso entretanto o Governo os seus actuaes serviços de propaganda commercial sem que porem seja seu proposito amplial-os. Não julga conveniente interromper trabalhos encetados e que podem ainda considerar-se no periodo inicial da experiencia, mas observa com imparcialidade os seus resultados, vigia as utilidades que d'elles derivam e não duvidará fazel os cessar quando se convença da sua improficuidade e que apenas visam a conveniencias e beneficios dos individuos. O commercio só muito frouxamente tem tomado a seu cargo algumas iniciativas d'esta especie e isto justificou a intervenção protectora do Estado, mas a forma como se exerceu induz em suspeitas de que se não seguiu a melhor e a mais lucrosa orientação, e a affirmar-se tal convencimento evitar-se-hão despesas improductivas para que melhor se aproveitem e se appliquem.

Em todos os casos o que a propaganda official do Estado não pode nem deve ser é uma empresa abstracta, exercendo-se sobre mercadorias que não podem assegurar uma conveniente exportação, inteiramente desligada de productores e commerciantes. O auxilio da conquista de mercados presuppõe e exige a possibilidade de estabelecer e sustentar uma corrente continua, igualmente intensa, com a capacidade de producção e de commercio indispensavel para aproveitar o caminho que se lhe rasgou e por isso se exige uma garantia solida de que não resultarão infructiferos e desaproveitados os esforços praticados e que ha uma corrente valiosa de interesses a auxiliar e proteger.

A experiencia d'esses serviços publicos demonstra com dolorosa evidencia que por mais de uma vez se frustaram e inutilizaram esforços de propaganda, faltando-se ao cumprimento de transacções acordadas, porque uma variação de preços ou a falta de productos impediam a realização do estipulado, e assim antes se faz pregão do descredito que se incitam estranhos a buscar os nossos productos.

Na base 7.ª propõe-se o estabelecimento de uma estação experimental de agricultura na região duriense, obtemperando se assim a uma das propostas da commissão que pelo Governo anterior foi encarregada de estudar as causas e extensão da crise do Douro.

Ninguem desconhece que uma das principaes e mais intensas causas da gravidade da crise do Douro é o exclusivismo da cultura da vinha em região que infelizmente pelas condições do seu solo não permitte uma larga variedade de grangeias, que mais estavelmente constituisse a economia da região.

Em todo o caso muitas localidades e sitios do Douro possuem condições excepcionaes para a producção de fructos, gozando de acreditada tradição, e com afoiteza se pode affirmar que o Valle do Douro produz fructas que se singularizam pela sua boa qualidade, estando comtudo esta producção, ahi como em todo o paiz, na phase mais rudimentar e imperfeita.

Tambem a região produz óptimos vinhos de pasto a que essencialmente importa fixar o typo e aperfeiçoar no fabrico, pois que não ha vinhos de tal natureza sem que na cave se submettam a uma lenta elaboração, sob a acção de uma temperatura baixa e constante, unica forma de adquirirem o equilibrio e o realce de todas as suas qualidades. É necessario, porem, verificar quaes os que aproveitam com este beneficio, pois que se alguns lucram, outros estacionam e muitos se perdem inteiramente. Comprehensivel é que os negociantes se não arrojem á preparação de taes vinhos, sujeitando-os a um processo que demanda largo empate de capital, sem absoluta segurança de êxito, mas por isso mesmo o Estado toma para si o encargo da verificação e estudo d'elles para que mais tarde possa com segurança conhecer-se qual a pratica oenologica a seguir.

Tambem o Douro tem maravilhosas condições para producção de uvas de mesa, producto sobre que se exerce um largo commercio, podendo constituir um derivativo, da producção vinicola, pois que, desviando d'ella algumas vinhas, bem diminuiria a sua actual plethora. Sendo como é um ramo de producção que demanda aprendizagem, despesas e competencia especial, justificado é o auxilio do Estado, pois seria incomportavel encargo para uma região tão duramente provada pela crise que a angustia.

E não se limita o Estado a este efficaz apoio, mas, reconhecendo quanto seria louvavel que muitos agricultores se adeantassem áquella acção e por sua iniciativa preparassem os generos do seu commercio sem dependencia de auxilios officiaes, estipendia e faculta praticos que ensinam e aconselham a melhor forma de encaixotar, armazenar, empacotar as fructas, e a isto se junta ainda o ensino ambulante, que, alem de disseminar conhecimentos uteis, propaga varios focos de irradiação que devem no futuro dar óptimos resultados.

Eis succintamente expostas as razões justificativas da proposta entregue ao vosso exame e que constitue um dos capitulos a integrar, como corolario economico, no plano geral de fomento que em breve será presente á vossa apreciação.

O Governo deseja e solicita a cooperação, o attento exame, o concurso de todos, para o aperfeiçoamento e as modificações da proposta de lei que, influindo em um grande interesse nacional, reclama todas as cautelas e ponderações, e acolherá todos os aperfeiçoamentos e emendas, visto que não é seu intento transformal-a em cerrada decisão de partidarismo e antes a apresenta como base e thema para a ampla discussão que ao vosso devotado patriotismo pareça merecer.

Projecto de lei

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a regular a exportação e commercio de vinhos generosos, decretando as providencias necessarias para execução cabal das bases annexas, que d'esta lei ficam fazendo parte integrante.

Art. 2.° Fica revogada a legislação anterior sobre os assumptos a que aquellas bases se referem.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 2 de outubro de 1906. = José de Abreu do Couto de Amorim Novaes = Ernesto Driesel Schrõter = José Molheira Reymão.

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Bases a que se refere a proposta de lei supra

Base 1.ª

Para todos os effeitos legaes são considerados vinhos generosos de typo regional privativo os que a tradição firmou com as designações usuaes de Porto, Madeira, Carcavellos e Moscatel de Setubal.

§ 1.° Só podem considerar-se, e como taes ser expostos á venda, vendidos, armazenados, expedidos ou explorados:

Vinho do Porto - os vinhos generosos produzidos no Douro, com graduação alcoolica não inferior a 15° centesimaes;

Vinho da Madeira - os vinhos generosos produzidos na Madeira, com graduação alcoolica não inferior a 15° centesimaes;

Vinho de Carcavellos - os vinhos generosos produzidos em Carcavellos, com graduação alcoolica não inferior a 15° centesimaes;

Vinho Moscatel de Setubal - os vinhos generosos produzidos no concelho de Setubal, com graduação não inferior a 15°.

§ 2.° Para os effeitos legaes são consideradas:

Região do Douro: a comprehendida nos concelhos de Mesão Frio, Santa Marta de Penaguião, Villa Real, Regua, Sabrosa, Alijó, Carrazeda de Anciães, Mirandella, Murça, Valpaços, Villa Flor, Alfandega da Fé, Torre de Moncorvo, Freixo de Espada-á-Cinta, na margem direita do rio Douro; e na freguesia de Barro, no concelho de Resende, e nos concelhos de Lamego, Armamar, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Meda, Figueira de Castello Rodrigo e Villa Nova de Fozcoa, na margem esquerda do mesmo rio.

Região da Madeira: a comprehendida no districto do Funchal.

Região de Carcavellos: a comprehendida no concelho de Oeiras.

Região productora de vinho Moscatel de Setubal: a comprehendida no concelho de Setubal.

§ 3.° Para os effeitos d'esta lei poderão ser reconhecidos novos typos de vinhos generosos regionaes.

Para serem legalmente autenthicados os novos typos de vinho generoso, deverão ser apresentados pelos proprietarios viticolas das regiões que os produzam, perante um jury composto de commerciantes, productores e technicos.

Quando a decisão d'este jury for favoravel á authenticação do typo de vinhos apresentados a concurso, o Governo fará publicar em decreto especial o reconhecimento official do novo typo de vinho licoroso.

Base 2.ª

Nos tribunaes do commercio da 1.ª vara de Lisboa, do Porto e Funchal será aberto um registo especial para inscripção dos proprietarios de vinhas que produzam os vinhos regionaes a que se refere a base 1.ª

§. 1.° N'este registo serão inscriptos a seu requerimento os proprietarios que possuirem predios viticolas nas regiões consideradas na base 1.ª em que se cultivem predominantemente as castas de vinha caracteristicas do vinho regional respectivo e que sujeitem os seus predios a inspecção official para averiguação d'este facto e para determinar a producção.

§ 2.° A inscripção a que se refere esta base será annualmente publicada no Diario do Governo, em dois jornaes da respectiva localidade e em avisos affixados nos logares publicos da mesma, sendo sobre ella admittidas reclamações durante o prazo minimo de trinta dias.

São competentes para reclamar contra esta inscripção os proprietarios viticolas das respectivas regiões.

O registo a que se refere esta base só se tornará definitivo e como tal será publicado no Diario do Governo depois de julgadas, pelo tribunal de commercio competente, as reclamações apresentadas.

§ 3.° Deverá proceder-se annualmente ao apuramento da producção dos predios mencionados n'aquelle registo de conformidade com as declarações feitas pelos proprietarios durante o mez de novembro posterior á colheita.

Este apuramento será publicado no Diario do Governo, e sobre elle será admittida reclamação aos proprietarios viticolas da respectiva região, e aos commerciantes inscriptos nos termos da base 4.ª

O Governo fará verificar as producções declaradas, ou por virtude de reclamações apresentadas, ou por sua iniciativa.

Quando se averiguar que a declaração feita foi errada por excesso, em mais de 10 por cento da quantidade declarada, o proprietario declarante será excluido do registo a que se refere esta base, perderá todos os direitos que a sua inscripção lhe confere, e em processo correccional lhe será imposta uma multa nunca inferior a réis 250$000, e que poderá elevar-se até 500$000 réis, multa que pertencerá por metade ao cofre do juizo, e por outra metade ao fundo do fomento viticola.

§ 4.° Os syndicatos agricolas ou quaesquer outras formas de associação ou sociedade de proprietarios viticolas poderão inscrever-se no registo de que trata esta base, especificando-se, porem, nos requerimentos e declarações, a que se referem os §§ 1.° e 3.°, os nomes dos proprietarios associados e dos predios respectivos com a producção de cada um.

Nenhum proprietario individualmente inscripto poderá figurar simultaneamente nas inscripções dos syndicatos e associações, a não ser com predios situados em regiões differentes.

Estas associações e sociedades terão legitimidade para pugnarem em juizo pelos seus direitos, representando-se pelos seus corpos gerentes, e ficam responsaveis collectivamente pelos abusos que praticarem.

Base 3.ª

Fica o Governo auctorizado a conceder marcas regionaes para os vinhos a que se referem as bases anteriores, com a forma e os dizeres que o regulamento determinar.

As marcas regionaes só poderão ser concedidas aos proprietarios inscriptos no registo a que se refere a base 2.ª

Os proprietarios inscriptos podem, porem, ceder o uso da marca regional respectiva por tempo limitado nos termos dos paragraphos seguintes.

§ l.° Os proprietarios viticolas que pretenderem usar marca regional terão de requerei a por intermedio da Repartição da Propriedade Industrial, nos termos da lei applicavel.

§ 2.° A concessão do uso da marca regional aos commerciantes que comprarem os vinhos regionaes ou rendeiros que os fabriquem só poderá ser feita por prazo limitado e para quantidades determinadas, que não podem exceder em cada anno a producção dos predios registados em nome do proprietario que fizer a concessão. Esta concessão será devidamente registada no Tribunal do Commercio respectivo e por este mandada publicar no Diario do Governo

§ 3.° Os proprietarios inscriptos nos termos da base 2.ª, por si ou pelas associações de que façam parte, são competentes para demandar em juizo todos os que fizerem uso illegal das marcas regionaes.

Base 4.ª

Nos juizos commerciaes de 1.ª vara de Lisboa, do Porto e do Funchal será aberto um registo especial de exportadores de vinhos generosos.

A exportação de vinhos generosos só será permittida aos exportadores inscriptos n'este registo.

§ 1.° Podem ser inscriptos no registo a que esta base se refere:

1.° Os portadores dos vinhos regionaes de que trata a base 1.ª e que figurem no registo definitivo u que se refere a base 2.ª;

2.° Os commerciantes que adquirirem os vinhos generosos regionaes;

3.° Os commerciantes de quaesquer

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outros vinhos generosos que possuirem marcas commerciaes devidamente registadas.

§ 2.° A inscripção a que se refere o paragrapho antecedente será annualmente publicada no Diario do Governo e sobre ella será admittida reclamação ás entidades que na mesma inscripção tiverem direito a figurar.

Para a reclamação haverá o prazo minimo de trinta dias e o registo só será definitivo depois de julgadas no tribunal do commercio respectivo as reclamações apresentadas, sendo então novamente publicado e communicado á Administração Geral das Alfandegas § 3.° O registo a que se refere esta base só é valido por seis annos, findos os quaes será annullado o registo de todos os que nos ultimos tres annos não tiverem mantido a media da sua exportação nos primeiros tres annos de inscripção.

§ 4.° A exportação dos vinhos generosos regionaes só será permittida ás entidades mencionadas nos n.ºs 1.° e 2.° do § 1.° d'esta base.

§ 5.° A quantidade de vinhos generosos regionaes que é permittido exportar ás entidades a que se refere o paragrapho anterior é limitada á equivalencia, das quantidades que tiverem produzido ou adquirido, augmentada da quantidade de aguardente indispensavel ao fabrico dos vinhos generosos de que se trata, na percentagem que o regulamento determinar e das quantidades depositadas dos mesmos vinhos que mostrarem possuir á data da apresentação d'esta proposta na Camara dos Senhores Deputados.

§ 6.° Todos os productores e exportadores inscriptos, nos termos das bases 2.ª e 4.ª, são competentes para demandar e fazer punir em juizo os que exportarem como vinhos generosos regionaes, legalmente reconhecidos, vinhos de outras proveniencias, com ou sem marca regional.

Á fiscalização do Estado compete averiguar se os vinhos generosos exportados correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei.

§ 7.° A lista dos exportadores com direito a exportarem os vinhos generosos regionaes, a que se refere a base 1.ª, e o apuramento da, sua respectiva producção, será annualmente publicada pelo Governo, em separata especial, e officialmente communicada aos Governos estrangeiros, aos nossos representantes diplomaticos e consulares e ás camaras de commercio estrangeiras a quem for conveniente fazê-lo.

§ 8.° A exportação de vinhos generosos do Douro, com ou sem a designação de Porto, com ou sem marca regional, só será permittida pela barra do Douro e porto de Leixões, podendo-o ser por qualquer outra barra do paiz com certificado da procedencia passado pela Alfandega do Porto.

A exportação de vinho generoso da Madeira, com ou sem esta designação, com ou sem marca regional, só será permittida pelo porto do Funchal ou por qualquer outro porto com certificado da alfandega d'aquella cidade.

A exportação de vinho de Carcavellos e do Moscatel de Setubal só será permittida pelas barras do Tejo e do Sado, ou por quaesquer outras, mas com certificado das Alfandegas de Lisboa ou de Setubal.

A exportação dos vinhos generosos sem typo regional legalmente reconhecido e sem marca é expressamente prohibida pela barra do Douro e pelo porto do Funchal, podendo porem exportar-se todos os vinhos, não regionaes, com graduação alcoolica inferior a 14°.

§ 9.° O Governo abrirá um concurso entre productores e commerciantes de vinhos generosos para a constituiem de typo commercial de vinho generoso que, com uma denominação geral, possa servir para designar todos os vinhos da mesma natureza que não tenham ainda typo regional fixado.

O jury d'estes concursos será constituido por productores e commerciantes, respectivamente nomeados em assembleia geral pela Real Associação Central da Agricultura Portugueza, pelas associações commerciaes de Lisboa e do Porto, e por technicos nomeados pelo Governo.

§ 10.° Os vinhos generosos nacionaes de qualquer origem, não sendo do Douro, que entrarem a barra do Douro ou outra ao norte ou ultrapassarem no caminho de ferro a estação de Aveiro, ficam sujeitos a uma fiscalização e deposito especial que será regulamentado em decreto do Governo, por forma a impedir que sós, ou confundidos com outros, sejam exportados pela barra do Porto.

§ 11.° O pagamento das despesas de expediente com os registos nos tribunaes commerciaes, e dos destinados a subsidiar e promover a defesa nos tribunaes estrangeiros da propriedade de marcas e das indicações de proveniencia e de qualidade, será feito pela verba destinada ao fundo de fomento agricola.

Base 5.ª

O Governo reorganizará e fará executar os serviços officiaes de propaganda commercial nos termos dos paragraphos seguintes:

§ 1.° Só poderá iniciar-se o serviço de propaganda de qualquer producto para qualquer mercado quando productores ou negociantes, podendo alimentar um minimo de exportação de cada genero que será fixado no regulamento, se tenham inscripto, para tal fim, no Mercado Central de Productos Agricolas, obrigando-se em contrato, devidamente assegurado por fiador idóneo ou caução em titulos do Thesouro, a:

1.° Fornecer os mostruarios que forem indispensaveis;

2.° Fornecer todas as encommendas, dentro dos limites que tiverem sido estabelecidos, com productos inteiramente iguaes ás amostras que tiverem enviado;

3.° Sujeitar todos os productos fornecidos, por intermedio dos serviços officiaes de propaganda, ás analyses indispensaveis;

4.° Indicar os preços de venda e os prazos de pagamento da sua mercadoria e manter estas condições durante o prazo que for convencionado;

5.° Pagar uma commissão de 5 por cento do valor do producto posto a bordo no porto de saida;

6.° Incorrer na pena convencional de 500$000 réis por cada uma das vezes que faltar ao cumprimento de qualquer das obrigações contrahidas.

§ 2.° O Governo fará, por sua iniciativa, organizar mostruarios de mercadorias nacionaes, que distribuirá largamente pelos principaes mercados estrangeiros, quando d'ahi possam resultar incontestaveis vantagens publicas.

§ 3.° A propaganda será executada por caixeiros viajantes, admittidos em concurso de provas praticas, e por meio de contrato de execução temporaria.

§ 4.° Nos institutos industriaes e commerciaes será aberto um curso especial de caixeiros viajantes.

Base 6.ª

O Governo promoverá a constituição de companhias de exportação, concedendo-lhes as mesmas vantagens que a lei dá ás adegas sociaes e o decreto de 22 de julho de 1905 concedia ás companhias vinicolas que se constituissem immediatamente á sua publicação.

As estações de distillação que o Governo installou e as que vier a installar serão entregues a syndicatos do productores de vinho que offereçam as indispensaveis garantias e serão dotadas de apparelhos moveis de distillação.

§ 1.° Esta cedencia será gratuita nos primeiros tres annos e por uma renda annual equivalente á annuidade precisa para o pagamento da installação durante vinte annos, passado que seja aquelle periodo. Findo o prazo de vinte e tres annos, as installações ficam sendo propriedade dos syndicatos que as tiverem explorado.

§ 2.° No caso de não haver syndica-

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tos de productores que explorem as estacões de distillação, serão estas arrendadas em hasta publica ou exploradas por conta do Estado.

Base 7.ª

Na região do Douro onde for mais adequado ás condições da região será estabelecida um estacão experimental de agricultura com os seguintes fins:

1.° Estudar a producção de fructas e plantas hortenses na região;

2.° Estudar a cultura da vinha para uva de mesa e fabrico de passa, preparação e embalagem d'estes productos, bem como das fructas da região;

3.° Produzir e seleccionar variedades das diversas plantas fructiferas e hortenses;

4.° Estudar os fabricos dos vinhos communs da região no sentido da applicação dos mesmos vinhos a vinhos de pasto de consumo directo;

5.° Estabelecer, na sede, cursos de tres mezes para adultos e, na região, cursos ambulantes em que se diffundam as noções mais essenciaes da instrucção cultural.

§ 1.° As installações da estação experimental, alem das culturas indispensaveis, serão as precisas para preparação, conservação, secagem e embalagem de fructas, e uma cave para estudo dos vinhos de pasto da região.

§ 2.° A direcção da estação será confiada a um agronomo nacional admittido em concurso de provas publicas, ou a um agronomo estrangeiro de reconhecida competencia.

Alem dos serviços da direcção e do ensino fixo e ambulante, incumbe ao director prestar os serviços da sua profissão aos particulares que os solicitarem, para o que será coadjuvado por práticos nacionaes ou estrangeiros devidamente habilitados, contratados pelo Governo.

Base 8.ª

O Governo designará as areas de jurisdicção de cada um dos tribunaes commerciaes referidos nas bases 2.ª e 4.ª para inteira execução do que nas mesmas é preceituado.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 2 de outubro de 1906. = José de Abreu do Couto de Amorim Novaes = Ernesto Driesel Schrõter = José Molheira Reymão.

Parecer sobre as propostas apresentadas na Camara dos Senhores Deputados durante a discussão

Senhores. - A vossa commissão apreciou detidamente as propostas referentes ao projecto de lei n.° 2, que todas revelaram o cuidado e interesse que o assumpto mereceu aos representantes da nação.

Algumas d'essas propostas, apregiando o problema sob uma forma mais cenerica e larga, conteem elementos valiosos e apreciaveis alvitres para as soluções definitivas que demanda a nossa viticultura, mas por isso mesmo se apartavam dos intuitos mais limita-los do projecto e terão opportuno cabimento em providencias de mais largo alcance que o Governo tem affirmado rara á apreciação parlamentar.

O desenvolvido estudo do distincto deputado Sr. Paulo de Barros e o conjunto das suas propostas merecem singular consideração e apreço e tambem s alvitres do Sr. Deputado Pereira Lima acêrca de propaganda e fomento commercial são dignos da maior attenção; mas a vossa commissão, attentando na urgencia de prover ao mais indispensavel sob o ponto restricto do projecto de lei, limitou-se a acceitar somente quanto pudesse aperfeiçoar-lhe e simplificar lhe a estructura já fixada.

Julga comtudo que deve propor-vos a eliminação da base 11.ª, não porque desconheça a necessidade de adoptar disposições que directa ou indirectamente embarguem o abuso de constantes plantações em terrenos aptos para outras culturas, mas porque entende que urge adoptar providencias que, para serem efficazes e attenderem a todos os legitimos interesses, bem merecem uma especial consideração do Parlamento.

É por isso que, de accordo com o Governo, lembra a conveniencia de se eleger uma commissão parlamentar composta de representantes de varias regiões viticolas do' paiz, que n'esta sessão possa ainda apresentar medidas que repute mais accommodados a pôr termo á gravidade de um mal que a todos preoccupa.

Tambem é eliminada a base 15.ª, visto que no § 14.° da base 3.ª ficam compendiadas as disposições que se julgou conveniente adoptar em um limitado periodo de transição.

A vossa commissão, de accordo com o Governo, é de parecer que sejam acceites as propostas dos Srs. Deputados Matheus Sampaio e Mello Barreto, inserindo-se no projecto de lei um artigo 2.°, assim redigido:

É prorogado até 31 de dezembro de 1911 o disposto no artigo 29.° do decreto com força de lei de 9 de dezembro de 1886, considerando-se como ter minado n'aquelle dia o prazo de dez annos no mesmo decreto marcado, e applicada a todas as vinhas que existam na area de que trata o § unico do artigo 1.° a isenção da contribuição predial por vinhas, que, á data d'esta lei, estiver em divida nos mesmos concelhos.

O artigo 2.° do projecto passará em consequencia a ser o 3.° d'elle, e julga a commissão que deve ser acceite a substituição proposta pelo Sr. Deputado Mello Barreto.

«Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario».

De entre as varias emendas apresentadas ás bases annexas ao projecto é a vossa commissão de parecer, tambem de accordo com o Governo, que merecem a vossa approvação as seguintes:

Ao § 1.° da base 1.ª, onde se diz: «vinho Moscatel de Setubal» - o vinho generoso d'esta qualidade proveniente do concelho de Setubal.

(Propostas dos Srs. Deputados Pereira Cardoso e D. Luiz Pizarro).

Ao § 2.° da mesma base a substituição do periodo que começa pelas palavras: «As freguesias...» por este outro: «As freguesias que ficam situadas no contorno da região demarcada ou a parte de qualquer freguesia situada na peripheria da mesma zona poderão ser excluidas d'esta quando o requeiram quatro quintos dos proprietarios das respectivas areas, representando mais de tres quartas partas da producção, de forma porem que se não altere a continuidade da região demarcada».

(Propostas dos Srs. Deputados Fernando de Carvalho e D. Luiz Pizarro).

Ao n.° 1.° da base 2.ª acrescentar a palavra «aguardentes», em seguida á palavra «vinhos».

(Proposta do Sr. Deputado Julio Vasques).

«Ao n.° 3.° a substituição proposta pelo Sr. Deputado Pereira Cardoso, ficando com a seguinte redacção.

N.° 3.° Elaborar a estatistica de producção dos vinhos em cada um dos concelhos e na freguesia de Barrô, acceitando as declarações dos proprietarios nas epocas que no regulamento se fixarem e empregando outros meios de informação ao sou alcance».

Na mesma base 2.ª acrescentar um numero:

«5.° Dar baixa na estatistica do concelho, á saida dos vinhos, indicando, sempre que seja possivel, o local do destino, nome do destinario e meio de transporte».

(Proposta do Sr. Deputado Julio Vasques, com uma modificação).

«O n.° 5.° d'esta base passará, em consequencia, a n.° 6.°.

No § 4.° da mesma base acrescentar ao penultimo periodo o seguinte: «Não podendo ser eleitores nem eleitos commerciantes de vinhos nem seus com-

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missarios, agentes e, empregados de qualquer categoria».

Acrescentar a esta base um § 5.°, assim redigido:

«É o Governo auctorizado a despender até a quantia de 10:000$000 réis para fazer face ás despesas da Camara dos Viticultores Duriense e Posto de Barqueiros.

O Governo nomeará a primeira camara de viticultores, que funccionará até 31 de dezembro».

(Propostas do Sr. Deputado Julio Vasques, com uma modificação quanto á ultima).

Na base 3.ª, § 4.°, acrescentar, em seguida ás palavras «geral de armazenagem», o seguinte: «Na quantidade a exportar deverá abater-se a entregue ao consumo nacional verificada pela forma que no regulamento se determinar».

(Proposta do Sr. Deputado Fernando de Carvalho).

No § 7.° da mesma base elevar a multa de 100 a 500 réis.

(Proposta do Sr. Deputado Pereira Cardoso).

Substituir o ultimo periodo do § S. pela forma seguinte: «É expressamente prohibido exportar pela barra do Douro porto de Leixões e pelo porto do Funchal, quaesquer outros vinhos genero sós que não sejam os mencionados n'este paragrapho, podendo porem exportar-se todos os vinhos não generosos com graduação alcoolica inferior a 14 graus centesimaes».

(Propostas dos Srs. Deputados Fernando de Carvalho e D. Luiz Pizarro).

Acrescentar ao § 9.°: «Sendo considerado descaminho, punive. com multa nunca inferior a 50$000 réis por cada hectolitro, qualquer desvio dos vinhos d'esses depositos a fim de serem introduzidos nos armazens de Gaia, Leixões ou outros, destinados a exportação de vinhos genorosos do Douro.

(Proposta do Sr. Deputado Fernando de Carvalho).

Dar ao § 10.° a seguinte redacção: «Apenas será contado para os effeitos especificados no § 4.° o vinho do Douro saido da respectiva região com graduação não inferior a 16,5 graus centesimaes».

(Propostas dos Sr. Deputados Silva Cabral e D. Luiz Pizarro).

Substituir o § 14.° pelo seguinte:

«§ 14.° Os individuos que tiverem feito as declarações da existencia dos vinhos generosos do Douro, nos termos da carta de lei de 3 de novembro ultimo, e que se increverem no registo a que se refere esta base ficam autorizados a exportar todo o vinho generoso que declararam possuir nos armazens do Porto, Villa Nova de Gaia ou Leixões, assim como o que foi arrolado for d'esses pontos, e se reconhecer em Gondomar e Bouças como proveniente do Douro. A estas quantidades se ajuntam todas as do vinho generoso do Douro que os seus possuidores prova rem ter adquirido e armazenado nos depositos de Villa Nova de Gaia e Leixões, destinados á exportação, abati das as porções que estiverem exporta das á data em que a lei entrar em execução com a publicação do respectivo regulamento, devendo então proceder se á verificação das quantidades effectivas em deposito, e sendo aquelle saldo effectivo da escripta rectificado para menos, a fim de se creditar somente o que se encontrar quando cifra seja realmente menor.

«Poderão tambem continuar a ser livremente exportados pela barra do Douro e pelo porto de Leixões os vinhos arrolados nas condições do artigo 2.° da referida carta de lei, logo que elles tenham sido recolhidos nos depositos de Gaia e de Leixões o mais tardar até 31 de julho de 1907, sendo como no paragrapho anterior, igualmente creditados nas suas respectivas contas da alfandega os exportadores que se inscreverem ou já o houverem feito, pelas quantidades que tiverem sido recebidas n'aquelles depositos. A expedições d'estes vinhos dos locaes do continente onde foram arrolados só poderá effectuar-se logo que, verificada ahi a sua qualidade, graduação e forma oenologica, lhes seja passado certificado de transito, sendo a quantidade e graduação reverificada á chegada ao seu destino, e os documentos respectivos entregues á competente repartição da alfandega».

(Propostas dos Srs. Deputados Silva Cabral e D. Luiz Pizarro).

Ao § 15.° da mesma base acrescentar:

«diminuida do que tivessem exportado posteriormente á data da respectiva declaração. A exportação de vinhos do Porto será permittida aos individuos que forem inscriptos nas condições indicadas n'este artigo, desde que provem que já exerciam esse commercio á data da apresentação das declarações, e que se sujeitem á fiscalisação que o regulamento determinar para se impedir que o vinho do Douro possa ser lotado com vinho de outra procedencia.

A quantidade de vinho que esses commerciantes podem exportar é limitada á que tiverem adquirido na respectiva região, comprovada por certificados passados pelas commissões de viticultura, e verificada pela alfandega do logar do destino.

Será communicado á Alfandega do Porto a quantidade de vinho que tiver entrado nos respectivos armazens e bem assim a que for exportada, competindo a verificação d'essas quantidades á commissão a que se refere o § 2.° d'esta base».

(Proposta do Sr. Deputado Fernando de Carvalho).

Ao § 17.° da mesma base acrescentar:

«Exceptuam se os vinhos dos concelhos ou freguesias limitrophes da região duriense, que dentro d'esta terão livre transito, com as precauções que no regulamento se determinarem».

(Proposta do Sr. Deputado Julio Vasques, com modificações).

Acrescentar á mesma base mais um:

«§ 19.° A lei respeitante á exportação dos vinhos generosos pela barra do Douro e porto de Leixões entrará em execução dentro de oito dias a contar da publicação do seu regulamento, e só então cessarão as disposições que, a fim de evitar abusos e para se poder cumprir o disposto nos §§ 14.° e 15.° d'esta base, se está provisoriamente a praticar na occasião da entrada de vinhos generosos em Gaia e Leixões».

(Propostas dos Srs. Deputados Silva Cabral e D. Luiz Pizarro).

Acrescentar um:

§ 20.° A contravenção dos §§ 17.° e 18.° d'esta base será punida copa a apprehensão do vinho e com a multa de 500 réis por cada litro vinho apprehendido».

(Proposta do Sr. Deputado Pereira Cardoso).

Na base 4.ª eliminar o § unico. (Proposta do Sr. Deputado Paulo Cancella).

Na base 5.ª acrescentar em seguida á palavra «Borba» o seguinte: «Torres, Cartaxo, Alcobaça, Douro (virgens), Minho (verdes), Amarante, Basto, Fuzeta e Monção».

(Propostas dos Srs. Deputados Luiz Gama, Julio Vasques, Antonio Centeno, Fernando Carvalho e Luiz José Dias).

No § 2.° d'esta base acrescentar, em seguida ás palavras «que podem exortar», as seguintes «e os meios indispensaveis para uma fiscalização rigorosa».

Em seguida ao § 2.° da mesma base inscrever um outro paragrapho assim redigido: «É fiscalização do Estado

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compete averiguar se os vinhos de pasto, exportados ou consumidos no paiz, correspondem ás designações com que forem denominados, nos termos da lei vigente e dos regulamentos d'esta lei».

(Propostas do Sr. Deputado Chaves Maziotti).

Na base 6.ª acrescentar ao § 10.°: «O Governo poderá, por uma providencia geral, prolongar o prazo de dois annos quando, ouvido o Conselho Superior de Agricultura, parecer necessario para evitar no mercado uma baixa de preço da aguardente ou alcool vinico».

No § 13.° da mesma base substituir «julho» por «maio».

«Propostas do Sr. Deputado Oliveira Feijão).

No § 18.° acrescentar em seguida á palavra «syndicatos» as seguintes «e sociedades».

(Proposta do Sr. Deputado Oliveira Feijão).

No § 20.° da mesma base acrescentar «e pelo decreto de 16 de junho de 1901».

(Proposta do Sr. Deputado Silva Cabral).

Substituir o primeiro periodo da base 7.ª pelo seguinte:

«É o Governo auctorizado a expropriar ás actuaes fabricas de alcool industrial do continente e Açores o direito de fabricar o referido alcool, auctorizado pelo decreto de 14 de junho de 1901 e lei de 15 de julho de 1901 e lei de 15 de julho de 1903, para o continente desde que mais de metade das fabricas declararem sujeitar-se ás condições seguintes, e para os Açores desde que mais de metade da producção igualmente declare acceitar as ditas condições».

(Proposta do Sr. Deputado Arthur Brandão).

O n.° 2.° da mesma base será assim redigido: «Logo que esteja fixado o preço da indemnização, as fabricas deixarão da laborar. Este preço porem só será pago, e sem qualquer acrescimo de juro. pelo lucro que o Estado auferir na importação de alcool estrangeiro quando o preço da aguardente ou alcool vinico exceder o maximo fixado na lei vigente, sendo o preço da venda de 2,62 por grau alcoolico e por litro».

(Proposta do Sr. Deputado Silva Cabral).

Á base 7.ª acrescentar um:

«§ unico. Exceptuam-se do que fica disposto n'esta base o direito a distillar alcool dos melaços e residuos da fabricação do assucar, como dispõe a lei de 15 de julho de 1903, mas o alcool d'esta proveniencia só pode ser consumido nos Açores, e só desnaturado poderá ser importado no continente».

(Propostas dos Srs. Deputados Oliveira Feijão e Silva Cabral).

«No base 8.ª acrescentar no primeiro periodo, em seguida á palavra «Faro», as seguintes: «Viseu, Coimbra e Lisboa».

(Propostas dos Srs. Deputados Cabral Metello, Costa Lobo, Ribeiro Cabral e Oliveira Feijão).

«Ao n.° 3.° acrescentar a palavra «fornecer» entre as palavras «produzir» e «seleccionar».

«Ao n.° 4 acrescentar: «e bem assim as culturas mais apropriadas da respectiva região, fornecendo sementes ou plantas aos lavradores para experiencias, dirigindo-as e apreciando os seus resultados».

(Propostas dos Srs. Deputados Cabral Metello, Costa Lobo e Ribeiro Cabral).

Á base 9.ª acrescentar um:

«§ unico. É tambem auctorizado o Governo a conceder um bonus para transporte dos vinhos de pasto, produzidos na região vinicola do centro, composta dos districtos de Leiria, Castello Branco, Coimbra e Aveiro e da parte dos districtos de Viseu e da Guarda que fica fora da região duriense, não podendo esse bonus ser superior a 50 por cento das respectivas tarifas, nem a despesa animal exceder a 10:000$000 réis».

(Proposta do Sr. Deputado Paulo de Barro», com modificações).

Suppressão da base 11.ª (Proposta do Sr. Deputado Antonio Centeno).

Na base 12.ª, § 1.°, n.° 1.°, substituir as palavras «premio de risco e das» pelas seguintes «os prejuizos e as».

(Proposta do Sr. Deputado Antonio Centeno).

Na base 14.ª acrescentar uma alinea com o n.° 3.°, assim redigida: Que para o effeito da inscripção no registo prescripto na base 3.ª se considerarão os vinhos arrolados nos termos da carta de lei de 3 de novembro de 1906, conforme as declarações já apresentadas pelos respectivos productores ou exportadores».

(Proposta do Sr. Deputado Silva Cabral).

Suppressão da base 15.ª

(Propostas dos Srs. Deputados Sampaio, Jayme de Sousa, Pizarro, Silva Cabral, Julio Vasques, Pereira Cardoso e Mello Barreto».

A base l6.ª será substituida pela seguinte:

«E o Governo auctorizado a reorganizar os serviços de fiscalização dos productos agricolas e generos alimenticios, dependentes do Ministerio do Reino o do das Obras Publicas, por forma a dar unidade a essa fiscalização, tornando-a mais rapida e efficaz, sem augmento da despesa orçamental».

(Proposta do Sr. Deputado Pedro Gaivão).

Francisco Augusto de Oliveira Feijão (com declarações) = Francisco Limpo de Lacerda Ravasco = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = Henrique Maria de Cisneiros Ferreira = Francisco Alberto Mendonça de Sommer = Ruy de Andrade = Carlos Augusto Pereira = João Luiz de Sousa Teixeira = Luiz da Gama (com declarações) = Fernando de Carvalho = Salvador Brum do Canto = Conego Antonio Homem de, Gouveia = Adriano Monteiro = D. Luiz Pizarro da Cunha de Portocarrero = Conde de Arrochella = José de Figueiredo Mascarenhas = Joaquim da Cunha Telles de Vasconcellos = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti = Aristides da Motta, relator.

A commissão de fazenda concorda com o parecer da commissão da agricultura sobre as emendas apresentadas na discussão do projecto n.° 2 sobre a questão vinicola.

Sala das sessões da commissão, 19 de fevereiro de 1907. = Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão = Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro = Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho = Henrique Carlos de Carvalho Kendall = Augusto Patricio dos Prazeres = José Maria Tavares = Alfredo Pereira = Barão de S. Miguel = José Cabral Correia do Amaral = Antonio Maria de Oliveira Bello.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos: - Mando para a mesa duas propostas: uma de substituição á base 7.ª, e outra para ser addicionada ao projecto uma nova base.

Peço a V. Exa. que as ponha em discussão com o projecto.

Foram lidas na mesa e são do teor seguinte:

Substituição á base 7.ª

O alcool industrial somente poderá ser empregado na alcoolização ou beneficiação de vinhos quando, por meio de chamada feita pelo Mercado Central de Productos Agricolas, se veri-

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fique não haver nem aguardente nem alcool vinico a preço igual ou inferior a 2,62 por grau centesimal e por litro, competindo á fiscalização do Estado averiguar da applicação d'aquelle alcool.

§ 1.° A venda do alcool industrial no continente do reino será exclusivamente feita pelo Mercado Central de Productos Agricolas a preço não inferior a 2,62 por grau centesimal e por litro.

§ 2.° É permittido o manifesto de alcool vinico no Mercado Central de Productos Agricolas, que o venderá com preferencia ao alcool industrial emquanto houver alcool vinico por preço inferior ao fixado para a venda do alcool industrial.

§ 3.° A venda do alcool nas ilhas adjacentes e do alcool desnaturado no continente do reino será feita livremente, e sem intervenção do Mercado Central de Productos Agricolas, com sujeição a todas as disposições legaes em vigor.

§ 4.° Serão rigorosamente fiscalizadas as installações em que se produza alcool vinico com o fim de evitar que trabalhem com quaesquer productos que não sejam aguardente de vinho, vinho, borras de vinho, bagaço de uva ou agua-pé ou que a estes se tenha addicionado alcool ou aguardente que não sejam vinicos.

§ 5.° O alcool industrial produzido até 1 de janeiro de 1907 fica exceptuado d'este regime durante os primeiros seis annos posteriores á publicação d'esta lei, mas o existente nos Açores não poderá entrar no continente, quer puro quer desnaturado, em quantidade superior a 800:000 litros em cada um d'aquelles annos, a não ser que em algum d'elles a aguardente ou alcool vinico attinjam o preço de 2,62 por grau centesimal e por litro, em que poderá exceder se aquella quantidade, sendo esse excesso diminuido, proporcionalmente, nos annos subsequentes.

Addicionar uma nova Base

É fixada nos termos seguintes a quantidade de assucares açoreanos a que é concedida a protecção consignada na carta de lei de 15 de julho de 1903:

Terceiro anno, 3:500 toneladas.

Quarto anno e seguintes, 4:000 toneladas.

§ 1.° Os assucares fabricados nos Açores com productos do solo açoreano, que forem exportados para o continente do reino, pagarão de imposto de importação nas respectivas alfandegas 52,5 réis por kilogramma o superior a typo 19 da escala hollandesa e 40 réis o assucar não especificado, alem dos impostos de fabricação e consumo e respectivos addicionaes.

§ 2.° Para terem direito a este beneficio as fabricas obrigam-se a pagar ao preço minimo de 9 réis insulanos por kilogramma a beterraba cuja cultura contratarem.

§ 3.° Da verba de 180:000$000 réis inscripta na base 6.ª serão applica dos 30:000$000 réis a compensar o Thesouro da diminuição de receita que resulte do novo regime estabelecido para a fabricação do assucar nos Açores.

Sala das sessões, 2 de abril de 1907.= João Pereira Teixeira de Vasconcellos, relator.

O Sr. Presidente: - O Digno Par relator da commissão propoz que estas propostas ficassem em discussão juntamente com o projecto.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: dá-se hoje um facto muito semelhante ao que aconteceu aqui quando se discutiu o projecto de lei sobre a imprensa.

O meu presado amigo e Digno Par Sr.- Teixeira de Vasconcellos mandou para a mesa uma proposta que, no seu entender, certamente, poderia servir de ponte para a passagem do Governo e representantes dos jornaes. Hoje o mesmo Digno Par mandou para a mesa um novo projecto de ponte para o Governo passar e para passar aquella temerosa legião de 40:000 homens, que ameaçava cair sobre Lisboa para, no Paço das Necessidades, affirmar que «um tal Governo não verve o rei nem o povo».

Sr. Presidente: V. Exa. comprehende que, se esta discussão pudesse ter caracter politico, que não tem, nem pode ter; que, se a opposição, em logar de ler o proposito de collaborar com o Governo n'este projecto, lhe quizesse levantar difficuldades politicas, não era assim que eu iniciaria a serie de considerações que vou fazer sobre este assumpto. Iria por outro caminho: mandaria para a mesa uma moção, traduzindo uma questão previa, para que se sobrestasse na discussão do projecto, até toda a Camara poder ter conhecimento da contextura da importante e fundamental emenda que o Sr. Relator mandou para a mesa (Apoiados).

Não o faço; e procedo assim porque se não harmonizaria essa minha attitude com as instancias que eu aqui mais de uma vez tenho feito, para que este projecto se discutisse o mais rapidamente que fosse possivel, afim de resolver uma questão economica que todos reconhecem ingente e da maior gravidade. (Apoiados).

Vou versar este assumpto, trazendo á Camara o resultado do meu estudo, que vou apresentar com a maior sinceridade e probidade. Não porei um unico argumento que possa ser considerado como sendo de caracter politico. Não proferirei uma unica palavra que possa traduzir esse intuito; e não proferirei palavras que possam desmerecer a evidente solicitude do Sr. Ministro das Obras Publicas para a resolução d'este assumpto.

Seria injustiça deixar de dizer que o Sr. Ministro das Obras Publicas empregou as suas boas diligencias no intuito de harmonizar todos os interesses legitimos que se prendem com o assumpto.

Conseguiu S. Exa. o que tinha em vista?

Não, Sr. Presidente; mas não se pode negar que S. Exa. envidou todos os seus esforços no sentido de conciliar todos os interesses em jogo.

Este assumpto é árido, e eu não posso versal-o, sem fazer uma larga exhibição de algarismos estatisticos e financeiros.

Creio bem que vou fatigar a attenção da Camara, e peço desde já aos meus collegas que me relevem o tempo que lhes vou tomar. Faço a este respeito a seguinte declaração:

Se me é muito agradavel ver que a Camara escuta attentamente as minhas palavras, em nada me molestará o procedimento d'aquelles que se ausentem da sala, porque, sobre o facto de ser a minha palavra desataviada, accresce a circunstancia de se tratar de um assumpto extremamente árido e, talvez, monotono.

Sr. Presidente: Antes de iniciar as considerações que me proponho apresentar sobre o projecto em ordem do dia, vou mandar para a mesa algumas representações que sobre o assumpto recebi.

Não as leio, e apenas direi que estes documentos se limitam a pedir ao Parlamento que modifique o projecto no sentido de que, dentro da area do Douro, seja prohibido distillar vinho e de que outro vinho licoroso, que não seja o produzido na região duriense, alem do que estava armazenado em Gaia, Porto, Leixões, Bouças e Gondomar, não possa ser exportado pela barra do Douro ou pelo porto de Leixões.

São representações das Camaras Municipaes de Moncorvo, de Freixo de Espada-á-Cinta, de Alijó, de Murça, do syndicato agricola de Alijó e dos maiores proprietarios de Carrazeda de Anciães e de Villa Flor.

Desde já peço a V. Exa. que se digne consultar a Camara, sobre se permitte que estes documentos sejam publicados immediatamente na Folha Official. Eu sustentarei a legitimidade d'estas re-

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clamações, e a coherencia, o bom senso e a justiça exigem que ellas sejam attendidas.

Sr. Presidente: Qual é a questão que se debate?

É a questão vinicola.

Em que consiste a questão vinicola?

Qual é a sua importancia e o seu significado?

D'onde derivam todas as dificuldades que ha bastantes annos veem preoccupando os Governos, as associações viticolas e os proprietarios?

A questão vinicola consiste no excesso de producção sobre a commercialização dos vinhos.

Comprehende-se bem, deduzindo da producção o vinho exportado, o transformado em aguardente e o directa e immediatamente consumido no paiz.

Quando se trata de uma tão alarmante enfermidade economica, o melhor processo de chegar a uma therapeutica racional e de provavel exito consiste em fazer um tão seguro quanto possivel diagnostico.

Só depois de elle feito, com segurança e precisão, é que se pode cuidar do remedio a oppôr-lhe, do remedio sem o empirismo da therapeutica grosseira e sem base scientifica. (Apoiados).

Eis aqui uma das razões que me levam a tomar á Camara mais tempo do que eu desejaria.

Vejamos se me é possivel traduzir em algarismos o que eu penso ser essa grave questão, a questão vinicola, procurando dar d'ella uma ideia e não traduzil-a. com precisão, pois para isso os elementos de que me sirvo no meu estudo não chegam.

Tomo para base dos meus calculos uma producção conhecida, a da colheita de 1904.

A colheita de 1904 tem sido calculada em 6.000:000 de hectolitros. Tomo uma colheita d'esta quantidade de vinho para base de calculo. Deduzindo uma exportação como a de 1904, que foi de 729:350 hectolitros, fica um excesso de 5.270:065 hectolitros. Logo se vê que a exportação corresponde apenas a 12 por cento da producção, embora de um grande valor, pois lhe corresponde a importancia de 9:431 contos de réis. Descontada a exportação, ficava uma disponibilidade de 986:000 pipas.

Este excesso sobre a exportação é reduzido pela transformação em aguardente e pelo consumo interno directo, quantidades que procurarei conhecer com certa approximação, para depois encontrar a quantidade de vinho em definitiva disponibilidade por falta de commercialização.

O consumo de alcool regula em cada anno por 10.000:000 de litros, parte aguardente de vinho de 78° centesimaes, parte alcool industrial de 95°.

Indaguemos qual é a quantidade legal maxima de producção do alcool industrial, para se conhecer depois a quantidade maxima de consumo de aguardente.

Qual a producção maxima de alcool industrial?

As fabricas do continente não laboram. Considerarei somente as fabricas açoreanas. O decreto de 14 de junho de 1901, artigo 72.°, estabeleceu que das fabricas de cada districto não podia sair quantidade de alcool superior á media do quinquiennio de 1895-1896 a 1899-1900. Eram cêrca de 7.000:000 de litros.

Pouco importa conhecer a capacidade maxima de producção segundo o decreto de 1901, visto que a lei de 15 de julho de 1903, que estabeleceu a protecção para o assucar açoreano, fixou a quantidade maxima que as fabricas insulanas podem produzir: foi reduzida a 3.000:000 de litros, ficando ainda consignado na lei, que eu referendei, que, desde o inicio da laboração fabril do assucar, a quantidade maxima de alcool, cuja saida é permittida ás fabricas em questão, diminuiria em cada anno de 200:000 litros até ao limite de 2.000:000 de litros. Já em 1906 foi iniciada a laboração fabril do assucar, descendo por 'isso a capacidade de producção legal a 2.800:000 litros. Eu attribuo-lhes a producção de 3.000:000 de litros, ficando para a aguardente 7.000:000 de litros, a qual, sendo de vinho de 10 graus centesimaes, exige 7,8 volumes de vinho por um de aguardente: isto é, 546:000 hectolitros ou 102:200 pipas de vinho. Reduz-se assim a disponibilidade a 4.724:000 hectolitros ou 883:800 pipas. Deduzida a exportação e a transformação em aguardente, resta por ultimo o consumo interno e directo.

Não ha nenhum meio seguro para podermos determinar uma cifra exacta; quem quizer obter um calculo approximado tem de soccorrer se das estatisticas do imposto de consumo do vinho entrado em Lisboa, do real de agua no Porto e no resto do paiz, mas sujeitando-se a fortes correcções.

Antes, porem, de ahi chegar, os 4.724:000 hectolitros de vinho que excedem a exportação e a producção de aguardente correspondem a 102 litros de vinho por cada um dos 4 600:000 habitantes do continente do reino, segundo o censo de 1900; mas para essa ser a capitação do consumo, era necessario que bebessem essa quantidade todos os homens, todas as mulheres e os 1.340:000 habitantes menores de quatorze annos, que, segundo o ultimo censo, havia no continente.

Desde logo se vê que sobre o consumo interno decerto deverá haver um consideravel excesso.

Vê-se desde logo que no paiz não era possivel consumir essa quantidade de vinho, deduzida a exportação e o fabrico da aguardente, porque os 472 milhões de, litros que ficam disponiveis correspondem a uma capitação de consumo no continente que é evidentemente exagerada. Era preciso, para que essa capitação se realizasse, que bebessem 102 litros de vinho todos os homens, todas as mulheres e todos os menores.

Vejamos se podemos obter o conhecimento approximado d'essa cifra pelas estatisticas a que ha pouco me referi.

A media da importação de vinho em Lisboa, correspondente á media dos annos de 1903, 1904 e 1905, foi de 34:300:000 litros. As medias accusadas pelas estatisticas são:

Litros

Imposto de consumo em Lisboa 34.300:000
Real de agua no Porto 18.300:000
Real de agua no resto do paiz 53.000:000

Total 105.600:000

Sr. Presidente:, esta cifra não é exacta, não representa o verdadeiro consumo de vinho em Lisboa, pelas razões que já apresento muito summariamente.

Porque é que esta cifra referida nas estatisticas não representa o verdadeiro consumo de vinho em Lisboa e Porto?

Porque, devido a um regimen que a agricultura teima em que não seja modificado, o alcool que entra em Lisboa é sujeito a um direito aduaneiro tão elevado, 400 réis por litro, que convida a que se faça um consideravel descaminho de direitos de alcool, principalmente empregado para fabricar vinhos dentro da cidade. (Apoiados). Eu não tenho os elementos precisos para poder assegurar com exactidão qual seja a quantidade de vinho que se consome em Lisboa e Porto, mas calculo que, como correcção approximada, se pode fazer a de um augmento de 20 por cento.

Mas, Sr. Presidente, se a cifra que representa as estatisticas do consumo de vinho em Lisboa e Porto carece de ser corrigida, a cifra que representa o real de agua no resto do paiz carece enormemente de correcção.

Os proprietarios e familiares dos proprietarios de vinhos não pagam o real de agua pelo consumo que fazem do seu vinho, e, em regra, esse imposto é cobrado por avença, o que nem sempre representa o consumo do vinho vindo ás estatisticas.

Calculado que fora de Lisboa e Porto o consumo excedeu de 300 por cento

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o accusado pela estatistica do real de agua, o consumo no paiz será, approximadamente:

Litros

Segundo as estatisticas 105.600:000

Augmento de 20 por cento no indicado em relação a Lisboa e Porto 10.400:000

Augmento de 300 por cento fora de Lisboa e Porto 159.000:000

Total do consumo no paiz 275:000:000

Temos agora os elementos para calcular com approximação o excesso de vinho que resulta de uma colheita como a de 1904:

Litros

Producção 600.000:000

Abatendo:

Exportação 72.935:000
Para aguardente 54.600:000
Consumido no paiz 275.000:000 402:525:000

Excesso 197.465:000

É um excesso de cêrca de 370:000 pipas.

Só calculado a 15$000 réis por pipa valeria 5:550 contos de réis, perdido para a agricultura. São 5:550 conto de réis que ficam em aguardente que se não vende, em vinho que se dá, em vinho que se estraga por falta de vendi e do tempo. E n'isto consiste essencial e fundamentalmente a crise vinicola. (Apoiados).

Desde logo se vê que a commercialização do vinho representa cerca de 66 por cento da producção apenas, o que, obedecendo á lei inilludivel da offerta e da procura, atirou com os preços tanto abaixo, que são incompativeis com a viticultura em algumas regiões do paiz. A pipa de vinho de 30$000 réis passaria para 19$800 réis; a dos vinhos de l5$000 para 9$900 réis, mas com um limite ás compras marcado pelo da necessidade do mercado. É a ruina do capital empregado em vinhas; é a ruina do nosso principal elemento de riqueza agricola; é a ruina economica da nação. (Apoiados).

De que resulta esta situação?

Do desenvolvimento consideravel dado á plantação da vinha, e da evidente diminuicção da exportação, como terei occasião de demonstrar.

A phylloxera, que ahi por 1870 entrou nos vinhedos do Douro, começando pelos de Gouvinhas, alargou os seus destruidores effeitos por todo o paiz, poupando muito poucas das vinhas constituidas por antigas castas, sem que nem sempre o facto pudesse ser explicado pela acção insecticida do sulfureto d carboneo.

As primeira plantações de cepas americanas, por serem mal seleccionadas não animaram os proprietarios; mas quando se evidenciou a sua resistencia á epiphytia e a sua producção, as plantações tomaram um grande desenvolvimento, inteiramente fora da sua relação com o consumo do vinho. (Apoiados).

Emquanto não havia confiança na castas americanas, e isso aconteceu no primeiros tempos, as plantações foram moderadas; mas, logo que se reconheceu a resistencia de muitas castas, paras ou hybridas, as plantações começaram a ter um grande desenvolvimento sem se cuidar que o exagero da producção havia de necessariamente deter minar uma grave crise, acompanhada das mais serias difficuldades.

Será conhecida a extensão dos terrenos plantados e replantados de vinha?

Sr. Presidente: em 1904, querendo fazer um estudo dos elementos economicos de maior valia da nação, tive grande empenho em saber qual a extensão das vinhas plantadas e replantadas, depois da confiança nas cepas americanas. Não havia verdadeiramente elementos officiaes por onde se pudesse saber isso com exactidão approximada.

Todavia, distinctos funccionarios do Ministerio das Obras Publicas me forneceram alguns elementos de informação, que poderão dar uma ideia do que tem sido a febre de plantações.

De 1 de janeiro de 1893 até 31 de dezembro de 1902 as plantações foram assim calculadas:

Hectares

Aveiro 1:350
Beja 1:031
Braga 100
Bragança 3:214
Castello Branco 498
Coimbra 645
Evora 2:252
Faro 28
Guarda 2:084
Leiria 1:320
Lisboa 26:000
Portalegre 911
Porto 354
Santarem 4:910
Vianna do Castello 3:334
Villa Real 10:994
Viseu 3:810

Segundo esta estatistica, plantaram-se, durante os dez annos decorridos de 1 de janeiro de 1893 a 31 de dezembro de 1902, 62:835 hectares, entre os quaes figura o districto de Lisboa com 6:000 hectares.

As plantações não cessaram. Desde que se desenharam ameaças de prohibição de plantio, até á luz de archotes as plantações teem proseguido.

A partir de 1895 decresceram. Comprehende-se isso, mas não acabaram. Emquanto que em 1895 foram plantados 9:391 hectares, em 1902 só o foram 2:829 hectares. Suppondo que assim continuaram nos annos seguintes, de 1902 a 1906 terão sido plantados 11:316 hectares.

Assim, encontro 74:151 hectares de novas vinhas, e em grande parte plantadas em terrenos de grande producção. Só um lavrador do sul, em terrenos que poderiam produzir cereaes, colhe 15:000 pipas de vinho.

Com as novas plantações vieram novas castas de producção, prejudicando a qualidade, mas augmentando enormemente a quantidade.

Em França a situação foi identica.

M. La Claviére, tratando da crise viticola franceza, em um artigo publicado no Journal des Économistes, escreveu:

«Em um periodo de dez annos, de 1886 a 1896, esta diminuição (a da extensão de vinhas plantadas) é de 210:000 hectares menos do que em 1886, mas a producção augmentou de 6 250:000 hectolitros. Em 1899 a situação é a seguinte: - ha em França 1.697:000 hectares de terrenos plantados de vinha, ou sejam menos 203:000 hectares do que em 1886, produzindo 47.908:000 hectolitros, ou mais 22.845:000 hectolitros do que em 1886. N'este curto espaço de treze annos a producção quasi duplicou, a concorrencia foi supprimida e os viticultores continuam a procurar mercados por toda a parte. Mas tambem os paizes estrangeiros lançaram sobre os nossos vinhos direitos prohibitivos, enormes: de 1886 a 1896 a exportação desceu de 2.700:000 para 1.700:000 hectolitros».

Para o quadro ser identico, até as reclamações dos viticultores foram as mesmas, como continua dizendo M. La Clavière:

«Deante da imminencia do perigo tem-se recorrido ao Estado, encarregando o de encontrar a suprema panaceia para o mal presente. O Estado, sempre animado de boa vontade, cede ás supplicas dos eleitores, que lhe affirmam a ruina proximo, ou ás ameaças d'aquelles que se mingam e se recusam a pagar impostos.

Reclamam o apoio do Governo, acusam-no de todo o mal os viticultores, e, cegos ás verdadeiras causas da crise, recusam-se a confessar que são elles proprios os auctores da sua ruina».

Entre nós tambem houve exagero in-

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considerado de plantio, escolha de castas de grande producção, diminuição na quantidade do vinho exportado, e tambem ao Estado pedem a suprema panaceia para debellar todos os males.

O Estado tem perdido consideraveis receitas, sem que a crise vinicola se tenha modificado. Ainda em 1901 perdeu no imposto do consumo em Lisboa 240 contos de réis, como lhe era pedido pelos viticultores do sul, e a crise não se modificou, como se não modificou com a suppressão temporaria do imposto do real de agua sobre o vinho do Douro, como se não ha de modificar com o sacrificio de 200 contos de réis que das receitas do Thesouro vão sair para o regimen das aguardentes, como se não ha de modificar pelo jubileu carissimo que a emenda do Sr. relator leva aos fabricantes de alcool de S. Miguel e da Terceira. (Apoiados).

Voltemos á indagação das causas da crise entre nós.

É preciso saber se a exportação dos nossos vinhos tem diminuido; qual a quantidade que a menos tem sido exportada; quaes são os mercados estrangeiros onde essa exportação tem decrescido; e, por ultimo, conhecer os motivos que explicam a quebra do consumo dos vinhos portuguezes nos mercados estrangeiros.

É necessario, como disse ha pouco, conhecer bem a natureza do mal, para se lhe applicar o adequado e conveniente remedio.

Ponho deante dos olhos dos que me ouvem a estatistica da exportação dos vinhos portuguezes a partir do anno de 1885 a 1893 e de 1898 a 1905:

Mil hectolitros Contos de réis

1885 1:500 13:456
1886 1:963 16:883
1887 1:467 11:357
1888 1:730 12:946
1889 1:474 12:323
1890 913 10:898
1891 825 11:122
1892 1:001 13:422
1893 769 11:246
1898 864 11:482
1899 838 10:914
1900 828 10:628
1901 790 9:733
1902 839 10:343
1903 779 10:137
1904 729 9:431
1905 900 10:469

Não comparo a exportação realizada em 1905 com a de qualquer dos annos comprehendidos entre 1885 e 1889. Ponho de parte tambem o anno de 1886, em que exportamos 1.963:000 hectolitros, com um valor de 16:883 contos de réis, porque, como outro até 1889 e depois 1892, foram influenciados por compras de excepção. Não quero tomar, por isso, como ponto de comparação, a exportação que houve de 1885 a 1889.

Não faço essa comparação, porque eu venho a este debate com o proposito firme e sincero de fazer uma exposição proba, e no intuito de collaborar honestamente com o Governo na resolução do problema que nos é apresentado, e que prende com uma questão de excepcional gravidade.

De 1885 a 1889 houve rima exportação excepcional.

A França veio, n'esse periodo de tempo, a Portugal comprar uma grande quantidade de vinhos.

Pode-se dizer afoitamente que essa quantidade representava dois terços da exportação dos nossos vinhos.

Foi uma circumstancia de occasião, foi uma circumstancia excepcional e que, por isso, exclue de uma apreciação, e comparação verdadeiras os annos em que ella teve influencia.

A França, vendo destruidos os seus vinhedos, comprehendendo os que produziam os afamados vinhos nas regiões de Bordeus e da Gironda, veio a Portugal comprar as qualidades que mais se podiam assemelhar a esse typo, e conseguiu assim manter intactos todos os mercados para onde dirigia as suas exportações. Não nos aproveitou o exemplo. Do estrangeiro só importamos os maus exemplos.

Nós tivemos tambem em 1894 uma colheita escassima, absolutamente insufficiente para abastecer os mercados de vinhos de pasto portuguezes.

Houve então um intelligente e ponderado movimento na sentido de abrir a fronteira á importação de vinhos hespanhoes para serem lotados com os nossos, e d'aqui serem exportados para os mercados que tinhamos toda a conveniencia em sustentar. (Apoiados).

Então, Sr. Presidente, homens intelligentes, e que são sempre ouvidos quando se trata da resolução dos mais importantes problemas da agricultura nacional; então, Sr. Presidente, a Real Associação da Agricultura, onde estes assumptos são tratados com muita ponderação e criterio - e certamente d'ahi deriva o papel que entende dever ter na suggestão da administração do Estado - entendeu que se devia obstar á introducção fios vinhos hespanhoes. E a sua attitude prevaleceu!

Succedeu, Sr. Presidente, que os vinhos hespanhees foram directamente enviados de Hespanha para o Brasil, e nunca mais de lá sairam. (Apoiados). Tem tido d'estas venturas a viticultura nacional!

Tambem não comparo a exportação de 1905 com a de 1892, anno de exportação excepcional, derivada d'aquelle celebre negocio da prata, em que a firma H. Burnay & Ca. foi incumbida de comprar cerca de 16:000 pipas de vinhos generosos.

Tomemos os algarismos de annos de exportação mais normal. Em relação ao de 1893, a media dos annos de 1901 a 1905 representa um accrescimo de exportação no valor de 1:224 contos; em relação ao de 1898, uma diminuição de 1:459 contos. Desde logo se descobre n'este facto um desfalque na nossa exportação, aggravando as nossas condições economicas, e um rude golpe na viticultura nacional, que deve impor-se á consideração de todos quantos pela sua situação teem de versar os negocios publicos de mais subido interesse.

Agora convem saber quaes são os vinhos que mais teem soffrido, se os vinhos do Porto, se os vinhos de outras qualidades, ou se uns e outros. Isto é absolutamente indispensavel para que racionalmente possamos chegar ao completo estudo da questão, conhecer com precisão a pathogenia da molestia.

Como a Camara sabe, as estatisticas distinguem tres grupos: vinho do Porto, vinho da Madeira e vinhos de outras qualidades.

Ponho de parte o vinho da Madeira, que nada tem para o caso que discutimos, embora seja referido no projecto.

É na estatistica que vimos encontrar o necessario depoimento.

Pelas razoes que já expuz, ponho de parte os annos de excepcional exportação:

Quantidades em mil hectolitros

Porto Madeira Outras quantidades
1898 213 19 526
1899 279 25 526
1900 275 26 527
1901 268 23 498
1902 274 25 539
1903 256 26 496
1904 215 24 438
1905 235 27 632

Vinho do Porto - media dos annos de 1901 a 1905 - 249:000 hectolitros.

Vinhos de outras qualidades - media nas mesmas condições - 520:000 hectolitros.

Vê-se que, em relação a 1898, o vinho do Porto perdeu em 20 por cento na exportação e os vinhos de outras qualidades apenas 1,1 por cento.

O vinho do Porto, passando de 58:610 pipas para a media de 47:190 pipas, perdeu por anno 11:850 pipas; o vinho de outras qualidades, no qual não entra a Madeira, perdeu somente 1:120 pipas.

D'aqui se conclue a toda a eviden-

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cia que onde a crise attingiu a sua maior intensidade foi na exportação dos vinhos do Porto, o que ainda se reconhece pelo quadro estatistico que vou
referir:

Valores em contos de réis

1898 6:456
1899 5:700
1900 5:739
1901 5:511
1902 5:634
1903 5:334
1904 4:630
1905. 5:027

A media do valor do .vinho do Porto exportado, referida aos annos de 1901 a 1905, foi de 5:207 contos, o que representa para 1898 um decrescimo de 1:249 contos. Pelas razões que já dei, não faço a comparação com os annos de 1892 e 1886, porque foram annos de excepcional exportação: 7:714 contos em 1892 e 7:226 em 1886.

É evidente o decrescimento na exportação dos vinhos do Porto. Muito convem conhecer os mercados onde afrouxou a importação d'este vinho e os motivos por que isso aconteceu, para chegarmos a saber com segurança onde o mal existe, para se ver se é susceptivel de cura. Quaes são os principaes mercados dos nossos vinhos? A Inglaterra, o Brasil e as colonias portuguezas da Africa. A Franca foi um grande mercado, mas mercado de occasião. Desde 1881 a 1892, emquanto refez os seus vinhedos, principalmente os da Grironda, veiu a Portugal procurar vinhos que lotava com os seus para entreter a exportação, o que é exuberantemente demonstrando dizendo que para a Franca o nosso paiz exportou 927:027 hectolitros em 1885, 1.318:851 hectolitros em 1886 e 1.062:428 hectolitros em 1888.

Recebia-nos então a França quasi dois terços da nossa exportação.

A França refez os seus vinhedos, prescindiu dos vinhos portuguezes. D'esta maneira, pondo de parte os pequenos mercados, temos a considerar principalmente os mercados de Inglaterra, Brasil e das colonias portuguezas. Tomando a exportação em 1893, se vê que os dois mercados afrouxaram extraordinariamente, emquanto que o colonial subiu:

Hectolitros

Inglaterra Brasil Colonias portuguezas

1893 164:090 454:932 56:575
1894 155:562 324:963 50:956
1895 173:046 358:529 66:436
1896 188:724 407:975 71:119
1897 195:265 391:072 89:470
1898 224:760 428:335 102:537
1899 200:123 410:905 118:723
1900 196:600 398:662 124:828
1901 202:195 356:840 126:238
1903 206:767 409:267 119:293
11903 180:180 350:091 151:893
1904 148:021 333:897 160:668

Comparando o anno de 1904 com o de 1898, encontramos os seguintes resultados:

A exportação para Inglaterra foi em 1904 de menos 52:112 hectolitros ou 9:700 pipas; para o Brasil de menos 94:438 hectolitros ou 17:600 pipas; para as colonias portuguezas de mais 58:131 hectolitros ou 10:800 pipas.

Mas seriam todos os vinhos que igualmente soffreram quebra na exportação para esses mercados? Respondem os algarismos estatisticos que vou referir:

Inglaterra

Porto - Hectolitros Outros paizes - Hectolitros

1898 209:826 8:364
1904 133:002 11:368

Differenças 76:824 3:004

Brazil

1898 1:446 391:928
1904 842 2999;763

Differenças 604 92:165

Colonias portuguezas de Africa

1898 1:504 100:871
1904 1:815 158:742

Differenças 311 57:871

Nos tres mercados, no anno de 1904, comparado com o de 1898, a exportação perdeu 77:127 hectolitros ou 14:400 pipas, no vinho do Porto; perdeu 31:290 hectolitros ou 5:800 pipas nos vinhos de outras qualidades, de que é exceptuado o Madeira. Ainda aqui se vê que a verdadeira .crise de exportação é a dos vinhos do Porto.

Um facto de sigular influencia interveio para não se aggravar a situação dos vinhos de pasto, que constitue quasi toda a exportação dos vinhos que a estatistica assume sob a designação de «outras qualidades»: foi a lei de 7 de maio de 1902, que prohibiu o uso das bebidas alcoolicas ao sul do rio Save, na provincia de Moçambique, que lançou direitos prohibitivos sobre os vinhos estrangeiros e sobre o alcool importado. Quando eu tomei a iniciativa d'essa lei, aqui foi combatida por inutil. Era o costume da terra. Pois bem; apesar de mal e incompletamente executada - porque de executar leis é luxo de que se não trata em Portugal - a exportação para as colonias de Africa passou de 119:293 hectolitros para 160:668 hectolitros. O augmento foi de 7:500 pipas. Foi quanto deu a experiencia de que não querem lançar mão os que depois se teem proposto a resolver a crise vinicola.

Voltando ás causas da crise, direi que a dos vinhos do Porto resulta principalmente da reducção dos seus mercados e que a dos outros vinhos da superproducção. (Apoiados). Abra os olhos quem queira ver.

Se pretendemos a serio levantar a viticultura da precaria situação em que se encontra, olhemos com attenção para a Inglaterra, que é o grande mercado dos vinhos do Porto, e para o Brasil e para as colonias portuguezas de Africa, que são os grandes mercados dos vinhos de pasto. (Apoiados).

O que se tem feito são mezinhices, que só teem servido para prejudicar o Thesouro. Cá dentro o commercio deve ser escrupuloso nos vinhos que exporta, respeitando-lhes a qualidade; na Inglaterra e no Brasil é justo esperar da nossa diplomacia uma acção efficaz no sentido de se obter para os nossos vinhos uma protecção que lhes falta. (Apoiados).

Sr. Presidente: já pude demonstrar que a crise da exportação vinicola se dá principalmente nos vinhos do Porto e no mercado de Inglaterra. Vejamos se é possivel encontrar a causa. Pergunto eu: a queda na exportação para Inglaterra do vinho do Porto será consequencia do menor consumo de vinhos d'este caracter ou terão ido outros vinhos generosos tomar nos mercados inglezes o logar do vinho do Porto? É essencial saber isto, para conhecimento completo da questão. Para isso soccorro-me de um valiosissimo trabalho recentemente publicado pela administração da Real Companhia Vinicola do Norte de Portugal, que contem um notavel repositorio de informações, as quaes muito me auxiliam no inquerito a que procedo para descobrir o motivo do desfavor do mercado inglez para os vinhos do Porto.

Em primeiro logar vou referir o quadro estatistico, que mostra: 1.° que o grande mercado de vinho do Porto e o de Inglaterra; 2.° que o decrescimento da exportação é notavel.

Exportação de vinhos do Porto, expressa em pipas

1900 1905

Inglaterra 32:817 25:938
Brasil 6:250 7:571
Allemanha 2:933 2:822
Suecia e Noruega 2:416 1:580
Hollanda 1:396 1:458
Dinamarca 1:533 1:210
Russia 1:686 1:131
Belgica 1:017 767
Outros paizes 1:508 1:955

Total 51:556 44:432

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482 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O anno de 1900 representa para o de 1900 uma perda de 7:124 pipas na exportação de vinho do Porto. Mas como a Inglaterra é o grande mercado, pois recebeu em 1900 60 por cento e em 1905 06 por cento dos vinhos do Porto que Portugal exportou, é ainda na Inglaterra onde esse progresso se tornou maior. Na perda de 7:124 pipas entrou a Inglaterra com 6:879 pipas. A comparação com o anno de 1901 ainda é mais dolorosa: representa uma perda de 8:570 pipas.

É que em Inglaterra diminuiu o consumo do vinho, certamente por effieito da crise que ali se seguiu á guerra com o Transvaal e da propaganda activa das sociedades de temperança contra o uso das bebidas alcoolicas, e outros vinhos foram tomar o logar dos portuguezes. Vejamos se é possivel fazer as duas demonstrações. Para isso é necessario fixar que na Inglaterra a tributação distingue tres grupos de vinhos segundo a sua producção alcoolica: 1.° grupo, até 26° Sykes (14°,9 centesimaes); 2.° grupo, de 26° a 30° Sykes (de 14°,9 a 17°,2 centesiraaes); 3.° grupo, de 30° a 42° Sykes (de 17°,2 a 23° centesimaes).

Dito isto, vejamos como se compor tou a importação dos vinhos dos tres grupos em Inglaterra:

Numero de pipas de 115 gallões

1900 126:850
1901 125:978
1902 125:086
1903 109:800
1904 92:667
1905 94:522

A importação de vinhos em 1905 foi de raenos 32:318 pipas do que em 1900. Decresceu 25,4 por cento.

Foi Portugal que perdeu na sua exportação todo esse vinho? Não; a Hespanha perdeu 13:039 pipas ou 32,9 por cento da diminuição total; a Franca 10:702 pipas ou 36 por cento, e Portugal 7:895 pipas ou 23,5 por cento.

Esta baixa na importação não foi por igual nos vinhos dos tres grupos, o que sobremaneira importa saber.

No 1.° grupo (até 14°,9) houve uma baixa de 17:315 pipas ou 32 por cento; no 2.° grupo (14°,9 a 17°,2) uma baixa de 2:771 pipas ou 9,4 por cento; no 3.° grupo (de 17°,2 a 23°) uma baixa de 12:232 pipas ou 30,2 por cento.

Não foram os vinhos do Porto legitimes, fortemente alcoolizados, ou vinhos do 3.° grupo, que resistiram: foram os vinhos do 2.° grupo, os medianamente alcoolizados, e que entraram na baixa geral apenas com 9,4 por cento.

Está n'isto um facto da mais perigosa significação para os vinhos do Porto. Nos vinhos de 14°,9 a 17°,2 está o grande inimigo, está a razão principal da crise do Doure. E que esses vinhos de 17° constituem as imitações de vinho do Porto, que da California, da Palestina, do Turkestan, de Hamburgo, de Valencia, de Terragona, da Australia e de outros pontos do globo vão inundar o mercado inglez. (Apoiados). É o grande inimigo. (Apoiados).

Vejamos se consigo fazer a evidencia na affirmação que acabo de fazer. Procuremos conhecer como se computara as imitações em frente dcs vinhos do 2.° e do 3.° grupo, começando pelo ultimo:

Importação em Inglaterra de vinhos do 3.° grupo pipas

Procedencia 1900 1905

Portuga 30:705 22:229
Hespanha 7:488 4:454
Italia 860 549
Allemanha 700 271

Ponho de parte a importação de outros paizes por ser insignificante.

A quantidade importada da Hespanha foi na sua quasi totalidade de vinhos de Xerez, que teem um caracter absolutamente diverso do do Porto; com o caracter e designação de vinho do Porto do 3.° grupo a importação foi quasi exclusivamente de vinaos portuguezes, como demonstram os seguintes algarismos:

1900 - Pipas 1905 - Pipas

Porto, carregado de Portugal 30:700 22:229
Porto, carregado de outros paizes 2:070 1:332

Em 1900 as imitações de vinho do Porto, do 3.° grupo, foram somente 6,4 por cento; em 1905 foram de 5,3 por cento. A conclusão logica a tirar é que a concorrencia das imitações de vinhos d'este grupo é quasi nulla. (Apoiados).

Já o mesmo não posso dizer dos vinhos do 2.° grupo, de 14°,9 a 17°,2 centesimaes: as imitações excedem em muito a importação de Portugal. Trocam-se por assim dizer as situações em relação aos vinhos do 3.° grupo, como demonstro com os seguintes algarismos:

Importação em Inglaterra, de vinhos; do 2.° grupo

Procedencia Pipas

Hespanha 18:527
Portugal 3:142
Allemanha 2:790
Australia 2:019
Italia 670
Hollanda 651
França 184
Outros, paizes 1:518

Nos vinhos d'este grupo, Portugal entra somente com 10,6 por cento. Então chegamos a apurar a situação de Portugal em relação aos vinhos alcoolizados em Inglaterra, tudo referido ao anno de 1905:

Portugal: Pipas

3.° grupo 22:229
2.° grupo 3:142 25:371

Outros paizes (imitação):

3.° grupo 1:132
2.° grupo 26:359 27:491

Quer isto dizer: que do vinho que com o caracter de vinho do Porto entrou em Inglaterra em 1905 a Portugal somente pertenceram 25:371 pipas ou 48 por cento, emquanto que outros paizes ali meteram 27:491 pipas ou 52 por cento.

O ponto culminante d'esta parte da minha exposição é a razão do comportamento do mercado inglez com os vinhos de diversa graduação alcoolica. É uma razão de ordem tributaria e de nenhum favor para Portugal. (Apoiados). Vejamos, partindo da verdade adquirida de que o vinho do Porto, genuino e authentico, é de graduação alcoolica superior a 17°,2 centesimaes ou 30° Sykes. Desde 1886 que pelo convenio cornmercial entre a Inglaterra e a Hespanha, os vinhos hespanhoes de 17°,2, importados no primeiro dos dois paizes, ficaram pagando 1 shilling por gallão. Mais tarde, em 1889, o regimen foi modificado, e foi geralmente applicado nas condições que vou referir. Vinho de 14°,9 a 17°,2 - os vinhos do 2.° grupo ou imitações de vinho do Porto - paga 1 shilling e 3 pence por gallão, ou 7 libras, 3 shillings e 9 pence por cada pipa de 115 gallões. Vinho de graduação alcoolica comprshendida entre 17°,2 e 23° - os vinhos do 3.° grupo, ou vinhos do Porto auihenticos - paga 3 shillings por gallão ou 17 libras e 5 shillings por pipa de 115 gallões.

Como se vê, a favor dos vinhos de 17°, que constituem o grosso das imitações do vinho do Porto ou do vinho do Douro, ha em Inglaterra uma differença tributaria de 10 libras, 1 shilling e 3 peuce. Está n'isto a maior parte do mal que afflige a exportação dos vinhos do Porto (Apoiados); está n'isto a grande protecção que em Inglaterra teem os vinhos que pretendem imitar os vinhos genuinos do Porto. (Apoiados).

Com tão grande differença tributaria em cada pipa, comprehende-se que os verdadeiros vinhos do Porto sejam ba-

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tidos. O consumidor, em fazendo o habito das imitações, não mais dá preferencia, sobretudo com uma differença consideravel de preço em razão do maior tributo, ao vinho imitado. (Apoiados).

A lei em Inglaterra é igual para todos, é certo; mas é sobre Portugal que ella incide com a sua maior intensidade. Em 1905, de vinho de graduação superior a 17°,2, cobrou a Inglaterra 426:853 libras. Pois só nos vinhos procedentes de Portugal cobrou 334:350 libras ou 75 por cento. É, pois, um regimen de excepção para Portugal, que se não coaduna com as relações de alliança e de amizade entre os dois paizes. (Apoiados).

Tenho ouvido sustentar que Portugal poderá preparar vinhos de 17° e por isso collocar em Inglaterra os vinhos que outros paizes ali introduzem como imitação do vinho do Porto. Não é assim: esses vinhos são pastosos e doces, para d'esta maneira encobrirem a ausencia de outras qualidades, e os vinhos doces, com 17° de alcool, estão sujeitos á deterioração pelos primeiros calores e por isso os compradores em Inglaterra adquirem-os sob condição de o vendedor ser responsavel pela conservação d'elles. Ora, o commercio de vinhos do Porto é constituido por casas antigas, honestissimas na maior parte, que não sujeitam o seu credito á contingencia de terem de idemnizar os seus freguezes por lhe haverem vendido um genero de tão má qualidade, que se tornou improprio para o consumo. Garantia? Não é preciso ser-se muito versado na preparação de vinhos do Porto para se saber que só são reputados seguros para cima da graduação de 20°; mas a garantia ninguem a dará se o vinho não tem 22°. O interessado, quando chegam os calores do estio, anda de alambique, ebuliometro Ou ebuloscopio, de Saleron ou Maligan, procurando conhecer as necessidades alcoolicas do vinho, sobre tudo quando está em prova doce e por isso mesmo mais sujeito á deterioração.

Tanto basta para que se comprehenda que a exportação de taes vinhos só pode convir ao commerciante que não teem a perder em fama e credito. (Apoiados.)

Assim se explica, em parte, o pequeno incremento que tem tido entre nós a exportação d'esses vinhos de 17°:

Numero de pipas

1901 2:776
1902 2:571
1903 2:596
1904 2:646
1905 3:142

Mas como em todos 0.3 paizes ha com-mercio menos escrupuloso, como é que em Portugal, as coisas se não passam por forma a acompanhar a Hespanha na exportação de imitações de vinho do Porto para Inglaterra? A razão é obvia. As imitações de vinho do Porto não teem nenhuma das qualidades do vinho do Douro, que justamente grangeou a fama de ser o melhor vinho generoso do mundo. Tanto é, tanto vale a imitação feita com vinho de Valencia, de Terragona, de Valladolid, como de vinho das Caldas ou do Poceirão. Nenhum tem as qualidades do vinho do Porto legitimo, do vinho do Douro, e por ser assim, imitação por imitação, o consumidor compra a mais barata, e mais barata é ahespanhola. Ali o preço do vinho, o preço da aguardente são de tal ordem que chegam a pôr a bordo, encascada, a pipa de vinho a 10 libras e menos.

Quero salientar bem este ponto, para desde já lavrar o meu protesto contra a disposição que cria premios de réis 1$000 por cada hectolitro de vinho exportado de 14° a 17°, e de que n'outro ponto do meu discurso me occuparei especialmente. (Apoiados).

Por agora convem saber que destino e applicação tem o vinho do sul entrado em Gaia, visto que a exportação maxima de vinhos de 17° foi de 3:142 pipas e que a quantidade de vinhos do sul que para ali vae é muito maior. Não tenho documentos officiaes para sem isso conhecer a quantidade de vinho alcoolizado que vae em cada anno do sul para os armazens de Gaya; mas productores, commerciantes e funccionarios do Ministerio das Obras Publicas são concordes em que cêrca de 25:000 pipas de vinho do sul vão em cada anno para, Gaia, a fim de que, só ou lotado com vinho do Douro, saia d'ali para a exportação como vinho do Porto. A conclusão logica e legitima é a que tiro: se a exportação maxima de vinhos de 17° foi de 3:142 pipas, segue-se que a maior parte do vinho alcoolizado do sul que entra nos armazens de Gaia é utilizada para vinho do Porto fortemente alcoolizado; isto é, para vinho comprehendido entre 17° e 23°, para ser exportado como vinho que em Inglaterra paga mais do que o vinho de 17°, 10 libras, 1 shilling e 3 pence. O que acontece, e para este ponto chamo a attenção da Camara?

É que o vinho do Porto exportado por Gaia leva, só ou misturado, metade de vinho do sul, o qual, não tendo melhor qualidade do que o vinho de Valencia ou de Terragona, vae em Inglaterra pagar, mais do que as imitações hespanholas, 10 libras, 1 shilling e 3 pence por pipa. (Apoiados). O vinho do Porto, tendo sido o produzido no Douro, poderia merecer a differença, pela sua superior qualidade; como, em regra, é exportado é uma imitação do vinho do Porto, que, não valendo mais do que o de Valencia ou Terragona, vae em Inglaterra pagar mais 10 libras, 1 shilling e 3 pence por pipa, e por isso perde o mercado. (Apoiados ).

Creio que a logica me leva a conhecer que a crise na exportação dos vinhos do Porto é devida a duas causas:

1.ª A differença de tributação dos vinhos de 17°,2 para 23° ou de £ 0-1-3 para £ 0-3-0;

2.ª A inferioridade manifesta dos vinhos do Porto fortemente alcoolizados - que são os afamados vinhos do Porto - em consequencia de serem lotados com cerca de 50 por cento de vinho do sul, que não tem nenhuma das qualidades do vinho do Douro.

Para combater a crise são necessarios os seguintes remedios:

1.° Diligenciar e obter que a Inglaterra não mantenha a differenca de tributação para os vinhos alcoolizados, passando todos a pagar a tarifa applicada nos vinhos até 17°,2; ou, pelo menos, acabando com a taxa differencial para as imitações, estabelecendo para estas a tarifa dos vinhos de graduação superior a 17°,2;

2.° Melhorar as qualidades do vinho do Porto, exportando como tal somente o vinho produzido na região duriense, que é inigualavel nas suas qualidades - dando-lhe o exclusivo da barra do Douro.

É, pois, absolutamente indispensavel que a diplomacia portugueza se empenhe em obter da Inglaterra uma convenção commercial, que tenha por base a modificação da escala alcoolica, aproveitando para isso as nossas excellentes relações de amizade com esse paiz. (Apoiados.) É de mais a mais um acto de justiça, como hei de demonstrar.

N'esse caminho, intelligente e patriotico, se lançou o meu querido amigo Sr. Wenceslau de Lima, que tão brilhantemente assignalou a sua passagem pelo Ministerio dus Negocios Estrangeiros, abordando a questão em maio do anno passado. (Apoiados.) Da sua continuação á frente da nossa diplomacia o paiz poderia esperar uma acção identica á que desenvolveu contra a falsificação dos vinhos portuguezes no Brazil, a qual foi até obter n'aquelle paiz o decreto de 28 de novembro de 1905. (Apoiados.)

Fala-se agora muito em um tratado commercial com a Inglaterra. Ainda ha pouco tempo o representante de Portugal em Inglaterra, falando em um banquete da camara de commercio portuguez em Londres, affirmou que tinha entre mãos um tratado de commercio com a Gran-Bretanha, que traduziria a amizade e a alliança dos dois paizes. É, pois, uma excellente occasião para se obter a modificação da escala alcoo-

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lica na Inglaterra. Ou isso ou nada. (Apoiados). A Inglaterra não nos póde fazer concessão que valha, a não ser essa. (Apoiados.) O Sr. Marquez do Soveral, encarregado da negociação, um grande serviço prestará ao seu paiz, conseguindo a modificação do regimen tributario que asphyxia o nosso principal; ramo de exportação. (Apoiados.)

É occasião de se tratar de uma concessão, que a Inglaterra deverá fazer por deferencia para com o seu alliado, mas ainda como um acto de justiça para com Portugal, onde ella colloca mercadorias, que, em 1904, tiveram o valor de 18:148 contos de réis, recebendo apenas, do nosso paiz, mercadorias no valor de 6:994 contos de réis ou 38 por cento. Se de um entendimento com a Inglaterra resultasse receber de Portugal uma quantidade de vinho de Porto a mais, equivalente á que recebe de outros paizes, ou 27:491 pipas, e calculando-lhes o valor em 2:749 contos de réis, a exportação para Inglaterra subiria a 9:743 contos de réis, mas não passaria, ainda assim, de 53 por cento das importações procei-dentes d'aquelle paiz. Ao lado da urgencia de se obter uma modificação na tributação dos vinhos alcoolizados eru Inglaterra, é preciso garantir que o vinho do Porto que de Portugal se exporta é o vinho de incomparaveis qualidades produzido na região durienso. (Apoiados).

Vejamos agora a quem aproveita a garantia da authenticidade do vinho do Porto:

A garantia de que o vinho do Porto que se exporta é só do Douro não aproveita somente á região duriense. Uma exportação que tem regulado entre 5:000 e 7:000 contos de réis em cada anno é um factor economico de primeira grandeza para o paiz. A sua queda, anno a anno, como se está verificando, aggravará o deficit consideravel, accusado contra nós pela balança commercial, com as suas nefastas consequencias, entre as quaes figura a de concorrer para afastar o restabelecimento da circulação metallica em Portugal, saindo do inconcebivel regime de artificios em que o paiz vive no que diz respeito á moeda. A cidade do Porto deveria ser interessadissima na salvação do Douro. A cidade desenvolveu-se e enriqueceu á sombra do Douro, por ser o seu exclusivo mercado. O dinheiro que provinha da venda de vinhos do Douro, milhares de contos de réis por cada anno, na sua quasi totalidade refluia para a cidade do Porto. Ahi ficava em fornecimentos de toda a ordem para a alimentação, em utensilios de lavoura, em objectos de vestuario, e algum lavrador que conseguia fechar com saldo a sua administração era no Porto que procurava as suas distracções e fazia o seu estádio. Ha annos que a decadencia da cidade é manifesta: conhece-se pela situação dos bancos, do commercio e até pela politica. O movimento na cidade accusa uma grande decadencia.

Quem procurar as causas encontrará em primeira linha uma que é tão clara, tão evidente, que custa a crer que no Porto não tenha sido comprehendida, pois que se o tivera sido a cidade teria tomado a iniciativa de fazer mudar o actual estado de cousas. Até ha alguns annos, as 60:000 pipas de vinho do Porto que se exportavam eram todas compradas no Douro, o mssmo que dizer que todo o dinheiro por ellas pago batia sobre o balcão dos commerciantes do Porto e no Porto ficava.

Agora, das 50:000 pipas de vinho do Porto que se exportam, 25:000 são compradas no sul e, certamente, os lavradores do Poceirão, de Portimão ou das Caldas não vão applicar na cidade do Porto o producto das vendas que fizeram, mas nos centros commerciaes mais proximos, com os quaes teem na turaes relações. (Apoiados).

Posso comprehender que a cidade do Porto esqueça que foi do Douro que tirou os motivos do seu engrandecimento e, esquecendo isso que não dê ao Douro um procedimento de gratidão; mas o que não comprehendo é a cegueira que faz que não veja que a causa do Douro é a causa do Porto. (Apoiados}. Se deixar que ruina completa se faca no Douro, a cidade do Porto soffrerá immensamente. (Apoiados}.

Mas é ao Douro que mais importa a resolução d'este tão importante problema. Foi uma região riquissima, que largamente contribuiu para o bem do Estado. Desde as margens do Douro até ao vertice dos seus montes, aquella região ostentava formosos vinhedos, que faziam a sua riqueza e contribuiam largamente para a riqueza, geral do paiz.

Foi no Douro onde a phylloxera primeiro se fixou.

Em poucos annos, montes escalvados e nus sucnediam ás mais formosas vinhas que havia em Portugal.

A miseria succedeu á riqueza, e aquella gente, que não sabe estender a mão á caridade publica, nem procurar o que lhe não pertença legitimamente, foi á emigração pedir a maneira de esconder a sua miseria. Foi uma desolação, que me entristece ao recordal-a!

Vieram ns cepas americanas, e sem auxilio do Estado, sem que os habitantes do Douro viessem ao Terreiro do Paço, a população duriense, fazendo sacrificios de toda a ordem, dando 1 um exemplo unico de quanto pode e vale uma raça forte, conseguiu, não replantar todos os terrenos, mas os necessarios para sustentar toda a exportação dos vinhos do Porto.

Houve, a principio, hesitação, porque não estavam seleccionadas as castas adaptadas aos differentes terrenos; mas quando as experiencias evidenciaram bom resultado, quando se começou a manifestar a confiança nas cepas americanas, aquellas mãos poderosas, aquelles homens, deram uma prova unica de força, de decisão, de energia. Nunca os vi bater á porta do Terreiro do Paço pedindo protecção e, dia a dia, arroteando as terras e regando-as com o suor do seu rosto, transformaram o Douro, que estava quasi abandonado de vinhos, em uma região de relativa riqueza. (Apoiados},

E isto aconteceu em uma região onde a plantação de 1:000 videiras custa 200, 400 e por vezes 600$000 réis. (Apoiadas).

Sr. Presidente: Emquanto se manteve o agio do ouro que foi maximo em 1898, o Douro ainda resistiu. Não conseguiu preços remuneradores para os productos da sua lavoura, mas conseguiu preços que, até certo ponto, compensavam os seus sacrificios.

O agio do ouro foi de 50, 60, 70 e chegou a 86 por cento, o que facilitava aos compradores augmentar os preços do vinho, que lá fora em ouro lhes pagavam.

Não foram preços que fizessem a riqueza do Douro.

Eram preços que afastavam da miseria. (Apoiados).

Mais uma outra calamidade procurou de novo a região duriense. Consistiu em que a maior parte dos seus vinhos, que fizeram a justificada fama de serem os vinhos generosos melhores do mundo, se vendem a 12$000 e a l5$000 réis a pipa para as tabernas, reduzindo todo aquelle povo á miseria, uma população alegre mergulhada em profunda tristeza!

Os habitantes da região duriense debatem-se nas difficuldades de uma horrorosa crise, em que se denuncia, não já a falta de meios para viver com grandeza, mas a do pão para a maior parte d'elles.

A fatalidade de tão temerosa crise collocou-os entre a emigração, o abandono da patria ou n'ella morrer de fome. (Apoiados}.

Não é esta a occasião de falar em possiveis perturbações da ordem publica. Nós estamos todos da melhor boa vontade a cooperar na solução de um problema que interessa aquellas regiões, o que excluo do debate quaesquer palavras que possam ser consideradas como de coacção sobre os poderes publicos. (Apoiados do Sr. Ministro das Obras Publicas).

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Só digo - e aqui dentro ha quem possa confirmar as minhas palavras, - é que todos os que na região duriense teem influencia, d'ella se teem servido para afastar perturbações de ordem publica que, se infelizmente chegassem a dar-se, trariam para a historia do nosso paiz uma pagina bem lugubre. Desenganem-se: o Douro não fez nem faz ameaças; mas, se levado pela fome se lançasse em um caminho de desordem, as consequencias seriam bem tristes.

Na resolução do problema, que interessa aquella questão, como digo, Sr. Presidente, se encontram muitos homens publicos, que não passam por commungar nas ideias do Governo, e que teem empenhado toda a sua influencia para afastarem do Douro gravissimas perturbações.

Não é uma região constituida por dois ou tres concelhos, tendo por isso pequena importancia: é uma região valiosissima constituida por vinte concelhos, em que já pelo censo de 1890 havia uma população de 289:272 habitantes, que do Douro se alimentavam, que n'elle encontravam meios para a sua subsistencia.

Muitos povos fora da região duriense ali vão procurar trabalho e os meios necessarios para proverem ás necessidades da vida.

Sr. Presidente.: sendo assim, justo é perguntar como os Governos se teem conduzido em frente d'esta grande calamidade.

Quando a phylloxera destruiu os vinhedos do Douro, veio a lei de 12 de março de 1884 consentir na cultura do tabaco. Os terrenos do Douro, de encosta e sêcos, não produziam tabaco em condições da sua cultura ser lucrativa. Os valles ou terrenos fundos do Douro foram replantados de vinha. A cultura do tabaco saiu propriamente do Douro, subiu para os lameiros da parte alta da região, sem que a sua cultura possa ter qualquer influencia no sentido de attenuar as difficuldades economicas da propriamente região duriense.

O decreto de 14 de junho de 1901, estabelecendo o premio de 1$000 réis por cada pipa de vinho exportado pela mesma barra do Douro, acima de 19°; a abolição do imposto de exportação de 0,5 de real por cada litro de vinho exportado pela mesma barra, abolição que teve logar por lei de receita e despesa para o exercicio de 1904-1905, medidas que tinham em vista fomentar a exportação, trouxeram ao Thesouro sacrificios grandes, de mais de 60 contos de réis em cada anno, mas não tiveram sensivel influencia na situação.

Estas duas medidas foram adoptadas pelo Governo regenerador que, ainda com o fim de modificar a situação economica do Douro, dando trabalho, promoveu a construcção do caminho de ferro da Regua a Chaves, de Mirandella a Bragança, de Focinho á fronteira, a construcção das pontes sobre o Douro, no Pocinho e no Pinhão, a ponte sobre o Rio Pinhão, e bastantes trabalhos publicos, embora de somenos importancia.

Eu mesmo, gerindo a pasta da Fazenda em maio de 1906, reconhecendo as precarias circumstancias do Douro, deixei um despacho de execução permanente, suspendendo na região duriense as execuções por dividas á Fazenda, limitando-se tudo á cobrança voluntariamente, sem relaxe nem juros de mora, mas sem violencias de qualquer ordem ou execução.

O actual Governo suspendeu a cobrança do real d'agua pelos vinhos do Douro que entrassem no Porto, desde a data do decreto de 15 de julho até a abertura das Côrtes em 29 de setembro. Foi um sacrificio feito pelo Thesouro, mas inteiramente perdido para o Douro. Não faço mais largos commentarios a esta providencia pela consideração que merece a intenção como foi decretada.

Fundamentalmente a questão ficou. Só podia ser resolvida pela garantia de que, como vinho do Douro, não sairia vinho de outra procedencia.

Modificaram-se, de momento, as circumstancias d'aquella região, mas fundamentalmente necessitava-se de garantir que, como vinho do Porto, só sendo exportado o vinho da região do Douro, que a essa região era dado o que de direito lhe pertencia: que com o seu nome só o seu vinho saisse para os mercados estrangeiros.

Podia seguir-se um de dois systemas: ou estabelecer-se para os vinhos generosos do Douro o exclusivo da barra do Porto, ou exercitar-se um regime de marcas. Fui eu quem primeiro se pronunciou no sentido de dar ao vinho do Douro o exclusivo da barra do Porto. Fui eu que assim procedi, apresentando na sessão de 9 de fevereiro de 1906 um projecto de lei, porque não acreditava absolutamente nada na efficacia de quaesquer providencias que se tomassem com relação ao regimen de marcas. E não acreditava: primeiro, pela impossibilidade de acompanhar as mercadorias por meio de fiscalização; segundo, pela absoluta inutilidade de uma marca, desde que ella se não pode appor na propria mercadoria; terceiro, porque tinha bem presente o ensinamento que me deu a marca de vinhos usada pelo Mercado Central de Productos Agricolas.

Até ha poucos annos o Mercado Central applicava a marca a determinados vinhos, cujos exportadores a solicitavam, com destino ao Brasil; mas, emquanto a collocação e venda dos vinhos luctavam ali com difficuldades, a venda dos cascos era feita com uma grande facilidade. Porque? Porque os cascos eram devolvidos, não para Portugal, de onde os exportavam, mas para Espanha, de onde partiam as imitações dos nossos vinhos.

As marcas somente serviriam para authenticar a fraude. Quebrei o silencio parlamentar que se fazia em volta da temerosa crise que vem assolando o Douro, sustentando o exclusivo da barra do Porto para os seus vinhos generosos, revogando-se para isso a lei de 7 de dezembro de 1865, que abriu essa barra á exportação de todos os vinhos produzidos em territorio portuguez.

E que singular semelhança ha hoje com o que então se passava e defendia no Douro!

Em 1864 debatia-se a formidavel questão da liberdade do commercio, contra a qual o Douro lutava, como que antevendo a desgraça que mais tarde havia de feril-o. Veio como esta ao Parlamento, mas antes da resolução foi o seu estudo commettido a uma com-missão, evidentemente de inquerito parlamentar, porque assim fôra deliberado pela camara dos Senhores Deputados em 29 de julho de 1861, a qual foi criada pelo Governo em Villa Real. Em 9 de março de 1864 desembaraçou-se a commissão da difficil tarefa que lhe foi confiada, expondo o seu trabalho em um brilhante relatorio, que agora revive pela minha mão, e e que os meus conterraneos deviam fazer reimprimir em letras, de ouro.

Não o conhecem? Tenho-o aqui commigo, e sinto-me cornmovido ao invocal-o e, sobretudo, aos nomes que o subscreveram. Antes de referir as conclusões do relatorio, que teem, como mostrarei, uma singular actualidade, eu desejo referir alguns documentos que o acompanham e que provam que em todos os tempos houve necessidade de lutar contra os que praticavam a fraude de exportar vinhos como do Douro, mas produzidos fora da região duriense.

Ahi por 1727 oslnglezes estabeleceram no Porto uma sociedade denominada Feitoria, que mopolizava o commercio de vinhos do Douro. O mercado alargou-se, o vinho encarecia, e então veio o descredito resultante da fraude e o decrescimento da exportação. Em setembro de 1754 os commissarios inglezes residentes na cidade do Porto escreveram aos seus commissarios no Douro, expressando-se nos termos que vou referir:

"O deploravel estado a que se tem reduzido o negocio dos vinhos do Douro, Dosto já em uma tal situação, que está

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dando apparencias de uma total ruina, nos faz abrir os olhos para não dispensar qualquer meio de o reduzir ao seu antigo ser: a sua exportação foi grande; mas ao presente se acha tão abatida, que quaesquer vinhos dos mais reinos, e ainda as bebidas de toda a qualidade lhes levam a preferencia. E para se conhecer esta verdade basta a reflexão, de que tendo crescido a gente em Inglaterra, razão infallivel de se augmen-tar o consumo, vae lentamente diminuindo a saida, que já hoje não chega a dois terços; e assim se irá precipitando até cair de todo, para mais se não poder levantar.

Este contagio está igualmente communicado aos commerciantes e criadores; e por isso todos unidos devem concorrer para o remedio e applicá-lo a tempo, que possa produzir o desejado fructo; que consiste em se desvanecer o conceito que em Inglaterra se faz de que os vinhos do Porto são perniciosos á saude, e vão chegando a um extremo que muitos os reputam já por venenosos. E como o achaque de serem assim tão mal avaliados é notoriamente conhecido e bem patente, e sabida a sua origem, é tambem facilissima a cura, se os creadores lh'a quizerem applicar.

Primeiramente, a ambição do lucro ou o desenvolvimento de terem grandes lojas conduz muitos a trazerem vinhos dos altos, e outros inferiores de ruins sitios, ou proprios ou comprados, que apenas podem servir para o ramo, e os lotam, com os da feitoria; e como o mau sempre prevalece, vem todo esse vinho a reduzir-se a um estado pessimo".

Como se vê, no dizer dos commissarios ingleses, os criadores ou lavradores eram os responsaveis do decrescimento da exportação, porque não defendiam os vinhos de boa qualidade.

A resposta não se fez demorar. É eloquente, e eu tenho pena de a exiguidade do tempo me não permittir lê-la inteira. Vejam bem. Parece escripta hontem, tão apropriada é á situação actual, que não parece escripta ha seculo e meio.

"Senhores britannicos: os mercadores do Porto (falamos de alguns e exceptuamos, mui poucos) - diziam era resposta os commissarios veteranos do Douro - não procuram os vinhos para negocio de vossas mercês; mas para o seu proprio, não para conservação da saude do norte, mas para regularem as suas vidas ricas em Portugal. Conhecem a grande estimação e preferencia que nas terras do norte teem os vinhos do Douro, e que por taes reputam todos os que saem pela barra do Porto; mas como nem todos são do Douro, mas de varias provindas, como Serra da Estrella, Anadia, Coimbra, etc., que por si não podem passar para negocio, nem competir na qualidade com o vinho do Douro, faz em carregar a este de dobrados espiritos (côr, doçura e mais accidentes), sendo tal a sua substancia, que com tudo pode, e lhe dão a graduação de vinho de cobrir; porque com uma pipa cobrem oito e dez de vinho menos bom e generoso, que compram em ruins sitios, e por isso, ainda que paguem por 40$000 réis cada pipa de feitoria do Douro, como compram as dos mais sitios, por 7$000, 8$000, até l0$000 réis, fazem uma tal lotação que ainda quando alguns se obrigam aos senhores do norte a pôr a bordo a pipa de vinho a sete e oito moedas, lucram mais de cento por cento, e vossas mercês perdem o vinho todo pelos effeitos subsequentes, que a Feitoria nos noticia na sua carta, vindo esta a ser de Urias, que os entrega ao sacrificio".

Assim se expressavam, em setembro de 1754, os commissarios veteranos no Douro. Digam-me em consciencia se agora, que o Governo, pelo projecto que se discute, pretende introduzir em Gaia mais 25:000 a 30:000 pipas de vinho de diversos logares do sul do paiz, o Governo não justificaria a reedição da carta dos commiãsarios do Douro escripta ha seculo e meio. (Apoiados).

Tal era a situação quando, em 1756, Sebastião José de Carvallho, o grande Ministro de D. José I, fez para o vinho do Douro uma lei de excepção: a demarcação, arrolamento, as provas, os cortes, as guias, o exclusivo da barra do Porto, entregando á Companhia Geral da Agricultura do Alto Douro o encargo de combater e destruir o monopolio que a Feitoria ingleza fazia dos vinhos do Porto.

Contra a fraude, que arruinara o Douro, foi decretado o exclusivo da barra do Porto.

Foi benefico em resultados? Responde o relatorio da commissão, que venho apreciando:

"Desde as providencias decretadas pelo habil Ministro de El-Rei D. José, a industria e o commercio do vinho do Porto, então em ruina, mudaram absolutamente de face. O mimoso producto recuperou o antigo e perdido credito e valor, a exportação cresceu, e nunca mais o Douro e a praça do Porto conheceram crises ou abalos n'esta segunda epoca, que comprehende o longo periodo de 78 annos, até 1834; e como resultado necessario, a agricultura aumentou as suas plantações.

A despeito do total descredito em que vimos se achava em 1756 o vinho do Douro em Inglaterra, e alem da cepa de vinha de outras procedencias com que elle era misturado, circumstancias que devem ter se em vista para bem se avaliar a differença, o mappa respectivo nos mostra exportadas em cada anno, logo no quinquennio seguinte a 1757, 6:182 pipas, termo medio, a maior do antecedente. Ainda mais: com excepção somente de dois quinquennios, entre quinze completos que encerra esta epoca, a exportação subiu em todos consideravelmente, e nunca em alguns d'elles baixou de cerca de 21:000 pipas, quantidade a que jamais attingira em nenhum dos da maior prosperidade da epoca anterior.

O preço do vinho correspondeu ao aumento da exportação. Alem da tradição constante, o insuspeito Croft nos refere que a circular da Feitoria serviu de pretexto para estabelecer o monopolio da companhia... que custou... á Inglaterra o dobro do valor por que comprava d'antes o vinho, e mais adeante: que... uma pipa de vinho tinto custando 2 até 3 libras, passou immediatamente, pela formação da companhia, a custar 8 para 10 libras".

Foram estes e outros factos invocados pela commissão do Douro em 1864 para defenderem um regimen de excepção para os seus vinhos; e com uma eloquencia e verdade que maravilham, os signatarios do parecer, repellindo a fraude, o roubo que se faz aos direitos da região duriense, diziam:

"Increpaes o Douro porque, sobre o privilegio que lhe deu a natureza, ainda quer outro mantido pela lei (o exclusivo da barra do Porto); porque quer protecção para vender o seu vinho? Enganaes-vos. O Douro não precisa, não quer, não pede protecção para vender bem o seu vinho: o que precisa e o que quer dos poderes do Estado, é que obstem a que esse privilegio que lhe deu a Providencia lhe não seja roubada pela fraude. O Douro, continua o relatorio, não teme a concorrencia dos melhores vinhos do mundo: o que teme é a falsificação: é este o ponto capital do nosso debate".

Como as duas epocas se parecem!

O brilhante relatorio, que os durienses deviam fazer reimprimir em letras de ouro, acrescentava:

"Vão todos os vinhos com os do Douro a todos os mercados. O Douro não se inquieta nem pensa n'isso, mas vão com os seus proprios nomes e qualidades, e não com o nome roubado de vinho do Douro, e tão apropriado na qualidade e procedencia, que não é possivel descriminá-las.

É o que eu digo e sustento: deixem ao Douro o que do Douro é. A usur-

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pação do seu nome é um erro economico e um delicio que as leis penaes castigam. (Apoiados).

Sr. Presidente: tendo usado da auctoridade do parecer que venho referindo para defender a causa do Douro, permitta-me V. Exa. que eu cumpra o gratissimo dever de prestar sentida homenagem á memoria dos signatarios de tão notavel documento, que pude desenterrar do archivo da Camara dos Senhores Deputados.

Para mim, que amo a minha terra com louca paixão; para mim, que na região do Douro em cada logar, em cada quinta, em cada caminho, em cada um dos alcantilados montes eu tenho motivo para uma recordação inolvidavel; para mim, que tenho no Douro aquelles a quem devo tudo, desde a existencia no mundo até a minha situação politica, é-me singularmente grato depor uma coroa de saudade no tumulo dos signatarios do parecer de 1864, que, infelizmente, todos foram já prostrados pela morte implacavel. (Apoiados).

Foram elles: Luiz de Bessa Correia, Antonio Tiburcio Pinto Carneiro, Joaquim José de Oliveira Guimarães, Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro, Antonio Felisberto da Silva Cunha Leite, José Borges de Carvalho e Vasconcellos, Antonio Gomes Carneiro, F. José Vaz de Lemos Seixas Castello Branco, Pedro Guedes Correia de Sequeira Pinto, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Caetano de Mello e Sampaio, Antonio de Mello Vaz de Sampaio, João Clemente de Carvalho Saavedra, Antonio José Teixeira, Antonio Pinto de Queiroz Leite, Julio Cesar de Sousa, Monteiro da Veiga, etc.

Os meus conterraneos n'esta Camara poderão attestar a respeitabilidade de todos, entre os quaes se encontram representantes das familias mais illustres de Trás-os Montes, homens de superior talento e politicos de grande nomeada. (Apoiados).

Se me é permittido, distingo na minha homenagem Luiz de Bessa Correia, o mais notavel jurisconsulto do seu tempo no norte do paiz, Pinto Carneiro, o mais notavel governador civil da sua epoca, quando havia governadores civis, verdadeiros magistrados administrativos.

Foram, durante muitos annos, a grande força dirigente do partido regenerador no districto de Villa Real, que elevaram á situação mais brilhante em tantas batalhas feridas, de que sempre saiu com a victoria. (Apoiados).

Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro, em cujas veias refervia o sangue irriquieto do Barão da Ribeira de Sabrosa, foi uma gloria do partido historico em Villa Real, cuja bandeira hasteou sempre com fidalguia. (Apoiados).

Aqui lhes deixo rendido o meu preito:

Todos os signatarios do relatorio de 9 de março de 1864 morreram, mas revive agora a sua obra, com uma singular actualidade. (Apoiados).

Tenho a maior satisfação por me encontrar em concordancia de ideias com tantos homens que honraram a provincia em que nasci.

Como a hora deu, peço a V. Exa. que reserve a palavra para a sessão immediata, para proseguir no meu discurso.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado por todos os Dignos Pares presentes e pelo Sr. Ministro das Obras Publicas).

O Sr. Presidente: - Consulto a Camara sobre se permitte que as representações apresentadas pelo Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, sejam publicadas no Diario do Governo.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão com a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 2 de abril de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles; Condes: de Arnoso, do Cartaxo, de Paraty, de Villa Real; Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Arthur Rintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Gama Barros, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, José Dias Ferreira, Moraes Sarmento, José de Alpoim, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão e Pedro de Araujo.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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